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Vulnerabilidade social e os desastres

Existem incontáveis formas de se definir vulnerabilidade. É caracterizada normalmente por seus aspectos direcionados ao objetivo de determinado estudo, o resultado que almeja ser alcançado e, obviamente, as especificidades do que se quer conhecer em nível de escala, temporal ou espacial, bem como as particularidades da área de estudo.

Dentre as ciências ambientais, os estudos sobre vulnerabilidade tendem a contribuir para o entendimento das circunstâncias que põem as pessoas sob algum tipo de risco, da mesma forma que permitem a concepção dos condicionantes os quais reduzem a habilidade com que as pessoas e os lugares podem responder às ameaças do meio, ou seja, reduzem sua resiliência (CUTTER, 2003).

Fundamentalmente, é possível dizer que a vulnerabilidade é a predisposição de ordem física, econômica, política ou social que uma determinada comunidade tem de ser afetada ou de sofrer algum tipo de dano, causado por um fenômeno desestabilizador de ordem natural ou antrópica (CARDONA, 2004).

Diante disso, a necessidade de investigar a vulnerabilidade, associada à exposição a perigos naturais, está associada a busca pela diminuição dos impactos frente a probabilidade de um desastre iminente. De fato, essa categoria abrange tanto características dos indivíduos, quanto de seu grupo social, ao considerar os fatores socioeconômicos que restringem diretamente sua capacidade mediante a ocorrência de um evento capaz de causar danos ou perdas.

De certo modo, a vulnerabilidade social é parcialmente o produto das desigualdades - os fatores sociais que influenciam ou moldam a suscetibilidade de vários grupos para prejudicar e que também regem a sua capacidade de responder (CUTTER et al., 2003). Nessa perspectiva, Tapssel et al. (2010, p.13) ainda reforça que:

[...] vulnerabilidade social é muitas vezes um produto de desigualdades e causas externas aos perigos naturais e não relacionadas com o tipo de perigo. Além disso, do ponto de vista estratégico, o tipo de perigo também pode ser considerado irrelevante, pois as principais preocupações para todos os riscos são evitar a perda de vidas, danos, perdas financeiras, etc (TAPSSEL et al., 2010, p. 13).

Desse modo, conhecer a vulnerabilidade como aspecto social exige do observador a consciência de que esta surge vinculada a noção da desigualdade social e, consequentemente, as capacidades da população de se estabelecer frente à estruturação da sociedade. Ademais, o pesquisador deve ter claro em sua mente o fato de que a mesma está relacionada a exposição dos indivíduos a uma variedade de fenômenos de naturezas diversas, a qual podem resultar na perda de algo ou algum prejuízo em potencial.

É válido esclarecer que as diferenças econômicas, de poder, de status, etc., entre os grupos sociais estão refletidas no espaço, determinando ou, pelo menos, influenciando decisivamente onde os membros de cada grupo podem viver (SOUZA, 2005).

Quase sempre existiram grupos que, devido a sua pobreza, sua etnia ou a outros fatores eram forçados a viverem em certas áreas (geralmente menos atraentes e bonitas, menos dotadas de infraestrutura, mais insalubre e etc.), sendo, na prática ou até formalmente, excluídos de certos espaços, reservados para as classes e grupos dominantes (SOUZA, 2005, p.68).

Sendo assim, a desigualdade social e as diferenças econômicas geram segregação e, consequentemente, forçam determinadas parcelas da população (sobretudo as mais pobres) a viverem em determinadas áreas periféricas da cidade onde existem riscos de variadas razões e de distintas intensidades.

No entanto, pode-se dizer que existem áreas de risco as quais comportam uma população com baixo índice de vulnerabilidade e, consequentemente, áreas com alta vulnerabilidade que não estão em zonas de risco. Por isso, se faz importante identificar como esse aspecto inerente às pessoas se comporta no espaço geográfico, de modo a servir como instrumento lógico que dá suporte a tomada de decisões frente ao ordenamento do território.

Campos (1999) afirma que o conceito de vulnerabilidade é negativo, pois se refere, principalmente, a certas qualidades e fraquezas ou impotência de um grupo social no enfrentamento de ameaças específicas. Essa afirmativa é reforçada à medida que Narváez et al. (2009) sugerem que a vulnerabilidade configura-se enquanto à predisposição dos seres humanos, seus meios de vida e suporte dos mecanismos de danos e perdas para a ocorrência de eventos físicos potencialmente perigosos.

Corriqueiramente, a vulnerabilidade se destacou no âmbito da compreensão da condição subjetiva das pessoas, pelo qual tende a permitir que um determinado perigo se consuma como um desastre. Porém, a sua definição ainda são temas constante de debates no meio científico atual. O conceito de vulnerabilidade tem sido continuamente ampliado, passando a apresentar uma abordagem mais abrangente ao incluir a exposição, suscetibilidade, capacidade de lidar e de adaptação, buscando relacioná-las com as diferentes áreas temáticas - tanto de natureza física, social, econômica, quanto ambiental (BIRKMANN, 2006).

