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Tópicos do Constitucionalismo revolucionário francês

1.2 Constitucionalismo: um instrumento de investigação da estabilidade

1.2.3 Tópicos do Constitucionalismo Moderno: a ruptura revolucionária

1.2.3.2 Tópicos do Constitucionalismo revolucionário francês

A experiência francesa é a segunda herança do Constitucionalismo moderno. Suas marcas são a ruptura revolucionária com o modelo absolutista, o estabelecimento de direitos e garantias abstratas de cunho universalista e a positivação de Constituições escritas.

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Isso faz com que não se pretenda a ruptura constitucional, e que as grandes mudanças sejam justificadas como reconquistas de uma liberdade histórica. Essa particularidade desobriga o jurista inglês do debate sobre a legitimidade do Poder Constituinte.

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O desenvolvimento da teoria da supremacia constitucional não se deu inicialmente na França, mas nos Estados Unidos da América. Na França, principalmente no período revolucionário, não se elaborou uma concepção da Constituição como um estatuto jurídico superior às demais normas do ordenamento. Ao contrário, houve uma

práxis constante de experimentação: a transformação das estruturas foi sentida como

solução para todo e qualquer problema, afinal, o homem se conscientizara da faculdade de racionalmente reestruturar sua organização política. O problema surgiu quando a forma e a continuidade no emprego dessa prerrogativa tornaram insustentável qualquer segurança jurídica, pois os modelos teóricos, de forma ininterrupta, alternavam-se sem resolver os seus conflitos internos.

A multiplicidade de práticas constitucionais impele à investigação de suas causas. A revolução francesa construiu a nova ordem em valores gestados nos séculos passados: o racionalismo e a liberdade. Pelo racionalismo permitiu-se a crítica da cultura, da sociedade e das estruturas políticas, entendidas como expressão do obscurantismo, da tradição e da superstição do passado. Como o homem é um ser lógico, educável por natureza, é senhor de seu destino e não escravo das tradições históricas que lhe impedem o progresso. Não era suficiente apenas criticar a organização constitucional, era necessário mudá-la.

José Joaquim Gomes Canotilho analisou esse momento político inaugural. Comparou-o com a organização constitucional britânica, contrastando a afirmação dos direitos naturais do indivíduo e a “artificialização-contratualização” da ordem política.

Assim, o Constitucionalismo revolucionário francês tinha os homens como livres por nascimento. A defesa dos direitos era um ato de revolta contra o poder político, por isso, um ato de ruptura, a que a expressão ancién regime ilustraria tão bem, pois em sentido contrário, significava também o nascimento de algo novo. Ao reverso, nas ilhas britânicas, os homens eram livres somente dentro de uma ordem jurídica estamental, reminiscência de uma ordem medieval. As mudanças empreendidas pela Revolução Gloriosa foram compreendidas como um simples ajustamento da história.

Essa concepção inovadora do Constitucionalismo francês trouxe ao debate a questão da fundação do poder político. Em outros termos, podem os homens dar a si uma organização política segundo a sua vontade? Afinal,

A ordem dos homens é uma ordem artificial (como o demonstrara Hobbes), ‘constitui-se’, ‘inventa-se’ ou ‘reinventa-se’ por acordo entre os homens. Numa palavra: a ordem política é querida e conformada através do contrato social

assente nas vontades individuais (tal como o defendiam as doutrinas contratualistas)79.

E essa vontade coletiva instituidora da organização política — que mais tarde seria uma das categorias fundamentais do direito constitucional, conhecida como Poder Constituinte — foi desenvolvida no manifesto do Abade de Sièyes. No capítulo V, de seu opúsculo, discute a formação das sociedades, e por final, discorre sobre a vontade da nação. Segundo seu ensinamento, as sociedades passam por estágios distintos. No primeiro deles, existem na comunidade determinados indivíduos que desejam se reunir, e ao desejarem, constituem uma nação. Em um segundo momento, a vontade deixa de ser individual e torna-se comum. Para dar consistência a essa união, a vontade comum dispõe sobre os bens públicos e a forma de obtê-los. Em um terceiro momento, em razão da complexidade e do tamanho do Estado, a vontade comum passa a ser exercida por representantes. O seu titular, a nação, não conta com meios de exprimi-la diretamente, precisando de quem o faça em seu nome. Como conclusão dessas premissas: a) a vontade comum é inalienável, sendo possível transferir somente o seu exercício; b) os representantes recebem o exercício suficiente e bastante para manter a boa ordem; c) o delegado não pode alterar os limites dos poderes conferidos pelo delegante. São suas palavras:

