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CAPÍTULO II – LINGUAGEM E GÊNERO

2.1 Sociedade, discurso e gênero

O capitalismo, em seus moldes atuais, fez emergir novos processos sociais que resultaram em transformações culturais e econômicas (HARVEY, 2000). As relações sociais e econômicas alicerçadas em mecanismos de desencaixe do tempo e espaço marcaram o período contemporâneo, conhecido como modernidade tardia (GIDDENS, 1991). Norman Fairclough, um dos teóricos da Análise de Discurso Crítica – ADC, tem investigado as formas pelas quais o poder e a transformação social podem parcialmente ser construídos pelo discurso, visto que o discurso constitui e é constituído pelas práticas, atravessando o sistema de crenças.

A crítica, na perspectiva da ADC posiciona-se em favor de grupos que estão em desvantagem social. Segundo o autor, a crítica social difere das outras formas de ciência social uma vez que propõe mais do que descrever a realidade em seus sistemas, mas avaliar essa sociedade com o fim de promover o bem estar de seus membros (FAIRCLOUGH, 2003). Quando áreas ou aspectos particulares da vida social são focados, abre-se espaço tanto para a crítica como para a reflexividade21.

Para que a compreensão dos fenômenos sociais produza efeitos de bem estar e igualdade, a investigação que se busca por meio da crítica social deve incluir os modos pelos quais as práticas constroem uma ordem social e de que maneira pode-se chegar a uma                                                                                                                          

21 Reflexividade é uma elevada capacidade de usar o conhecimento sobre a vida social, para transformá-la

mudança. A crítica normativa, na perspectiva da ADC, avalia o padrão de valores de uma sociedade, identificando em que medida tal ocorrência é benéfica ou não para grupos específicos. Além disso, a crítica deve objetivar a identificação dos mecanismos ou forças que dificultam uma nova reorganização (SAYER, 2011). Nesse sentido, a crítica explanatória visa entender porque uma situação ou realidade existe da maneira como a presenciamos, quais mecanismos sustenta essa realidade ou de que modo ela pode ser modificada (FAIRCLOUGH, 2012).

Levando em consideração que a realidade social é conceitualmente mediada pelos eventos, comportamentos e práticas, que envolvem por sua vez, ideias, conceitos e representações manifestados em formas particulares de discursos, compreender como os discursos agem no interior das práticas corresponde ao esforço de desvelamento de parte do funcionamento dessa sociedade.

Essa capacidade de os textos permearem as práticas, construindo-as e sendo por elas construídos é conhecida como propriedade dialética do discurso (FAIRCLOUGH, 2001). Nesse sentido, as diferentes práticas de um mesmo domínio ou de domínios que se relacionam, se cruzam por meio dos textos num processo de interdiscursividade, mesclando formas, significados, sentidos e construindo representações e juízos de valor sobre sujeitos e práticas. A totalidade dos discursos contidos nas práticas de uma instituição, domínio ou localidade pode ser chamada de Ordem do Discurso (FAIRCLOUGH, 2001; MAGALHÃES, 2000).

Nas últimas décadas, principalmente no pós-guerra, a educação e, principalmente, a Educação Especial vêm mudando. A ordem do discurso da educação mudou, com reflexos nas práticas educativas de todo o mundo. Concepções sobre funcionalidade da leitura e da escrita, bem como da formação de pessoas com vistas à adaptabilidade a novos contextos correspondem às necessidades de atualização tecnológica promovida pela globalização.

A prática discursiva da educação inclusiva foi rearticulada na ordem do discurso da educação em todo o mundo. A educação comum, antes focada na erudição, foi ganhando contornos tecnicistas e atualmente assume a estratégia da inclusão e promoção das “diferenças” raciais e sexuais. Do ponto de vista da educação inclusiva, as mudanças foram fortemente fomentadas por organismos internacionais, sendo possíveis no Brasil em parte pelo desejo de mães e pais de promoverem a adaptação de seus/suas filhos/as à sociedade produtiva, bem como pela imposição da tarefa da Educação Especial às professoras e professores leigos (professores/as de salas comuns), em escolas comuns, sob a alegação de que a escola sendo espaço democrático não pode privar nenhum membro dela participar.

