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Linguagem e argumentação na produção escrita de vestibulandos

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Academic year: 2017

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO NA PRODUÇÃO ESCRITA DE

VESTIBULANDOS

Milton Guilherme Ramos

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MILTON GUILHERME RAMOS

Linguagem e argumentação na produção escrita de vestibulandos

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para obtenção do título de Mestre em Lingüística Aplicada, sob a orientação do prof. Dr. João Gomes da Silva Neto.

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MILTON GUILHERME RAMOS

Linguagem e argumentação na produção escrita de vestibulandos

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para obtenção do título de Mestre em Lingüística Aplicada, sob a orientação do prof. Dr. João Gomes da Silva Neto.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________ Prof. Dr. João Gomes da Silva Neto (Presidente)- UFRN _________________________________________________________

Profª. Drª. Inês Matoso Silveira (Examinadora Externa)- UFAL ___________________________________________________________

Prof. Dr. Marcos Antônio Costa (Examinador Interno)- UFRN _________________________________________________________

Profª. Maria da Penha Casado Alves (Suplente)- UFRN

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AGRADECIMENTOS

™ A Deus, força maior de minha vida;

™ Ao Prof. Dr. João Gomes da Silva Neto, pelas orientações, credibilidade e apoio;

™ À Direção da COMPERVE, por ter concedido as provas para a realização deste estudo;

™ Aos professores doutores Marcos Antonio Costa e Maria da Penha Casado Alves, pelas observações feitas e pelas contribuições dadas a este trabalho no Exame de Qualificação; A Bete e Fábio, funcionários do PPgEL da UFRN;

™ Aos sujeitos colaboradores desta Pesquisa;

™ Aos professores do PPgEL e colegas de turma, pela troca de experiência e aprendizagem;

™ À minha família, pela confiança em meu trabalho;

™ Aos professores do Departamento de Letras, especialmente: Ms. Francisca Maria de Souza Ramos; Dr. Júlio César de Araújo e Dr. Silvano Pereira de Araújo; Esp. Leodécio Martins Varela e Ms. Luiz Alberto de Lima; Esp. Maria helena de Sá Leitão;

™ À Direção do Campus Avançado Prefeito Walter de Sá Leitão de Assu/RN;

™ Aos professores do Departamento de Educação, Drª. Alessandra Cardozo de Freitas e Ms. Messias Holanda Dieb;

™ Aos alunos do Curso de Letras do Campus Avançado Prefeito Walter de Sá Leitão de Assu/RN;

™ Aos alunos do Curso de Letras do Campus de Assú e do Núcleo Avançado de Educação Superior de Apodi/ RN;

™ À minha amiga e companheira de trabalho, Maria Mônica Alves;

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™ Ao meu amigo de todas as horas, Francisco Klebiano Nogueira;

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LISTA DE QUADROS E TABELAS

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Resumo

Nesta dissertação, analisamos os processos argumentativos do texto escrito de vestibulandos, tendo, como corpus, redações do Concurso Vestibular da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte). Realizamos a análise em vinte redações, coletadas na Comissão Permanente de Vestibular (COMPERVE) no ano de 2005 e selecionadas de forma aleatória, tomando como suporte Perelman & Olbrechts- Tyteca (1999; 2002), Reboul (2004), Bakhtin (1992), Faraco (2003), Platão e Fiorim (2003) e Geraldi (1997), entre outros teóricos. Objetivamos investigar como o vestibulando usa as técnicas argumentativas em razão da construção da argumentação na prova do vestibular. Na análise do corpus, consideramos as técnicas argumentativas empregadas, sua correlação com a tese, os efeitos de sentido desejados pelos vestibulandos e o gênero do discurso solicitado, e isso nos revelou que na construção discursiva do texto argumentativo os vestibulandos recorreram com mais freqüência as seguintes técnicas argumentativas: o argumento pragmático, o argumento da definição, o argumento de comparação, o argumento da divisão, o argumento pelo exemplo, o argumento pelo modelo e o argumento de autoridade como meios de prova da tese defendida, mas ainda de forma não convencional, razão pela qual nos leva a crer que a escola, enquanto esfera da atividade humana, responsável pela educação e inserção do aprendiz no mundo letrado, tem um papel muito importante no que tange a criar condições para que o ensino de lingua portuguesa privilegie uma formação sistemática e explícita do conhecimento do funcionamento da língua e, de igual modo, das estratégias de construção do texto argumentativo para que o aprendiz possa desenvolver a competência comunicativa e se sentir mais seguro no ato da produção textual.

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Abstract

In this study, we analyzed the argumentative processes of written texts produced by UERN (Federal University of Rio Grande do Norte) “vestibulandos”: (students who apply for University Entrance Examinations in Brazil). It has as its corpus twenty compositions by such students. These compositions, collected in UFRN COMPERVE (Permanent Commission of vestibular examinations) and written in 2005 examination, were selected in a random way. The theoretical support is based on Perelman & Olbrechts-Tyteca (1999; 2002), Reboul (2004), Bakhtin (1992), Faraco (2003), Platão e Fiorim (2003) e Geraldi (1997), and other scholars. The work aimed to investigate how “vestibulandos” make use of argumentative techniques in order to construct their arguments in the “vestibular” examination. In the analysis of the corpus we considered that the used argumentative techniques, the relationship with the thesis, the sense effects students wanted to produce and the type of the required speech. It showed that in the, discourse construction of argumentative texts, students made use, with more frequency, of the following argumentative techniques: pragmatic arguments, arguments of the definition, comparison arguments, division arguments, example arguments, argument of the model and authority arguments as means to support their theses. However it was not carried out in a conventional way, reason why it leads us to believe that schools, as part of human activity, responsible for education and for the insert of learners in the literate world, have a fundamental role concerning the offer of conditions, so that, the teaching of Portuguese Language leads students to a systematic and explicit preparation of the knowledge, regarding the social and functions of the language, as well as of the strategies of the construction of argumentative texts. This can lead learners to develop communicative competence and to feel more confident when working with text production.

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SUMÁRIO

Resumo Abstract

INTRODUÇÃO...11

1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA...18

1.1 Abordagem da pesquisa...18

1.2 Objeto de estudo, corpus e tratamento metodológico...19

2 DIALOGISMO, GÊNEROS DO DISCURSO E ARGUMENTAÇÃO...25

2.1 Enunciação e caráter ideológico da língua...25

2.2 Dialogismo e gêneros do discurso...27

2.3 Organização do discurso persuasivo...33

2.4 Argumentação: a função do auditório...36

2.4.1 As técnicas argumentativas...39

2.5 Argumentação e ensino da produção escrita...46

3 ANÁLISE DA PRODUÇÃO ESCRITA DE VESTIBULANDOS...50

3.1 Análise das técnicas argumentativas utilizadas...50

3.2 Síntese interpretativa dos dados...113

CONSIDERAÇÕES FINAIS...126

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INTRODUÇÃO

Quando interagimos através da linguagem (quando nos propomos a jogar o “jogo”), temos sempre objetivos, fins a serem atingidos; há relações que desejamos estabelecer, efeitos que pretendemos causar, comportamentos que queremos ver desencadeados, isto é, pretendemos atuar sobre o (s) outro (s) de determinada maneira, obter dele (s) determinadas reações.

Koch.

No contexto atual, a sociedade exige cada vez mais apropriação e domínio da linguagem verbal. Além disso, requer adequação dessa linguagem às diversas situações de uso, com vistas à interação social, daí a necessidade de se desenvolver a competência comunicativa (TRAVAGLIA, 2001).

Segundo Maingueneau (2004), a competência comunicativa exige a mobilização de outras instâncias: a competência genérica, a competência lingüística e a competência enciclopédica. A competência genérica adquire-se através do domínio das leis do discurso e dos gêneros do discurso; a competência lingüística pressupõe o domínio do funcionamento da língua em questão; a competência enciclopédica requer a disposição de um número considerável de conhecimentos sobre o mundo e a habilidade para encadear ações de forma adequada, a fim de alcançar um certo objetivo (scripts). Assim, a competência comunicativa é fundamental para a participação do cidadão nas diversas práticas e/ou eventos sociais.