É impossível criar um corpo para um determinado fim sem dar-lhe uma organização, formas e leis próprias para que preencha as funções às quais quisemos destiná-lo. Isso é o que chamados a Constituição desse corpo. É evidente que não pode existir sem ela. E é também evidente que todo governo comissionado, deve ter sua organização; e o que é verdade para o geral, o é também para todas as partes que o compõem. Assim, o corpo dos representantes, a que está confiado o poder legislativo ou o exercício da vontade comum, só existe na forma que a nação quis lhe dar. Ele não é nada sem suas formas constitutivas; não age, não se dirige e não comanda, a não ser por elas.

[...] Essas leis são chamadas de fundamentais, não no sentido de que possam tornar-se independentes da vontade nacional, mas porque os corpos que existem e agem por elas não podem tocá-las. Em cada parte, a Constituição não é obra do poder constituído, mas do poder constituinte. Nenhuma espécie de poder delegado pode mudar nada nas condições de sua delegação. É neste sentido que as leis constitucionais são fundamentais [...]80.

A teoria de Sièyes era revolucionária, entre outros motivos, porque criava categoria conceitual que possibilitava aos homens investirem-se na atribuição de construírem sua própria ordem constitucional. Também porque formulava hipótese teórica,

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CANOTILHO, José Joaquim Gomes.op. cit. p.57-58.

80

SIEYÈS, Emamanuel Joseph. A Constituinte Burguesa – Qu´est-ce que le Tiers État? 4ªed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2001. p.48-49.

firmada sobre a noção de representação, que solucionava problemas práticos que Rousseau e Montesquieu não resolveram, ou ao menos, que suas obras deixavam sem solução.

Destarte, se Montesquieu descrevia a separação das funções do Estado, enquanto instrumento de controle interno de seus órgãos, partindo de sua natureza de poderes constituídos, Sièyes inovava ao pressupor a existência lógica de outro, anterior, que os constituía, o Poder Constituinte da nação. Quanto a Rousseau, a despeito de sua propalada identificação da soberania com a vontade geral, não fornecia resposta para sua expressão no mundo dos homens, tratando-a por inalienável. No arquétipo de Sièyes, a soberania instituía a organização política e tinha por titular a nação, única entidade abstrata com possibilidade de querer pelo todo. Quanto ao “querer” do Estado, como a questão restava sem solução em Rousseau, Sièyes inova ao torná-la operante pela representação.81 Daí que a noção de representação de Sièyes não é antitética ao exercício direto da soberania de Rousseau, é complementar e retificadora.

Esse Constitucionalismo revolucionário, além da concepção do Poder Constituinte, também era original por estar lastreado em um regime de direitos e garantias individuais de natureza abstrata, e pela idéia de Constituição escrita enquanto conjunto das conquistas obtidas no processo revolucionário. Assim, todos os homens dispunham dos mesmos direitos porque lhes eram concedidos com o nascimento, direitos que precediam a própria existência da organização política, e por precederem, eram gerais e abstratos. Já a Constituição escrita representava não somente a consolidação formal do projeto revolucionário, como pressupunha a norma geral e abstrata enquanto modelo ordenador.

O Constitucionalismo francês foi um forte elemento de propaganda, divulgando não somente a idéia de ruptura e de transformação de relações existentes mas também estabelecendo outras firmadas pela razão, como a propagação de novos valores liberais. Também trouxe novo conteúdo ao termo revolução, diferentemente da resistência do Direito medieval — de conteúdo exclusivamente ético e preventivo — e da evolução das formas de governo do modelo platônico.

Entretanto, as premissas de Constituição escrita, da declaração de direitos, da separação de poderes e da soberania nacional tinham um sentido diferente do difundido hoje. Em data atual, as Constituições dispõem de indiscutível força normativa (ou quase tão só essa). Na época, a proposta de Constituição escrita, declaração de direitos gerais e

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SALDANHA, Nelson. op. cit. p.77-79. Também: “O maior legado de Sieyès para a teoria política foi

buscar traduzir para a realidade concreta a idéia de soberania popular antes formulada por Rousseau

[...]”VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua reserva de Justiça: um ensaio sobre os limites

abstratos, separação de poderes e soberania nacional tinha bem mais um sentido material, que normativo.