Novos papéis foram surgindo nesse contexto, reposicionando as pessoas, modificando a dinâmica das práticas e produzindo novas identidades, objeto de nosso estudo. O conhecimento sobre si mesmo/a e a representação da prática na qual está envolvido/a é uma construção social (reflexividade). Esse conhecimento resulta do olhar a partir de determinadas posições, funcionando como recursos para a participação na luta. A luta, assim, envolve um aspecto discursivo de construção de papéis, de conhecimentos e de veiculação de saberes, alocando recursos e estabelecendo, estrategicamente, as articulações hegemônicas (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999).

As articulações são móveis e a sociedade não é estável. Tampouco a educação ou o campo educacional são desprovidos de conotação política. Construir identidades também é uma atividade política, porque molda a capacidade de agência dos/as participantes, sendo que a educação configura como importante ferramenta no processo de repasse de informações, construção identitária e, consequentemente, agência22.

As identidades são formadas na prática, como elementos subjetivos destas. As posições ou papéis assumidos nessa prática denotam antagonismos, como no caso de professores/as e alunos/as que ocupam duas posições; a primeira derivada da relação de ensino, e a segunda, decorrente da posição de consumidores/as de conhecimento (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999). Essas posições divergentes no interior da prática compõem a heterogeneidade das identidades. Essas identidades são parcialmente formadas pelas contingências dos papéis desempenhados, pelas representações sobre esse fazer e sobre si mesmo. Essa composição entre saberes, papéis e agência implicará na atuação dessa pessoa no interior da prática.

Os papéis são construídos de forma externa ao indivíduo, como resultado da organização da prática. Ao estabelecer um papel, a prática permite uma troca de conhecimentos e representações, que passam a compor as identidades de seus/suas participantes. Essa troca de conhecimentos e a construção de papéis fazem com que as identidades possam ser compreendidas como construções políticas (JENKINS, 1996; CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999).

Não menos política é a construção das identidades de gênero. A identidade possui um aspecto individual e outro coletivo. O individual diz respeito à essência de um indivíduo,                                                                                                                          

22  Agência  para  as  Ciências  Sociais,  corresponde  à  capacidade  humana  de  realizar  escolhas  e  agir  no  mundo.  O  

agente  é  uma  pessoa  engajada  socialmente,  que  assume  uma  atitude  ante  a  estrutura  social,  por  meio  de  sua   habilidade  e  conhecimento.  Essa  escolha  depende  do  grau  de  reflexividade  que  o  indivíduo  pode  assumir  no   embate  existente  entre  a  habilidade  pessoal  e  a  estrutura  social  (HEWSON,  2010).  

enquanto que o coletivo são os aspectos que o ligam a grupos em razão de suas características individuais. Raça, língua, nacionalidade, gênero, idade, profissões são aspectos coletivos que constituem parte da identidade de um indivíduo.

Wodak (1997), baseada em Giddens (1991) esclarece o conceito de sexo e gênero, justificando que sexo é a divisão binária da anatomia humana, enquanto gênero poderia ser visto como as diferenças psicológicas, sociais e culturais entre homens e mulheres, como elementos sociais, externos ao indivíduo, mas que são incorporados por meio das práticas. Contudo, as diferenças biológicas não são tão definidas, bem como as diferenças externas não são naturais, mas construções sociais motivadas por grupos específicos. Wodak (1997) explana que em verdade há um contínuo de características atribuídas como sendo de masculinidade ou feminilidade, sendo que esta última recebe uma carga significativa de conceitos familiares sobre adequação e ideologia sexual que serve, entre outros, para produzir a reificação da diferença entre homens e mulheres.

Fazendo um comparativo sobre o feminismo, a autora ainda traz uma perspectiva contraposta à biológica, segundo a qual todos nós teríamos alguns aspectos masculinos e femininos em nossa constituição. Segundo a concepção não unitária de gênero, masculinidade e feminilidade não são elementos polares, mas dimensões da personalidade, formas de conviver em nossas relações (Connell, 1993).

Gênero, assim, seria o resultado de um processo social, por meio do qual se constrói parte da identidade. As marcas de feminilidade ou masculinidade dependeriam dos conceitos, das distinções atribuídas socialmente. Em um primeiro estágio, os sinais biológicos seriam um sinal para a distinção, e mais tarde a causa para a definição dos papéis. O impacto das normas sociais, agindo em razão do poder das avaliações e das estruturas, constroem as diferenças que acabam por desaguar na divisão social do trabalho.

