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O conceito de cultura que utilizamos como aporte é do antropólogo norte-americano Clifford James Geertz (1926-2006), o qual considera o homem como um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu e assume a cultura como sendo essas teias e a sua análise, portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado (GEERTZ, 1989, p. 15). A cultura e sua teia de

significados demonstra ser fator determinante na vida do homem, também determinante, portanto, para o entendimento do mesmo e suas relações. É aquele que a entende como um processo que se estabelece como um conjunto de sistemas ou códigos de significados que dão sentido às nossas ações e práticas sociais.

Na definição de Geertz (1989), a cultura é uma “teia de significados” tecida pelo homem a partir de suas “interações sociais”, configurando fenômenos que se estabelecem pelas escolhas dos humanos, realizadas com base nos significados que eles próprios determinam ao lidarem com a natureza, com o meio social e consigo mesmo (QUEIROZ, 2005, p. 52). Assim, poderemos entender o homem em suas relações com o contexto e os seus significados dentro da sua cultura. Não poderemos entender uma cultura, sem entender os processos e transmissão da cultura naquele espaço, como eles aprendem, e que os processos de transmissão musical são determinantes. O papel de quem pesquisa é de somente interpretar. Cada cultura é parte do seu estado são nelas que conceitos e comportamentos são aprendidos.

O processo de transmissão permite o entendimento que existem várias possibilidades de vivências musicais em uma única cultura. Por isso desvincular conhecimento da cultura não condiz com a dialogicidade educacional, pois existe uma gama de informações existentes nos diferentes contextos que se relacionam em todos os momentos da vida. Com isso, os diferentes mundos musicais e os distintos processos de transmissão de música em cada sociedade nos fazem perceber que a educação musical está diante de uma pluralidade de contextos, que têm múltiplos universos simbólicos. Dessa maneira, somente criando estratégias plurais e entendendo a música como algo que tem valor em si mesmo, mas que também traz outros sentidos e significados poderemos pensar num verdadeiro diálogo entre educação musical e cultura (QUEIROZ, 2004, p. 103).

A nossa convivência gera cultura, pois uma sociedade só existe com a cultura e a cultura só existe na sociedade. Nesse sentido,

Compreender a cultura, como aspecto fundamental para o entendimento do próprio homem, tem sido nos últimos dois séculos um dos principais anseios dos antropólogos e de estudiosos de diversos campos do conhecimento que buscam entender o ser humano em suas diversificadas relações sociais (QUEIROZ, 2005, p. 51).

Sobre a Antropologia, ciência que nasceu sob influência epistemológica do positivismo e evolucionismo em fins do século XIX, foi, por força de novos procedimentos interpretativos de seus próprios dados de pesquisa, construindo outro referencial teórico. Nessa construção, dois conceitos contribuíram para toda uma revisão epistemológica nas

ciências sociais. Trata-se dos conceitos de relativização dos processos e produtos culturais e de cultura. Relativização implica que os processos e os produtos culturais só podem ser compreendidos se considerados no seu contexto de produção sociocultural; o conceito de cultura encontra no entendimento de Cliffort Geertz uma interpretação que tem influenciado muitos estudiosos, isto é, cultura entendida como uma teia de significados que conferem sentido à existência humana (GEERTZ, 1989). Vivemos em uma teia de relações onde tudo está interligado, isso é viver em comunidade. Nesse sentido, a música na igreja evangélica é feita e realizada em um grupo social que traz diálogos e cria relações.

Sobretudo pelos estudos de Geertz ficou evidente que a “teia de significados” tecida pelos humanos, a cultura, na qual eles estão amarrados, só pode ser compreendida pela “interpretação” dos conceitos e comportamentos aprendidos socialmente. Ou seja, a cultura se dá nos “significados” das ações humanas e não nas ações propriamente ditas. Portanto, qualquer processo de assimilação e de transformação da cultura se estabelece a partir de bases históricas cumulativas, e só a compreensão dessas bases permite interpretar uma situação, uma prática, um comportamento, um conceito (QUEIROZ, 2013, p. 98).

Existem também conceitos de relativização e cultura, tomo como exemplo o objeto de estudo da Etnomusicologia ou Antropologia da Música, isto é, "a música como cultura" (MERRIAN, 1964). A música faz parte da cultura de um povo, ela é um elemento fundamental na construção cultural dos povos que produzem e criam os seus sons de acordo com seus costumes, crenças e finalidades. Por isso, a diversidade de sonoridades existentes e compartilhadas é enorme.

Por tal razão, os etnomusicólogos têm grande interesse no entendimento das formas utilizadas em uma determinada cultura para a transmissão dos conhecimentos e habilidades relacionados à música, haja vista que “uma das coisas que determina o curso da história em uma cultura musical é o método de transmissão” (NETTL, 1997, p. 8 apud QUEIROZ, 2010, p. 115).