Ainda se pensava em Constituição como estrutura política, forma de governo, modo de ser do Estado ou coisa assim. Foi preciso que o moderno conceito de lei, como norma a que o direito objetivo deve se prender dominasse a técnica legislativa: e que na linguagem política se enraizasse a fórmula de Rousseau segundo a qual a lei é a expressão da vontade geral; e que se entendesse a Constituição como lei geral da organização política; para que o conceito moderno gerasse [...]

O nome de Constituição no alto dos textos legislativos de 1789 e de 1790 e 1791, visava mais designar a nova organização dada ao Estado, ainda, do que caracterizar de modo específico a norma promulgada.82

A despeito de seu conteúdo revolucionário e da importância na difusão de princípios básicos de limitação do poder político, a experiência constitucional francesa sempre foi marcada pela instabilidade. Essa instabilidade lhe foi inerente, não sendo tão somente uma instabilidade superficial, mas de fundo, porque implicou a profunda alteração da concepção sobre organização política. O processo revolucionário francês foi tão profundo, que imprimiu na nação um impulso para a mudança por meio de experimentos constitucionais. Foram diversas Constituições — muitas delas originais na forma e no conteúdo — que se seguiram na tentativa de reiniciar, organizar, regulamentar e limitar o poder do Estado. Em breve resumo:83

a) a primeira Constituição, a de 1791, aprovada pela Assembléia Constituinte e pelo Rei, estabelecia uma monarquia constitucional. O exercício monárquico deixava de ser legitimado pela teoria do direito divino dos reis, para se fundar na delegação da nação. Seu texto escrito estava dividido em duas partes. Na primeira delas, havia uma declaração de direitos e de acordo com a concepção predominante dos direitos naturais, por isso, a Constituição não os estabelecia, mas limitava-se a declará-los. A segunda parte era destinada à estrutura orgânica propriamente dita, e sua marca era a limitação da soberania, que pertencia à nação. Os revolucionários erigiram em caráter absoluto a soberania nacional para fazer frente à soberania real;

b) a Constituição de 1793, ou do ano I, inaugurou na França a forma de governo republicana. A Convenção — nome retirado dos ingleses e americanos, que assim denominavam o Parlamento quando em funcionamento por direito próprio, e não por convocação do rei — instituiu-se em órgão revolucionário, concentrando todos os poderes. Elaborou uma Constituição que nunca entrou em vigor, porque o poder foi exercido de fato

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SALDANHA, Nelson. op. cit. p. 75-76.

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por comissários, comitês e tribunais. Mesmo que nunca vigente, trouxe inovações importantes para o direito constitucional, em particular seu profundo caráter democrático: a) passou a soberania a pertencer ao povo e não mais à nação; b) instituiu o sufrágio universal e direto; c) estabeleceu o limite de um ano para o mandato dos representantes; d) instituiu o referendo para aprovação das leis; e) estabeleceu a iniciativa popular para reformar a Constituição;

c) a Constituição republicana do ano III, em resposta aos arroubos da organização anterior, estabeleceu forma extremada de freios e contrapesos. Criou duas câmaras legislativas: o Conselho dos Quinhentos e o Conselho dos Anciãos. Ambos eram permanentes e renováveis por um terço a cada ano. O Poder Executivo era exercido pelo Diretório, formado por cinco membros, eleitos pelas casas legislativas. A independência entre os poderes era absoluta. O Poder Executivo não tinha iniciativa legislativa nem poder para dissolver as câmaras; enquanto o legislativo não exercia influência nenhuma sobre atividade administrativa e de governo;

d) as Constituições do Império — Constituição do ano VIII (Consulado), do senato-consulto de 1802 (Consulado Vitalício), e a de 1804 (Império) — deixaram poucas marcas para o futuro constitucional francês. As linhas mestras dessas Constituições foram: a) serviram para assegurar e manter o poder pessoal de Napoleão; b) consistiram em expressão do cesarismo democrático, razão que as duas últimas foram aprovadas por plebiscito; c) eram firmadas no sufrágio universal exercido por plebiscito; d) conferiam um amplo poder ao chefe do executivo, que tinha possibilidade de legislar;

