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Sobre a vivissecção de animais

O termo “vivissecção”, segundo o dicionário Aurélio, significa “Operação feita em animais vivos para estudo de fenômenos fisiológicos.”179

Segundo o dicionário Houaiss, a palavra “vivissecção” é definida como “qualquer operação feita em animal vivo com o objetivo de realizar estudo ou experimentação.”180

Também é possível conceituar “vivissecção” como o “ato de examinar internamente um ser enquanto ele ainda está propriamente vivo.”181

Para regulamentar tal prática, comum nas disciplinas dos cursos das áreas biológicas, foi promulgada a Lei 6.638/79, que estabelece normas para a prática didático-científica da vivissecção de animais.

179 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. op. cit. p.2071.

180 Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p.2876.

Tal procedimento, conforme o artigo 3º dessa Lei, não é permitido:

I - sem o emprego de anestesia;

Il - em centro de pesquisas os estudos não registrados em órgão competente;

Ill - sem a supervisão de técnico especializado;

IV - com animais que não tenham permanecido mais de quinze dias em biotérios legalmente autorizados;

V - em estabelecimentos de ensino de primeiro e segundo graus e em quaisquer locais freqüentados por menores de idade.

Dispõe ainda a Lei 6.638/79 em seu artigo 4º e parágrafos que os animais só poderão ser submetidos às intervenções recomendadas nos protocolos das experiências que constituem a pesquisa ou nos programas de aprendizado cirúrgico, quando, durante ou após a vivissecção, receber cuidados especiais, podendo se houver indicação ser sacrificado, desde que obedecidas as prescrições científicas (§ 1º, artigo 4º) e caso não sejam sacrificados os animais utilizados em experiências ou demonstrações somente poderão sair do biotério trinta dias após a intervenção, desde que destinados a pessoas ou entidades idôneas que por eles queiram responsabilizar-se (§ 2º, artigo 4º).

Preceitua o artigo 5º da Lei 6.638/79 que aqueles que infringirem as normas ali constantes estarão sujeitos às penalidades cominadas no art. 64, caput, do Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, no caso de ser a primeira infração (inciso I) e à interdição e cancelamento do registro do biotério ou do centro de pesquisa, no caso de reincidência (inciso.II).

Conforme já comentado, o artigo 64 “caput” do Decreto-lei 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais) foi revogado pelo artigo 32 da Lei 9.605/98.

Assim caso haja infração aos dispositivos da Lei 6.638/79, o infrator estará sujeito à sanção estabelecida no artigo 32, ou seja, pena de detenção de 3 (três)

meses a 1 (um) ano e multa, incorrendo nas mesmas penas aquele que realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos (artigo 32, § 1º da Lei 9.605/98).

Para Laerte Fernando Levai, embora a Lei 6.638/79 esboce uma suposta preocupação em estabelecer limites éticos à atividade experimental com animais, ela concedeu o aval para que os vivissectores continuassem a exercer livremente sua atividade cruel.182

Para o autor trata-se de:

Uma lei ineficaz, quase letra morta, tanto que não se tem notícia de jurisprudência alguma relacionada à sua aplicabilidade. E pensar que no Brasil, a cada dia, milhares de animais são martirizados em laboratórios, salas de aula ou centros de pesquisa, sem nenhum controle ético ou efetiva fiscalização pelas autoridades.183

O referido autor é totalmente contrário aos experimentos científicos realizados com animais. Ensina que embora homens e animais possuam semelhanças morfológicas, a realidade orgânica de cada um possui diferenças, tanto que alguns medicamentos testados em animais não geraram nenhum efeito prejudicial neles e causaram graves danos ao organismo humano, como o caso da talidomida:

A tragédia da talidomida, nos anos 60, demonstrou o malefício que pode advir da falsa segurança que a experimentação animal atribui a uma substância: 10.000 crianças nasceram com deformações congênitas nos membros, depois que suas mães – durante a gravidez - ingeriram tranqüilizantes feitos com esse produto, os quais tinham sido ministrados, sem problemas, em ratos durante três anos.184

Para ele, além de ser um método ineficaz, a experimentação animal, provoca angústia e dor incomensurável aos animais utilizados, como o teste do DL 50,

182 LEVAI, Laerte Fernando. op. cit. p.49. 183 Ibidem. p.49.

conhecido como “dose letal 50%”, que consiste na inoculação forçada de determinada substância no organismo do animal com o propósito de avaliar seus níveis de toxidade, podendo o produto ser liberado ao mercado consumidor caso metade dos animais sobreviva ao efeito da droga.185