Entre as práticas sociais, inclui-se um evento de comunicação: o vestibular. Todos os anos, milhares e milhares de jovens participam deste evento de letramento, a fim de prestar o exame vestibular, na tentativa de cursarem uma faculdade e, mais à frente, ingressarem no mercado de trabalho. Apesar disso, nem todos são aprovados, e uma maioria de candidatos ficam à margem da academia, tendo que esperar mais um ano para concorrer a mais um vestibular, sem a certeza de que irão ser classificados e, portanto, convocados para cursar a faculdade desejada.

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pouco tempo para estudo com a longa jornada de trabalho; sem falar naqueles que sequer tem tempo de revisar as matérias para fazer um “bom” vestibular.

Desde 1980, quando a redação passou a ser incorporada nos vestibulares como um componente obrigatório e classificatório, que o ingresso à universidade pública no nosso país parece ter se tornado cada vez mais difícil.

Se de um lado, o vestibular tornou-se ainda mais competitivo, uma vez que passou a exigir do candidato (da rede privada ou pública) maior domínio das estratégias de escrita, tudo leva a crer que, por outro lado, acabou se tornando um instrumento de regulação de massa, principalmente por limitar o número de vagas e, por conseqüência, bloquear o acesso de uma maioria ao terceiro grau.

Na verdade, o que se percebe é que a redação parece ter aumentado o clima de tensão entre os candidatos ao vestibular, que, além de estudar as disciplinas ofertadas na grade curricular do ensino médio, tiveram que redobrar o estudo de Língua Portuguesa, a fim de obter o conhecimento necessário à produção escrita. E, como sabemos, a escrita de um texto não é tão simples, mas um ato bastante complexo. Geraldi (1997) argumenta que ao produzir um texto, o autor precisa coordenar vários aspectos: o que dizer, por que dizer, a quem dizer e como dizer. Não adianta, portanto, preocupar-se apenas com o conteúdo, mas também com os meios mobilizados para garantir que a mensagem chegue de forma clara ao interlocutor. Garcia (2003), consciente dessa complexidade, defende ainda que aprender a escrever e aprender a pensar são atividades que se entrecruzam no ato da produção do texto, visto que é na produção do texto que procuramos criar idéias e ordená-las de forma lógica com vistas à comunicação.

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Não obstante a isso, alguns mitos criados em torno da escrita- “escrever é um dom”, “o corretor é neutro , imparcial e competente” (Souza, 1994, p. 13-15), ou ainda, “escrever é uma questão que se resolve com algumas dicas”; “escrever é um ato isolado da leitura”; “escrever é um ato espontâneo que não exige empenho”; “escrever é algo desnecessário no mundo moderno”; “escrever é um ato autônomo, desvinculado das práticas sociais” (Garcez, 2001, p.1-11)- só vieram distorcer a visão sobre os processos de leitura e de escrita, constituindo-se em verdadeiros obstáculos para o vestibulando no ato da produção da redação exigida no concurso. Assim, alguns, baseando-se no senso comum, acreditam que por não ter esse dom1, não conseguem

produzir um texto bem escrito; outros temem escrever para um interlocutor “invisível” que, por ser imparcial, julgaria o seu texto com “neutralidade” e rigor de quem domina com perfeição a norma culta da língua; há aqueles que acreditam que os “macetes” são o mais importante, sem falar nos que defendiam que vestibular é uma questão de sorte.

Garcez (2001), para quem essas falsas crenças ou mitos são “devastadores”, defende que leitura e escrita são fenômenos interdependentes, e assim se pronuncia, desmistificando esta visão distorcida da escrita:

[...] escrever não é um dom que apenas algumas pessoas têm. Todos podem vir a ser bons redatores. Entretanto, escrever não é um ato espontâneo. Exige muito empenho, é um trabalho duro. Nem sempre as ‘dicas’ oferecidas pelos professores e colegas são suficientes para a elaboração de um texto fluente, claro, adequado. Os truques podem ajudar os redatores que já estão em meio ao processo de desenvolvimento da própria produção escrita, porque podem esclarecer alguns pontos duvidosos ou obscuros da escrita e da organização do texto, mas não funcionam isolados de muito exercício (p.10).

E em seguida assevera:

O texto somente se constrói e tem sentido dentro de uma prática social. Assim, o que mobiliza o indivíduo a começar a escrever um texto é a motivação, e a razão para escrevê-lo: emitir e defender uma opinião, reivindicar um direito, expressar uma emoção ou sentimento, relatar uma experiência, apresentar uma proposta de trabalho, estabelecer um pacto, regular normas, comunicar um fato, narrar uma aventura ou apenas provar que sabe escrever bem para ser aprovado numa seleção (p. 14- 15).

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Por isso, acreditamos que a escola, enquanto instituição responsável pela educação, pode trabalhar esses mitos que existem em torno da escrita- ou até mesmo do vestibular- com o intuito de desenvolver uma outra visão de escrita2, não mais entendida como produto, mas como processo, vinculando a escrita às práticas de interação social. Desse modo, é possível que o medo do fracasso no exame vestibular deixe de existir e o aluno sinta-se mais seguro no ato da produção do texto escrito.

Partindo dessas reflexões, é que nos propomos estudar, dentro da área de conhecimento da Lingüística Aplicada, a construção da argumentação no texto escrito produzido por candidatos ao Concurso Vestibular da UFRN (PSV-2005), a fim de investigarmos que técnicas argumentativas são utilizadas por vestibulandos, com vistas à defesa do seu ponto de vista. Celani (1992, p. 21) nos lembra que a Lingüística Aplicada está empenhada “na solução de problemas humanos que derivam de vários usos da linguagem”, o que nos instiga a buscar, nessa pesquisa, explicações para possíveis problemas relativos à argumentação na escrita.

Desde já, convém lembrar que já existem inúmeros trabalhos desenvolvidos sobre a argumentação e a produção textual, tanto sob o enfoque lingüístico, quanto sob o enfoque do discurso: no primeiro, encontramos Lemos (1977) e Guimarães (1981); no segundo, Morilas (2001), Santos (2005) e Souza (2001).

Lemos3 (apud Britto, 2002, p.121) afirma que esta autora, após analisar a produção escrita de alunos, chegou à conclusão de que eles utilizam duas estratégias básicas de produção textual: a estratégia de transferência e a estratégia de preenchimento. Nesta os alunos criam um esquema e o preenche com reflexões fragmentadas e desarticuladas; naquela, transfere as regras de uso da oralidade para a produção escrita.

Guimarães4 (apud Koch, 1987, p. 158) apresenta como resultado de pesquisa as estratégias da antecipação e do suspense, exemplificadas por meio das conjunções embora e mas.

2 Estudiosos como Geraldi (1997); Brito (2002), Rocco (2001), Costa Val (1994), entre outros, demonstram

preocupação com a produção escrita de textos na escola e no contexto do vestibular

3 Cf. LEMOS, C.T.G. Redações de vestibular: algumas estratégias. Cadernos de pesquisa. São Paulo: Fundação

Carlos Chagas, n. 23, 1977.

4 Cf. GUIMARÃES, E. R. J. Algumas considerações sobre a conjunção embora. In: Português: Estudos

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Enquanto este operador argumentativo frustra uma expectativa, aquele antecipa uma expectativa no interlocutor.

Por outro lado, Morilas (2001), em artigo publicado no Boletim da Abralim5, analisa o discurso jurídico em textos de profissionais do direito objetivando verificar como juízes e advogados utilizam-se das técnicas argumentativas para persuadir os seus interlocutores. Os processos analisados revelaram fragilidade na argumentação por desconhecimento de quaisquer técnicas argumentativas e também do idioma pátrio, enquanto o laudo pericial revelou a presença de uma argumentação eficaz, capaz de sustentar a sentença, apesar de problemas no uso do vernáculo.

Em sua dissertação de mestrado, Santos (2005) analisa a construção argumentativa em textos de escritores proficientes, a fim de caracterizar a seqüência argumentativa em artigos de opinião, a partir de uma abordagem integrada entre pragmática e a perspectiva textual-interativa. A autora conclui que as marcas lingüísticas da argumentação estão intimamente relacionadas as macroposições argumentativas, não havendo, portanto separação entre os aspectos composicionais e pragmáticos da língua.

