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Trabalhando didaticamente os quadrinhos

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 49-54)

Estudiosos da área quadrinhística, Vergueiro (2010), Ramos (2009) e Mendonça (2002) concordam que o trabalho pedagógico com as HQs oferece muitas possibilidades de realização, podendo ser aplicado a várias disciplinas. Neste sentido, nosso interesse reside em demonstrar algumas atividades que podem fazer parte das aulas de línguas, com vistas ao aproveitamento adequado do gênero HQs.

3.7.1 Ensinando e aprendendo com as HQs

Explorar os quadrinhos requer considerar os códigos visual e verbal que constituem a linguagem híbrida do gênero. A partir destes dois códigos, o professor pode, por exemplo, trabalhar a expressão facial dos personagens e seus gestos; analisar as figuras cinéticas (responsáveis pela ilusão de movimento das imagens) e as metáforas visuais que representam, por meio de signos e convenções gráficas, ideias e sentimentos.

Além dos elementos supracitados, o trabalho pedagógico com as HQs permite explorar, também, os diferentes formatos do balão, o tamanho e as cores das letras, as onomatopeias, bem como a disposição do texto e a dos personagens, a fim de que os alunos sejam alfabetizados na linguagem quadrinhística, condição fundamental à compreensão da história pelo aprendiz.

Pedagogicamente, a utilização das HQs exige que o professor planeje suas atividades, considerando-se a faixa etária, o nível de conhecimento e as necessidades dos alunos (VERGUEIRO, 2010), pois estes fatores favorecem a elaboração de estratégias adequadas à exploração do quadrinho. A utilização deste gênero em sala de aula permite uma gama muito variada de atividades. Os professores podem aplicar os quadrinhos para introduzir um tema, discutir conceitos e aprofundar conteúdos, por exemplo. Pode-se, também, solicitar aos alunos um trabalho de produção textual por meio da elaboração de HQs. Vale ressaltar a importância de as atividades de produção serem norteadas por determinados aspectos, a saber: o que dizer, para que dizer, para quem dizer e como dizer (GERALDI, 1997 apud MENDONÇA, 2002, p. 204) a fim de que o aprendiz tenha consciência dos elementos que envolvem a comunicação e a tarefa não se restrinja a uma mera resposta à solicitação do professor.

Por meio dos quadrinhos, o docente tem, inclusive, a possibilidade de trabalhar diferentes gêneros11. Utilizando a quadrinização como recurso, os alunos podem transformar notícias, contos, poesias e muitas outras produções em histórias em quadrinhos. De modo análogo, a história de um quadrinho pode ser transposta a outros gêneros. Explorar as formas de circulação e as demais produções que constituem as HQs (charges, cartum, tiras) são, também, formas de agregar mais informações ao estudante sobre o gênero em questão.

A produção oral também pode fazer parte das atividades didáticas. Para narrar um quadrinho, o aluno precisa considerar os elementos verbais e não-verbais que fazem parte do texto, ativar diferentes tipos de conhecimentos, como o linguístico e o de mundo, e realizar inferências para transmitir informações explícitas e implícitas presentes na história. É, portanto, uma atividade que exige do aluno a capacidade de expressar coerentemente, na fala, a mensagem da obra que fora lida.

O processo de ensino/aprendizagem por meio das HQs pode-se beneficiar não somente pelas múltiplas atividades pedagógicas que estas histórias permitem, mas também por outros aspectos relacionados ao gênero, como o baixo custo das publicações e a fácil acessibilidade, que colaboram para a presença dos quadrinhos nas salas de aula. Vergueiro (2010, págs. 22-25) ressalta outros fatores que reforçam o emprego das HQs como uma ferramenta didática, a saber:

11 O trabalho com diferentes gêneros refere-se à atividade de transposição de gêneros (Mendonça, 2002, pág. 206) proposta pela qual um determinado gênero pode ser transposto (transformado) a outro. Neste mesmo tipo de atividade, o termo adaptação foi empregado por Vilela (2010, p. 128) para se referir, por exemplo, à criação de uma HQs a partir de um texto historiográfico.

- O interesse dos alunos por esse gênero estimula a leitura;

- A associação entre texto e imagem amplia a compreensão de conceitos; - Há um alto nível de informação presente nos quadrinhos;

- As HQs enriquecem o vocabulário;

- As informações implícitas exigem raciocínio e inferências por parte do leitor; - Permitem a integração entre diferentes áreas do conhecimento;

- A variedade de temas, títulos e histórias permitem o emprego do quadrinho em qualquer nível escolar.

Dada a riqueza do gênero e suas múltiplas formas de utilização, a presença dos quadrinhos no contexto educacional não deve estar direcionada a uma única disciplina. Mendonça (2002) atenta para o fato de que, muitas vezes, as HQs são mais empregadas nas classes de Língua Portuguesa, entretanto, “aplicações relevantes desse gênero podem ser feitas também no ensino de outras disciplinas, ou mesmo no trabalho com textos de não- ficção, relativos a outras áreas de conhecimento” (MENDONÇA, 2002, p. 205).