e) a Carta constitucional outorgada por Luís XVIII (1814) estabeleceu uma monarquia limitada com duas câmaras. Ainda que tenha ficado conhecida como a Carta

da Restauração, não houve restauração alguma, pois não foram restabelecidos o poder

absoluto, a burocracia e a organização social do Antigo Regime. Seus idealizadores pertenciam a setores surgidos após a Revolução de 1789 e, durante o governo de Napoleão permaneceram afastados da atividade governamental, que pretendiam exercer com a nova Constituição;

f) a Constituição de 1830 foi promulgada após a derrubada da dinastia de Bourbon. O poder revolucionário, representado pelas câmaras, reformou a carta de 1814, oferecendo a coroa a Luis Felipe de Orléans, tenente general do reino que combatera durante a Revolução. Era uma monarquia contraditória porque a coroa não pertencia ao monarca por direito próprio, mas por concessão da nação, que assumiu a organização do Estado. Por essa razão, segundo a Constituição, Luís Felipe se tornou rei dos franceses, e

não da França. Chegou a desenvolver notas de um parlamentarismo moderno: os ministros eram nomeados entre a maioria parlamentar, com freqüência era possível dissolver o Parlamento, a interpelação foi empregada como forma de controle da política de governo.

g) a Constituição de 1848 estabeleceu uma República Presidencialista. Foi promulgada após a revolução do mesmo ano, na qual teve papel ativo a pequena burguesia e a classe operária que estreavam na arena política. Contava com uma rígida separação de poderes, que era exercida por uma Assembléia unicameral e um Presidente da República. O Presidente da República não dispunha de poderes para dissolver a Assembléia, e os ministros, livremente nomeados, não tinham responsabilidade perante a casa legislativa;

h) a Constituição de 1852 foi uma revitalização da Constituição do ano VIII, com a diferença de um presidente no lugar de três cônsules, de uma organização simplificada do Poder Legislativo e do exercício do sufrágio universal para a eleição presidencial. Não dispunha de um rol de direitos, mas recepcionava a declaração de 1789. O Presidente da República era eleito para um mandato de dez anos, tinha a prerrogativa de indicar o sucessor, monopolizava a iniciativa legislativa, declarava o estado de sítio e nomeava os ministros que lhe eram responsáveis. O Poder Legislativo era exercido: a) pelo Conselho legislativo, que tinha a função de discutir e debater projetos de lei e cujos membros eram eleitos para um mandato de seis anos; b) pelo Conselho de Estado, que competia redigir e elaborar os projetos de lei, cujos membros eram nomeados pelo Presidente; c) pelo Senado, que participava do processo legislativo e contava com atribuições de defensor e intérprete da Constituição, cujos membros eram altos dignitários nomeados pelo Presidente. Pelo senato-consulto de 1852, a Constituição republicana foi transformada em imperial, com a proclamação de Luís Napoleão Bonaparte imperador dos franceses, com o título de Napoleão III. Próximo ao final de sua vigência, a práxis fez com que fosse aprimorada, procedendo-se a uma série de medidas, que admitiram uma participação maior das câmaras na dinâmica governamental, ainda que o Imperador tenha permanecido como centro de gravitação da política de Estado;

i) a Constituição de 1875 foi uma das mais duráveis e estáveis da história francesa. Na verdade não era um texto sistematizado, mas sim várias leis constitucionais que regulamentavam a organização estatal após o debacle na guerra franco-prussiana (Leis 24 e 25 de fevereiro e julho de 1875, que foram reformadas em 1879, 1884 e 1926). Fora Constituição exigida pelo Armistício, como uma das condições para discussão da paz. A maioria dos membros da Assembléia era monarquista, e somente não se restaurou a monarquia, em razão de incidente causado pelo herdeiro do trono, que não aceitava a

