• Nenhum resultado encontrado

2. DIALOGISMO, GÊNEROS DO DISCURSO E ARGUMENTAÇÃO

2.4. Argumentação: a função do auditório

2.4.1. As técnicas argumentativas

Neste item analisaremos os tipos de argumentos e sua importância para o desenvolvimento da argumentação, enquanto meios de provas usados para a apresentação e defesa da tese e, em conseqüência, para garantir a adesão do interlocutor. Para isso, consideramos pertinente adotar a tipologia proposta por Perelman & Olbrechts-Tyteca (2002) no Tratado da Argumentação, por acreditarmos que ela é bastante ampla e, conseqüentemente, dá conta de um dos objetivos que propomos para esta pesquisa: verificar os tipos de argumentos utilizados pelos vestibulandos para convencer/ persuadir o auditório acerca do seu ponto de vista.

Com o objetivo de auxiliar o orador a persuadir o seu auditório, Perelman e Olbrechts- Tyteca (2002) propõe um conjunto de técnicas ou estratégias discursivas que visam apresentar e dar consistência aos argumentos. Mas o que são argumentos? Segundo os autores da Nova Retórica: um conjunto de enunciados do discurso constituídos de duas premissas e uma conclusão, que se “impõem” de forma racional modificando uma opinião ou uma crença (valor)

comum a um auditório, caracterizando-se pela existência de dois processos: o de ligação e o de dissociação. Nas palavras dos autores:

Entendemos por processos de ligação esquemas que aproximam elementos distintos e permitem estabelecer entre estes uma solidariedade que visa, seja estruturá-los, seja valorizá-los positiva ou negativamente um pelo outro. Entendemos por processos de dissociação técnicas de ruptura com o objetivo de dissociar, de separar , de desunir elementos considerados um todo, ou pelo menos um conjunto solidário dentro de um mesmo sistema de pensamento (PERELMAN e TYTECA, 2002, p . 215).

Dessa forma, Perelman & Olbrechts- Tyteca (2002) dividem as técnicas argumentativas em quatro tipos de argumentos: os argumentos quase-lógicos, os argumentos baseados na estrutura do real, os argumentos que fundam o real e os argumentos pela dissociação de noções. Vejamos cada grupo de argumentos com a ajuda do quadro abaixo, organizado a partir de PERELMAN e OLBRECHTS- TYTECA (2002).

Tipos de argumentos Argumentos quase- lógicos (01) incompatibilidade (1.1) identificação (1.2) reciprocidade (1.3) Transitividade (1.4) Divisão (1.5) Comparação (1.6) O argumento de autoridade (2.2) Argumentos baseados na estrutura do real (02) O argumento pragmático (2.1) Argumento ad hominem Argumento pelo modelo

(3.3) Argumentos que fundam o real (03) Exemplo (3.1) Ilustração (3.2) Argumento pelo antimodelo Analogia (2.4) Argumentos pela dissociação de noções (04) Pares hierarquizados (aparência/ realidade)

Os argumentos quase-lógicos (01) são aqueles que se aproximam dos raciocínios da Lógica formal- disciplina filosófica que utiliza uma linguagem unívoca- mas deles se diferenciam por usarem uma linguagem natural, sujeita a uma diversidade de interpretações e as circunstâncias do meio social. Dentre os argumentos quase-lógicos temos: o argumento pela incompatibilidade, os argumentos de identificação, os argumentos de reciprocidade, os argumentos de transitividade, os argumentos de inclusão /divisão e os argumentos de comparação.

Os argumentos de incompatibilidade (1.1) são aqueles que, semelhantes à contradição formal, apresentam duas teses- sendo uma a negação da outra- que podem ser aplicadas simultaneamente a uma mesma realidade, mas diferentemente da contradição, dependem das circunstâncias (leis da natureza, fatos ou decisões humanas). Eis alguns exemplos de incompatibilidade na argumentação: a autofagia (tipo de argumento em que uma afirmação é incompatível a sua aplicação). A retorsão (na qual se usa o próprio argumento do interlocutor para contestá-lo), a auto-inclusão (argumento em que a regra se opõe a si mesma) ou os argumentos que opõem uma regra a suas conseqüências são formas de argumentação pela autofagia, e o ridículo (uma afirmação entra em conflito, sem justificação, com uma opinião, originada do pensamento lógico ou da experiência, aceita pelo auditório. É o caso da ironia, recurso retórico que diz o contrário do que o orador realmente defende).

