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Organização do discurso persuasivo

2. DIALOGISMO, GÊNEROS DO DISCURSO E ARGUMENTAÇÃO

2.3. Organização do discurso persuasivo

Nesse item, discutiremos sobre a organização do discurso persuasivo. Para isso, faz-se necessário recorrermos, ainda que de forma breve, a Retórica, uma vez que os estudos sobre argumentação nascem no seio dessa disciplina, sem falar que a ela se constitui numa ferramenta imprescindível para se compreender o discurso argumentativo. Neste sentido, as reflexões de Reboul (2004), Citelli (1989) e Leach (2003) serão de grande relevância.

A Retórica se configura, desde a antiguidade clássica, como a arte de persuadir pelo discurso, isto é, a arte capaz de levar um auditório determinado a crer naquilo que está sendo

proferido. Apesar da acusação de ser empregada pelos sofistas com fins escusos (Basta lembrar a crítica de Platão a “falsa adulação”- a Retórica- de Górgias e Isócrates!), ela passou a ser estudada em sua estrutura e funcionamento com Aristóteles.

O autor da “Arte Retórica” chegou a fazer uma síntese das principais visões acerca da retórica, definindo-a como um conjunto de estratégias capazes de organizar o discurso persuasivo. Aristóteles destacou dois tipos principais de argumentos: o entimema (raciocínio silogístico) e o exemplo (raciocínio indutivo) e dedicou um bom tempo de seus estudos para restituir o verdadeiro valor da retórica, integrando-a a uma visão sistemática do mundo.

No século XIX, a retórica passa a ser associada à idéia de embelezamento do texto, pelo excesso de preocupação estética, e acabou prescindindo a preocupação com as técnicas de organização do discurso e com a persuasão, por isso, conforme Citelli (1989, p. 15), “ainda hoje persiste um pouco a visão negativa da retórica como sinônimo de enfeite do estilo e vazio das idéias”.

Na atualidade, os estudos retóricos foram retomados e houve uma verdadeira renovação nessa disciplina, graças aos trabalhos de Jean Dubois e o grupo da Universidade de Liege, que focalizaram mais as questões relativas ao uso das figuras de linguagem e, sobretudo, a Chaim Perelman e a sua teoria da argumentação, verdadeiro tratado sobre a estrutura do discurso argumentativo e os meios de provas empregados para convencer e persuadir o auditório.

Reboul (2004), reconhecendo a importância da Retórica para a história humana, sustenta que ela, em sua função persuasiva, apresenta dois aspectos básicos: o oratório e o argumentativo. No primeiro se incluem os gestos do orador, o tom e as inflexões de sua voz e as figuras de estilo, que são usadas para agradar ou comover. No segundo, os meios de convencimento usados para sustentar nossas idéias diante de um auditório particular.

De acordo como referido autor, enquanto discurso, a retórica, da época clássica até os dias atuais, passou por uma série de tentativas de organização, mas, de um modo geral, há um certo consenso entre os estudiosos da disciplina em se considerar quatro partes principais: a invenção, a disposição, a elocução e a ação.

A invenção, (heurésis em grego) é a parte do discurso em que o orador vai buscar argumentos ou meios de provas para convencer e persuadir seu auditório. Para alcançar tal objetivo, é preciso também determinar que gênero do discurso utilizar, se o epidítico, o judiciário ou o deliberativo. Cada gênero do discurso está vinculado a um tipo específico de auditório. De acordo com Leach (2003, p. 301):

A retórica forense é a retórica dos tribunais, onde a discussão se centra na natureza e na causa de acontecimentos passados. Os interlocutores devem persuadir um terceiro grupo de que sua explicação dos acontecimentos passados é uma explicação ‘verdadeira’. A retórica deliberativa é encontrada na arena política, onde o debate se centra no melhor rumo possível de uma ação futura. Essa persuasão é orientada para o futuro e muitas vezes especulativa. A retórica epidêitica está centrada em temas contemporâneos e na avaliação de se determinado indivíduo ou acontecimento merecem louvor, são culpados ou devem ser censurados. As formas clássicas de retórica epidêitica são orações fúnebres e cerimônias de premiação.

Posto isto, o trabalho do orador prossegue na busca dos argumentos, que segundo Aristóteles, podem ser de três tipos: o ethos, o phatos e o logos. O ethos é o caráter que o orador deve assumir para garantir a credibilidade do auditório. Conforme Maingueneau (2004), é a imagem do enunciador construída através do modo de dizer, isto é, do discurso; o phatos são as emoções, os sentimentos, as reações (efeitos de sentido) de caráter subjetivo que o orador deve despertar no auditório por meio do seu discurso, e o logos “consiste no exame de como os argumentos lógicos funcionam para nos convencer de sua validade” (LEACH: 2003, p.302), podendo ser de dois tipos: o entimema (proposições admitidas, verossímeis), que tem um caráter dedutivo, por partir de uma premissa geral e determinar uma conclusão particular, e o exemplo (proposição que serve para afirmar), que recorre à indução. O fato é que o orador pode dispor de dois tipos de provas: as provas extrínsecas (confissões, leis, contratos...) e as provas intrínsecas (criadas pelo próprio orador). Ele vai encontrar esses argumentos nos lugares (topoi), isto é, nos argumentos-tipo (argumentos já prontos que podem ser encaixados em qualquer parte do discurso), nos tipos de argumentos (esquemas que podem ganhar os conteúdos mais diversos) e numa questão típica que permite encontrar outros encontrar argumentos e contra-argumentos.

A disposição (táxis) é a organização desses argumentos ou meios de prova no discurso persuasivo. Citelli (1989), a partir da leitura de Aristóteles, apresenta as quatro partes constitutivas da organização do discurso: o exórdio, a narração, as provas ou confirmação e a peroração. O exórdio é o começo (a introdução) do discurso, sendo que é o gênero do discurso em questão que vai defini-lo. A narração é o desenvolvimento ou o desenrolar da argumentação. As provas são os elementos que irão sustentar a argumentação e a peroração, ou melhor, o fechamento do discurso.

A elocução (lexis), conforme Reboul (2004), trata-se da elaboração escrita do discurso e isso pressupõe conhecimento sobre a língua e o estilo. Daí a importância da adaptação do estilo ao assunto. E isso se faz obedecendo as seguintes regras: 1) a conveniência; 2) a clareza; e 3) o dinamismo do orador, e recorrendo-se ao uso das figuras, que na retórica não têm o sentido do senso comum, mas o sentido de desvio da expressão usual, de eloqüência, de expressividade, de constituição da norma, de relação entre conteúdo, forma e contexto.

Por fim tem-se a ação (hypocrisis), isto é, o momento da leitura pública do discurso. Aqui a memória assume um caráter muito importante na argumentação, porque “este cânone analisa o acesso que o locutor possui ao conteúdo de sua fala” (LEACH, 2003, p. 307), portanto, dela irá se servir o orador (no nosso caso o produtor do texto) para fazer retomadas, intervenções, improvisações, sempre com vistas à persuasão de sua audiência.