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2 MEUS ANTECEDENTES

2.1 BUTOH

2.1.1 Um Butoh vivo ou morto?

De acordo com Christine Greiner (2013b) o que se entende como Butoh hoje guarda poucos vestígios das questões mobilizadoras do movimento japonês da década de 1950. Simultaneamente, Tadashi Endo5, Ko Murobushi e Min Tanaka, artistas que têm algum intercâmbio com o Brasil, não deixam de dançar e ensinar, ou seja, algo ainda pulsa dentro dos seus Butohs, mesmo que se afaste dos anseios de Hijikata.

                                                                                                                         

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Tive contato com o Butoh de Tadashi Endo nos workshops Butoh-MA, ministrado por ele em São Paulo, 20 hrs, 2010 e O visível e o Invisível no trabalho do ator-dançarino, ministrado por ele e Carlos Simioni, 105 hrs, 2011.

 

Neste momento, vale a pena abrir um pequeno parêntese para elucidar o conceito de “discurso” como algo que produz verdade.

Segundo Maite Larrauri (1999), pesquisadora e tradutora de Foucault, para o filósofo todos os documentos – chamados por ele de monumentos – são abarcados pelo conceito de “discurso”. Por discurso, entende-se os “regulamentos”, os “livros”, as “sentenças dos tribunais”, as “denúncias”, os “poemas”, a “medicina”, a “filosofia”, etc (LARRAURI, 1999). Em A arqueologia do saber

(FOUCAULT, 2013) são apontados alguns significados para discurso: os discursos são as performances que efetivamente ocorrem, o que é dito e os acontecimentos discursivos; e são também o conjunto de enunciados. No entanto, de acordo com a autora, os enunciados não são o não dito do que é dito, eles não estão escondidos apesar de não estarem visíveis (LARRAURI, 1999). É necessário que o olhar se volte para reconhecer e considerar os discursos por eles mesmos. Para Larrauri, o enunciado foucaultiano constrói realidades ao ser proferido. Além disso, ele é um “ato de fala” sério à medida que aspira tornar-se conhecimento (LARRAURI, 1999).

Portanto, o que é dito por estes praticantes de Butoh, o que está escrito nesta dissertação, os discursos que atestam o óbito do Butoh, tudo produz verdades, com diferentes níveis de legitimidade. Assim, este subcapítulo pontua alguns discursos, na sua maioria brasileiros, que poderiam densificar uma atmosfera de inacessibilidade do Butoh ou colocá-lo num “vir- a-ser”, como objeto não capturável que serve de motor para as criações, teóricas ou artísticas.

A primeira publicação aqui considerada é a tese de doutorado transformada em livro de Christine Greiner, Butô:

pensamento em evolução (1998). Segundo a autora, seu

objetivo é apresentar uma possibilidade de entendimento de questões indizíveis que circundam o Butoh. De acordo com ela, sua produção acadêmica é uma reinvenção do corpo construído

 

por Hijikata e isso se deve à evolução de um Butoh “pulverizado pelo mundo como resíduos de um pensamento em degradação” (GREINER, 1998, p. 3). O livro traz termos como “evolução”, “pulverização”, “degradação” e “resíduos”, que podem remeter o leitor a algo que é espalhado e deixa apenas restos.

Na obra de Greiner (1998) o Butoh é pensado dentro de um processo de evolução, o que não significa dizer que as modificações geradas por este processo sejam positivas ou negativas. Na sua argumentação, há um Butoh que se espalha. Já Helena Katz, no texto exposto a seguir, entende que essa manifestação teve seu “nascimento, consolidação e decadência no Japão” (KATZ, 2011, s/p.). Katz é professora, pesquisadora e crítica de dança, e desde o ano de 1987 é possível encontrar em seus textos referências ao Butoh com diferentes visões sobre o tema ao longo do tempo6. No jornal O Estado de São

Paulo, ela comenta o espetáculo Ikiru de Tadashi Endo, que foi

aluno de Kazuo Ohno. Ikiru é um solo de Endo que estreiou no Lume Teatro em 2009 (KATZ, 2011) e que, para o artista, é uma homenagem a Pina Bausch e Ohno, que permanecem vivos através de suas danças7. No texto de Katz, o dançarino estaria colhendo pedaços de informações e reproduzindo clichês:

A experiência de assistir a Ikiru foi a de viver um potente exemplo da associação entre mundo das celebridades e entusiasmo colonizado. A dança de Tadashi Endo nesse solo, que tem como subtítulo Um Réquiem para Pina Bausch, é a operação do típico simplificada ao mínimo possível. [...] O que acontece entre um momento e o outro, em termos de movimento, é                                                                                                                          

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Em seu site a autora disponibiliza todos os seus textos desde 1976. Fonte: http://www.helenakatz.pro.br/ interna.php?id=9. Acesso em: 04 fev 2015.