Bruno Nettl nos abre horizontes de investigação quando frisa que, “desde que se estabeleceu um ramo da etnomusicologia dedicada, especificamente aos estudos urbanos, a compreensão dos processos de urbanização e sua relação com a música tem sido uma de suas questões centrais” (NETTL, 1992, p. 128). Na sua argumentação, o interesse repousa nos fenômenos urbanos que transformaram cidades, originalmente centros de culturas específicas e bem delineadas, em espaços multiculturais, ao mesmo tempo em que se estabeleceram centros urbanos, caracteristicamente, multiculturais por origem.

Estudos da etnomusicologia vêm, ao longo do tempo, demonstrando a importância da compreensão de aspectos caracterizadores da transmissão de música em uma determinada cultura para o entendimento das bases do sistema musical dessa cultura. Nettl enfatiza essa ideia, fazendo referência:

O etnomusicólogo, ao trabalhar com um determinado tipo (gênero/estilo) de música, vê-se diante da necessidade de compreender de que forma os saberes musicais relacionados ao fenômeno abordado são valorados, selecionados e transmitidos culturalmente. Tal fato está conectado com a perspectiva expressa em uma conhecida frase do etnomusicólogo Bruno Nettl, na qual afirma que “o modo pelo qual uma sociedade ensina sua musica é um fator de grande importância para o entendimento daquela música” (NETTL, 1992, p. 3 apud QUEIROZ, 2010, p.115).

Entre as muitas formas de expressão humana que constituem a cultura, a música ocupa lugar de destaque. Como prática social, a música agrega em sua constituição aspectos que transcendem suas dimensões estruturais e estéticas, se caracterizando, sobretudo, como um complexo sistema cultural que congrega elementos estabelecidos e compartilhados pelos seus praticantes, de forma individual e/ou coletivamente.

De tal maneira, a forte e determinante relação com a cultura estabelece para a música, dentro de cada contexto social, um importante espaço com características simbólicas, usos e funções que a particularizam de acordo com as especificidades do universo que a rodeia (BLACKING, 1973; MERRIAM, 1964; NETTL, 1992; QUEIROZ, 2004; 2005; 2010; 2011). Conforme tenho apontado em outros trabalhos (QUEIROZ, 2004; 2005; 2010; 2011), a música como expressão cultural é um veículo universal de comunicação, haja vista que todas as sociedades realizam práticas musicais como meio de contato, apreensão, expressão e representação de aspectos simbólicos da cultura (QUEIROZ, 2013, p. 100).

Todavia, se a manifestação da música é uma realidade universal, suas formas de organização não seguem essa característica, tendo em vista que cada cultura tem formas particulares de elaborar, transmitir e compreender a sua própria música, (des)organizando, idiossincraticamente, os elementos que a constituem (QUEIROZ, 2004, p. 101).

Nas culturas de tradição oral, o conteúdo ensinado e as formas utilizadas para o ensino podem ser estabelecidos tanto por situações e processos sistemáticos quanto por estratégias “aleatórias” de transmissão musical. Estratégias que ocorrem mais em função da dinâmica social do contexto da manifestação do que por uma situação e intenção de ensino e aprendizagem previamente estabelecidas (QUEIROZ, 2010, p. 128-129).

Na etnomusicologia, compreender as características da transmissão da música em um contexto é fundamental para entender a forma da música desse contexto, como Nettel enfatiza, citado por Queiroz: “eu acredito que o modo pelo qual uma sociedade ensina sua musica é um fator de enorme importância para o entendimento daquela música” (NETTL 1992, p. 3 apud QUEIROZ, 2005, p. 124).

Pois não são as músicas que compõem um repertório e nem os padrões estéticos que as caracterizam que desencadeiam processos de conhecimento e de (trans)formação da cultura musical, mas sim os significados que essas músicas estabelecem na vida dos sujeitos que constituem o contexto escolar (QUEIROZ, 2013, p. 98).

Na transmissão não apenas se aprende os conteúdos, pois pensar em um diálogo que reflete o indivíduo em seu meio social, cultural e escolar, faz com que o processo de transmissão atenda a todas as exigências que a educação significativa proporciona, dando ao indivíduo ferramentas que o ajude a (re)construir seus conceitos, (re)adaptando-os à sua realidade.

Em outra obra, segundo a mesma perspectiva, Nettl (1997) destaca a transmissão musical como aspecto determinante dos caminhos que consolidam a música como manifestação cultural. Nas palavras do autor, “uma das coisas que determina o curso da história de uma cultura musical é o método de transmissão” (NETTL, 1997, p. 8, tradução minha). Para Nettl (1983), na maior parte das culturas, a música é transmitida de forma oral e aural. O conceito de “aural” é entendido aqui como algo vinculado a uma percepção global do indivíduo, no que se refere à apreensão e à assimilação dos elementos musicais transmitidos (QUEIROZ, 2005, p. 125).

