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4 REFLEXÕES A PARTIR DO PROCESSO

4.2 UM DIÁLOGO EM DIÁLOGO

Pensando em conviver com as questões, trago então trechos da conversa com Simioni na casa da rua Carlos Diniz Leitão, no distrito de Barão Geraldo – Campinas, que abriga o Lume Teatro. Lá, passei pela entrada onde fotos de espetáculos do grupo foram penduradas na parede por mim e Jesser de Souza33 em 2008, pela cozinha onde Puccetti preparou vários cafés para seus alunos-palhaços, até chegar a um dos escritórios e me sentar ao lado de Simioni para uma conversa numa tarde pós-feriado de novembro de 2014. Primeiramente, fui até lá no intuito de perguntar se o contato com o Butoh havia transformado a visão de treinamento do Lume, além de

                                                                                                                         

33Jesser de Souza e Ricardo Puccetti são atores-pesquisadores do Lume

 

desejar mostrar um pouco do que fiz quando “fui para o mundo”. Conversa vai, conversa vem, o que fui notando é que não me afastei tanto dessas origens como pensava, que as reflexões que estava fazendo sobre o meu processo de trabalho conversavam com o que Simioni está descobrindo atualmente. Já ele, em duas horas de conversa, foi revelando que está mais perto de um Butoh que começou dizendo ser somente para orientais34.

A escolha de trazer esta conversa em diálogo com estudos teóricos pode remeter ao que Sylvie Fortin (2009), professora do Departamento de Dança da Universidade de Quebéc, chama de “bricolagem metodológica”, entendida por ela como “a integração de elementos vindos de horizontes múltiplos” (p. 78). Tais elementos são experiências em estúdio, entrevistas, leituras, etc, que, de acordo com Fortin, formam uma “análise reflexiva da prática de campo” (2006, p. 78). Esse integração de elementos diversos se dá por uma necessidade de pensamento que reconheça contribuições de origens diversas.

E assim começa essa conversa:

Kysy – Você já disse na sua entrevista com a Erika35

que vê muitas diferenças entre a Dança Pessoal e o Butoh. No workshop que eu fiz contigo e com o Tadashi, O visível e o

invisível no trabalho do ator dançarino, a impressão que tive é

que no seu treinamento as etapas e os caminhos eram mais claros, e com o Tadashi a coisa era mais aberta, não tínhamos

                                                                                                                         

34 Todas as transcrições da conversa estão com a fonte em itálico e algumas

falas foram divididas em parágrafos de acordo com o assunto a fim de facilitar a leitura.

35 Entrevista transcrita na dissertação de mestrado de Erika Cunha (2009),

 

dele muitas informações sobre para onde ir, mas sabíamos que precisávamos ir.

No entanto, na hora das improvisações individuais, vocês dois sabiam o que esperavam, dentro de um espectro gigante de possibilidades, é claro, e ambos concordavam no que funcionava e o que não funcionava. Você acha que isso tem a ver com um manejo ou uma intimidade com o invisível que vocês dois, por caminhos diferentes, tem?

Simioni – Sim, sem dúvida. Eu lembro exatamente

desse curso porque foi a primeira vez que eu dei um curso com o Tadashi. E foi justamente para confrontar as nossas técnicas. [...] A pergunta que você fez era como que nós conseguíamos ver como havia algo ali, não é? É que na verdade é quando você consegue perceber que algo te toca, como espectador. Vem alguma coisa do aluno que acende, e você vê ali que ele está se entregando, que não é mais o mental ou o intelectual que organiza a dança, mas que ele se deixa levar. Então, com relação a esse curso eu penso o seguinte: eu vejo que o Tadashi, você vai concordar comigo, ele dá as técnicas, no começo era técnica mesmo, você mexer o teu corpo, porém, quando ele dizia “agora dancem” todos nós dançávamos com a técnica, e ele dizia, “Não. Não. Não”, não é? Ele acabou com muita gente, ele dizia, “não, não, não”. E eu me perguntava “mas por que ‘não, não, não’?” E eu via que “não, não, não”, entende? O que o Tadashi não está dando para nós? Quando ele pede pra gente dançar, a gente dança o que ele ensinou e não funciona. Eu to me colocando como aluno também.