Por sua vez, Souza (2001), em sua tese de doutorado, analisa os processos argumentativos do discurso jornalístico a fim de verificar como o Nordeste se constrói discursivamente na mídia e, simultaneamente, como é construído por discursos do sudeste. A análise dos sessenta (60) textos colhidos de jornais de circulação regional e nacional (Diário de Natal, Tribuna do Norte, Folha de São Paulo e Estado de São Paulo) revelou que as causas para os problemas do Nordeste, ora são atribuídas as indústrias da seca, ora a ineficiência de políticas públicas de políticos da região.

Nossa pesquisa procura trilhar por uma estrada semelhante à de Morilas (2001): analisar o emprego das técnicas argumentativas em face da persuasão escrita, não em textos jurídicos, mas em textos de candidatos da área de Humanística I e II, que participaram do Processo Seletivo Vocacionado (PSV-2005) da UFRN.

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Outrossim, do mesmo modo que Souza (2001), procuramos observar as regularidades dos usos das técnicas argumentativas, correlacionando-as a tese, aos efeitos de sentido desejados e ao gênero do discurso, a fim de compreendermos como o vestibulando constrói discursivamente a argumentação no texto escrito.

A fragilidade na construção argumentativa do texto escrito é uma questão em ensino-aprendizagem de língua materna que tem preocupado professores e pesquisadores dedicados aos estudos da linguagem. Não é pequeno o número de alunos do ensino médio da escola pública ou privada que sentem pavor à produção do texto argumentativo em sala de aula. Geralmente, demonstram sérias dificuldades de escrita, como por exemplo: fazer um levantamento e sistematização das idéias; usar os conectivos para encadear as partes do texto de forma articulada; selecionar, amplificar e fundamentar os argumentos com dados consistentes, elaborar um plano textual, enfim, eles parecem ter sérios problemas quanto ao domínio das estratégias de escrita e da produção do texto argumentativo.

Ora, se essa dificuldade pode ser verificada numa sala de aula do ensino médio, nos perguntamos como ela se apresenta na produção do texto de vestibulandos, que já concluíram o ensino básico e, durante o seu percurso escolar, provavelmente receberam orientações do (a) professor (a) de Língua Portuguesa sobre a língua e a produção escrita (Redação)?. Esse questionamento, associado as constantes reclamações de alunos de que não ingressaram num curso superior porque não conseguiram argumentar bem na produção da redação do vestibular, instigou- nos a refletir acerca dos processos argumentativos no texto de vestibulandos, no sentido de percebermos e analisarmos os problemas ali recorrentes. Situadas numa dimensão mais abrangente de estudos pertinentes, os resultados dessa reflexão vão ao encontro de alternativas e melhoria ao ensino de língua portuguesa, no que tange a produção do texto argumentativo.

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™ identificar e analisar as técnicas argumentativas utilizadas pelos vestibulandos com vistas à persuasão do texto escrito (redação);

™ correlacionar as técnicas argumentativas utilizadas com a tese defendida pelo vestibulando, o efeito de sentido desejado e o gênero do discurso;

Nosso pressuposto é o de que o vestibulando não tem um conhecimento formal e didatizado das técnicas argumentativas, ou seja, não aprendeu as técnicas argumentativas na escolarização, recorrendo, dessa forma, a argumentos extraídos do senso comum para fundamentar o seu ponto de vista.

Nossa pesquisa tende a apresentar uma certa relevância para o universo intelectual, acadêmico e social. Primeiramente, por possibilitar a caracterização dos processos argumentativos de vestibulandos e, possivelmente, a compreensão de suas principais dificuldades na construção argumentativa do texto escrito; em segundo lugar, por estimular o surgimento de outras pesquisas nos cursos de Graduação ou Pós-Graduação das Instituições de Ensino Superior (IES) que focalizem e aprofundem questões relativas à produção do texto argumentativo e, por último, por apresentar os resultados dessa pesquisa para o ensino de língua portuguesa.

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1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA

Neste capítulo, faremos uma contextualização de nossa pesquisa, a partir da apresentação dos seguintes itens: a abordagem da pesquisa e a escolha do nosso objeto de estudo. Desse modo, no item 1.1, procuramos fazer uma abordagem teórica sobre a pesquisa qualitativa a fim de dar um esclarecimento sobre a tipologia de pesquisa que estamos empreendendo, e no item 1.2, apresentamos as razões que nos motivaram a selecionar o sujeito da pesquisa, as técnicas para a constituição, análise e interpretação do corpus.

1.1. Abordagem da pesquisa

Bauer et al (2003) compreende a pesquisa qualitativa como um paradigma da pesquisa social, a qual se apóia em dados sociais informais ou formais, a saber: textos, imagens ou materiais sonoros diversos. Ela não lida com números, mas com interpretações das realidades sociais a partir de uma visão holística, razão que não a obriga a prescindir os dados do paradigma quantitativo, uma vez que não há quantificação sem qualificação do mesmo modo que não pode haver análise estatística sem interpretação, razão pela qual os dois paradigmas de pesquisa são interdependentes.

De acordo com Richardson (1999, p.79) “a abordagem qualitativa de um problema, além de ser uma opção do investigador, justifica-se, sobretudo, por ser uma forma adequada para entender a natureza de um fenômeno social”. Ou seja: optar pela tipologia qualitativa da pesquisa social é uma decisão que deve ser tomada pelo pesquisador e depende exclusivamente da natureza do problema a ser investigado.

Nessa perspectiva, concordamos com Gonsalves (2003, p. 68) ao postular a necessidade de superar o dualismo qualitativo/ quantitativo, uma vez que é preciso:

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Dessa forma, esta pesquisa se classifica, conforme Gonsalves (2003) de acordo com os objetivos, os procedimentos de coleta, as fontes de informação e a natureza dos dados.

Quanto aos objetivos, pode-se identificar esta pesquisa respectivamente em descritiva e explicativa. Primeiro, porque objetiva compreender os usos da argumentação no texto escrito por vestibulandos. E isso não se faz sem observação e descrição da linguagem em uso, que, segundo Santos (2001, p. 26) “é normalmente feita na forma de levantamentos ou observações sistemáticas do fato/ fenômeno/ problema escolhido”. Depois, porque busca explicar esses usos ou essas ocorrências por meio de teorias que trabalham com o discurso argumentativo de forma a iluminar o objeto de estudo (documento escrito) com um olhar interpretativista.

Do ponto de vista dos procedimentos de coleta e/ ou das fontes de informação, pode-se afirmar que se trata de uma pesquisa de caráter documental ou de “fonte de papel” 6, pois se utiliza essencialmente do documento escrito (redações do vestibular), que, por reunir informações representativas sobre o objeto de estudo pesquisado, receberá a organização e o tratamento analítico adequados do pesquisador. De acordo com Gil (1999, p. 66) “a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa”.

No que se refere à natureza dos dados, este estudo compreende uma pesquisa de natureza qualitativa, uma vez que este tipo de pesquisa se preocupa com a “compreensão, a interpretação do fenômeno” (GONSALVES, 2003, p. 68), considerando, sobretudo, o seu significado e sua relevância para os estudos da linguagem, exigindo, então, uma abordagem interpretativista na apresentação e análise dos dados pelo pesquisador.

1.2. Objeto de estudo, corpus e tratamento metodológico

Decidimos analisar a argumentação escrita porque consideramos que ela é uma ferramenta de fundamental importância para a interação nas mais diversas esferas da atividade

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humana e, principalmente, no contexto escolar, constituindo-se num veículo de inserção e participação do aprendiz no mundo letrado (por intermédio da leitura de uma variedade de gêneros textuais), de ingresso ao ensino superior e, conseqüentemente, por ser um instrumento de exercício da cidadania. Daí à necessidade de selecionarmos os sujeitos da nossa pesquisa: os candidatos ao Concurso Vestibular, ou seja, pessoas escolarizadas que estão aptas a concorrerem uma vaga num curso superior e, possivelmente, poderem ingressar no mercado de trabalho.

O nosso corpus consta de vinte textos produzidos por candidatos ao Concurso Vestibular (PSV/ 2005) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN (ver anexo). O critério para a escolha desse espaço da pesquisa foi, basicamente, o fato de ser a UFRN uma Instituição de Ensino Superior (IES) que congrega cursos em várias áreas do conhecimento humano-Humanística I, humano-Humanística II e III, Tecnológica I e II e Biomédica-, reúne candidatos de diversas localidades do estado (e até de outros estados do Nordeste) e, conseqüentemente, um número significativo de textos, possibilitando uma amostragem representativa dos dados.