Defende que a Lei 9.605/98 ao incriminar em seu artigo 32, § 1º, a experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos e científicos, quando existirem recursos alternativos, reconheceu a crueldade implícita na atividade experimental sobre animais, abrindo caminho para o abolicionismo das cobaias de laboratório.186

Também argumenta que é “imprescindível que o cientista saia da inércia acadêmica para trazer às universidades e aos centros de pesquisa alguns dos métodos alternativos já disponíveis e que poderiam perfeitamente ser adotados no Brasil, dispensando o uso de animais.”187

Para reforçar seu ponto de vista, elenca, a título exemplificativo, alguns recursos alternativos, entre eles: 1) sistemas biológicos “in vitro”; 2) cromatografia e espectrometria de massa (técnica que permite a identificação de compostos químicos e sua possível atuação no organismo, de modo não invasivo); 3) simulações computadorizadas (sistemas virtuais que podem ser usados no ensino das ciências biomédicas, substituindo o animal); 4) cultura de bactérias e protozoários (alternativas para testes cancerígenos e preparo de antibióticos), e outros.188

185 LEVAI, Laerte Fernando. op. cit. p.65. 186 Ibidem. p.65.

187 Ibidem. p.67. 188 Ibidem. p.67.

Cita algumas universidades brasileiras que vêm se empenhando na busca de alternativas à experimentação animal, como a Universidade de São Paulo, cujo curso de Medicina Veterinária e Zootecnia adota o método de Laskowski, que consiste no treinamento de técnica cirúrgica em animais que tiveram morte natural; a Universidade Federal do Estado de São Paulo que utiliza um rato de PVC nas aulas de microcirurgia e a Universidade de Brasília, onde o programa de farmacologia básica do sistema nervoso autônomo é feito por simulação computadorizada.189

Expõe ainda que a sedação ou anestesia nos animais não autoriza o experimento, pois muitas vezes após a experimentação eles são descartados. Nesse sentido, cita a lição do Prof. David DeGrazia, que ensina que mesmo que não haja sofrimento para um animal devidamente anestesiado que é submetido à experimentação, não podemos nos esquecer de que, no fim se ele for sacrificado, houve um enorme dano deste ser, uma vez que aquilo que ele tem de mais importante lhe foi suprimido.190

Finaliza Laerte Fernando Levai, afirmando que:

Insistir na experimentação animal é preservar um erro metodológico, cujo maior prejudicado será sempre o homem. Cabe à bioética a relevante missão de sopesar na balança da consciência os dilemas morais relacionados à vivissecção, sem deixar de ouvir o sufocado lamento dos oprimidos.191

Erika Bechara é mais tolerante sobre a questão de utilização de animais em experimentos científicos, pondera que embora os animais sejam submetidos à crueldade nesses experimentos, eles são necessários para a sobrevivência humana. Argumenta que enquanto não temos métodos alternativos, dependemos dos animais (“cobaias”) para que sejam descobertos e elaborados novos medicamentos e

189 LEVAI, Laerte Fernando. op. cit. p.68. 190 Ibidem. p.70.

produtos, bem como para que estudantes de Medicina e Veterinária sejam capacitados em seus cursos de graduação e pós-graduação e desenvolvam suas habilidades a partir de experiências práticas.192

Nesses casos não haveria violação ao preceito constitucional que veda a crueldade aos animais, porque tais práticas estariam sendo realizadas para a manutenção da vida humana.193 A referida autora ainda preceitua que:

Para o Diploma Máximo, a vida humana não deve ceder à vida animal, apesar de esta também encontrar proteção constitucional. É que se o sacrifício da vida animal for indispensável para a manutenção da vida humana – e no presente caso é essa a situação– sacrificada sua vida será. Ainda que com imenso pesar [...].194

Para ela deve-se aceitar o papel das cobaias animais nos ensinamentos científicos e na descoberta de medicamentos e demais produtos necessários à humanidade, punindo-se e coibindo-se os abusos.195

Entendo que os experimentos em animais só devem ser utilizados quando não existirem meios alternativos e a pesquisa for extremamente relevante para a sobrevivência humana, como por exemplo, as que visam a descoberta de cura para determinadas doenças.

192 BECHARA, Erika. op. cit. p.101-102.

193 Ibidem. p.102. 194 Ibidem. p.102. 195 Ibidem. p.102.