Aí a minha grande questão é: o que existe nesse Butoh, que a gente não sabe? Porque eu lembro o seguinte, o Tadashi tinha pontos que era completamente zen. Se você lembrar que

 

ele colocava vocês na parede, para vocês caminharem, e você imaginar que tem mortos, fantasmas na tua frente, ou sob os pés, ou então você imaginar o horizonte, uma paisagem imensa na frente. Se você fizer com a imagem, com a imaginação, não acontece.

K – com uma imaginação muito concreta…

S – Exatamente. E eu ficava me perguntando “como

que é isso?” Tem um fato que eu concordo até agora, é que o Butoh verdadeiro não pode ser dançado por nós ocidentais. Porque nós não temos essa dimensão que o oriental tem, o japonês principalmente. Eles vivem o que eles imaginam, mas pra nós isso é muito difícil, nós temos que nos afastar do nosso real ou do nosso corpo tridimensional e englobar uma dimensão que não estamos acostumados. Por exemplo, quando você está andando, e enquanto você anda, você está correndo pra trás e vendo seus ancestrais, você não pode imaginar, você não sabe quem são seus ancestrais, no máximo bisavô, tataravô, e mesmo assim você não sabe quais foram as vivências deles. Eu acredito também que eles acionam alguma coisa do DNA ou da genética, ou mesmo da glândula pineal, onde você consegue se conectar com algo maior. Mas isso é oriental, isso é Zen, você entende? Quando eles se colocam em frente a uma flor, o oriental, ele não vê a flor, ele se faz um com a flor. E nós não temos isso.

Eu lembro que o Tadashi ficava hospedado lá em casa, ele levantava, a primeira coisa que ele fazia, antes de qualquer coisa, era ir para o jardim, e ali ele ficava uns 5, 10 minutos. Quieto, observando, ele observava os pássaros, a árvore, observava como é que estava o tempo. Como se ele se colocasse num estado do momento presente ou “eu estou aqui no planeta Terra e eu consigo me sintonizar com tudo. Eu sou

 

um com a natureza”, você entende? E isso para nós ocidentais, é quase que impossível. Que você vá para uma sala de trabalho ou para um ensaio de uma peça e você carregue este estado de ser um com a natureza. É como se os orientais tivessem uma conexão muito mais profunda com eles mesmos. Eles vivem o interior e se conectam com o exterior a partir do interior e nós não.

Como Simioni, Calamoneri crê que a visão de tempo e espaço do Zen ressoa no uso das imagens no Butoh. No Zen, os binarismos, como dentro e fora, são contextuais e interdependentes, não disjuntivos e opostos (CALAMONERI, 2012). Através de práticas psicofisiológicas é possível chegar a uma “sabedoria não-discriminatória” (NAGAMOTO apud CALAMONERI, 2012, p. 88). Isso ocorre porque “o Zen propõe uma perspectiva holística pela qual podemos ver a ‘natureza humana original’ e a vida como ela realmente é, inseparável da totalidade do ser” (CALAMONERI, 2012, p. 88). Shigenori Nagamoto, conforme explica Calamoneri, enfatiza que essa transformação envolve o treinamento da pessoa como um todo e que o “cultivo de si” (shugyo) se dá pelo corpo, pois a prática precede a teoria.

Shigenori Nagamoto (1993) explica que o “cultivo de si” oriental se afasta do esporte moderno, cujos objetivos são melhorar capacidades motoras e musculares dos atletas, sem buscar melhorar suas personalidades ou seus espíritos. Do mesmo modo, o treinamento do artista como cultivo também ambicionará o aprimoramento da pessoa como um todo e não fragmentada. Para Josette Féral, a pedagogia teatral durante o último século já pretendia “uma educação completa que desenvolveria harmoniosamente seu corpo, seu espírito e seu caráter de homens” (FÉRAL apud PLÁ, 2011, p. 2).