A opção pelo texto escrito de vestibulandos deu-se também em função da nossa atuação enquanto professor de lingua portuguesa no ensino superior (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte- UERN), preocupado em compreender problemas de usos da linguagem escrita de possíveis candidatos à graduação.

A escolha dos textos que compõem o corpus desta pesquisa foi feita de forma sistemática, obedecendo aos seguintes procedimentos:

™ visita à direção da COMPERVE para apresentação do Projeto de Pesquisa;

™ coleta das redações, cedidas do arquivo da COMPERVE, no primeiro semestre do ano de 2005;

™ primeira leitura dos textos, levando-se em consideração o título e o volume textual e/ou a paragrafação, ou seja, o texto deveria conter título e ter, no mínimo, 15 linhas ou três parágrafos, sendo selecionadas 109 redações;

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no texto escrito pelos vestibulandos, resultando na seleção de 20 redações, escolhidas aleatoriamente, que constituem o nosso corpus de análise.

A quantidade pareceu-nos uma amostragem significativa, visto que representa 18, 34 % do total dos textos escritos por vestibulandos, servindo, assim, para os propósitos de nossa pesquisa.

O tratamento metodológico desta pesquisa far-se-á em harmonia com os objetivos elencados na introdução desta Dissertação. Para isso, seguimos os seguintes procedimentos:

™ levantamento das técnicas argumentativas presentes nos textos dos vestibulandos;

™ análise e interpretação do (s) argumento (s) utilizado (s) pelo vestibulando na produção escrita (redação), observando suas regularidades, correlacionando-o (s) com a tese defendida, o efeito de sentido desejado e o gênero do discurso solicitado.

Os textos que compõem o nosso Corpus, como já dissemos, foram produzidos por candidatos na seguinte situação comunicativa: o Concurso Vestibular (PSV/2005 da UFRN), sendo estabelecido um acordo relativo entre os produtores do texto (vestibulandos) e os examinadores (banca de correção), que delimita o espaço discursivo do início ao fim do processo argumentativo. Assim, os vestibulandos tiveram um tempo determinado (quatro horas) para responder cinco questões discursivas da prova de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira (Ver anexo), dentre elas a produção da redação (Questão cinco), a qual transcrevemos, na íntegra, abaixo:

A convite do jornal comunitário de seu bairro, você aceita produzir um texto a ser

publicado na seção Polêmicas Atuais. Sua tarefa é escrever um artigo de opinião assumindo um

posicionamento em relação à temática proposta: Em um relacionamento a dois, qual a melhor

opção a ser feita? Deve-se apenas “ficar”, somente namorar, ou, alternadamente, “ficar” e namorar?

Seguindo as orientações do jornal, o artigo deverá:

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™ ser escrito em língua culta;

™ apresentar título adequado;

™ apresentar argumentos que fundamentem o ponto de vista defendido sobre o tema.

Na folha de resposta, ainda havia a seguinte observação:

ATENÇÃO!Se você assinar o texto ou fizer nele qualquer marcação identificadora, será

excluído do Processo Seletivo!

Nessa situação de produção, conforme podemos observar acima, os candidatos ao vestibular, no ato da produção do texto escrito, são colocados diante de duas cenas de enunciação, que nós entendemos como sendo uma didática e outra pragmática.

Na cena didática, os vestibulandos têm consciência de que vão executar uma tarefa em situação escolar com função didática, a fim de demonstrar suas competências em relação à língua materna. Ou seja: os candidatos ao vestibular simulam uma situação comunicativa de modo que eles sabem que não estão produzindo um texto para um auditório de um “jornal comunitário” (consoante o comando da questão cinco), mas para um auditório constituído por professores examinadores. Daí supomos que os Candidatos ao vestibular não têm dúvida da competência profissional dos examinadores e, com certeza, têm uma imagem formada, ainda que virtual, dessa equipe, razão pela qual o discurso argumentativo não vai ser produzido no vazio, mas para um tipo de auditório e uma situação de enunciação determinados, uma vez que “A situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação” (BAKHTIN, 1992, p.113).

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Dessa forma, enquanto gênero do discurso (artigo de opinião), a produção do texto escrito dos candidatos ao vestibular vai assumir dois aspectos: na cena didática simula uma função comunicativa com uma estrutura expositivo- argumentativa, e na cena pragmática, assume uma função avaliativa na medida em que é produzido a partir de um comando de questões em função de certos objetivos educacionais.

Com o intuito de operacionalizar os dados para facilitar a análise argumentativa, transcrevemos os textos tal qual são escritos pelos Candidatos ao Vestibular (doravante TCV) na folha de resposta da questão cinco da prova de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, sendo mantidas as inadequações referentes ao uso do vernáculo e a constante fuga da margem direita do texto escrito. Para uma melhor compreensão do leitor, analisamos os textos considerando a seguinte legenda:

™ a fonte (Book Antiqua) foi selecionada de propósito para transcrever fielmente o texto do candidato ao vestibular, que aparece em itálico, sombreado e numerado;

™ o título aparece centralizado;

™ palavras em itálico (entre aspas) destacam fragmentos, palavras ou expressões utilizadas pelo candidato que poderão ser retomados na análise textual;

™ palavrasem negrito destacam as inferências do pesquisador;

Para alcançar os objetivos anteriormente citados, fundamentamos nossa pesquisa essencialmente na teoria enunciativa teorizada por Bakhtin (1992) em Marxismo e Filosofia da Linguagem; no Tratado da Argumentação de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2002); em Reboul (2004) e nas reflexões de Geraldi (1997) e de outros teóricos da linguagem sobre a produção textual no contexto escolar e o ensino de língua portuguesa.

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Perelman e Olbrechts-Tyteca (2002; 1999) nos fornecerão outras categorias de análise bastante relevantes para nossa pesquisa: a noção de auditório, que dialoga com o auditório social de Bakhtin (1992) e as técnicas argumentativas, ou seja, as estratégias de apresentação dos argumentos em que o discurso se fundamenta.

Reboul (2004) nos dará uma categoria importante: o discurso persuasivo, descrevendo seus dois componentes principais: o oratório e o argumentativo, bem como a organização do discurso com vistas a persuasão.

Geraldi (1997) nos possibilitará compreender a noção de produção textual que aqui está relacionada aos textos que são produzidos no universo escolar dentro de um contexto de interlocução, e sua relação com o ensino de língua portuguesa.

Ainda discutiremos sobre as implicações dos resultados desta pesquisa para o ensino de língua portuguesa, principalmente no tocante à produção do texto argumentativo em sala de aula, apresentando algumas sugestões de trabalho com gêneros textuais que recorram à argumentação, tomando como suporte Geraldi (1997), Marcuschi (2002) Brakling (2002) e Kaufman e Rodriguez (1995) e Rodrigues (2002).

Dessa forma, propomo-nos analisar textos escritos de vestibulandos, focalizando nosso interesse nos seguintes aspectos:

™ O dialogismo e os gêneros do discurso/ textuais;

™ O discurso persuasivo;

™ As técnicas argumentativas e o auditório;

™ A produção textual escrita; e

™ O ensino de língua portuguesa.

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constrói a argumentação escrita e, a partir daí, tecermos algumas reflexões sobre o ensino da argumentação na escola.

2. DIALOGISMO, GÊNEROS DO DISCURSO E ARGUMENTAÇÃO

Neste capítulo discutimos sobre a natureza sócio-interacionista da língua, realizada por intermédio da enunciação, ação verbal determinada pelo contexto de produção e pela audiência, tomando como suporte Bakhtin (1992), a fim de situarmos o caráter dialógico da argumentação; depois apresentaremos a organização do discurso persuasivo, no qual os processos retóricos e argumentativos são inerentes, a partir das idéias de Reboul (2004) e Citelli (1989) para, finalmente, desenvolvermos alguns conceitos da Nova Retórica com base em Perelman e Olbrechts-Tyteca (1999; 2002). Com essas escolhas teóricas objetivamos compreender categorias relevantes para nossa pesquisa como dialogismo, gêneros do discurso, discurso persuasivo, técnicas argumentativas, e auditório.

Por ora, procuramos traçar uma reflexão sobre o caráter sócio-interacionista da lingua, a fim de compreendermos o papel dos sujeitos da enunciação no desenrolar da argumentação, razão pela qual somos levados a recorrer às teorias enunciativas, de um modo bem específico ao dialogismo postulado por Bakhtin (1992).