7Informações disponíveis no site de Tadashi Endo: http://www.tadashi-

 

da mesma natureza: flashes fotográficos de gestos e atitudes clichês (KATZ, 2011, s/p.). Na crítica, a legitimidade de Endo como praticante de Butoh é questionada, visto que há muitos anos ele não reside no Japão. A autora atesta: “como se sabe, ele passou menos de 20 dos seus 63 anos no Japão, construindo sua carreira fora de lá [...]” (KATZ, 2011, s/p.). Mais uma vez, é reforçada a ligação direta entre o Butoh e o país insular da Ásia Oriental. A crítica pode sugerir ao leitor o entendimento de que Endo seria um embuste estrangeiro vendendo uma imagem de mestre japonês no Brasil. Para Katz, ele tem um papel importante para o congelamento do Butoh no nosso país, em detrimento de um Butoh que já teve sua decadência no Japão:

Em São Paulo, Tadashi Endo vem desempenhando um papel importante nessa tipificação do butô. Não à toa, tem sido apresentado como um Mestre (com M maiúsculo mesmo, para demarcar o tipo de inserção social que vem ocorrendo), especialmente pela sólida relação de trabalho que vem construindo com o grupo Lume, de Campinas, onde Ikiru estreou em 2009 (KATZ, 2011, s/p.).

É interessante observar que a ideia de nacionalidade pode conferir ou destituir legitimidade aos artistas frente a uma prática cultural. A percepção sobre o trabalho de Endo parece exemplificar essa falta de legitimidade. Endo é chinês, cresceu no Japão e reside na Alemanha. E foi com esse não-japonês, que tive contato com a sua vertente da dança, o Butoh-Ma. Não cabe aqui discutir o trabalho de Endo como dançarino e diretor. No entanto, a responsabilidade atribuída a ele de tipificar o Butoh no Brasil pode ser questionada. Ao contrário do que afirma Katz, nas aulas em que estive presente, ele nunca encorajou estereótipos de Butoh (ou o “típico” como “caras e bocas” e “corpos pintados de branco”, para Katz, 2011), pelo contrário. Sua proposta é de que avaliemos constantemente o nosso desejo de dançar e que não estejamos nunca plenamente confortáveis (ENDO, 2005).

 

Para o dançarino Min Tanaka, “desde o início o Butô tem sido importante exatamente porque as pessoas tentavam romper com qualquer estilo fixo” (TANAKA, 2000, p. 1). Greiner (1998) afirma que há uma forma no Butoh, mas que fora da rede de informações em que essa forma foi concebida o Butoh vira um “botão” que obedece a lógica do encaixe e não a lógica ideogramática do “atar e desatar” (GREINER, 1998, p. 95), fazendo uma analogia aos modos ocidentais e orientais de prender as roupas ao corpo. Os limites que ela identifica para o “pensamento butô” são as redes de informações (modos de consciência) e não fronteiras geográficas (GREINER, 1998). Na sua opinião, dizer que alguém está fora ou dentro do ocidente, oriente ou Japão diz respeito a estar ou não conectado a redes de informações. No entanto, a autora deixa claro que nós, ocidentais, não temos como nos conectar às redes de informações que compõem as tramas do Butoh.

No corpo de quem está mergulhado em outra rede de informações (e não se trata de geografia e sim de mapas neuronais, de informação); butô vira botão. [...]

No Ocidente, (a rede de informações que configura essa enorme diversidade que chamamos Ocidente), butô só pode ser botão. A lógica do atar e desatar não faz parte desse caldo cultural (GREINER,1998, p. 94-95, grifo meu).

A artista e pesquisadora Simone Martins encara a afirmação acima como um alerta, mas não deixa de mestiçar o Butoh consigo e ver para onde isso leva. Simone realizou a pesquisa de campo

Experiências flutuantes do butoh (Brasil-Peru) que se imiscuiu com

a escrita da sua dissertação Flutuações do butoh no corpo que dança:

poéticas da mestiçagem (2013). Nesse texto, após a citação do “butô-

botão” de Greiner, Martins reflete que:

É possível que nossa experiência das mestiçagens com o butoh nos deixe patinando num butoh-borrão. Butoh-Aburatorigami (あぶら とり 紙). Aburatorigami tem sido tradicionalmente usado por atores do kabuki e

 

pelas gueixas para manter a maquiagem fresca durante as performances. A tradução direta do termo seria: “papel removedor de óleo original”, ou “óleo de mata-borrão”. Consideremos assim como o termo indica, nosso “butoh-abutatorigami”, como um encontro capaz de absorver os excessos eliminando assim os falsos brilhantismos de uma atração vulgar (MARTINS, 2013, p. 127).