Dessa forma, as estratégias de transmissão de conhecimentos de uma cultura e os lugares sociais em que essas estratégias são efetivadas são fundamentais para os rumos e a (re)construção de uma cultura.

Portanto, os lugares, processos, situações e estratégias diversas de transmissão de saberes, entre eles os musicais, nos permitem interpretar uma cultura, compreender os aspectos fundamentais do que ela é e, mais que isso, ressignificá-la periodicamente (QUEIROZ, 2013, p. 99).

No campo da música, essa perspectiva foi amplamente enfatizada pelo etnomusicólogo Bruno Nettl, quando afirma que “[...] uma das coisas que determina o curso da história em uma cultura musical é o método de transmissão” (NETTL, 1997, p. 8, tradução minha) (QUEIROZ, 2013, p.98). A conjuntura desses diferentes lugares de transmissão de

saberes constroem os pilares da música como expressão humana e cultural, o que atribui a cada um deles distintos papéis sociais no processo de formação musical do indivíduo. “O modo pelo qual uma sociedade ensina sua música é um fator de grande importância para o entendimento daquela música” (NETTL, 1992, p. 3). Assim,

não se pode estabelecer uma hierarquia valorativa entre dos diferentes espaços de educação musical, pois cada um deles possui seus próprios parâmetros de complexidade, suas formas singulares de organização e suas nuances nas estratégias de transmissão de conhecimentos (QUEIROZ, 2013, p. 96).

Dessa forma, a música como expressão da cultura cria mundos diversificados, estabelecidos como redes de interações construídas socialmente de acordo com as nuances de cada contexto cultural. Esses mundos são singulares, mas se encontram e interagem dentro de um mesmo território de uma mesma sociedade e/ou até mesmo dentro de um mesmo grupo. Portanto são territórios demarcados pelas fronteiras da aprendizagem, pelos conceitos e comportamentos transmitidos contextualmente, e não por linhas geográficas de uma escola, de uma rua, de uma cidade, de um estado, de um país etc. (QUEIROZ, 2013, p.100). Segundo Merriam (1964), a etnomusicologia é o estudo da música como cultura. Dessa forma, a educação musical deve ensinar a música como cultura e não apenas como uma técnica ou estética. Nessa perspectiva, Queiroz observa:

[...] podemos conceber Educação Musical como um universo de formação de valores que deve não somente se relacionar com a cultura, mas, sobretudo, compor a sua caracterização, ou seja, desenvolver um ensino da música como cultura (QUEIROZ, 2004, p. 100).

Assim, a educação musical deve agregar as pessoas e considerar as diferenças nos diversos contextos, sejam eles formais ou não formais. Nesse sentindo, concordamos que “o reconhecimento da diversidade nos fez perceber que não existe uma única música e/ou sistema musical, e que, portanto, não podemos ter uma educação musical restritiva e unilateral” (QUEIROZ, 2005, p. 60). Discutindo a diversidade das manifestações musicais e a pluralidade das formas de transmissão, Queiroz (2011) observa que antes as diferentes manifestações musicais, nos diversos contextos, a educação musical não pode ser única. Ou seja, ser restritiva ou unilateral. A educação musical deve agregar as pessoas e considerar as diferenças nos diversos contextos. Queiroz afirma que,

[...] assim, é possível pensar num ensino da música democrático e inclusivo, que respeite a diferença, não para utilizá-la como base para a formação de iguais, mas principalmente para, por meio dela, construir saberes contextualizados com o universo particular de cada indivíduo e de cada grupo social (QUEIROZ, 2011, p. 22).

A análise musical ganha dimensões mais profundas a partir do momento em que o foco também é dado àquele que cria o som e em seu contexto sociocultural. É essencial entender, conforme defende Merriam (1964) que a Etnomusicologia é uma área que estuda, inicialmente, a música na cultura, para posteriormente ser ampliada para o estudo da música como cultura, sendo assim, como bem completa Queiroz (2004, p. 100) "a música é, ao mesmo tempo, determinada pela cultura e determinante desta". Assim, para produzir música de maneira intencional, construindo "significações na sua relação com o mundo" (PENNA, 2012, p. 20), precisamos compreendê-la em sua totalidade.

