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VAMOS ANALISAR/DIALOGAR COM OS DADOS DE VITÓRIA?

No documento DIVERSIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS VOL. 1 (páginas 87-95)

DESIGUALDADE SOCIAL NA ESCOLA E O CAMINHAR PARA

4. VAMOS ANALISAR/DIALOGAR COM OS DADOS DE VITÓRIA?

Existem vários conceitos e tipologias de racismo. Almeida (2019), em sua obra sobre racismo estrutural, provoca a reflexão sobre os conceitos de racismo como fundamento estruturador das relações sociais. Para o autor, não existe racismo que não seja estrutural, já que essa estruturação se dá pela formalização de um conjunto de práticas institucionais, históricas, culturais e interpessoais dentro de uma sociedade que frequentemente coloca um grupo social ou étnico em uma posição melhor em detrimento de outro.

Nesse sentido, refletir sobre educação e diversidade étnico-racial no Brasil é pensar o processo de desenvolvimento humano, uma vez que a educação escolar corresponde a um espaço sociocultural e institucional responsável pelo conhecimento e cultura. Ao localizarmos o conceito e o processo da educação no contexto das coletividades, das diversidades

de pessoas negras e indígenas, da relação com os espaços sociais, torna--se imperativo o debate da educação para as relações étnico-raciais, na garantia da equidade, tendo como grande desafio a afirmação e a revita-lização da autoestima dos povos negros e indígenas. Garantir o exercício desse direito e construir uma escola democrática, inclusiva e que impõe ao campo da educação ações de enfrentamento ao racismo. Dessa forma, se esse sentimento complexo de inferioridade do (a) negro (a) e de supe-rioridade do (a) branco (a) nos é ensinado, cabe à sociedade, brancos(as) e negros (as), se propor a desconstrui-los, pois a educação, como aparelho do estado, ainda reproduz essa mentalidade racista de pensar o negro(a) na condição inferior, do não saber, da invisibilidade. Essa desconstrução se faz necessária, pois o imaginário coletivo ainda subjuga as comunidades negras. São os (as) filhos (as) dessas comunidades que aparecem em des-taque nos índices de reprovação apontada pelo município de Vitória. De acordo com os dados do Sistema de Gestão Escolar (SGE), grande parte dos (as) estudantes reprovados (as) em 2019, declararam-se pardos (as) e negros (as) , conforme tabela que se segue:

Tabela 1 — Nº de matrículas por Gênero e Raça/Cor 2019

Raça/Cor Gênero Matrícula Aprovado Reprovado Desistência

Amarela M 38 36 01 01

F 37 33 02 02

Branca M 3.827 3.588 186 53

F 3.716 3.513 121 82

Indígena M 39 36 02 01

F 45 41 01 03

Não Declarada

M 215 125 38 52

F 249 169 32 48

Parda M 9.217 8.213 685 319

F 8.793 8.054 442 297

Preta M 1.449 1.226 139 84

F 1.396 1.236 87 73

Total M 14.785 13.224 1.051 510

F 14.236 13.046 685 505

Total Geral 29.021 26.270 1.736 1.015

Fonte: GPLAN/SGE/SEME/2019.

ROGERIO BORBA DA SILVA (ORGS.)

Os dados que nos são oferecidos pela Tabela 01 nos exigem dois cami-nhos de análise para um maior entendimento da relevância das informa-ções. Nessa direção, construímos a Tabela 02 onde temos os números de matrículas, taxa de reprovados e desistentes por Raça/Cor. Tendo como referência a matrícula total, onde brancos, pardos e pretos são, respectiva-mente, 25,99, 62,05 e 9,80%. Ocorre que essa proporção não se mantém nas situações de reprovação e desistência26. No caso das reprovações de brancos, pardos e pretos temos, respectivamente, 17,68, 64,91 e 13,01%, assim, verificam-se que Brancos reprovam menos (25,99 / 17,68%) e par-dos e pretos reprovam mais, sendo que parpar-dos (62,05 / 64,91%) e pretos (9,80 / 13,01%). Em relação aos pretos, observa-se um acréscimo de qua-se um terço. A situação acima também qua-se repete em relação aos casos de desistências, com dois extremos, a saber: Brancos (25,99 / 13,3%) e Pretos (9,80 / 15,46%).

Tabela 2 — Nº de Matrículas por Raça/Cor, EF, PMV, 2019 RAÇA/COR Matrícula

Amarela 75 0,25 03 0,17 03 0,29 0,21

Branca 7.543 25,99 307 17,68 135 13,3 16,06

Indígena 84 0,28 03 0,17 04 0,39 0,25

Não

Declarada27 464 1,59 70 4,03 100 9,85 6,17

Parda 18.010 62,05 1.127 64,91 616 60,68 63,35

Preta 2.845 9,80 226 13,01 157 15,46 13,92

Total Geral 29.021 100 1.736 5,98 1.015 3,49 2.751 Fonte: GPLAN/SGE/SEME/2019.