2.1 Enunciação e caráter ideológico da língua

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significado a vida natural e/ou social. Para Saussure 7 (apud Fiorin, 2002, p. 14), a língua “é um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias , adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos”.

Bakhtin (1992), por sua vez, concorda que a língua é um fato social, mas defende que ela não é um sistema abstrato, monológico, homogêneo, desvinculado da realidade sociohistórica, pelo contrário, a lingua é algo concreto, resultado da manifestação individual de cada falante no ato da enunciação. Dessa forma, ele dá uma atenção especial à fala- ao enunciado- antes desprezada do sistema lingüístico saussuriano por comportar uma série de variações, colocando a situação de enunciação como o pano de fundo para se compreender e explicar a estrutura semântica de qualquer ato de comunicação oral ou escrita (enunciado), historicizando, portanto, a concepção de língua. Conforme Geraldi (1997, p.15):

A historicidade da linguagem afasta, ao mesmo tempo, dois mitos: aquele da univocidade absoluta, identificável com o sonho da transparência, e aquele da indeterminação absoluta em que não seria possível atribuir qualquer significação a uma expressão fora de seu contexto. Entre os dois extremos está o trabalho dos sujeitos como atividade constitutiva.

Diferentemente da teoria saussuriana que prende os interlocutores num sistema fechado de comunicação, Bakhtin coloca os sujeitos num processo de interação verbal, mostrando que é na enunciação onde se realiza a intersubjetividade humana, adotando uma outra visão de signo: a de signo dialético- em oposição ao signo lingüístico de Saussure : dinâmico, vivo, relacionado com a história, mergulhado na vida humana e carregado de ideologia. Para o filósofo russo “Cada signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas também um fragmento material dessa realidade” (BAKHTIN, 1992, p.33). Ou seja: o signo ideológico apresenta uma dupla função: por um lado, ele pode representar a realidade social, isto é, manifestá-la de forma

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fiel; por outro pode refratá-la, distorcê-la, apresentando uma incompatibilidade entre o que se diz (o discurso) e a realidade objetiva (a situação sociohistórica e ideológica de uma dada cultura).

Diante do exposto, depreende-se que o signo bakhtiniano- diferentemente do signo lingüístico8 de Saussure- não é ‘neutro’, desprovido de uma ideologia, como se apenas manifestasse o que “uma coisa é”, com fins puramente lingüísticos, ao contrário, o signo para Bakhtin é criado com uma função ideológica e é inseparável dessa ideologia. Por isso, a enunciação não é um ato meramente individual, mas um fato social, pois “A situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação” (BAKHTIN, 1992, p.113). Em síntese: língua e ideologia são inseparáveis das condições materiais de existência e do processo de interação verbal, manifestando-se, portanto, através do discurso, isto é, de qualquer atividade produtora de efeitos de sentido entre os interlocutores.

2.2 Dialogismo e gêneros do discurso

Como se pode notar, a visão bakhtiniana sobre a língua ultrapassa as concepções tradicionais de linguagem na medida que instaura a interação verbal como realidade fundamental da língua. Afinal, é por meio da enunciação que os homens interagem entre si, enquanto sujeitos, dentro de um processo dialógico, a partir de um espaço e tempo determinados, definindo papéis sociais, construindo identidades, emitindo opiniões sobre pessoas e fatos, agindo, enfim, sobre o outro na constituição do significado. De acordo com Brandão (2005, p. 08):

Essa visão da linguagem como interação social, em que o Outro desempenha papel fundamental na constituição do significado, integra todo o ato de enunciação individual num contexto mais amplo, revelando as relações intrínsecas entre o lingüístico e o social. O percurso que o indivíduo faz da elaboração mental do conteúdo, a ser expresso à objetivação externa- a enunciação- desse conteúdo, é orientado socialmente, buscando adaptar-se ao contexto imediato do ato da fala e, sobretudo, a interlocutores concretos.

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Daí deduz-se que o dialogismo é inerente à interação social. Esta, por meio do discurso, articula a língua aos processos ideológicos (extralingüísticos), interseccionando a relação lingua-condições de produção. Bakhtin9 (apud Faraco, 2003, p.73) assim expõe a natureza dialógica da

linguagem humana:

Viver significa tomar parte no diálogo: fazer perguntas, dar respostas, dar atenção, responder, estar de acordo e assim por diante. Desse diálogo, uma pessoa participa integralmente e no correr de toda sua vida: com seus olhos, lábios, mãos, alma, espírito, com seu corpo todo e com todos os seus feitos. Ela investe seu ser inteiro no discurso e esse discurso penetra no tecido dialógico da vida humana, o simpósio universal.

Na perspectiva bakhtiniana, a vida humana está entremeada pelo diálogo, não o diálogo comum, consensual, empregado no sentido estrito (a conversação face a face, por exemplo), mas o diálogo entendido no sentido amplo, isto é, como a arena das forças sociais, o espaço de tensão entre pontos de vista em oposição, de confronto entre interlocutores (EU-TU) e enunciados (discursos), que é travado nas mais variadas práticas de interação social, que estão correlacionadas a condições sociohistóricas determinadas; que estabelece relações de significação responsivamente entre índices sociais de valor. Nas palavras do próprio Bakhtin (1992, p.123):

O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra ‘diálogo’ num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja.

Por isso, estamos envolvidos num feixe de relações sociais nas quais o diálogo entre o eu e o outro assume um lugar central, possibilitando, além da interação (ou do confronto) entre os sujeitos enunciativos nas mais diferentes esferas de atividades humanas (política, jurídica, educativa, religiosa...), outros processos dialógicos, como é o caso da polifonia. Ao analisar

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textos literários e não- literários, Bakhtin descobre que existe uma multiplicidade de “vozes” que falam simultaneamente sem que uma seja preponderante e avalie as outras, revelando o que ele viria chamar de polifonia. De acordo com Aldrigue (2001, p. 83):

A polifonia se caracteriza pela multiplicidade de vozes independentes no discurso, que se combinam, compondo uma única unidade de acontecimento, mas não se misturam, mantendo uma relação de absoluta igualdade na participação do diálogo, caráter polifônico da enunciação.

Desse modo, o texto polifônico não apresenta uma única voz (a voz do produtor textual), mas múltiplas vozes, que, conforme Koch (2003) falam de perspectivas ou pontos de vista diferentes, com os quais o enunciador pode ou não se identificar. Maingueneau (2004, p.137-178), para quem essa multiplicidade de vozes ou “heterogeneidade constitutiva” é uma propriedade fundamental da língua, advoga que essas vozes podem manifestar-se de forma implícita ou apresentarem-se de forma demarcada no texto, através de diversas marcas lingüísticas, a saber:

ƒ A modalização em discurso segundo: o enunciador indica que está ancorando o seu discurso no discurso do outro, isentando-se da responsabilidade de um determinado enunciado;

ƒ O discurso direto: restitui as falas citadas para criar um efeito de autenticidade, distanciamento ou demonstrar objetividade e seriedade, dissociando, de forma clara, as duas situações de enunciação: a do discurso citante (voz do enunciador) e a do discurso citado (voz do outro);

ƒ O discurso indireto: traduz as falas citadas por meio do relato do conteúdo do pensamento, que geralmente vem marcado sob a forma de uma oração subordinada substantiva objetiva direta, introduzida por um verbo dicendi (dizer, esclarecer, confessar, destacar...);

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ƒ O resumo com citações: manifesta-se em toda a extensão de um texto por meio do uso de aspas e/ ou itálico;

ƒ A modalização autonímica: trata-se de comentários que o enunciador faz de seu discurso no momento em que ele está sendo produzido, manifestando-se por meio de uma variedade de expressões (“de uma certa forma”, “ou melhor”, “isto é” etc) ou de formas tipográficas (itálico, aspas, reticências, parênteses e travessão duplo);

ƒ O uso de aspas e itálico: chama a atenção do leitor para um elemento utilizado por um determinado grupo social, partido político, religião, ou um clichê, um estereótipo ou mesmo para transferir a responsabilidade de seu uso à outra pessoa.

ƒ O uso de provérbios, slogans e ironia: o enunciador pode retomar enunciações anteriores, sem explicitar a fonte do enunciado (provérbio); provocar a associação entre uma marca e um argumento persuasivo para a compra (slogan) ou ainda simula atribuir ao adversário a responsabilidade pelo texto, de maneira que ele se auto destrua (ironia).