Através da concepção de música não apenas como fenômeno de expressão artística, "mas, principalmente, como manifestação representativa de sistemas culturais determinantes do que o homem percebe, pensa, gosta, ouve, sente e faz" poderemos articular ações pedagógicas "abrangentes e contextualizadas com a complexidade e a variedade do fenômeno musical". Nesse contexto, "a música transcende os aspectos estruturais e estéticos se configurando como um sistema estabelecido a partir do que a própria sociedade que a realiza elege como essencial e significativo para o seu uso e a sua função no contexto que ocupa" (QUEIROZ, 2005, p. 50).

A música como fenômeno cultural constitui uma das mais ricas e significativas expressões do homem, sendo produto das vivências, das crenças, dos valores e dos significados que permeiam sua vida. A etnomusicologia tem ampliado as perspectivas do estudo da música, apontando para a necessidade de compreendermos essa expressão na cultura e, também, como cultura (MERRIAM, 1964). (QUEIROZ, 2005, 52).

A forte e determinante relação com a cultura estabelece para a música, dentro de cada contexto que ela ocupa, um importante espaço com características simbólicas, usos e funções que a particularizam de acordo com as especificidades do universo sociocultural que a rodeia (BLACKING, 1995; NETTL, 1982; MERRIAM, 1964). No entanto, o fato de ser utilizada universalmente não faz da prática musical uma “linguagem universal”, tendo em vista que cada cultura tem formas particulares de elaborar, transmitir e compreender a sua própria música, (des)organizando, idiossincraticamente, os aspectos que a constituem (QUEIROZ, 2004, p. 101).

Dessa forma, a música como cultura cria mundos diversificados, mundos musicais que se estabelecem não como universos e territórios diferenciados

pelas linhas geográficas, mas como mundos distintos dentro de um mesmo território, de uma mesma sociedade e/ou até dentro de um mesmo grupo (QUEIROZ, 2005, p. 53).

Pensar a música como expressão humana contextualizada social e culturalmente é fator fundamental para estabelecermos ações educativas que possam ter consequências relevantes na sociedade e na vida das pessoas que constituem o universo educacional, tendo em vista que cada meio determina aquilo que é ou não importante e o que pode ou não ser entendido e aceito como música. Esse fato atribui importância fundamental ao universo sobre o qual se caracteriza uma expressão musical, considerando que o fenômeno sonoro só se tornará musica se o contexto que o pratica aceitá-lo como tal (MERRIAM, 1964, p. 66). “A música como cultura é definida a partir de suas inter-relações sociais, sendo também definidora de aspectos importantes para a caracterização indenitária de uma determinada sociedade” (QUEIROZ, 2005, p. 55).

A música, importante meio de expressão e de comunicação humana, destaca- se como fator determinante para a constituição de singularidades que dão forma e sentido a práticas culturais dos mais variados contextos. As performances musicais, em suas múltiplas expressões, representam fenômenos significativos nas configurações de distintos grupos e/ou contextos étnicos, estando presente em manifestações diversas dos indivíduos em sua vida cotidiana. (QUEIROZ, 2005, p. 51).

A literatura atual da educação musical e da etnomusicologia evidencia que há uma conjuntura de elementos no âmbito das práticas musicais que interessam de forma equânime às duas áreas de conhecimento (QUEIROZ, 2010, p.117).

Os diferentes mundos musicais e os distintos processos de transmissão de música em cada sociedade nos fazem perceber que a educação musical está diante de uma pluralidade de contextos, que têm múltiplos universos simbólicos. Dessa maneira, somente criando estratégias plurais e entendendo a música como algo que tem valor em si mesmo, mas que também nos traz outros sentidos e significados, podemos pensar num verdadeiro diálogo entre educação musical e cultura (QUEIROZ, 2004, p.106).

Nessa mesma direção, questões levantadas por importantes estudiosos da educação musical e da etnomusicologia têm retratado as inquietações acerca da natureza da expressão musical e das formas de transmissão dos seus saberes. O etnomusicólogo John Blacking (1995), no título de sua mais famosa obra, perguntou: quão musical é o homem? Blacking (1973, p. 4) enfatiza que a “pesquisa em etnomusicologia tem expandido nosso conhecimento acerca de diferentes sistemas musicais do mundo”. Com efeito, os resultados de suas

abordagens “tem o poder para criar uma revolução no mundo da música e da educação musical”. Em ambas as questões percebemos que a natureza do fazer musical, assim como as dimensões da música que podem e/ou devem ser ensinadas em cada sociedade, não podem ser consideradas “universais”, haja vista que encontram formas distintas em cada contexto em que acontecem (QUEIROZ, 2010, p. 117-118). “Estratégias que têm permitido a configuração de práticas educativas e musicais inter-relacionadas tanto a aspectos característicos de diversificadas culturas musicais quanto à dinâmica da transmissão dos seus saberes musicais” (QUEIROZ, 2010, p. 119). Green (2007), inclusive, pesquisa em seus trabalhos.