No mundo dos últimos 50 ou 60 anos, com o processo de “mundialização da cultura” (ORTIZ, 2000), os enlaces que compõem essas “redes de informações” (GREINER, 1998) podem ser compartilhados por diferentes povos. Renato Ortiz (2000) trabalha com a desconstrução da noção de um Japão “lá”, demonstrando o quanto estamos próximos uns dos outros. E se trata-se de compartilhar a totalidade de uma rede, isso não é possível entre culturas, nem entre indivíduos de uma mesma cultura. Mesmo Ohno tinha um entendimento “total” das práticas de Hijikata (OHNO, 1995).

Para Greiner, em 1998, o Butoh ocidental só pode ser botão e, ao lamentar que esse “butô-botão” ainda sobreviva, diz: “apenas o tempo dará conta de operar uma seleção natural, como na replicação da vida, transformando experiências simplistas em afrontas à profundidade do pensamento butô” (GREINER, 1998, p. 4, grifo meu). A esperança de que uma seleção natural resguarde um pensamento profundo de uma prática simplista parecia desconsiderar as contingências que fazem com que um discurso se sobressaia e entre para a história em detrimento de outros.

Essa “seleção natural artística” utilizaria de fato como parâmetro a profundidade de pensamento para exaltar uns e esquecer outros? Tomando como exemplo a realidade dos profissionais no Brasil, podemos nos perguntar sobre que tipos de projetos são aprovados em editais e leis de incentivo à cultura. Dos 15.120 projetos enviados para o Rumos Itaú Cultural 2013, apenas 104 foram selecionados. Quais fatores

 

estão envolvidos nestas escolhas? Quais discursos estão em alta? Quais discursos sobrevivem? Dos 15.016 projetos que ficaram de fora, quantos terminarão por efetivar seus trabalhos? Com os editais, os artistas acabam por adequar seus projetos, como a própria Greiner (2013) observa: “processos de pesquisa são encurtados para cumprir os prazos; os temas mudam de acordo com o teor do edital; e faz-se de tudo para viabilizar o projeto, inclusive aquilo que pode representar a descaracterização do próprio projeto” (GREINER, 2013, s/p.).

Em um escrito mais recente, onde Greiner se propõe a fazer uma reflexão crítica sobre os Butohs na América Latina, ela esclarece que alguns artistas que distanciaram-se das questões iniciais acabaram entendendo o Butoh como algo destituído de técnica e de treinamento. Ela diz que “se inexiste um treinamento, a concepção das experiências passa a transitar por uma zona perigosa de imprecisão” (2013b, p. 2). E acrescenta, colocando o Butoh também no jogo entre redes de pensamento:

Não se trata de uma busca às origens ou de algum tipo de fidelidade à uma essência primordial. O deslocamento de questões e treinamentos dos contextos onde foram constituídos para outras redes, sempre foi fundamental para o butô, uma vez que esse nomadismo já fazia parte de seu projeto inicial, migrando de corpo para corpo, de experiência para experiência e entre diferentes mídias (cinema, fotografia, literatura, etc). Nesse sentido, a metamorfose não pode, nem deve ser vista de forma pejorativa (GREINER, 2013b, p.2).

Nesse artigo, a autora destaca que desde o início do Butoh haviam metamorfoses e nomadismos que o constituíram. Além disso, distancia a leitura de uma busca das origens, o que poderia ser inferido na sua obra de 1998. Em agosto de 2008,

 

Greiner comenta no parecer da qualificação da dissertação de Simone Martins:

Você, Simone, está lidando com uma experiência de morte, não apenas porque o butô sempre discutiu o corpo morto, mas porque são os fantasmas que mobilizam a sua experiência. A grande questão é como tornar esta experiência viva, localizada em seu contexto, sem permanecer submissa a essas assombrações e aos produtos gerados a partir delas que vem sendo comercializados por toda a América Latina (GREINER apud MARTINS, 2013).

Portanto, nos últimos anos, vem se tornando mais claro que o pensamento crítico de Greiner elabora questões para que os artistas que se aproximam do tema não se tornem submissos as meras formas comercializadas ou ao “típico”, como coloca Katz (2011).

