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trabalho de SIMON, Mário Os Sete Povos das Missões trágica experiência Porto Alegre, Martins Livreiro, 1993.

OS TEMPOS E OS ESPAÇOS DA CAMPANHA DO RIO GRANDE DO SUL ATRAVÉS DOS CAUSOS: O CONTEXTO DA PESQUISA

Ver 0 trabalho de SIMON, Mário Os Sete Povos das Missões trágica experiência Porto Alegre, Martins Livreiro, 1993.

Segundo Varhagen (1962 - XLIII; 137), os Jesuítas teriam sido os verdadeiros líderes deste movimento, atuando não apenas como cúmplices mas também como insufladores da rebeldia indígena diante da determinação do Tratado de Madrid. Cabe aqui imia observação; a inserção dos padres da Companhia de Jesus na vida das colônias sul-americanas de Portugal e Espanha aos poucos foi se tomando incômoda aos governantes dos dois países, pois além de terem sob sua guarda milhares de nativos, os jesuítas possm'am autonomia sobre o que produziam, o que, em muitos casos representava concorrência direta com comerciantes e produtores vindos daquelas Côrtes. O episódio da “guerra guaranítica” representou, de certa forma, a culminância desta rivalidade entre poder religioso (e econômico) e poder político. Com a derrota dos indígenas e a destruição das Missões, em pouco tempo os jesuítas, enfraquecidos, foram oficialmente expulsos do Brasil, bem como suprimida a Companhia de Jesus nas cortes de Portugal e Espanha (1767) e posteriormente em toda a cristandade (1773). Ainda hoje, entretanto, o papel das Reduções, e dos próprios Jesuítas neste período da história, gera controvérsias.

de demarcação no sul, que ainda seriam sucedidos por uma série de Tratados^^. Depois de

resistirem bravamente, os índios foram derrotados de maneira assoladora, e parte dos

sobreviventes, juntamente com os jesuítas, puseram-se em fuga^®. Este episódio, acrescido dos

propagados comentários sobre a imensa riqueza acumulada pelos padres da Companhia de

Jesus^®, parece ter colorido com fortes tintas a memória da população, pois mostra seus reflexos

até hoje nas narrativas dos contadores da fronteira sudoeste do estado, especialmente através

dos causos de “ entenro de dinheiro” : “Sei que eles passaram (os jesuítas). Na Pedra do Segredo

eles enterraram dinheiro, ali na pedra, ali debaixo.” (Seu Valter Costa, 83 anos - Caçapava do Sul). A Pedra do Segredo, hoje um dos principais pontos turísticos da cidade de Caçapava do Sul,

leva este nome exatamente porque em seu interior as luzes das velas apagam-se, o que se

atribui à presença dos espíritos que guardam os tesouros deixados pelos jesuítas em sua

passagem pela região^“.

Após a introdução do gado no Rio Grande do Sul, possivelmente pelos jesuítas (Flores,

M-, op. cit.; 32), este se proliferou rapidamente e em pouco tempo começaram a se desenvolver

grandes campanhas de recolhimento e transferência destas tropas a fim de abastecer as recentes

cidades formadas pelo Ciclo do Ouro, em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, e as populações

nas lavouras de São Paulo. Estas tropeadas exigiam pessoal hábil no manejo com os animais e

resistência para enfrentar os longos períodos dispendidos na viagem. Entre os tropeiros, um nome

tomou maior relevância neste período (início do século XVIIl) e é lembrado na narrativa de Seu

Atanagildo (88 anos - QuaraO:

Tratado do Pardo (1761): anula o Tratado de Madrid; Tratado de Santo Ildefonso (1777): Espanha devolve a Ilha de Santa Catarina e fica com a Colônia do Sacramento e Missões; Tratado de Badajoz (1801): as Missões passam definitivamente a integrar o território brasileiro. (Fortes: 1981; César: 1970)

É interessante perceber a inserção que os índios missioneiros, desalojados, tiveram nas cidades ainda em formação da fronteira sudoeste. V. Pont (1983), Rupert (1956), Spalding (1957), entre outros.

Veja-se o exemplo dado por Hansel (1988: 89), citando o memorial que o tenente-coronel Álvaro José de Serpa Soto Maior deu a sua Majestade, rei de Portugal, em 6 de abril de 1728: “Não pagam estes padres coisa alguma a el-rei de Espanha, da extração que fazem destas minas, ocultando-as a seus governadores (...). Fazem tesouro de quanto lhes vem das ditas minas, que são ouro, prata e pedras preciosas, cuja preciosidade estão extraindo a Vossa Majestade, por serem suas aquelas terras”. O autor, no entanto, critica estas afirmações, pois para ele estas riquezas seriam apenas “lendas inventadas pela calúnia ou pela ambição.” Ver também Pont (1992): Ibicui Lendário - Os Tesouros no Oeste Missioneiro.

(...) no estabelecimento que morou a í o coronel Bento Manoel Ribeiro, certas épocas, que ele era do Império, as ordens quando queriam cavalo pediam prá ele, ele dava e faziam uma tropa de cavalo. Juntava aí... e se mandava. Teve um outro também... antes dele, um outro tropeiro... que se dedicava mais a isso, eu não me lembro o nome dele... no tempo do Império, fava tropas, cruzava as terras... mas eu não m e lembro o nome dele. Até eu... eu devo ter aí, num álbum grande assim, várias fotografias dele ali... Abreu! Era o Cristóvão de Abreu!

