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Scripta Alumni - Uniandrade, n. 6, 2011.

diante da selvageria em sua propriedade, tome a atitude que tomou. Com a morte do pai, não se casa com o João Batista e liberta os escravos. As parentas D. Virginia, Sinhá Rola, Celestina e D. Inácia procuram outros caminhos para passar o resto da vida. D. Mariana, ao final, quando pouca coisa da casa resta, volta para a fazenda, porém muito debilitada.

Carlota poderia ter escolhido pelo casamento e ter se tornado uma bem sucedida baronesa, mas ela abre mão de tudo isso e opta pela sua liberdade e pela liberdade dos escravos. Mesmo que isso não signifique a sua felicidade, pois continua a sentir-se solitária, tendo de cuidar de sua mãe doente. Aos escravos a liberdade também não significa felicidade, pois continuam a habitar a senzala, sem terem para onde ir e não querendo realizar mais o trabalho que até então realizavam. Parecem espantados diante da nova situação.

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porão do grande navio, não notava que algo se deteriorava. De fato, não notou que a mãe corria o casco do navio às escondidas. Em segredo, ela tratava André de maneira diferenciada em relação aos outros filhos - é chamado de “coração”, recebe carícias que os outros irmãos não recebem, trocam confidências por meio de gestos.

André foge para a cidade e parece livre para cultivar essa sensibilidade, para remoer o discurso do pai. O filho pródigo volta, mas parece decidido a subverter a ideologia que o pai impõe, a dilacerar o discurso patriarcal que mantém o statuos quo. André volta da cidade, porém traz consigo sua revolta. Traz também uma caixa repleta de adereços das prostitutas com as quais se deitou, um relicário da sua promiscuidade. André não apenas torna a enfrentar o pai, mas também dissemina para Lula esse vírus que o toma e enfeita a irmã Ana com todos os acessórios símbolos da sensualidade e da luxúria. A dança de Ana é como a dança de uma sibila que prenuncia o fim.

Para Carlota também cabe o adjetivo de “filha pródiga”. Sua volta não trouxe a felicidade que tantos esperavam, não trouxe junto consigo o poder de alegrar a casa em luto. Ela volta da cidade e logo se sente entediada com a rotina da fazenda. O seu olhar, assim como o de André e o de Ana, se transformou a tal ponto que se torna impossível para ela aceitar a ideologia que mantinha as engrenagens da fazenda em pleno funcionamento. Ignora os parentes e prefere a companhia das escravas Joviana e Libânea. O pai, diante da morte certa, passa o controle da fazenda para as mãos dela. Nesse momento o leitor se questiona por que o pai não passou o comando para um dos filhos homens. Esses moravam na Corte e não se preocuparam nem ao menos em visitar a fazenda no dia do funeral da irmã mais nova. Mais a frente, em uma cena intensa, fica entendido o motivo pelo qual Carlota fica responsável pela fazenda. O irmão mais novo, assim como o pai, morre de febre amarela. O outro irmão volta para a fazenda, mas apenas de passagem, para poder exigir a sua parte na herança da família.

Não sei o que vim fazer aqui! Odeio esta casa, odeio tudo isto, odeio até o ar que respiro! É preciso a mana saber que nunca mais porei os pés no Grotão, e necessito pôr em ordem toda a minha herança, para não ter mais necessidade de voltar! Regresso à Corte amanhã mesmo, ainda que tenha de ir a cavalo o caminho todo. (PENNA, 1958, p. 1275)

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Carlota, diante de um comportamento tão exasperado do irmão, fala sobre seus projetos:

Eu ficarei no Grotão até morrer – afirmou serenamente Carlota e até mesmo as paredes, ao repetirem o eco de suas palavras, pareciam com ela se identificarem. Era toda a enorme mansão, as terras sem fim em derredor, as matas ainda intocadas, os campos lavrados, os morros cobertos pelos cafezais a falarem por sua boca. – Mas não sei se a minha permanência nele será para a vida pó para a morte do trabalho de nosso pai e de nossos avós...Creio que vamos todos morrer lentamente, dia a dia, momento a momento, mas sempre os mesmos aqui... (PENNA, 1958, p. 1276)

A fala de Carlota é um tanto enigmática. Como, mesmo morrendo, as pessoas podem continuar sendo as mesmas? Talvez porque mesmo depois da morte o sistema patriarcal continua, as personagens que vão se sucedendo interpretam sempre os mesmos papéis, são formatadas nas mesmas funções, as quais foram determinadas antes mesmo de elas nascerem. Mas, no Grotão, isso deixa de acontecer, pois Carlota, quando tem nas mãos o comando da fazenda, faz como um funcionário em protesto, que joga a ferramenta nas engrenagens da fábrica.

