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A abordagem de Reuven Feuerstein e suas contribuições para a análise da mediação pedagógica

2.2 Teoria da Experiência de Aprendizagem Mediada

A aprendizagem mediada, segundo Kozulin e Presseisen (1992), tem suas raízes em três diferentes áreas de conhecimento diferentes: Filosofia, Sociologia e Linguística. No plano filosófico, a noção de mediação constitui um dos pilares da filosofia Hegeliana, que por sua vez, diretamente ou indiretamente, através de Marx, influenciou o pensamento e teoria de Vygotsky de seus sucessores, Leontiev19 e Lúria20.

Para a filosofia Hegeliana, a existência de uma atividade propriamente humana depende da transição da satisfação das necessidades e desejos próprios (o que seria considerado algo da esfera animal natural) para a satisfação das necessidades dos outros (o Homem sendo capaz de satisfazer-se indiretamente pela produção de trabalho que não gere algo para si próprio, mas para o outro). Agindo para a satisfação de um instinto que não é seu próprio, o Homem está atuando para a relação daquilo que não é instintivo, para uma ideia não biológica de existência, para o social. (Kozulin & Presseissen, 1992)

Dessa forma, Hegel, segundo Kozulin e Presseissen (1992), relaciona a emergência da consciência humana ao processo de atividade mediada, que seria o trabalho. Essa compreensão de mediação já sugere amplas possibilidades de agentes mediacionais, pois como o trabalho é relativamente realizado para outra pessoa, características sociais e psicológicas desse outro entrariam nessa equação de relação. E, como a atividade de trabalho é impossível sem uma representação simbólica, essa e os sentidos da sua transmissão, revelar-se-iam dois agentes mediacionais adicionais.

19 Para maiores informações sobre o autor: Leontiev A. N (1978) Activity, Consciousness and personality. Englewood

Cliffs; NJ Prentice Hall. 20

Para maiores informações sobre o autor: Lúria, A. R (1976) Cognitive Development: Its cultural and social

foundations. Cambridge MA; Harvard University Press. 14

A referência que baseou essa discussão foi:Mead, G, H. (1974) Mind, Self and Society. Chicago. University of Chicago Press.

No plano sociológico da compreensão dos mecanismos mediacionais, Kozulin e Presseisen (1992) discutem, a partir da teoria de Mead (1974)21, alguns aspectos que evidenciam o encaixe desses mecanismos na estrutura da sociedade humana. Segundo os autores, Mead fez uma importante diferenciação entre estímulo e objeto. Em lugar de apenas perceber e responder ao estímulo, ele sugeriu que os objetos não são dados, eles são construídos. A construção dos objetos só é possível, porque os estímulos do ambiente são imbuídos de um sentido no decorrer das atividades humanas, que são, por sua vez, naturalmente sociais. Dessa forma, a interação com o mundo nunca é imediata, é sempre mediada através dos sentidos que se originam fora do indivíduo, no mundo das relações sociais. Diferente dos animais, os seres humanos são capazes de se transformarem em objetos para si mesmos e assim conhecer o mundo através do outro. Kozulin & Presseisen, 1992 e Kozulin, 2000)

Tratando ainda das origens epistemológicas da concepção de aprendizagem mediada, Kozulin e Presseisen (1992) abordam ainda a área da linguística, trabalhando com os conceitos e ideias de Mikhail Bakhtin (1986)22

. Bakhtin, literário e filósofo russo, argumentou que a linguagem, como ela mesma se revela em um discurso literário, oferece um paradigma para qualquer ação humana, até o ponto em que esta ação é endereçada e interpretada. A mediação sugere que o uso da linguagem seja significante, pois não é a linguagem em si que faz a diferença, mas o uso da linguagem como instrumento do pensamento. (Kozulin e Presseisen, 1992, p. 9),

Dessa forma, produção de discurso humano não é uma combinação de formas linguísticas permitidas, mas unidades maiores de específicos gêneros de declarações, que, na instância social e psicológica, é entendida como papéis, posições, status,

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atitudes e na instância linguística encontra sua expressão na especificidade de gênero do discurso individual.

A aprendizagem mediada muda completamente o paradigma para a educação, um paradigma onde a concepção de inteligência em si é redefinida e construída, passando a ser um elemento muito mais entendido do que simplesmente narrado, como faziam os testes de QI. (Kozulin & Presseisen, 1992 e Kozulin, 2000)

Para Feuerstein, assim como para Vygotsky, a aprendizagem mediada ou a relação com o outro durante o processo de desenvolvimento (que acontece ao longo da vida) é intrínseco da raça humana. “A exposição direta aos estímulos é fundamental para o desenvolvimento cognitivo, mas a interação mediatizada, isto é, a própria cultura, é que permite o acesso a funções cognitivas superiores.” (Fonseca, 1998, p. 62).

Baseada em pressupostos de desenvolvimento humano, aprendizagem e inteligência já apresentados, Feuerstein elabora entre, 1950 e 1963, a Teoria da Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM). Feuerstein e Feuerstein (1994) definem brevemente a Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM) através de um prisma sociológico, onde a EAM caracteriza-se pela interação do organismo com o seu entorno, por meio de um mediador humano. Mas a teoria não inclui todas as interações. Ela diz respeito às experiências que influenciam propensões individuais à aprendizagem. Uma qualidade de interação que ajude o indivíduo à modificabilidade pela exposição ao estímulo, visando um melhor uso de suas funções cognitivas e uma melhor adaptação às exigências do meio. (Feuerstein e Feuerstein, S, 1994, p. 3).

Dessa interação e, a partir dela, aparece uma característica essencial da cognição humana, que está baseada em formas de interiorização do que pareceu originalmente ser ou pertencer às interações sociais. Gestos internalizados, sejam esses verbais ou não

verbais, tornam-se símbolos relevantes, cujos sentidos são compartilhados por um grupo de pessoas. (Kozulin & Presseisen, 1992, p. 9)

A EAM é para Feuerstein o elemento que determina, ou melhor, que predispõe as diferenças do desenvolvimento cognitivo, pois é ela que interfere diretamente no desenvolvimento, melhorando o desempenho do organismo nas suas futuras interações autônomas com o seu meio. “O desenvolvimento cognitivo, assim como a manifestação da aprendizagem, são efeitos de um tipo muito específico de interação humana por excelência” (Gomes, 2002; p. 73)

Para Feuerstein, segundo Fonseca (1989; 1995), a aprendizagem e o desenvolvimento caminham associadamente, visto que a boa aprendizagem proporciona o desenvolvimento, e um organismo em desenvolvimento, tem maiores propensões a beneficiar-se, de forma autônoma, dos estímulos do meio. Dessa forma, quanto mais cedo e mais exposição à EAM for possível, mais modificabilidade ocorrerá, mais o indivíduo ficará capacitado para aprender por estimulação direta, visto que a autonomia é a meta dessa estratégia de intervenção. Para Fonseca (1994), a EAM é a forma mais eficiente de se desenvolver uma pessoa autônoma, capaz de interferir no seu próprio processo de aprendizagem.

Para alguns autores, (Cruz, 2006; Beyer, 1996; Fonseca, 1998; e, Fonseca & Cunha 2003), a Teoria da Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM) vem preencher as lacunas de Piaget, que não previa a importância do papel do mediador humano para a aprendizagem e desenvolvimento, e de Vygotsky que, por falta de tempo, não sistematizou uma ação concreta para este mediador em sua teoria. Em busca da estruturação da ação interventiva, Feuerstein elabora os critérios mediacionais, que funcionam como orientadores da EAM.