Segundo Blaikie et al. (1994, p. 11) “Por vulnerabilidade, entendemos as características de uma pessoa ou grupo e sua situação que influenciar a capacidade de antecipar, lidar, resistir e

se recuperar do impacto de um risco natural (um evento ou processo natural extremo)”. Desse modo, compreender a vulnerabilidade exige um entendimento particular do que é real, visto que considerando base conceitual utilizada, ela irá se fragmentar em três partes: susceptibilidade, capacidade de lidar e capacidade de adaptação.

Segundo Almeida, Birkmann e Welle (2016) a susceptibilidade se refere a comunidades ou elementos expostos (infraestrutura, ecossistemas, capacidade econômica, nutrição, etc.) nos quais os tornam mais propensos a experimentar danos e serem afetados negativamente por um risco natural ou pela mudança climática. Já a capacidade de lidar se refere a uma resposta direta ao impacto de um determinado evento de risco, o que implica na reação imediata durante uma crise ou desastre. Por fim, a capacidade de adaptação diz respeito à competência de um grupo ou sociedade, organização e sistemas, usando ferramentas e recursos disponíveis para enfrentar e gerenciar emergências, desastres ou condições adversas que possam levar a um processo prejudicial causado por um fenômeno perigoso.

Neste sentido, o risco é o produto de potencial perigo associado às condições de vulnerabilidade de uma população exposta pela qual o perigo intenso e a alta vulnerabilidade levam ao desastre. Assim, reduzir o risco implica considerar tanto os aspectos sociais quanto os físicos (VINCHON et al., 2011), vindo a exposição ser representa pela análise do fenômeno físico e sua relação com o ambiente, e a vulnerabilidade o produto da associação entre suscetibilidade, capacidade de lidar e de se adaptar a um eventual desastre. Sendo assim, a partir das concepções previamente discutidas é possível estabelecer um modelo esquemático da relação conceitual entre risco, perigo e vulnerabilidade (FIGURA 5).

Diante do exposto, a ocorrência de um desastre natural está sempre associada às perdas (sejam elas econômicas, sociais ou ambientais). Neste contexto, adota-se o termo risco, o qual pode ser considerado com a probabilidade de consequências prejudiciais ou perdas resultantes da interação entre perigos naturais e o ambiente (UNDP, 2004).

Tobin e Montz (1997) conceituam desastres como sendo o resultado de eventos adversos os quais causam impactos na sociedade, sendo distinguidos principalmente em função de sua origem, isto é, da natureza do fenômeno que o desencadeia. Assim, o desastre surge justamente ao considerar-se as consequências diretas da materialização do risco na sociedade, ou seja, perdas materiais (destruição de residências danos a patrimônios em geral) e imateriais (vidas).

Figura 5 - Modelo esquemático da relação conceitual entre risco, perigo e vulnerabilidade

Fonte: Elaborado pelo autor,Adaptado de Vinchon et al. (2011).

Em geral, os desastres são o produto de uma relação complexa entre o ambiente físico e a sociedade, seu comportamento, função, organização e desenvolvimento, incluindo a percepção humana (QUARANTELLI, 1998). O desastre ocorre quando o perigo se concretiza, no momento em que o risco deixa de ser uma probabilidade e se torna algo real. Apesar de serem conceitos distintos, as ideias gerais se conectam em um único propósito em decorrência de sua abordagem conceitual (FIGURA 6).

Envolver a relação direta entre as condições econômicas e sociais, os níveis de potenciais perdas e a possibilidade de resiliência é relevante para endossar a discussão sobre a prevenção ou adaptação de um grupo de indivíduos a um desastre, justamente pela dificuldade de retornar as condições previas do evento. Diante disso, Zanella et al. (2009) afirma que:

Os grupos sociais de maior renda ocupam os ambientes de amenidades sociais e ambientais com melhor infra-estrutura e serviços, enquanto os de menor poder

aquisitivo, os mais vulneráveis, tendem a localizarem-se nas chamadas áreas de risco, ou seja, áreas de maior exposição a situações insalubres (contaminação de água, do solo, e do ar) e inseguras (riscos de acidentes de diversos tipos) (ZANELLA et al., 2009, p. 293).

Figura 6 - Abordagem conceitual (Risco, perigo e desastre)

Fonte: Adaptado de Aneas de Castro (2000).

As situações das pessoas em estado de vulnerabilidade social precisam ser compreendidas considerando a existência real de pessoas expostas a algum tipo de perigo. Certamente, compreender essa vulnerabilidade - e como ela se relaciona com o desastre - é indispensável a qualquer estudo de risco. Dessa forma, possibilita a realização de análises mais fiéis e coerentes com a realidade.