Em nossa pesquisa, interessa-nos observar a polifonia nos textos dos candidatos ao vestibular, na proporção em que, possivelmente, os referidos candidatos recorram a esse fenômeno dialógico em função dos processos de argumentação escrita, haja vista entendemos que o texto nasce a partir do confronto com outros textos, ou melhor, “[...] se alimenta de outros “textos”, outras visões de mundo, outras palavras, e só existe em função dessas linguagens alheias[...]. E esta multiplicidade de pontos de vista está presente em qualquer gênero da linguagem”(FARACO E TEZZA, 1999, p. 192), por intermédio de diversos movimentos argumentativos: aprovação, refutação ou concessão (BRANDÃO, 2001).

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Conforme Bakhtin (2003), os gêneros do discurso- orais ou escritos- se caracterizam a partir de três elementos: o conteúdo temático, o estilo- a seleção de recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua- e a composição. Dada a sua extrema heterogeneidade, podem ser classificados em duas classes: os gêneros primários: os mais simples, que vão desde a conversação oral cotidiana a carta pessoal, e os gêneros secundários, isto é, gêneros mais complexos, como o romance o teatro, o discurso científico, entre outros.

Apesar de pertencerem a esferas de atividades diferentes, os gêneros do discurso são interdependentes, podendo um ser assimilado pelo outro, havendo o que Bakhtin denominou de “transmutação de gênero”, como é o caso, por exemplo, do e-mail, nos dias atuais que se configura como uma “transmutação” de um gênero discursivo bastante antigo: o gênero carta.

Em se tratando do Concurso Vestibular da UFRN (PSV/ 2005), espaço da nossa pesquisa, o gênero do discurso solicitado foi o artigo de opinião, razão pela qual achamos pertinente tecer algumas considerações teóricas sobre ele. De acordo com Brakling (2002, p.226):

O artigo de opinião é um gênero de discurso em que se busca convencer o outro de uma determinada idéia, influenciá-lo, transformar os seus valores por meio de um processo de argumentação a favor de uma determinada posição assumida pelo produtor e de refutação de possíveis opiniões divergentes. É um processo que prevê uma operação constante de sustentação das afirmações realizadas, por meio da apresentação de dados consistentes, que possam convencer o interlocutor.

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Segundo Kaufman e Rodriguez (1995, p. 27), por seguir uma linha argumentativa, o artigo de opinião requer do produtor a mobilização de uma série de estratégias argumentativas a fim de persuadir o leitor, dentre elas, pode-se citar:

[...] as acusações claras aos oponentes, as ironias, as insinuações, as digressões, as apelações claras a sensibilidade ou, ao contrário, a tomada de distância através do uso das construções impessoais, para dar objetividade e consenso à análise realizada; a retenção em recursos descritivos- detalhados e precisos, ou em relatos em que as diferentes etapas de pesquisa estão bem especificadas com uma minuciosa enumeração das fontes de informação.

Embora possam apresentar diferentes superestruturas, os artigos de opinião, de acordo com as referidas autoras, costumam conter as seguintes partes: título (idéia do que está sendo defendido), a apresentação (contextualização ou justificativa do assunto), a tese (idéia principal que pode ser declarada ou deduzida), os argumentos (idéias secundárias que servem de suporte a tese) e a conclusão (que reforça a tese defendida).

Como podemos observar, os gêneros do discurso são tipos de enunciados que facilitam a nossa vida, possibilitando nos situar dentro de uma ou outra esfera de atividade, orientando tanto o discurso oral quanto o discurso escrito. Refletindo sobre o discurso escrito assim se pronuncia Bakhtin (1992, p.123) “é parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc.”. Em síntese, podemos depreender daí que o discurso é, por sua natureza, argumentativo, porque é determinado “tanto pelo fato de que procede de alguém como pelo fato de que se dirige para alguém” (BAKHTIN, 1992, p. 13), em outras palavras, o discurso sempre pressupõe um auditório concreto.

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argumentar é inerente às práticas de interação social. Sob o viés do ensino/ aprendizagem, assim defendem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN):

[...] pela linguagem se expressam idéias, pensamentos e intenções, se estabelecem relações interpessoais anteriormente inexistentes e se influencia o outro, alterando suas representações da realidade e da sociedade e o rumo de suas (re) ações (BRASIL, 2001, p. 19).

Neste sentido, o discurso argumentativo só pode ser entendido dentro da interação EU-TU, visto que “Para constituir sua concepção sobre um dado tema, o falante/ escritor leva sempre em conta a de outro, que, de certa forma, está, pois, também presente no discurso construído” (PLATÃO E FIORIN, 2003, p. 29), vinculada a situação de enunciação e a partir de um gênero, pois “segundo a escolha que se faça, de tratar um assunto na forma de ensaio ou de panfleto, não se dirá a mesma coisa, não se tirarão as mesmas conclusões” (REBOUL, p. 114). E o artigo de opinião é um gênero do discurso no qual as forças ideológicas dos sujeitos enunciativos se definem e as relações de sentido se estabelecem, configurando o dialogismo, que está profundamente associado às condições sociohistóricas de uma cultura.

2.3. Organização do discurso persuasivo

Nesse item, discutiremos sobre a organização do discurso persuasivo. Para isso, faz-se necessário recorrermos, ainda que de forma breve, a Retórica, uma vez que os estudos sobre argumentação nascem no seio dessa disciplina, sem falar que a ela se constitui numa ferramenta imprescindível para se compreender o discurso argumentativo. Neste sentido, as reflexões de Reboul (2004), Citelli (1989) e Leach (2003) serão de grande relevância.

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proferido. Apesar da acusação de ser empregada pelos sofistas com fins escusos (Basta lembrar a crítica de Platão a “falsa adulação”- a Retórica- de Górgias e Isócrates!), ela passou a ser estudada em sua estrutura e funcionamento com Aristóteles.

O autor da “Arte Retórica” chegou a fazer uma síntese das principais visões acerca da retórica, definindo-a como um conjunto de estratégias capazes de organizar o discurso persuasivo. Aristóteles destacou dois tipos principais de argumentos: o entimema (raciocínio silogístico) e o exemplo (raciocínio indutivo) e dedicou um bom tempo de seus estudos para restituir o verdadeiro valor da retórica, integrando-a a uma visão sistemática do mundo.

No século XIX, a retórica passa a ser associada à idéia de embelezamento do texto, pelo excesso de preocupação estética, e acabou prescindindo a preocupação com as técnicas de organização do discurso e com a persuasão, por isso, conforme Citelli (1989, p. 15), “ainda hoje persiste um pouco a visão negativa da retórica como sinônimo de enfeite do estilo e vazio das idéias”.

Na atualidade, os estudos retóricos foram retomados e houve uma verdadeira renovação nessa disciplina, graças aos trabalhos de Jean Dubois e o grupo da Universidade de Liege, que focalizaram mais as questões relativas ao uso das figuras de linguagem e, sobretudo, a Chaim Perelman e a sua teoria da argumentação, verdadeiro tratado sobre a estrutura do discurso argumentativo e os meios de provas empregados para convencer e persuadir o auditório.

Reboul (2004), reconhecendo a importância da Retórica para a história humana, sustenta que ela, em sua função persuasiva, apresenta dois aspectos básicos: o oratório e o argumentativo. No primeiro se incluem os gestos do orador, o tom e as inflexões de sua voz e as figuras de estilo, que são usadas para agradar ou comover. No segundo, os meios de convencimento usados para sustentar nossas idéias diante de um auditório particular.

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A invenção, (heurésis em grego) é a parte do discurso em que o orador vai buscar argumentos ou meios de provas para convencer e persuadir seu auditório. Para alcançar tal objetivo, é preciso também determinar que gênero do discurso utilizar, se o epidítico, o judiciário ou o deliberativo. Cada gênero do discurso está vinculado a um tipo específico de auditório. De acordo com Leach (2003, p. 301):

A retórica forense é a retórica dos tribunais, onde a discussão se centra na natureza e na causa de acontecimentos passados. Os interlocutores devem persuadir um terceiro grupo de que sua explicação dos acontecimentos passados é uma explicação ‘verdadeira’. A retórica deliberativa é encontrada na arena política, onde o debate se centra no melhor rumo possível de uma ação futura. Essa persuasão é orientada para o futuro e muitas vezes especulativa. A retórica epidêitica está centrada em temas contemporâneos e na avaliação de se determinado indivíduo ou acontecimento merecem louvor, são culpados ou devem ser censurados. As formas clássicas de retórica epidêitica são orações fúnebres e cerimônias de premiação.