No Brasil, a feminização do trabalho docente ocorre desde a década de 1920. Inicialmente, a ocupação feminina se deu nas séries iniciais do Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries). Paulatinamente foi ganhando as séries finais, o Ensino Médio e hoje ocupam as áreas especializadas, inclusive de direção, coordenação e supervisão escolar, juntamente com o Ensino Superior. Reis (1991) ressalta que na década de 1990 as professoras correspondiam a 70% da força de trabalho na educação. Segundo diferentes autores, a constatação da maioria feminina no magistério comprovava que a educação tinha se transformado numa espécie de gueto feminino (BRUSCHINI, 1984, 1985; BRUSCHINI e AMADO, 1988; CARVALHO, 1996), sendo que em 1988 de cada cem mulheres trabalhadoras, 12 estavam na educação (BRUSCHINI e LOMBARDI, 2011). Em 2010 o MEC divulgou que 8 em cada 10

profissionais da educação básica são mulheres, que corresponde a 81,5% do total de educadores/as23. Para esses/as autores a feminização do trabalho docente teria como razão o fato de a educação pública ser um grande empregador, a incapacidade do mercado de absorver as mulheres e a divisão sexual do trabalho. Contudo, estudos sobre letramento demonstram que a capacidade de o indivíduo se envolver com atividades letradas depende da imersão nas práticas sociais. Defendemos, assim, que além da divisão do trabalho doméstico – como os cuidados com os/as filhos/as e a limpeza pesaram na escolha das mulheres, mas também que as mulheres encontraram na escola um local para socialização e uma prática exterior à familiar, que poderia proporcionar engajamento. As boas notas e a perspectiva de alcançar um trabalho remunerado a partir da prática letrada dominante, que não ocupasse todo o tempo, fizeram com que as mulheres fossem facilmente absorvidas pelo trabalho docente.

Os letramentos pertencem às esferas de prática. Um indivíduo que participa de diferentes práticas faz com que seus letramentos de uma área mesclem-se às outras, participando na composição das habilidades. Nesses termos, encontramos no magistério uma forte relação de improvisação, aliada à prática de execução de tarefas simultâneas, e funções que são permutadas entre os/as profissionais, em uma caracterização que lembra o ambiente doméstico (CARVALHO, 2005).

A escola vem sendo construída sobre os alicerces ideológicos da “maternagem” em que o trabalho docente se assemelha à servidão, no sentido de que suas atribuições vão muito além do ensino de suas disciplinas, mas passam pela guarda, pelo cuidado, pela formação moral, pela construção cidadã, e entre essas atribuições que são precipuamente familiares, há uma contravenção que mescla o público e o privado. Segundo Apple (1995), o trabalho docente tem no imaginário social uma representação de um trabalho fácil, portanto, um valor menor que o trabalho masculino, respondendo aos resquícios das hierarquias patriarcais – menor prestígio e menor poder.

No centro atual do debate sobre feminização do trabalho ou divisão do trabalho baseada em gênero, encontramos as novas propostas de trabalho no mundo globalizado, abrangendo toda a comunidade capitalista, que envolvem a precarização das relações de emprego associada ao conceito de flexibilidade (FAIRCLOUGH, 2006). A flexibilidade é um dos termos utilizados pelo projeto neoliberal para os mercados globalizados que resulta na aceitação por parte dos/as trabalhadores/as em executar atividades multifocadas, com                                                                                                                          

23 Sinopse do Professor da Educação Básica 2009, disponível no link <http://portal.inep.gov.br/basica-censo-

diferentes escopos e/ou natureza, normalmente, autorreguladas (baseadas em metas) que exigem maior capacidade do/a profissional em articular diferentes saberes (NEVES, 2012).

Segundo Martin (1997) o trabalho flexibilizado diverge do trabalho tradicional em quatro aspectos: conteúdo ou natureza do trabalho, relação de emprego, horas ou jornada, e, principalmente, remuneração. No discurso globalizado, a flexibilidade se alia a ideias de modernidade, adaptabilidade e, contraditoriamente, a liberdade (MEULDERS, 2003).