Em outro livro brasileiro dedicado ao tema, Butoh:

dança veredas d’alma (1995), Maura Baiocchi comenta que

Hijikata “falecido precocemente, não teve tempo de desenvolver um método e formular no papel os preceitos do Butoh que, com certeza, ajudariam a esclarecer e acabar com as contradições e os paradoxos da matéria” (BAIOCCHI, 1995, p. 35). Acredito que, fazendo uso dessas “contradições e paradoxos”8, uma ideia mais ampla de Butoh pode ser construída, assumindo sua heterogeneidade. Se, conforme Roberto Machado, a unidade de um discurso é formada por

                                                                                                                         

8As cismas teóricas com os paradoxos têm em seu fundo o emblema da

lógica aristotélica segundo a qual algo não pode ser e deixar de ser aquilo que é ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Tal princípio, conhecido como princípio de identidade, permeia todo discurso epistemológico até hoje. Ele exige que de toda sentença se diga que é, ou verdadeira, ou falsa. Pensar a arte através desse princípio significa pensar arte como discurso científico.

 

enunciações heterogêneas em coexistência (MACHADO, 1981), essa multiplicidade do que é dito e feito em Butoh seria justamente o que o constitui. Deste modo, a discussão sobre o tema se enriquece ao assumir a pluralidade de discursos e significações nele contida, ao invés da busca das palavras, teorias e elucubrações que poderiam unificá-lo. Assim, considero o Butoh algo dinâmico, construído tanto por aquilo que artistas dançam ou falam sobre sua prática quanto pelo que determinado pesquisador teoriza.

No livro mais recente sobre o tema no Brasil, O

soldado nu: as origens da dança buto (2011), Éden Peretta

afirma que o Butoh chegou ao Ocidente no final da década de 70 causando grande impacto pelo universo simbólico e semântico trazido ao espectador. Nos anos 80, segue Peretta, diversos grupos surgiram tanto no Japão como na Europa e Américas. Esses artistas tinham no Butoh uma referência para suas técnicas de preparação corporal e de busca de presença cênica.

Assim, de forma mais instrumentalizada e despida de seus princípios subversivos, a dança Buto se apresenta atualmente extremamente difundida nos meios artísticos ocidentais. Talvez por isso muitos a considerem, equivocadamente, como mais uma “técnica” de dança, quando não um exótico método de training (PERETTA, 2011, p. 12 - 13).

Para o pesquisador, poucos artistas transcenderam a simples instrumentalização estética e “se aproximaram das raízes desse verdadeiro projeto herético” (p. 13). Ainda que não seja este o foco do seu trabalho, o autor traz em algumas linhas uma interessante visão sobre as raízes do Butoh em relação aos processos de apropriação por outros corpos:

Raízes essas que, apesar de serem passíveis de uma relativa e linear reconstrução histórica,

 

refutam qualquer idealismo estagnante, afirmando a sua força justamente na reapropriação e na atualização constantes às quais estão sujeitas, nos diferentes espaços e tempos onde são vivificadas. A subversividade e a “revolta do corpo” reivindicados pela dança Buto são, portanto, dimensões vivas e instáveis, devendo ser reinventadas pela cultura e pelas “trevas” nas quais estão submersos os mais diferentes corpos (PERETTA, 2011, p. 13, grifo meu).

Estou tratando de uma “arte-cadáver”, com mestres vivos e mortos, que me sugerem aprender a conviver com os meus mortos e trilhar sozinha o caminho de busca do que pode ser o Butoh. Sendo quem sou e me utilizando disso, escrevo sobre o assunto, pois não posso me valer de outro ponto de vista que não o meu para pensar o Butoh. Afinal, quais outras referências eu poderia utilizar para estudar o tema além das que tenho acesso, fragmentadas, traduzidas e relidas? Como negar a minha história, se nas aulas com Tadashi Endo nos era pedido que buscássemos na nossa caminhada a nossa própria dança?

Caminhamos sobre os mortos... carregamos toda nossa vida, os lugares por onde passamos. Os mortos nos sustentam, obrigado. Nosso corpo está morrendo todo o tempo... a vida e a morte convivem (ENDO, 2011, notas de aula)9.

No manifesto MAMU, produzido por Endo e Ko Murobushi, lê-se:

Manifesto MAMU

MAMU 1

Filhote de um mamute                                                                                                                          

9Esse trecho pertence às anotações que fiz do workshop O visível e o

invisível no trabalho do ator dançarino, em Campinas durante o mês de fevereiro de 2011.

