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Um referencial polarizado: a ciência e a unidade plástica

Considerações finais

5.2. Um referencial polarizado: a ciência e a unidade plástica

Nas pesquisas realizadas foram identificados elementos e diretrizes de projeto que permitem vincular as arquiteturas, aparentemente isoladas, que foram segmentadas no tempo político, conforme uma determinada visão de suas configurações arquitetônicas.

No início da década de 1930, tem início o programa de construções escolares na cidade de São Paulo que tem como referência principal uma pedagogia que acreditava na renovação das práticas educacionais – o Escolanovismo – e que tinha como um de seus principais pensadores o educador Anísio Teixeira. Os projetos de escolas realizados nessa época possuem a indefectível marca do estilo denominado Art Déco e que se disseminou por inúmeros edifícios públicos, alcançando até mesmo edificações mais populares. Por Art Déco entenda-se o uso de uma organização plástica dos elementos que compõem a volumetria da edificação e das fachadas elaboradas segundo uma geometria maciça, para utilizarmos um dos critérios mais comuns de definição dessa arquitetura. Também é denominada de arquitetura proto-moderna, pois já contém alguns dos elementos que prevaleceriam na arquitetura moderna propriamente dita, ela possuía a peculiaridade de conter uma nova forma de fazer os projetos, o que inclui o uso extensivo de novas técnicas construtivas, o abandono do ornamento tal como era utilizado nas escolas do período anterior, e o uso de um programa amplamente baseado nas propostas da nova pedagogia. O referencial das escolas”platoon”, também não pode ser menosprezado, e já foi citado em capítulo anterior. Há ainda duas importantes características, e são elas que permitem afirmar que o momento que se inicia na

década de 1930, somente encerra seu ciclo no final da década de 1950. A primeira é o fato de que os projetos feitos a partir de então terão como uma de suas principais fontes de determinação do espaço da escola, principalmente das salas de aula, a aplicação de conhecimentos baseados em fontes científicas. Esse conhecimento permitiria ao autor do projeto determinar as formas, espaços, dimensões e hierarquias espaciais mais adequadas ao uso que aquele projeto deverá ser submetido. Isso se baseia na concepção de que um determinado conhecimento científico é mensurável e perfeitamente conhecido e, além disso, há ainda a forte convicção de que a ciência é, em si, um meio transformador da sociedade. Em mais de uma oportunidade Anísio Teixeira revela esse pensamento. O arquiteto José da Silva Neves, bem como outros responsáveis pelo programa de construção de escolas da década de 1930 também compartilham dessa visão.

Isto posto, os projetos realizados nessa época contêm as principais referências volumétricas e de implantação no terreno que serão amplamente utilizadas nas décadas posteriores: o posicionamento das salas de aula para a orientação de maior incidência de luz solar durante a maior parte do dia, ou seja, no caso da cidade de São Paulo é a direção norte; a colocação de salas de aula somente de um lado dos corredores de circulação; o agrupamento por afinidade funcional dos espaços internos da escola (administração, recreação e ensino); o uso de fórmulas matemáticas e materiais que garantam a qualidade acústica e térmica dos ambientes destinados às crianças; a criação de espaços de lazer de uso específico, possibilitados pelo uso do concreto armado, e sugeridos pela nova visão sobre o que é a criança.

O vínculo, porém, não ocorre de forma direta como, aliás, em todos os momentos da arquitetura escolar pública da primeira metade do século XX. A renovação nos projetos das escolas não ocorre dentro de grupos que se mantém em contínuo contato, ou que pertençam a uma mesma instituição pública. Pelo contrário, se utilizarmos o critério de divisão temporal indicado por Vilanova Artigas e que ainda prevalece na maioria dos textos que tratam do

assunto, poderemos verificar que as modificações na forma de fazer os projetos ocorre porque há grupos novos de arquitetos, provenientes de diversas origens. A extensão do trabalho da Comissão Executiva do Convênio Escolar parece corroborar essa visão: após o término do Convênio os principais profissionais, que iniciaram o trabalho em 1949 e 1950 já haviam saído, quando a então denominada Comissão de Construções Escolares, com outros profissionais, continuava a construir escolas no final da década de 1950 seguindo os mesmos princípios essenciais delimitados anteriormente. Exceção se faz notar quando Roberto Tibau, que havia sido integrante do segundo Convênio, projeta a Escola Municipal de Astrofísica em 1962.