O reconhecimento da importância das HQs colaborou para que este tipo de produção ganhasse espaço não somente nas aulas de língua materna, mas também nas de língua estrangeira, principalmente, porque a leitura desse gênero colabora para que o estudante de uma segunda língua entre em contato com novos elementos culturais, sociais, políticos e linguísticos (HIGUCHI, 1997). Pode-se admitir, então, que os quadrinhos contribuem para um processo de ensino/aprendizagem que privilegia a integração de múltiplos saberes. Neste sentido, a exploração adequada do gênero quadrinhístico propicia articulação de diferentes conhecimentos por parte do aluno, o que se configura como uma das premissas ressaltadas nos documentos oficiais acerca do ensino de línguas.

No que se refere, especificamente, ao ensino das línguas estrangeiras modernas no contexto educacional brasileiro, os PCN- EM (2000, p. 26) salientam que a língua estrangeira funciona como meio para se ter acesso ao conhecimento e, portanto, às diferentes formas de pensar, de criar, de sentir, de agir e de conceber a realidade, o que propicia ao indivíduo uma formação mais abrangente e, ao mesmo tempo, mais sólida. Tal premissa também se verifica nas OCEM (2006, p. 90) as quais ressaltam que, com as línguas estrangeiras, busca-se a formação de indivíduos, o que inclui o desenvolvimento de consciência social, criatividade, mente aberta para conhecimentos novos, enfim, uma reforma na maneira de pensar e ver o mundo.

Na aprendizagem de uma L2, a interseção de todos esses aspectos, exige do aluno o (re)conhecimento de diferentes valores culturais, processo que tem início quando o aprendiz relaciona e compara a própria cultura com a de outros indivíduos. Neste sentido, pode-se dizer que as HQs atuam favoravelmente, uma vez que essas histórias carregam em si valores, visões de mundo e ideologias (VILELA, 2010) cujos significados devem ser contruidos pelo aluno.

Considerando-se os elementos culturais que as constituem, não se pode conceber as HQs como manifestações artísticas ou de comunicação totalmente desvinculadas da realidade em que foram criadas (VERGUEIRO, 2010), na meddia em que “é possível pensar um quadrinho voltado para o real, por mais que esteja fundado no humor gráfico e na fantasia – e, em estando voltado para o real, que seja capaz de refletir questões políticas e / ou históricas” (CIRNE, 2005, p. 50).

Com base nesta concepção, pode-se compreender que a leitura de um quadrinho em língua estrangeira propicia o contato do estudante com os mais variados aspectos que conformam e individualizam a língua estudada das demais. Por sua importância na formação do indivíduo, a leitura é ressaltada nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira (PCN-LE, 2000, p. 32), como uma forma de comunicação, vinculada a um processo altamente complexo de produção de sentidos, que envolve o texto, o contexto e suas condições de produção e recepção. Tal premissa também se verifica nas OCEM (2006, p. 115), a saber:

Acredita-se que os sentidos são construídos dentro de um contexto social, histórico, imerso em relações de poder. Daí ser a leitura uma atividade de linguagem que envolve conhecer o mundo, ter uma visão desse e refletir sobre as possibilidades e as conveniências de transformação social.

Ambos os documentos se pautam na importância de uma prática de leitura que colabore para a formação de um cidadão crítico, capaz de interagir em diferentes campos do saber, de estabelecer relações de sentido e de inferir significados.

No que se refere, particularmente, à utilização das HQs no processo de ensino- aprendizagem da leitura, aqui especificamente, em língua espanhola como L2, pode-se dizer que tal gênero contribui para o desenvolvimento da competência leitora pelo aluno, uma vez que este precisa (re)conhecer as diferentes linguagens que não estão separadas, mas, sim, interconectadas, pois os quadrinhos integram em sua composição recursos da ilustração, da caricatura, da pintura e da fotografia (BARBIERE, 1998).

Para que as aulas de línguas desenvolvam a capacidade leitora do aluno por meio das HQs, é necessário que o aprendiz esteja envolvido nesse universo que associa o texto escrito a diferentes formas de artes visuais. Para tanto, cabe ao professor estar capacitado na linguagem quadrinhística, na medida em que é papel da escola favorecer uma inserção mais planejada e consciente do gênero HQs como uma ferramenta pedagógica a ser utilizada em sala de aula.

Após tratarmos da relevância dos gêneros discursivos para a formação da competência leitora do aprendiz, sobretudo, e fazermos um breve panorama da aplicabilidade do gênero HQs no contexto educacional brasileiro, abordamos no próximo capítulo questões relativas ao livro didático, em especial aos de língua espanhola, no tocante aos problemas que apresentam nas atividades de leitura.

4 Repensando a compreensão leitora nos livros didáticos

Para melhor compreendermos o tipo de tratamento conferido às HQs em livros didáticos de Espanhol, tratamos neste capítulo de algumas considerações acerca da origem sócio-histórica desses materiais, bem como da importância que lhes é atribuída no âmbito educacional, sobretudo, no que tange a aspectos relativos à compreensão leitora.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 49-54)