Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Fernando Henrique Cardoso, na cerimónia de condecoração da Ministra das Relações Exte- riores da República da Colômbia, Noemi Sanín de Rubio, com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, no Palácio Itamaraty, em 13 de abril de 1993
Jlí/xcelentíssima Senhora Ministra Noemi Sanin de Rubio,
Com grande satisfação pessoal, saúdo a presença nesta Casa da Senhora Minis- tra das Relações Exteriores da República da Colômbia, estendendo fraternos votos de boas-vindas à ilustre comitiva que a acompanha.
O Brasil recebe muito honrado a visita de Vossa Excelência. A mim, ela oferece a grata oportunidade de prosseguir o diá- logo que temos mantido no âmbito de reuniões multilaterais, especialmente do Grupo do Rio. Ao recebê-la hoje em nosso país, antecipo que nossas conversações servirão para aprofundar o clima de enten- dimento e colaboração que tradicional- mente preside o relacionamento entre o Brasil e a Colômbia. Este mesmo resulta- do haverá de ser colhido com as reuniões da Comissão Mista de Cooperação Econó- mica e Técnica e com a primeira reunião do Grupo Permanente de Cooperação Consular, cuja realização coincide com a visita de Vossa Excelência. Sua vinda ao
Brasil empresta, assim, alta relevância po- lítica aos trabalhos dos mecanismos de cooperação bilateral.
Neles, estamos empenhados em en- contrar novos interesses comuns com vis- tas ao adensamento permanente de nossas relações bilaterais, mediante a troca cons- tante de experiências. Buscamos, desta forma, dar fundamento prático e objetivo a uma amizade que se enraíza e se amplia. Brasil e Colômbia aproximam-se por uma notável identidade de pensamento em relação a diversos e variados temas de interesse mundial e regional. As afinida- des culturais, as semelhanças de formação compartilhados por nossos povos espa- lham-se em grande convergência de pen- samento e de vontade política entre nossos Governos, que se tem evidenciado em inú- meras ocasiões no âmbito internacional, onde trabalhamos lado a lado pela paz e pelo desenvolvimento.
Nossos dois países identificam-se igual- mente como democracias rejuvenescidas, que, sob a égide de novas Constituições,
buscam consolidar o espaço que lhes cabe no cenário mundial marcado por rápidas transformações. A valorização de ideais democráticos contribui decisivamente para o aperfeiçoamento do diálogo políti- co e para a intensificação de nossas rela- ções económicas e comerciais.
Senhora Ministra,
Não estivéssemos já vinculados pela tradição histórica, pela solidariedade re- gional e pelas afinidades humanas, quis também a geografia unir-nos de maneira indissolúvel, fazendo-nos nações amazô- nicas, herdeiras e condôminas de inesti- mável património, cujo desenvolvimento em benefício de nossos povos devemos promover conjuntamente.
No passado, a Amazónia terá sido a explicação por termos crescido virtual- mente de costas um para o outro, debru- çados sobre nossos litorais. Hoje, a Ama- zónia nos une. A extensa fronteira co- mum que compartilhamos por 1.645 qui- lómetros, entre os pontos extremos de Tabatinga e Pedra do Cocuí, merece nos- sa atenção prioritária.
A valorização da Amazónia, para ge- rar resultados económicos duráveis, tem de basear-se no conhecimento de todos os aspectos daquele imenso conjunto de ecossistemas e incluir ações para seu de- senvolvimento sustentável. Requerem-se investimentos consideráveis em pesquisa científica e em desenvolvimento de téc- nicas novas. A cooperação bilateral nes- te campo deverá intensificar-se para compensar a escassez do apoio financei- ro internacional.
O programa bilateral de cooperação fronteiriça, já em andamento, onde se destaca o Plano Modelo para o Desen- volvimento Integrado das Comunidades Vizinhas ao Eixo Tabatinga-Apapóris, foi o primeiro passo nessa direção. Em nossas reuniões no dia de amanhã, pre- tendemos acertar os próximos passos que nossos Governos darão para ampliar essa cooperação.
O Tratado de Cooperação Amazônica, edificado sobre os pilares da igualdade e da soberania de cada Estado, constitui pa- trimónio diplomático das nações que com- partilham o território amazônico.