Segundo Neves (2012) a organização do trabalho traz um novo elemento – a individuação do trabalhador. As exigências no processo de individuação vão da responsabilidade à responsividade24, passando pela capacidade de iniciativa ou de dar respostas rápidas ante os fatos não planejados (LINHART, 2000).

As mulheres estão sofrendo os processos de individuação, mas isso não significa autonomia na tomada de decisões. Responsabilidade e responsividade estão associadas a um aumento da expectativa dos/as empregadores/as em relação ao cumprimento de tarefas, atribuições e autogerenciamento, não passa, portanto, pela decisão do modo ou processo, sendo que em relação ao gênero, a tomada de decisões ainda é uma questão problemática pela falta de autonomia das mulheres, mesmo em cargos gerenciais.

A individuação no processo de escolarização no modelo inclusivo é um dos pilares da inclusão, por ser uma proposta alicerçada no fazer docente. São os/as professores/as comuns que devem promover a inclusão, mediante a adesão à proposta inclusiva, sob pena de sofrerem coerções legais caso não a façam. Nesse processo, os/as professores/as comuns são reposicionados/as em suas práticas. Embora sejam reconhecidamente não especialistas são considerados/as perante a política inclusiva como aptos/as a gerirem o processo de escolarização de pessoas com deficiência.

Para que não ocorresse a massificação da Educação Especial por meio da inclusão em escolas comuns, todas as escolas deveriam ser especiais, no sentido de dispor de professores/as engajados/as, formalmente especializados/as, cuja estrutura não deixasse de contemplar os recursos mais vantajosos para a educação e a escolarização, e que nessas escolas especiais alunos/as comuns pudessem também estudar. Esse ambiente seria solidário, acolhedor, eficaz e justo. A educação como está aproxima-se de um mecanismo de tortura, visto que a muitas crianças permanecem expostas, alheias em seu mundo enquanto o/a

                                                                                                                         

24 O conceito de responsividade veio da administração e foi incorporado às Ciências Políticas. Diz respeito à

capacidade de resposta de profissionais ou organismos frente às demandas e expectativas da população ou de seu público alvo.

professor/a trabalha os pontos contemplados em uma aula não pensada originalmente para essa criança.

A inclusão penaliza, tanto alunos/as como professores/as, porque exige que os/as professores/as mantenham atenção e cuidado, sugerem que eles/elas devam elaborar duas estratégias diferenciadas para a mesma aula e que produzam a escolarização do publico com deficiência, independentemente dos processos de escolarização utilizados para os/as alunos/as do regular. São estratégias, conteúdos e objetivos diferentes, em um mesmo espaço, produzidos por um/a mesmo/a profissional, mediante o pagamento de um único salário.

Ora, a precarização das relações de trabalho, a natureza do atendimento, o aumento da jornada de serviço (para preparar as estratégias) e a alta capacidade de responder a fenômenos não previstos com interesse na satisfação das expectativas de pais/mães e alunos/as correspondem ao projeto globalizado de flexibilização e precariedade das relações de emprego. E, por ser um trabalho eminentemente feminino, a inclusão é a flexibilização do trabalho da mulher.

A proposta que visa à acomodação de alunos/as que requerem atendimento especializado para receber escolarização no modelo da escola tradicional foi uma mudança que, segundo Sato (2008) se mostrou em Brasília como um projeto planejado no qual a retirada de serviços e direitos foi sendo feita, paulatinamente.

Neves (2012) esclarece sobre os problemas da individuação do trabalho, e comentando Linhart (2000), faz o seguinte esclarecimento:

De nada serve transformar o funcionamento da empresa e a organização do trabalho se os trabalhadores não estão prontos a participar do jogo, se eles não estão aptos a se envolver, a mobilizar seus saberes, suas técnicas, suas competências, suas capacidades e iniciativa e adaptação nas condições necessárias ao sucesso de suas atividades e, portanto, da empresa (LINHART, 2000, p.27).

A flexibilização não é uma escolha dos/as trabalhadores/as, configurando, antes, em uma instituição baseada no poder. Empresas e órgãos públicos utilizam de ações normativas, regras e medidas que coíbem qualquer resistência. Na educação inclusiva não raramente o discurso legal é utilizado como forma de “garantir” que as práticas sejam adotadas. Em alguns trabalhos (VIEIRA, 2010; ALCOBA, 2008, BONFIM, 2009; BREYER, 2011), encontramos o discurso legal sobre inclusão tomado como suficiente em si mesmo para validar a inclusão, considerando esta como algo correto, desejável, legítimo, cuja natureza ética se materializa como matéria jurídica e como lei justifica sua razão de existir. Em comum, os trabalhos

consideram a lei como a materialização do direito, portanto levam em conta que o poder legislativo como local por excelência da interpretação do direito, tem a ciência sobre a justiça e a legalidade.