CONCLUSÃO

Neste trabalho procuramos demonstrar como Carlota e Ana são personagens que se voltaram contra uma ideologia que as oprimia. Como, diferente de suas mães não entregaram as orações para poder expurgar os sofrimentos, tendo como únicos confessores Deus e o padre. Atitude comum em algumas das resignadas mulheres de Lavoura arcaica, A menina morta, e também da vida real. Segundo Gilberto Freyre:

(...) pode-se atribuir ao confessionário, nas sociedades patriarcais em que se verifique extrema reclusão ou opressão da mulher, função utilíssima de higiene, ou melhor, de saneamento mental. Por ele se teria escoado, sob a forma de pecado, muita ânsia, muito desejo reprimido, que doutro modo apodreceria dentro da pessoa oprimida e

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recalcada. Muita mulher deve ter se salvado da loucura (...).

(FREYRE, 2000, p. 125-126)

É possível comparar o discurso de André com o discurso do escritor, o qual assimila o discurso corrente, o analisa, e depois utiliza para denunciar as falhas e lacunas da realidade que o discurso oficial produziu, as diferenças que sufocou, os questionamentos que ignorou. Além de proporcionar prazer, o escritor engajado proporciona o contato com outras experiências, permite ao leitor vivenciar outras histórias. Segundo Sartre, em Que é a literatura:

O escritor engajado sabe que a palavra é ação; sabe que desvendar é mudar e que não se pode desvendar senão tencionando mudar. Ele abandonou o sonho impossível de fazer uma pintura imparcial da Sociedade e da condição humana. (...) a função do escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e considerar-se inocente diante dele. (SARTRE, 2004, p. 20-21)

O mais interessante é notar que houve um período em que discutir as ideologias políticas e religiosas era uma atitude indispensável para os intelectuais da época. Segundo Luis Bueno: “(...) a intelectualidade efetivamente não se enxerga, naquele momento, nem um pouco desconectada da realidade política, seja tendendo à esquerda, seja à direita.”

(BUENO, 2006, p. 36). A obra de Cornélio Penna foi um tanto ignorada pela crítica e o autor foi acusado de reacionário, por se admitir católico. De acordo com Fausto Cunha, no período em que Cornélio Penna escreveu, o romance brasileiro:

(...) penetrava na sua fase aguda de realismo, e os valores que se destacavam eram escritores diretos, objetivos crus, muitos não escondendo seus intuitos políticos, suas diretrizes ideológicas. (...) a solidão quase absoluta de Cornélio Penna, solidão que, em nossas letras, só é comparável à de Augusto dos Anjos. (CUNHA, 1970, p.

124)

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Sobre esse mesmo esquecimento da obra de Penna por parte da crítica literária Segundo Moutinho:

(...) embora extraordinariamente rica, continua sendo desfrutada apenas por uns poucos iniciados, sem receber dos estudiosos de nossa literatura o tratamento e a atenção que podem revelar aos demais, desvelar, explicitar o seu conteúdo insubstituível.

(MOUTINHO, 1977, p. 24)

Por ser católico, foi visto como reacionário, logo, incapaz de produzir uma narrativa com temática de denúncia social. Coube-lhe então a classificação de intimista, místico, etc.

Tanto a obra de Cornélio Penna como a de Raduan Nassar são obras difíceis de serem classificadas, devido as suas muitas facetas, não lhes cabe somente as características de intimistas, psicológicas, universais, e nem somente as de sociais, de denúncia e regionais. Para concluir, são obras de fundamental importância, pois abordam os questionamentos, sofrimentos, conflitos de um ambiente em dissolução, a decadência das famílias patriarcais no meio rural brasileiro.

REFERÊNCIAS

ADONIAS FILHO. Os romances da humildade. In: PENNA, C. Romances completos. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1958.

BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.

BUENO, L. Uma história do romance de 30. São Paulo: EDUSP, 2006.

CANDIDO, A. Literatura e sociedade. São Paulo: Publifolha, 2000.

CORREA, M. Repensando a família patriarcal brasileira. In: ARANTES, A. A.

Colcha de retalhos: estudos sobre a família no Brasil. Campinas: UNICAMP, 1993.

CUNHA, F. Forma e criação em Cornélio Penna. In: _____. Situações da ficção brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.

FREYRE, G. Sobrados e mocambos. Rio de Janeiro: Record, 2000.

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HOBSBAWN, E.; RANGER, T. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

LAFETÀ, J. L. 1930: a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades, 1974.

LIMA, L. C. O romance em Cornélio Penna. Belo Horizonte: UFMG, 2005.

_____. A perversão do trapezista: o romance em Cornélio Penna. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

MALARD, L. Um antiquário apaixonado. In: PENNA, C. Repouso. Rio de Janeiro: Artium, 1998.

NASSAR, R. Lavoura arcaica. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

PENNA, C. Romances completos. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958.

RODRIGUES, A. L. Ritos da paixão em Lavoura Arcaica. São Paulo:

Universidade de São Paulo, 2006.

SARTRE, J. Que é literatura. São Paulo: Ática, 2004.

SCHMIDT, A. F. Nota preliminar a A menina morta. In: PENNA, C. Romances completos. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1958.

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DISCURSO EM FARRAPOS: A PEÇA RADIOFÔNICA CASCANDO,