Por isso mesmo, o Tratado de Coope- ração Amazônica deve ser revigorado para corresponder a sua vocação. É preciso, sobretudo, fortalecer sua estrutura institu- cional, como maneira de adequá-lo aos desafios de nossos dias e de melhor servir os objetivos para os quais foi concebido. É nesse sentido que deve ser entendida a proposta brasileira de criação de uma Se- cretaria Permanente em substituição à atual Secretaria Pro-Tempore do Tratado. O fortalecimento institucional do Tratado nos permitirá promover o desenvolvimen- to económico e social da região, ainda mais quando a propalada preocupação in- ternacional não se traduz em iniciativas de aporte adequado.
Não haverá de correr muito tempo até que as fronteiras que compartilhamos, ain- da desertas em muitos pontos, venham a ser ocupadas pelo trabalho pacífico e or- denado de nossos cidadãos. Ali haveremos de somar, no contato direto e diário, mui- tas vezes em cidades contíguas, como já
acontece no caso de Letícia e de Tabatin- ga, os esforços em que devemos envolver- nos desde agora.
A visita de Vossa Excelência enseja ocasião oportuna para impulsionarmos ini- ciativas importantes que tiveram início por ocasião da sempre recordada visita que fez ao Brasil, em setembro de 1991, o Presiden- te da República da Colômbia, Doutor César Gaviria Trujillo. Dá-nos, igualmente, opor- tunidade para encetarmos novas ações e de perseverarmos na busca de posições co- muns em matérias de interesse mútuo, como é o caso do mercado cafeeiro. Nesse setor, acabamos de dar um exemplo de confiança mútua e de defesa vigorosa dos interesses dos países produtores.
Senhora Ministra,
A Iniciativa Amazônica, anunciada pelo Presidente Itamar Franco na reunião de cúpula do Grupo do Rio em Buenos Aires, em dezembro passado, constitui eloquente demonstração do interesse bra- sileiro em aprofundar a integração econô- mico-comercial com os países latino-ame- ricanos. Para o Brasil, a prioridade ao Mer- cosul não tem caráter excludente. Reitero, nesta oportunidade, a firme intenção de acelerar, no âmbito da Iniciativa Amazô- nica, o processo de negociação de Acordos de Complementação Económica com os países amazônicos.
Da mesma forma, o Brasil acompanha com interesse os progressos alcançados nos processos de integração de que parti- cipa a Colômbia, em especial o Grupo Andino e o Grupo dos Três. A exemplo do Mercosul, entendemos que a dinâmica
própria dos diferentes processos sub-re- gionais representa importante contribui- ção, de caráter concreto e pragmático, à integração latino-americana.
Não acreditamos em prosperidade iso- lada. Sabemos que o progresso de nosso vizinho abrirá oportunidades para o nosso próprio desenvolvimento. Da mesma for- ma, nosso crescimento contribuirá para o progresso de nosso vizinho. A solidarieda- de é indispensável.
O Brasil, como a Colômbia, está em- penhado em luta que não pode ser mais adiada. Estamos determinados a erradicar a pobreza e a ignorância, a combater as enfermidades, a proporcionar a nossas po- pulações a certeza de um futuro melhor, a confiança no amanhã.
Sabemos perfeitamente que obstácu- los existem e que não são poucos nem de pouca monta. Mas a determinação de su- perá-los também é grande, com realismo e inquebrantável determinação política. Acreditamos na lição de Unamuno, quan- do ensinava que «não devemos confor- mar-nos em sermos apenas os filhos de nosso passado, mas devemos animar-nos a ser os pais de nosso futuro».
É essa mensagem de confiança que desejo que Vossa Excelência leve de volta aos nossos irmãos colombianos.
E é com a mesma fé no futuro de crescente cooperação entre os nossos paí- ses que cumpro aqui a honrosa tarefa, em nome do Presidente Itamar Franco, de im- por a Vossa Excelência as insígnias da Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro
do Sul. Quis o Governo brasileiro conde- corá-la, nesta oportunidade, para signifi- car os sentimentos de alta estima e sincera admiração que nutrimos por Vossa Exce-
lência e, ao mesmo tempo, para marcar com esta sua visita um momento singular na história do relacionamento entre o Bra- sil e a Colômbia.
Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Fernando Henrique Cardoso, na cerimónia de assinatura de atos com o Governo da Colômbia, por ocasião da visita oficial ao Brasil da Ministra das Relações Exteriores
da República da Colômbia, Noemi Sanín de Rubio. Brasília, em 14 de abril de 1993
O significado desta ocasião transcende a simples assinatura de atos protocolares, que têm lugar na oportunidade em que visita o Brasil a Senhora Ministra das Re- lações Exteriores da vizinha e irmã Repú- blica da Colômbia.
Com efeito, os atos que acabam de ser firmados representam a firme vontade de nossos Governos de ingressar em uma nova e mais amadurecida fase de suas relações bilaterais. Demonstram inequivo- camente a determinação política de nossos dois países de colocar nossas significati- vas convergências a serviço do bem-estar e da melhoria das condições de vida de seus cidadãos.
Porque já não basta, Senhora Minis- tra, que nossos países constatem que não têm divergências sobre temas de impor- tância no cenário político mundial e que, ao contrário, coincidem em boa parte des- ses pontos.
É necessário traduzir a identidade de pontos de vista, expressa nas excelentes relações que nossos países felizmente des-
frutam, em atos cujos resultados possam ser sentidos por nossos cidadãos.
A Ata da Segunda Reunião da Comis- são Mista de Cooperação Económica e Técnica é um exemplo bem claro do que acabo de dizer. Idealizada no final da década de 50 como instrumento para ca- nalizar a cooperação bilateral nas áreas económica e técnica, a Comissão não se reuniu senão uma vez, e isso há mais de uma década.
Reunida agora, os resultados do en- contro demonstram que os tempos são definitivamente outros. Os trabalhos da Comissão foram bem mais ambiciosos que o escopo previsto em seus estatutos. Em dois dias de trabalho profícuo, foram passados em revista temas relativos à cooperação económica e técnica nas áreas de meio ambiente, agricultura, mi- neração, cooperação fronteiriça, energia elétrica e cooperativismo, entre outros importantes assuntos, sempre com a mes- ma preocupação, a de melhorar, de algu- ma forma, as condições de vida de nossos cidadãos, particularmente as daqueles
que vivem em situação tão difícil em nos- sas regiões de fronteira.
A Ata da Reunião do Grupo de Coope- ração consular reflete a mesma preocupa- ção. Pela primeira vez reuniu-se o Grupo, e os resultados de seu trabalho pronto já se farão sentir sobre o quotidiano de nossas comunidades fronteiriças, sobretudo no que diz respeito à saúde, à agilização dos trâmites aduaneiros e à segurança.
O Acordo que acaba de ser assinado entre Brasil e Colômbia sobre sanidade vegetal paraproteção de zonas fronteiriças e intercâmbio de seus vegetais e produtos derivados tem igualmente uma preocupa- ção bastante objetiva: decorre da cons- ciência de que existem pragas, doenças e ervas daninhas exóticas, cuja presença, em qualquer dos dois países, poderia ocasio- nar graves problemas socioeconômicos. O Acordo visa reduzir ao mínimo os riscos fitossanitários no intercâmbio comercial de produtos agrícolas entre os dois países.
O último dos Atos firmados diz res- peito ao exercício de atividades remune- radas por parte de dependentes do pes- soal diplomático, consular, administrati- vo e técnico. Esse Acordo vem discipli- nar o exercício de tais atividades, esta- belecendo regras claras para a análise da concessão da autorização pertinente por parte do Estado receptor. Diria que, da mesma forma que os demais Atos hoje firmados, este Acordo preocupa-se tam- bém em sanar dificuldades, criando, portanto, condições de vida melhores para nossos cidadãos.
Assim, Senhora Ministra, estou con- vencido de que a assinatura desses docu- mentos são um firme passo adiante, soli- dário. São um convite à cooperação conti- nuada, respaldada na certeza de uma ami- zade fortalecida, que é a base dos docu- mentos que acabamos de firmar.
Muito obrigado. •