bandeira tricolor. Pela superioridade de poucos votos, promulgou-se uma Constituição republicana. Com o temor de uma tentativa de restauração, a Constituição foi reformada em 1884, com a inclusão de uma limitação material, que vedava a alteração da forma de governo. Em linhas gerais, caracterizava-se pela: a) falta de sistematização, em razão da urgência e necessidade de ser rapidamente discutida e votada; b) possibilidade de ser concretizada pelos costumes, o que efetivamente ocorreu durante a III República; c) conotação empírica e ausência de preocupação abstrata e principiológica. Observe-se que essa flexibilidade e simplicidade permitiram sua adaptação às situações surgidas, sem necessidade de alterações formais. Com efeito, inicialmente previa a existência de um Presidente, eleito pelas duas câmaras: a Câmara dos Deputados e o Senado. A Câmara dos Deputados era eleita pelo sufrágio universal; e o Senado, por deputados departamentais e outros funcionários. O Presidente era irresponsável perante as casas legislativas, cabendo- lhe o veto suspensivo e a prerrogativa de dissolução da Câmara dos Deputados, desde que com a aquiescência do Senado. Os atos presidenciais deveriam ser referendados pelos ministros, que por sua vez eram responsáveis perante as câmaras. Ao final, a prática constitucional e os costumes modificaram esse arranjo normativo, pois o Presidente tornou-se responsável perante as câmaras, perdeu a prerrogativa do veto suspensivo e da dissolução, enquanto, de outro lado, emergiu como nova força política o presidente do conselho de ministros;

j) a Constituição de 1946 foi promulgada após o término da Segunda Guerra Mundial. O governo provisório, depois de restabelecer as normas republicanas, convocou um plebiscito prévio para deliberar sobre a Assembléia Constituinte, que convocada, apresentou um projeto para referendum. O projeto previa um governo de Convenção, que não foi aceito pelo povo. Eleita uma nova Assembléia, com a mesma composição da primeira, elaborou um novo projeto, que contou com aceitação popular. A nova Constituição, promulgada em outubro de 1946: a) instituiu uma República indivisível, democrática e social; b) dividiu o Poder Executivo entre o Presidente da República e o Presidente do Conselho de Ministros; c) instituiu um Parlamento bicameral, formado pela Assembléia Nacional e pelo Conselho da República, esse último representante dos interesses municipais e rurais; d) vinculou o legislador a observância de uma série de direitos previstos em seu preâmbulo. Há de se observar, que a Constituição de 1946 não previu um equilíbrio entre poderes, mas uma clara preeminência da Assembléia Nacional. Frente a esse Poder Legislativo forte, apresentava-se uma Poder Executivo débil. A opção política foi resolver os dilemas do Estado por meio da Assembléia Nacional. Entretanto,

pela adoção da representação proporcional surgiriam diversos partidos. Logo, qualquer governo tinha de compor com várias agremiações, muitas sem semelhança ideológica. Isso fora causa de instabilidade, da sucessão de diversos gabinetes e da paralisação do Estado para solução dos mais diversos problemas políticos;

l) a Constituição de 1958 surgiu em razão da instabilidade governamental da IV República e da crise militar na Argélia. Diante da agravada crise, o General De Gaulle foi nomeado Presidente do Conselho de Ministros, com plenos poderes para governar e autorização para elaborar um projeto de Constituição, que deveria ser submetido a referendum. O anteprojeto constitucional foi elaborado por uma comissão de especialistas — mas o Comitê Consultivo Constitucional e o Conselho de Estado se manifestaram sobre — e encaminhado para um comitê interministerial presidido por De Gaulle. O comitê interministerial enviou o projeto final para a consulta popular, que o ratificou em 4 de setembro de 1958. A atual Constituição francesa: a) incorpora a tradição liberal, definida na declaração de 1789 e no preâmbulo da Constituição de 1946; b) admite o exercício da democracia participativa por meio do referendum; c) mantém a forma de Estado unitária, d) institui a figura do Presidente da República, dotado de extensas atribuições constitucionais, e do papel de árbitro entres os poderes de Estado; e) cria a figura de Primeiro-Ministro, responsável perante a Assembléia Nacional, livremente nomeado pelo Presidente da República; f) institui o Parlamento bicameral, formado pela Assembléia Nacional e pelo Senado. A marca da Constituição de 1958 é a figura do Presidente da República, tão importante, que alguns autores qualificam o sistema de governo como semipresidencialista ou de parlamentarismo anômalo: a) um Presidente da República dotado de amplos poderes; b) um Primeiro-Ministro e um Gabinete responsáveis perante a Assembléia Nacional. O