Essa forma de renovação pode indicar que não há vínculos possíveis entre as arquiteturas das escolas da década de 1930 e aquelas produzidas na década de 1950. Isso é fato apenas em parte. O que se percebe é que, do ponto de vista da aplicação do conhecimento científico para determinar soluções arquitetônicas, a continuidade é visível. Além disso, aquelas características arquitetônicas citadas nos projetos da década de 1930 e início dos anos 1940 permanecem com intensidade nos projetos da Comissão Executiva do Convênio Escolar. Os depoimentos dos arquitetos do Convênio (Hélio Queiroz Duarte, Eduardo Corona, Ernesto Mange, Roberto Tibau, Aluísio Rocha Leão, entre outros) vão confirmar, alguns pessoalmente através das entrevistas, que faziam projetos tendo como referências conhecimentos provenientes da física, da psicologia, da sociologia, ou até mesmo de raciocínios matemáticos abstratos. Ou seja, apesar da renovação continuar a ser feita através de grupos distintos atuando dentro ou para o setor público que trata da construção de escolas, há uma continuidade não por contato ou influência pessoal: a afinidade com o conhecimento científico e o seu vínculo com a arquitetura provêm de outra esfera. No caso das escolas, em inúmeros textos, o uso desse conhecimento se presta não apenas para projetar o ambiente mais “confortável” ou “previsível“ no que se refere ao seu comportamento térmico e ou acústico.

Tudo indica que esses profissionais acreditavam que essa prática permitiria intervir na própria educação das crianças que estão ali dentro.

Todos os profissionais que aqui estão presentes acreditam ou acreditavam que a edificação escolar pode intervir, ou pelo menos contribuir indiretamente para a qualidade e para o alcance da educação que será exercida em seus espaços. Mas no caso do conhecimento científico, essa capacidade iria além, pois seria mensurável, ou, no mínimo, comprovável, visto que avaliar se e como um determinado espaço interfere na educação de uma criança não é uma prática consensual ou tampouco mensurável com precisão.

Portanto, podemos afirmar que há, em uma outra visão sobre o assunto, dois momentos principais em que podemos segmentar o período analisado: o primeiro, que se estende de 1936 a 1959, e o segundo que se inicia em 1957, aproximadamente, e se estende até depois de 1962.

O primeiro momento está impregnado pela presença da ciência, ainda que não como prática metodológica, mas sim como conseqüência do que é a ciência e da aplicação de alguns conhecimentos científicos, se estende de 1936 a 1959. Esse primeiro momento também possui características arquitetônicas semelhantes, ainda que a aparência visível dos seus edifícios e a volumetria do pré-guerra e do pós-guerra sejam realmente diferentes entre si.

O segundo momento revela um outro caminho, que trilha a mesma direção, porém de uma maneira diferente, se comparado ao primeiro: desaparecem dos textos e dos desenhos as explicações matemáticas e científicas. Desaparece a mensurabilidade do desenvolvimento infantil no projeto arquitetônico. Não que o interesse na relação com os aspectos pedagógicos tenha diminuído, muito pelo contrário: a relação entre educadores e arquitetos parece acentuar-se, pois a visão de que a arquitetura pode interferir de alguma maneira, e principalmente em escolas públicas, na educação é mantida com muito vigor, como pode se verificar nos textos e nos projetos. Ressalta um outro aspecto da arquitetura escolar, ainda que em projetos realizados fora do município de São Paulo, mas que irão influenciar os projetos

feitos na capital paulista na década de 1960: a unidade plástica. Esse raciocínio, levado da maneira como foi desenvolvido pelos arquitetos contratados pelo governo do estado, substituiu as preocupações anteriores: o uso sistemático do pórtico de concreto armado repetido em uma seqüência com distâncias semelhantes entre eles criou uma volumetria que tudo abraça e contém. Se há algum vínculo com algum aspecto mensurável cientificamente do projeto, este também se desvanece sob a hegemonia da volumetria que domina pela sua unidade, tanto no que se refere à aparência quanto na técnica construtiva, pois nesse momento não é possível separar a arquitetura da sua estrutura.

Com isso encerra-se um período de intensa produção arquitetônica na cidade de São Paulo. Da admiração e sedução da ciência e da técnica, chega-se ao espetáculo da construção e dos espaços dela decorrentes. A arquitetura das escolas continuaria sendo considerada, nas décadas seguintes, um elemento fundamental na educação, não apenas como meio, mas como um fim em si próprio.