A argumentação da ética e do discurso legal ou jurídico também se insere no quadro social e econômico da inclusão. Como resultado de acordos internacionais, tais discursos entram no país validados pelo poder jurídico que resulta da aceitação governamental dos preceitos internacionais. Essa forma de enxergar o trabalho docente fazendo com que se modifiquem suas bases a partir de textos legais reforçam a fragilidade da profissão, bem como a colonização dos discursos jurídicos e administrativos relacionados à flexibilização do trabalho no meio educacional.

Um dos problemas gerados pela proposta inclusiva que não corresponde somente à participação da pessoa com deficiência na escola comum, mas, e, principalmente, de crianças consideradas vulneráveis – que estão em estado de rua, crianças e jovens em processos de reeducação e tutela do estado por estarem em conflito com a lei e mesmo aquelas que apresentam vulnerabilidade econômica e social como as crianças vítimas de violência e/ou abuso sexual ou ainda dependentes químicas, está no critério de aprovação25.

A escola é um local eminentemente meritocrático. Professores e professoras buscam justiça e mérito no processo avaliativo, não concordando com a falta de critérios na aprovação de alunos/as cujas faltas e/ou baixo aproveitamento sejam incompatíveis com os níveis projetados para aquela idade/série. Na política educacional, a escola deve viabilizar meios e métodos para que o público vulnerável não só frequente as aulas quando possível, como faça provas adaptadas ao seu nível de compreensão, aprovando praticamente sem critérios formais. No entanto, há métodos eficazes e justos que garantem a escolarização e a aprendizagem de pessoas com dificuldades de acompanhamento e/ou frequência escolar que não impliquem na perda da aprendizagem26.

                                                                                                                         

25 A partir do Decreto n. 7.037/2009 que aprova o Plano Nacional de Direitos Humanos é garantido à criança

e/ou adolescente o direito à escolarização.

26 Veloso (2012) apresenta um estudo de caso em que as aulas para alunos/as surdos/as são feitas por módulos.

Não há obrigatoriedade de frequência, e são os/as alunos/as quem agendam os horários de atendimento com as professoras regentes sobre as matérias em estudo. Todas são proficientes em libras e não necessitam de intérpretes. As provas são feitas por módulos, sendo que cada módulo corresponde a uma disciplina. Os módulos não precisam ser concluídos no mesmo ano letivo e os estudos interrompidos podem ser retomados a qualquer momento. O material dos módulos abrange todo o currículo do Ensino Fundamental e foi elaborado pelas próprias professoras. O atendimento agendado é individual. A escola é uma unidade estadual e, desde a implantação do programa de atendimento especializado, o número de alunos/as matriculados subiu extraordinariamente, atraindo, inclusive, o público da zona rural. Tal projeto poderia, entre outros, ser estendido a todos/as os/as alunos/as vulneráveis porque o ritmo é determinado pelo/a aluno. O atendimento individual garante a aprendizagem e não constrange o/a educando/a fora da faixa idade/série. Nesse processo, não há reprovação. O/a aluno/a pode refazer as provas até obter a pontuação exigida.

Sem priorizar a aprendizagem, de igual forma para todos/as, a escola perde sua função social. O que verificamos é uma tentativa de garantia de inclusão social por meio da permanência na escola, principalmente, para as crianças e jovens cujas famílias não dispõem de recursos para sua guarda no período em que estão no trabalho. Dessa forma, a escola passa a ser o local de permanência, e seus profissionais, tornam-se cuidadores/as e não professores/as. A função docente passa da escolarização ao cuidado, sem que a primeira função seja preservada pelas políticas públicas, em razão de motivos econômicos e, talvez, eleitoreiros. São muitas, portanto, as mudanças às quais os/as professores/as devem se adaptar, que levam, nos casos mais críticos, à violência em sala de aula27, à precarização da qualidade de vida no trabalho e, por consequência, ao abandono da atividade docente.