 

O treinamento que toma o artista como um todo, pode expandir-se para além da sala de ensaio. Sobre isso, comento e pergunto a Simioni:

K – Uma coisa que eu comecei a prestar mais atenção

no treinamento, um pouco a partir do contato com vocês no workshop, foi o que está fora da sala de trabalho. As experiências que a gente teve com vocês, aquele dia que fomos na sua casa e cozinhamos, aquilo não era simplesmente cozinhar, era um trabalho, comer, conversar, cantar, dar risada.. ou parar o que a gente estava fazendo em sala de trabalho e ouvir as histórias do Tadashi… Eu queria saber um pouco mais sobre isso, se vocês conversaram sobre isso, se foi algo que o Tadashi trouxe ou se foram vocês dois que decidiram expandir o trabalho para além do que a gente entende por treinamento, sendo o nosso treinamento a vida.

S – O almoço foi uma proposta minha e do Tadashi…

Porque o Hijikata ele fazia muito isso, ele saía pra natureza, e dançava e vivia o Butoh no dia-a-dia, né? Então a gente queria, tanto é que o Tadashi ele nunca fez isso, foi uma experiência que a gente decidiu fazer para ver como seria [...].

K – E você acha que isso também pode ser

treinamento? Eu to pensando no Butoh, nas coisas que o Kazuo Ohno falava, de estar o tempo todo conectado com o seu trabalho…36

S – mas é isso que eu te digo, acho que não é só

conectado com o seu trabalho, é conectado contigo mesmo...

                                                                                                                         

36O Butoh é diversas vezes tido não como dança mas como estilo de vida

que se revela nos corpos, nas obras e nos discursos. Kazuo Ohno diz que “na idade de 80 anos, não existe mais ‘palco’ e ‘vida cotidiana’” (OHNO apud FRALEIGH e NAKAMURA, 2006, p. 29).

 

K – e com o Todo.

S – mas eu acho que nós orientais, ocidentais, somos

conectados com o todo e não somos conectados conosco, profundamente. Eu acho isso.

Eduardo Okamoto (2014), a partir de sua breve experiência em aulas no Kazuo Ohno Dance Studio, com Yoshito Ohno, fala sobre estar conectado. Afirma que o Butoh não é um tipo de dança, não é uma dança japonesa, Butoh é a vida. O difícil é reconhecer qual é a dança da vida e a deixar dançar em nós. Conta que Yoshito dizia que não se tem o direito de subir no palco se não se estiver amplamente conectado com os seus problemas pessoais. O filho de Ohno perguntava às pessoas se haviam visto que nevara naquele dia, então levava todos para fora e permanecia um bom tempo contemplando a neve. Okamoto diz então, que o Butoh exige um estado constante de alerta para a vida que se assemelha bastante aos estados meditativos. O difícil para ele não eram as 3 horas de aula com o Yoshito, eram as outras 21 horas fora das aulas nas quais tinha que estar sempre atento (informação verbal).

A atenção no presente também é extremamente importante nos “exercícios espirituais”. Hadot retira a seguinte consigna de diferentes filósofos (Epícteto, Marco Aurélio, Galeno): “não deves afastar-te de teus princípios quando dormes, nem ao despertar, nem quando comes, bebes ou conversas com outros homens” (HADOT, 2006, p. 28). De acordo com ele, os exercícios de atenção eram parte dos exercícios estóicos, além dos intelectuais e os de natureza mais ativa. Para os estóicos, filosofar consistia em viver consciente e livremente. A atenção no momento presente é salientada, não devendo a pessoa afastar-se de seus princípios em nenhum

 

momento. Hadot define essa vigilância como uma atenção voltada para o momento presente.

Para trazer a atenção para o agora, os exercícios em sala de ensaio, com condições quase sempre ideais, não é suficiente. Simioni conta que Luís Otávio Burnier já se preocupava com o treinamento fora da sala de trabalho no Lume, em situações de embate com a vida:

S – [...] Mas esse negócio de você fazer coisas fora…

por exemplo, o Burnier tinha muito isso. De repente um dia ele resolvia “vamos para a floresta de noite”, trabalhar na floresta de noite. E íamos todos, pro meio do mato. E ali ia ativar, as suas sensações, os seus medos… Medos, principalmente, porque pensa bem, a noite, né? Ou, por exemplo, uma vez num retiro de clowns, era numa fazenda, numa casa linda numa fazenda, ele apagou todas as luzes a noite, todas, todas. E fez a gente comer, ir lá pegar, já tavam prontas as comidas, mas pegar, levar pra sala, mas sem ver, sem nada. Aí é uma experiência que vai mexendo com algo que você não tá acostumado. Então para o ator é importante. Você tá aflorando coisas tuas ou energias tuas que você não tá acostumado. E isso vai acrescentando no seu corpo. Vai te dando uma dimensão... pense bem, tudo no escuro. Você tem que ter uma dimensão de tato diferente, de cuidado diferente, de percepção do outro, né, então são coisas que você não consegue fazer na sala, a não ser que você tape os olhos das pessoas, mas ali já era uma coisa bem de casa mesmo e tudo mais.