À importante participação de Cristóvão Pereira de Abreu^^ na implantação do famoso

Caminho das Tropas, que atravessa as Vacarias do Mar (ao norte do estado), ligando entre si

áreas isoladas, é acrescida também a sua colaboração na incorporação definitiva do Rio Grande

do Sul, tomado um território economicamente valioso para o Brasil: “ Mercê da atividade obscura

dos caçadores de reses e da ousadia dos tropeiros que lhes tomam o lugar e se enriquecem,

vinculou-se o Rio Grande ao Brasil, passando a influir na economia colonial e na orientação

política do III século brasileiro.” (César, 1970: 96)

Ao longo dos séculos as tropeadas permaneceram uma prática em toda a Campanha do

Rio Grande do Sul e são especialmente lembradas por constituírem e conservarem o caráter

épico dos primeiros habitantes destas terras. Estas viagens, cujo tempo de duração é bastante

variável (dependendo do clima, do nível dos rios, da existência ou não de pastagens, etc.) e cujas

trajetórias são constantemente desviadas ou modificadas, dão margem à uma construção

narrativa diferenciada, que é particularmente valorizada pela comunidade quando contada pelos

homens que exerceram esta atividade. Benjamin (op. cit.: 198), como Já foi dito, também salienta

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potencial narrativo dos viajantes: “ ‘Quem viaja tem muito que contar’ , diz o povo, e com isso

imagina o narrador como alguém que vem de longe.” Posteriomiente, no item sobre as

Antunes (1995: 22), descreve a presença do tropeiro na área de abrangência da pesquisa; “Sabe-se que Cristóvão Pereira e outros tropeiros, entusiasmados, aventuraram-se pelo sul do Ibicui à procura de gados, cavalos e mulas, penetrando nas imediações do cerro do Jarau e serra do Caverá, fazendo amizade com índios minuanos.”

Para Benjamin (op. cit.; 198) é a experiência de vida que fornece aos contadores as suas histórias. Ele distingue dois tipos de contadores, a partir de suas experiências; aqueles que adquirem seu potencial narrativo através das viagens (ex. marinheiros) e aqueles que conhecem as histórias e tradições por viverem a vida toda mmi mesmo lugar (ex. camponeses).

categorias de contadores, me deterei mais neste aspecto, pois ainda hoje encontram-se ocasiões

onde

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transporte dos animais por tenra continua vantajoso, dando continuidade à atividade dos

tropeiros e, conseqüentemente, às suas narrativas:

(...) ele falou comigo prá levar prá Coxilha de São Sebastião e lá ele embarcava nuns vagão, né. (...) ele foi lá, bateu, bateu e não arrumou o vagão. A í apelou prá eu arrumar caminhão prá ele levar de caminhão. Arrumou quinze caminhão, ainda sobrava um monte de gado... então eu tive que tocar por terra, né. Fui tocando por terra... devagarinho. Mas a í ele economizou dinheiro, porque se fosse de caminhão pagaria muito mais. E de caminhão assim longe... morre... aquele que deita, os outros matam com os cascos, né, vão pisando em cima e vai cortando tudo, a came toda... E por terra, um caminhoneiro matou uma temeira, senão não tinha morrido nenhuma... (Seu Neto Ilha, 83 anos - C açap ava)

No início do século XIX, com a invasão de Portugal pelas tropas francesas apoiadas pela

Espanha, a corte portuguesa transfere-se para o Brasil, o que em pouco tempo levaria à

independência da então colônia. O curto período do reinado de Dom João VI no Brasil, que vai de

1806 a 1822, assim como a primeira fase da regência de Dom Pedro I já no país independente,

pouco são lembrados pelos contadores de causo. Há, ainda assim, citações indiretas em relação

aos sempre disputados limites da fronteira. Entre 1817 e 1821 o exército brasileiro impediu a

tomada de poder da Banda Oriental por José Artigas que, impulsionado pela recente

emancipação de Buenos Aires da coroa espanhola, tentava proclamar também a independência

do Uruguai. Depois de quatro anos de combates, a 31 de julho de 1821 foi assinado o tratado que

incorporava Montevidéu, Maldonado e seus arredores ao Reino Unido de Portugal, Brasil e

Algarves, levando o nome de Província Cisplatina. Nos anos seguintes, no entanto, toda a região

da Campanha permaneceu tomada por guenrilheiros piatinos contrários ao Tratado. Em 1825, o

Congresso Geral Constituinte de Buenos Aires declarou a Banda Oriental do Uruguai reintegrada

às Províncias Unidas do Prata, ao que o Império brasileiro respondeu com nova declaração de

chegaram a tomar a região da Campanha e das Missões, apoiados inclusive pelos seus

habitantes, que estavam descontentes com a administração brasileira;

Despos, lá muitos despos houve outras revolução no Uruguai... e coisa... que essa terra que nós tamos aqui... daqui da Barra até o... o Guassu-Boi, por lá, isso tudo era uruguaio. Não era nosso. Mas com o negócio do Brasil ajudar eles a ganharem a Revolução, eles deram isso em conta. Porque a terra era uruguaia. Hoje é nossa, mas era uruguaia. Já tiveram boa vontade de retomar ela mas não se animam. (Seu Romão, 79 anos - Uruguaiana)

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