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A disposição (táxis) é a organização desses argumentos ou meios de prova no discurso persuasivo. Citelli (1989), a partir da leitura de Aristóteles, apresenta as quatro partes constitutivas da organização do discurso: o exórdio, a narração, as provas ou confirmação e a peroração. O exórdio é o começo (a introdução) do discurso, sendo que é o gênero do discurso em questão que vai defini-lo. A narração é o desenvolvimento ou o desenrolar da argumentação. As provas são os elementos que irão sustentar a argumentação e a peroração, ou melhor, o fechamento do discurso.

A elocução (lexis), conforme Reboul (2004), trata-se da elaboração escrita do discurso e isso pressupõe conhecimento sobre a língua e o estilo. Daí a importância da adaptação do estilo ao assunto. E isso se faz obedecendo as seguintes regras: 1) a conveniência; 2) a clareza; e 3) o dinamismo do orador, e recorrendo-se ao uso das figuras, que na retórica não têm o sentido do senso comum, mas o sentido de desvio da expressão usual, de eloqüência, de expressividade, de constituição da norma, de relação entre conteúdo, forma e contexto.

Por fim tem-se a ação (hypocrisis), isto é, o momento da leitura pública do discurso. Aqui a memória assume um caráter muito importante na argumentação, porque “este cânone analisa o acesso que o locutor possui ao conteúdo de sua fala” (LEACH, 2003, p. 307), portanto, dela irá se servir o orador (no nosso caso o produtor do texto) para fazer retomadas, intervenções, improvisações, sempre com vistas à persuasão de sua audiência.

2.4. Argumentação: a função do auditório

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De acordo com Perelman & Tyteca (2002, p.16), argumentar é influenciar por meio do discurso a fim de “provocar ou aumentar a adesão das mentes às teses que se apresentam ao seu assentimento”. Ou seja: a argumentação é entendida como um diálogo em que um sujeito age sobre outro sujeito discursivo com vistas à adesão do interlocutor.

Para isso, o orador (falante/ escritor) deve considerar as condições psicológicas e sociológicas de seus interlocutores, podendo predispô-los a uma mudança de comportamento, o que torna a argumentação, portanto, um ato de persuasão. Koch (1987), resenhando Perelman, esclarece:

O ato de persuadir procura atingir a vontade por meio de argumentos plausíveis ou verossímeis e tem caráter ideológico, subjetivo, temporal, dirigindo-se, pois, a um ‘auditório particular’ com vistas à adesão aos argumentos apresentados (KOCH, 1987, p. 20).

Nessa perspectiva, diferentemente da demonstração clássica que se baseia nos princípios da lógica formal, utilizando, para isso, uma linguagem artificial ou simbólica (basta pensar nos símbolos da Matemática ou da Física), Perelman e Olbrechts-Tyteca sustentam que a argumentação se desenvolve no campo das línguas naturais, as quais tem uma lógica própria, cuja linguagem não se apresenta de forma unívoca (exata), mas é passível de ambigüidades, ou melhor, de múltiplas interpretações, visto ser empregada por um falante a partir de dadas condições de produção do discurso.

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Por outro lado, o orador - aquele que apresenta um discurso – deve conhecer e adaptar continuamente seu discurso (falado ou escrito) ao auditório, que é entendido como “o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2002, p. 22), pois é com base no conhecimento do auditório (ouvintes/ leitores) que o orador vai estabelecer acordos prévios, ou seja, compartilhar premissas com o auditório, como ponto de partida da argumentação. Essas premissas, explícitas ou implícitas, podem ser baseadas em fatos: fenômenos objetivos, dados da realidade social; verdades: sistemas de relações compatíveis entre os fatos; e presunções: possibilidades reais de um evento vir ou não a acontecer; ou simplesmente em valores: crenças comuns a um grupo social; hierarquias de valores: conjuntos de crenças comuns a um auditório; e lugares do preferível: “premissas de caráter geral que podem servir de base para a justificação de valores e hierarquias” (ALEXY, 2001, p. 136). Assim, fatos, verdades e presunções integram as premissas do real; valores, hierarquias e lugares integram as premissas do preferível.

De fato, no Tratado da Argumentação, o auditório, que pode ser universal ou particular, assume uma função muito importante dentro do campo da argumentação, pois a ele “cabe o papel principal para determinar a qualidade da argumentação e o comportamento dos oradores” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2002, p. 27). Além disso, é também o auditório que vai definir a natureza da argumentação: se a argumentação é convincente, isto é, mobiliza provas racionais com o intuito de obter a adesão do interlocutor (é um exercício lógico da razão) ou se é persuasiva, ou seja, pretende levar o interlocutor a uma ação (é um exercício retórico). A esse respeito, esclarece: “Propomo-nos chamar persuasiva a uma argumentação que pretende valer só para um auditório particular e chamar convincente àquela que deveria obter a adesão de todo ser racional” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2002, p. 31). Abreu (2003), para quem argumentar é a arte de convencer (gerenciar informação) e persuadir (gerenciar emoção), traduz em outras palavras a diferença entre esses dois atos de linguagem:

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Não obstante, Alexy (2001) adverte que o próprio Perelman lembra que “muitas vezes não há uma linha divisória rígida entre convencer e persuadir”, razão pela qual adotamos neste texto o termo “persuasão” para nos referir ao objetivo final de toda e qualquer argumentação, uma vez que acreditamos que razão (convencimento) e emoção (persuasão) são interdependentes, não existindo de maneira estanque no ser humano, mas em função da eficácia argumentativa.

Portanto, os processos argumentativos desencadeados no ato de interação verbal (neste caso na nossa pesquisa) não surgem no vazio, mas emergem de uma situação de comunicação-aqui o contexto do Vestibular-, a partir de um ponto de vista que se quer defender (tese do vestibulando) diante de um problema da realidade (as formas de relacionamento da contemporaneidade) e é feita mediante um acordo relativo entre orador (produtor do texto) e auditório (examinadores da prova de redação). Este acordo deve ser regulado por princípios ou normas (cf. as orientações da questão proposta para a produção do texto na metodologia desta dissertação), do contrário o ato de convencer pode assumir outras nuanças (manipulação psicológica, coerção) e fugir do seu objetivo maior que é convencer e persuadir o interlocutor por meio do discurso argumentativo eficaz.

2.4.1. As técnicas argumentativas

Neste item analisaremos os tipos de argumentos e sua importância para o desenvolvimento da argumentação, enquanto meios de provas usados para a apresentação e defesa da tese e, em conseqüência, para garantir a adesão do interlocutor. Para isso, consideramos pertinente adotar a tipologia proposta por Perelman & Olbrechts-Tyteca (2002) no Tratado da Argumentação, por acreditarmos que ela é bastante ampla e, conseqüentemente, dá conta de um dos objetivos que propomos para esta pesquisa: verificar os tipos de argumentos utilizados pelos vestibulandos para convencer/ persuadir o auditório acerca do seu ponto de vista.

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comum a um auditório, caracterizando-se pela existência de dois processos: o de ligação e o de dissociação. Nas palavras dos autores:

Entendemos por processos de ligação esquemas que aproximam elementos distintos e permitem estabelecer entre estes uma solidariedade que visa, seja estruturá-los, seja valorizá-los positiva ou negativamente um pelo outro. Entendemos por processos de dissociação técnicas de ruptura com o objetivo de dissociar, de separar , de desunir elementos considerados um todo, ou pelo menos um conjunto solidário dentro de um mesmo sistema de pensamento (PERELMAN e TYTECA, 2002, p . 215).

Dessa forma, Perelman & Olbrechts- Tyteca (2002) dividem as técnicas argumentativas em quatro tipos de argumentos: os argumentos quase-lógicos, os argumentos baseados na estrutura do real, os argumentos que fundam o real e os argumentos pela dissociação de noções. Vejamos cada grupo de argumentos com a ajuda do quadro abaixo, organizado a partir de PERELMAN e OLBRECHTS- TYTECA (2002).