Então sim, com certeza sim, é importante, eu acho. Mesmo entrar num rio de olhos fechados, a gente fazia muito, mas principalmente a noite em lugares… mato. Ou mesmo de dia, de olhos fechados, descalços, em um lugar que tenha

 

pedra, grama, cachoeira. Tudo isso faz com que você tenha outras sensações e percepções que você não tem no seu dia-a- dia, mesmo no treinamento. Mesmo no Lume, a gente fez muito isso. Foi a partir daí que tivemos essa ideia de fazer esse almoço. Agora, eu não sei pra você como é que foi, eu acho que foi importantíssimo porque todas as vezes que eu encontro pessoas que fizeram esse curso, uma das coisas que falam é desse almoço.

K – Para mim foi muito importante para repensar

várias coisas. E acho que o silêncio… a gente trabalha muito em silêncio na sala de ensaio, mas lá, parece que imediatamente aflorou um monte de irritações com o outro, de me enxergar muito… quero que o outro me entenda e aargh! Ou de afeto mesmo. Parece que tudo aquilo apareceu. E eu tinha que lidar com aquilo, naquele momento.

S – [...] é… mas agora eu não me lembro se o Tadashi

pediu pra gente dançar esse almoço depois.

K – Não…

S – …essas raivas, essas angústias que dava, e tudo

mais. Eu acho que o que o Tadashi queria, quando ele dizia, agora dancem, com música, era que vocês deixassem brotar do corpo as coisas que surgiram no, por exemplo, não só no almoço, mas que surgia de vocês. É quase como se ele pedisse que vocês se abandonassem a vocês mesmos para dançar. E a gente faz errado, quando era a nossa vez de dançar, você aciona tudo o que você tem tecnicamente. E isso eu acho um paradoxo do Tadashi, ele só dá técnica, técnica, técnica, e a hora que é pra dançar, não pode usar técnica. A gente acionava as técnicas, dançava e ficava mecânico. Eu acho que nós deveríamos ter a coragem de nos abandonar pra ver no

 

que dá. E que é super paradoxal porque… para quê você trabalha as técnicas então? Você tá me entendendo?

K – Engraçado que no meu trabalho com o Maikon o

que a gente mais focou, no fim das contas, foi a coisa de se abandonar. E acabou que a gente se dedicou, no processo todo, no trabalho de imobilidade e de “dissolução do ego”. De ele se fazer um com tudo e dançar com isso.

S – E? Deu certo?

K – Acho que deu. Mas tem a ver também com eu estar

trabalhando com um ator/dançarino que tem isso muito já na vida dele… um trabalho. Eu não cheguei do nada ali e falei medite, ou… não, ele já tem essa prática e eu intensifiquei isso com ele para fins artísticos. Mas também não é uma coisa que você consegue sustentar muito fácil em cena, as vezes consegue, meio que tem momentos.

S – Você assistiu o Shi-zen37 ao vivo?

K – Só por vídeo.

S – Porque o Shi-zen, por exemplo, é uma direção do

Tadashi e uma proposta de Butoh, só que como a gente não dança Butoh, o Lume não dança Butoh, o Lume dança a Dança Pessoal, entende? Se você pensar em Tadashi, como que ele deve ter construído esse espetáculo? Usando as técnicas dele, aquelas coisas do curso. Aí nós nos apropriamos da técnica e fizemos do nosso jeito, do jeito Dança Pessoal. E o que é a Dança Pessoal? É o mergulho dentro de você mesmo, mas não que nós fizemos na época, nós já tínhamos isso. Algo de acender, de ampliar e de emanar. Ou você deixa se expressar pelo corpo e ver o que de dentro sai, ou simplesmente acionar todos os mecanismos para que acenda algo, né?.. e emane

                                                                                                                         

 

dentro de uma técnica dada que era os movimentos que o Tadashi nos dava, por exemplo andar e tudo mais. Então nós fizemos isso no Butoh, porém, não estávamos dançando Butoh. Deixa eu te dar um exemplozinho dos três mestres de Butoh que nós tivemos…

K – … isso que eu ia te perguntar, se você vê as

diferenças entre eles, se eles estão pensando em diferentes Butohs.