 

Filhote de coisas podres

MAMU 2

Poder, que está sempre se erguendo, sempre e em toda parte,

no ar, na areia, no vapor, em vermelho e branco.

MAMU 3

MAMU existe e não existe.

Eventos, que desaparecem e vão nascer, escondendo e mostrando-se.

MAMU 4

MAMU é um outro país,

nascido no caos de atravessamentos e atividades,

MAMU é um outro corpo.

MAMU 5 Tímido - hesitante

Como um gato - identificando com hesitação, - com hesitando percebendo as diferenças.

MAMU 6

Reconhecer todas as diferenças e vagar com afirmação,

este poder é HUMOR.

MAMU 7

Grande como um mamute, minúsculo como um filhote-mamute

Vivendo na sensibilidade selvagem.

MAMU 8 sobre o Butoh

o Butoh está em toda parte - MAMU está em toda parte .

Agarrando todos os fios, que levam através do MAMU para o Butoh,

 

MAMU 9

Novo chifre, novas unhas, novo cabelo, novo peito,

novos lábios, novos joelhos, novas pupilas e novas solas dos pés.

MAMU 10

A chave que leva ao MAMU abre seu novo corpo e sua nova casa

e leva a novos caminhos, novas viagens e novos sonhos,

a nova ética.

MAMU 11

FORA no DENTRO

Andar além de seus próprios limites.

MAMU 12

MAMUpássaro, MAMUnuvem, MAMUfrutas e caroços, MAMUcolinas, MAMUvoz

Descubra (ENDO; MUROBUSHI, s/ ano, s/ p.).

MAMU é a união de duas palavras do Zen-budismo,

“ma” – o espaço entre e “mu” – o grande vazio10. E a união “mamu” reproduz ainda, para os autores do manifesto, a primeira palavra proferida por uma criança. No MAMU, parece importar a simplicidade, pois é através dela que se poderá acessar o ma e o mu. Como declara o manifesto, o “MAMU é um outro país, nascido no caos de atravessamentos”, ou seja, uma possível leitura é que são as relações as geradoras do MAMU e não um único país de origem.

Assim como Ko Murobushi afirma que o Butoh precisa de um futuro (Documentário El poder oculto de la memoria,

2011), Min Tanaka (2000) diz que o Butoh é estar sempre

tentando encontrar a própria dança, a dupla Ko Murobushi e

                                                                                                                         

10Informações disponíveis no site de Tadashi Endo: http://www.tadashi-

 

Tadashi Endo terminam seu manifesto com o imperativo “descubra”. Deste modo, o que sobressai nos discursos – desses artistas que praticam e ensinam – é o ímpeto da busca constante. Mas, seria possível encontrar isso também no que disseram Hijikata e Ohno?

Baiocchi (1995) expõe a aversão de Hijikata pela normatização da dança: “era contra a apreensão da técnica como um fim último, das regras do método e contra toda forma de estandardização e sistematização imposta ao dançarino, vindas de fora dele” (p. 29). A autora se refere a Ohno como “um grande butoísta que não se preocupou com aspectos de teoria, técnica e direção” (p. 37). Uma das contribuições do trabalho de Baiocchi são as transcrições de algumas aulas de Ohno e de um trecho do último discurso de Hijikata.

Nanako Kurihara (2000) afirma que apesar de ser um homem do corpo, as palavras eram muito importantes para Hijikata. Ele muitas vezes falava e escrevia sobre seu Butoh (KURIHARA, 2000). Ainda segundo a pesquisadora, as palavras e as discussões entre ele e outros artistas – discussões essas muitas vezes regadas a bebidas alcoólicas – eram seus materiais de criação. Sobre a maneira como Hijikata tratava as palavras, Kurihara afirma:

Um número tremendo de palavras envolvem sua dança. Mas as palavras de Hijikata não são fáceis. Frequentemente seus escritos são estranhos, equivocados e incompreensíveis até para os japoneses ou para as pessoas próximas a ele. Suas frases são por vezes incorretas de acordo com a gramática japonesa. Ele cunhou livremente seus próprios termos, tais como ma- gusare (espaço arruinado) e nadare-ame (o doce que dribla, o doce driblante). Seus escritos

 

são muitas vezes como poemas surrealistas. (KURIHARA, 200011).

Kuniichi Uno (2007), no artigo As pantufas de Artaud

segundo Hijikata, considera Hijikata integrante de um grupo de

artistas (como Artaud, Pasolini, Genet e o filósofo Espinoza) que abominam o poder homogeneizante sobre o corpo,