Tipos de argumentos

Argumentos quase-lógicos (01) incompatibilidade (1.1) identificação (1.2) reciprocidade (1.3) Transitividade (1.4) Divisão (1.5) Comparação (1.6)

O argumento de autoridade

(2.2) Argumentos baseados na estrutura do real (02)

O argumento pragmático

(2.1)

Argumento ad hominem

Argumento pelo modelo

(3.3) Argumentos que fundam o real (03) Exemplo (3.1) Ilustração

(3.2) Argumento

pelo antimodelo Analogia (2.4) Argumentos pela dissociação de noções (04) Pares hierarquizados (aparência/ realidade)

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Os argumentos quase-lógicos (01) são aqueles que se aproximam dos raciocínios da Lógica formal- disciplina filosófica que utiliza uma linguagem unívoca- mas deles se diferenciam por usarem uma linguagem natural, sujeita a uma diversidade de interpretações e as circunstâncias do meio social. Dentre os argumentos quase-lógicos temos: o argumento pela incompatibilidade, os argumentos de identificação, os argumentos de reciprocidade, os argumentos de transitividade, os argumentos de inclusão /divisão e os argumentos de comparação.

Os argumentos de incompatibilidade (1.1) são aqueles que, semelhantes à contradição formal, apresentam duas teses- sendo uma a negação da outra- que podem ser aplicadas simultaneamente a uma mesma realidade, mas diferentemente da contradição, dependem das circunstâncias (leis da natureza, fatos ou decisões humanas). Eis alguns exemplos de incompatibilidade na argumentação: a autofagia (tipo de argumento em que uma afirmação é incompatível a sua aplicação). A retorsão (na qual se usa o próprio argumento do interlocutor para contestá-lo), a auto-inclusão (argumento em que a regra se opõe a si mesma) ou os argumentos que opõem uma regra a suas conseqüências são formas de argumentação pela autofagia, e o ridículo (uma afirmação entra em conflito, sem justificação, com uma opinião, originada do pensamento lógico ou da experiência, aceita pelo auditório. É o caso da ironia, recurso retórico que diz o contrário do que o orador realmente defende).

Os argumentos de identificação (1.2) são aqueles que buscam apontar elementos comuns em um mesmo discurso, podendo ser essa identificação completa ou parcial. São exemplos de argumentos de identidade: as definições, argumentos que visam a identificar a definição com o objeto definido, podendo dividir-se em quatro tipos:

ƒdefinições normativas: definição em que o significado de uma palavra de um dado discurso é dependente de um acordo com o auditório;

ƒdefinições descritivas: definição que restringe o significado de uma palavra a um contexto determinado;

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ƒdefinições complexas: definição que combina aspectos das definições normativas, descritivas e de condensação de forma variável.

A regra de justiça também pode ser incluída no rol dos argumentos de identificação na proporção que este tipo de argumento procura dar um tratamento igual a seres ou situações que fazem parte de uma mesma categoria.

Os argumentos de reciprocidade (1.3) são argumentos que buscam aplicar o mesmo tratamento a duas situações correlatas, baseando-se no vínculo entre antecedente e conseqüente de uma mesma relação ou resultando da transferência de pontos de vista, possibilitando o reconhecimento da identidade de certas situações: “O que é honroso aprender, também é honroso ensinar” (p.251)

Os argumentos de transitividade (1.4) são argumentos que se baseiam normalmente na afirmação de que a relação entre os termos: a e b, entre os termos b e c, pode levar a conclusão de que é possível passar entre os termos a e c: “Os amigos dos meus amigos são meus amigos” (p.257).

O argumento da divisão (1.5) é aquele em que “divide-se um todo- a tese por provar-em partes, e, depois de mostrar que cada uma delas tprovar-em propriedades provar-em questão, conclui-se que o todo tem essa mesma propriedade” (REBOUL, 2004, p.171). Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2002), o argumento da divisão tem como exemplo característico o dilema: tipo de argumento que optando pela argumentação de qualquer uma das partes se chegará a uma mesma conclusão, sendo esta a tese. Vejamos um exemplo, citado por Garcez (2001, p. 106)10:

Uma escola alemã de Filosofia, a escola de Frankfurt, elaborou uma concepção conhecida como Teoria Crítica, na qual distingue duas formas de razão: a razão instrumental e a razão crítica.

A razão instrumental é a razão técnico- científica, que faz das ciências e das técnicas não um meio de libertação dos seres humanos, mas um meio de intimidação,

10 Extraído de CHAUI, Marilena. Cultura e democracia; o discurso competente e outras falas. São Paulo: Moderna,

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medo, terror e desespero. Ao contrário, a razão crítica é aquela que analisa e interpreta os limites e os perigos do pensamento instrumental e afirma que as mudanças sociais, políticas e culturais só se realizarão verdadeiramente se tiverem como finalidade a emancipação do gênero humano e não as idéias de controle e domínio técnico-científico sobre a natureza, a sociedade e a cultura

Já os argumentos de comparação (1.6) são aqueles que confrontam realidades diferentes a fim de avaliá-las umas em relação às outras. Esses argumentos são “apresentados como constatações de fato, enquanto a relação de igualdade ou desigualdade afirmada só constituem, em geral, uma pretensão do orador” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2002, p.275). Grosso modo, as comparações podem dar-se das seguintes formas: por oposição, por ordenamento ou por ordenação quantitativa: “Suas faces são vermelhas como maçãs” (p.274). De acordo com Breton (2003), a comparação é freqüentemente usada na vida cotidiana, constituindo- se , talvez, numa das formas mais difundidas de argumentação

Os argumentos baseados na estrutura do real (02) são aqueles que apresentam um ponto de vista ou pretendem dar uma interpretação da/ sobre a realidade. Nesse grupo incluem-se os argumentos de ligações de sucessão: que podem ser explicados a partir da relação causa e efeito e os argumentos de ligações de coexistência: que relaciona a pessoa e seus atos. Nos primeiros tipos de argumentos, encontramos o argumento pragmático;nos segundos o argumento de autoridade.

O argumento pragmático (2.1), segundo Perelman, é todo e qualquer argumento que avalia um ato ou um evento por meio de suas conseqüências favoráveis ou desfavoráveis. Este tipo de argumento, para ser aceito pelo senso comum, não requer nenhuma justificação, porém, só pode desenvolver-se através de um acordo entre os interlocutores sobre o valor das conseqüências. A superstição é um bom exemplo de argumento pragmático.

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evidentemente aceita pelo auditório para que ele, por sua vez, aceite como verossímil o que lhe é proposto” (BRETON, 2003, p. 77). Contrário ao argumento de autoridade é o argumento ad hominem, que segundo Reboul (2004, p. 178) “Consiste em refutar uma proposição recorrendo a uma personalidade odiosa [...] Ou então ressaltando as fraquezas de quem o enuncia”. Assim podemos dizer que o argumento ad hominem é uma inversão do argumento de autoridade.

Por último, os argumentos que fundam a estrutura do real (03) são aqueles que partem de um fato ou evento particular para se chegar a determinadas generalizações, apresentando-se, portanto, como argumentos indutivos. São eles: o argumento pelo exemplo, o argumento pela ilustração e o argumento pelo modelo ou antimodelo, o argumento por analogia e a metáfora.

Oargumento pelo exemplo (3.1) é um tipo de argumento que visa apresentar eventos ou casos particulares com vistas a uma generalização. O papel do exemplo é dar fundamento a uma tese já conhecida pelo auditório ou ainda passar de um caso particular para outro. “O foro do jovem empresário da informática que se tornou bilionário é um exemplo que pode convencer que todo mundo pode se tornar bilionário” (BRETON, 2003, p.142). Seja como for, o exemplo apresentado deve ser incontestável. Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2002, p. 405) “Um caso particular, observado, jamais pode estar em contradição absoluta com um juízo cuja universalidade é empírica. Ele só poderá reforçá-lo ou enfraquecê-lo”. Para fortalecer a adesão pelo exemplo, o orador poderá recorrer a várias formas, dentre elas: ele poderá multiplicar exemplos diferentes ou usar o exemplo de hierarquia dupla, isto é, uma série de exemplos para reforçar uma generalização já citada ou ainda usar os casos invalidantes para provocar a rejeição da tese e/ou pô-la em evidência (testemunho).

Referências

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