S – Veja bem, primeiro nós tivemos a Natsu que era

discípula direta do Hijikata, então, fonte, né? Depois tivemos a Anzu Furukawa que era da segunda geração japonesa e o Tadashi Endo que era da terceira geração. O Tadashi Endo fazia Butoh, sem saber que era Butoh e quando ele encontrou o Kazuo Ohno ele disse “isso aí é Butoh, o que você faz”. Você entende? Então é o Butoh próprio do Tadashi, pessoal vamos dizer, que é Butoh.

Então a Natsu Nakajima, dos outros Butohs, nenhum falou em ativar o terceiro olho, só a Natsu. O que para nós foi uma surpresa porque isso foi em 92, quando a gente teve a Natsu pela primeira vez. É… então o que é que tinha no Butoh da Natsu: exercícios físicos terríveis, terríveis; balé clássico e exercícios físicos. Terríveis que eu digo, difíceis. Aí tinha a ativação do terceiro olho, da glândula pineal, isso que eu falo na minha demonstração38. Através da parte de trás do globo ocular, ativa, ativa, ativa e você percebe que algo aciona e que já não é mais você que está manuseando o teu corpo, mas que é uma força extra, paranormal. Que ela chama de fantasma, deixar o teu fantasma te guiar. E realmente isso acontecia.

                                                                                                                         

38Os atores do Lume realizam demonstrações técnicas de treinamentos e

 

Quando você acionava o terceiro olho, que não me pergunte o que é, você sentia uma energia que emanava de você e que essa energia é que movimentava o teu corpo…

K – … e você fazia a manutenção disso o tempo todo,

dessa ativação.

S – dessa ativação. Só pensava nisso e o corpo ia. Eu

lembro que realmente fazia coisas que eu nunca fazia no meu normal, até no meu normal de treinamento… subir algo sem esforço, era quase… você podia ser tudo o que você pensasse. Então era corpo físico, a segunda coisa era o terceiro olho e a terceira coisa era imagem. Só que a imagem, eram imagens… eu estou andando dentro da parede, então você não pode imaginar… eu vou imaginar que estou andando na parede, não… ela dava a imagem, essa imagem entrava no terceiro olho, não me pergunte o que era o terceiro olho, mas era a ativação dessa glândula e você realmente vivia, você andava, você estava atravessando a parede. Diferente dos exercícios de teatro que a gente faz, você imaginar que tá atravessando uma parede e você faz um esforço corpóreo, estou andando entre o cimento, você faz esse esforço, então você faz da tua imaginação real então você põe no teu corpo e você forja, força e forja, demonstra que tá fazendo isso. E no Butoh, da Natsu, não. Realmente você entrava na parede e ali você via. Ela dava várias imagens. Você era um gigante, então você colocava no terceiro olho, não ficava só na imaginação, atravessava o seu corpo, e você ia crescendo, crescendo, crescendo e ela pedia pra você ver a Terra ficando menorzinha, então as montanhas do Rio de Janeiro vão descendo, ficando lá em baixo, você vai crescendo e a Terra vai ficando lá em baixo, até que você tá aqui e a Baia de Guanabara, por exemplo, é uma poça d’água e você como

 

gigante você brinca nessa possa d’água, entende? Então você percebe? Muda a dimensionalidade e isto é verdadeiro.

Eu lembro do dia em que ela tava dançando no espetáculo39 que nós fizemos, que ela era a principal, lá em São Paulo, antes da apresentação, ela já tava pronta, tava lá ia começar, de repente a gente viu a ajudante dela tirando a roupa dela, tava na coxia ainda. Como assim, né? E a Natsu deitada na coxia. Como assim? Já deu o terceiro sinal… aí fizeram, fizeram até que deu 20 minutos ela se recolocou e tudo mais e entrou. E daí a gente perguntou o que tinha