Ainda sobre a tabela 02, salta aos olhos a situação dos “não declara-dos” que em relação ao seu tamanho nas matrículas (seus 1,59%) multi-plica por 2,5 o tamanho nas reprovações (1,59 / 4,03%) e por seis em rela-ção as desistências (1,59 / 9,85%). É mister lembrar que os não declarados pode ter uma grande chance de um predomínio de pretos, o que acentua

26 Em alguns casos a desistência pode ser uma “antecipação” de uma reprovação. Há de ser analisar os fatores que impõe empecilhos para que os(as) estudantes não conclua o ano letivo.

27 Estudos mostram que em “Não Declarada” são remotas as chances do não declarante ser Branco e em seu oposto, é grande a chance do não declarante ser Preto.

ainda mais esse hiato educacional. A construção da tabela 03 nos permite uma análise mais nítida da situação quando aglutinamos pardas, pretas e não declaradas. Em uma palavra, 83,46% dos reprovados e desistentes são desse grupo quando o seu total de matriculados é 73,46%.

Tabela 3 — Nº de Matrículas por Raça/Cor: PP+ND, EF, PMV, 2019 RAÇA/

Declarada 464 1,59 70 4,03 100 9,85 6,17

Parda 18.010 62,05 1.127 64,91 616 60,68 63,35

Preta 2.845 9,80 226 13,01 157 15,46 13,92

Total:

PP+ND 21.319 73,46 1.423 81,97 873 86 83,46

Total Geral 29.021 100 1.736 5,98 1.015 3,49 2.751 Fonte: GPLAN/SGE/SEME/2019.

Se desmembrássemos os dados em reprovação e desistência para uma análise mais detalhada, ainda assim, a situação não seria das melhores, pois teríamos: 73,46% dos matriculados para 81,97% dos (as) reprovados (as) e ou 86% dos (as) desistentes nos PP+ND. Patto (1999) destaca em suas pesquisas como a psicologia forjada nas teorias racistas adentraram a lógica educacional ao longo da história da educação, principalmente na década 70, quando a inteligência e os processos de avaliação das aptidões utili-zavam testes de quociente de Inteligência para mensurar o rendimento escolar de estudantes. Demarca que, nessa época, o índice de reprova-ção no Brasil envolvia estudantes pretos (as) e pardos (as). No entanto, essa lógica parece inalterada até a atualidade, o que nos mobiliza a pensar em estratégias e políticas públicas de visibilidades desses sujeitos a fim de apontar e valorizar as histórias que permeiam as identidades desses (as) estudantes, sabendo que o racismo é estrutural e requer compromisso so-cial e implementação de políticas públicas como as Leis n.º 10.639/03 e n.º 11.645/08, na tentativa de buscar formas de potencializar as histórias e identidades negras desses (as) estudantes impactados pelo racismo que se apresenta nas diversas formas. A partir dessas reflexões, é importante destacar as legislações nacionais que respaldam a necessidade da norma-tização da inclusão, nos currículos escolares, das temáticas em questão.

ROGERIO BORBA DA SILVA (ORGS.)

Gráfi co 1: Nº de Matrículas, reprovações e desistências por Raça/Cor:

PP+ND x Brancos, EF, PMW, 2019:

O conselheiro e professor da PMV, Daniel Barboza Nascimento, em sua pesquisa “A ilha e ornitorrinco: a dualidade do Ideb na cidade de Vitó-ria”, nos traz uma análise crítica sobre os resultados do Ideb (2005-2019) em nossa capital, que muito corrobora com a temática, onde encontra, a partir de dados socioeconômicos e raciais, duas cidades dentro de uma: a Vitória/

Continente expressando os “melhores” resultados e de maioria Branca, na outra ponta, encontramos a Vitória/ilha, que atende as crianças da periferia como expressão dos “piores” resultados e de maioria parda e preta.

Figura 1: Parti cipação da População Negra e Parda no Total de Habitantes pro Bairro de Vitória - 2010

Ao sobrepor as tabelas 2 e 3, bem como a figura 1, poderia afirmar, com segurança, onde se tem os maiores índices de reprovação e desis-tência, também se expressam as escolas com os “piores” resultados e, de maioria estudantes pardos e pretos. Mediante todo o contexto vivido no decorrer desta pesquisa e nos dados coletados, acreditamos que estes resul-tados dialogam com as políticas excludentes no Brasil que, mesmo com a democratização do ensino e recebendo a pluralidade étnica, com predo-minância de negros/as e pardos/as, as escolas continuaram, por décadas, atuando no viés eurocentrado, racista e elitista, invisibilizando as ciências e as histórias dos povos africanos, afro-brasileiro e indígenas.

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