Os argumentos de identificação (1.2) são aqueles que buscam apontar elementos comuns em um mesmo discurso, podendo ser essa identificação completa ou parcial. São exemplos de argumentos de identidade: as definições, argumentos que visam a identificar a definição com o objeto definido, podendo dividir-se em quatro tipos:

ƒ definições normativas: definição em que o significado de uma palavra de um dado discurso é dependente de um acordo com o auditório;

ƒ definições descritivas: definição que restringe o significado de uma palavra a um contexto determinado;

ƒ definições de condensação: definição que destaca alguns elementos essenciais na definição descritiva;

ƒ definições complexas: definição que combina aspectos das definições normativas, descritivas e de condensação de forma variável.

A regra de justiça também pode ser incluída no rol dos argumentos de identificação na proporção que este tipo de argumento procura dar um tratamento igual a seres ou situações que fazem parte de uma mesma categoria.

Os argumentos de reciprocidade (1.3) são argumentos que buscam aplicar o mesmo tratamento a duas situações correlatas, baseando-se no vínculo entre antecedente e conseqüente de uma mesma relação ou resultando da transferência de pontos de vista, possibilitando o reconhecimento da identidade de certas situações: “O que é honroso aprender, também é honroso ensinar” (p.251)

Os argumentos de transitividade (1.4) são argumentos que se baseiam normalmente na afirmação de que a relação entre os termos: a e b, entre os termos b e c, pode levar a conclusão de que é possível passar entre os termos a e c: “Os amigos dos meus amigos são meus amigos” (p.257).

O argumento da divisão (1.5) é aquele em que “divide-se um todo- a tese por provar- em partes, e, depois de mostrar que cada uma delas tem propriedades em questão, conclui-se que o todo tem essa mesma propriedade” (REBOUL, 2004, p.171). Segundo Perelman e Olbrechts- Tyteca (2002), o argumento da divisão tem como exemplo característico o dilema: tipo de argumento que optando pela argumentação de qualquer uma das partes se chegará a uma mesma conclusão, sendo esta a tese. Vejamos um exemplo, citado por Garcez (2001, p. 106)10:

Uma escola alemã de Filosofia, a escola de Frankfurt, elaborou uma concepção conhecida como Teoria Crítica, na qual distingue duas formas de razão: a razão instrumental e a razão crítica.

A razão instrumental é a razão técnico- científica, que faz das ciências e das técnicas não um meio de libertação dos seres humanos, mas um meio de intimidação,

10 Extraído de CHAUI, Marilena. Cultura e democracia; o discurso competente e outras falas. São Paulo: Moderna,

medo, terror e desespero. Ao contrário, a razão crítica é aquela que analisa e interpreta os limites e os perigos do pensamento instrumental e afirma que as mudanças sociais, políticas e culturais só se realizarão verdadeiramente se tiverem como finalidade a emancipação do gênero humano e não as idéias de controle e domínio técnico-científico sobre a natureza, a sociedade e a cultura

Já os argumentos de comparação (1.6) são aqueles que confrontam realidades diferentes a fim de avaliá-las umas em relação às outras. Esses argumentos são “apresentados como constatações de fato, enquanto a relação de igualdade ou desigualdade afirmada só constituem, em geral, uma pretensão do orador” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2002, p.275). Grosso modo, as comparações podem dar-se das seguintes formas: por oposição, por ordenamento ou por ordenação quantitativa: “Suas faces são vermelhas como maçãs” (p.274). De acordo com Breton (2003), a comparação é freqüentemente usada na vida cotidiana, constituindo- se , talvez, numa das formas mais difundidas de argumentação

Os argumentos baseados na estrutura do real (02) são aqueles que apresentam um ponto de vista ou pretendem dar uma interpretação da/ sobre a realidade. Nesse grupo incluem-se os argumentos de ligações de sucessão: que podem ser explicados a partir da relação causa e efeito e os argumentos de ligações de coexistência: que relaciona a pessoa e seus atos. Nos primeiros tipos de argumentos, encontramos o argumento pragmático; nos segundos o argumento de autoridade.

O argumento pragmático (2.1), segundo Perelman, é todo e qualquer argumento que avalia um ato ou um evento por meio de suas conseqüências favoráveis ou desfavoráveis. Este tipo de argumento, para ser aceito pelo senso comum, não requer nenhuma justificação, porém, só pode desenvolver-se através de um acordo entre os interlocutores sobre o valor das conseqüências. A superstição é um bom exemplo de argumento pragmático.

Os argumentos de autoridade (2.2) são aqueles que se fundamentam na ação ou no ponto de vista de uma pessoa (autor renomado, autoridade num certo domínio do saber humano) ou de um grupo de pessoas que, de um modo geral, gozam de prestígio social como um meio de prova para sustentar uma tese. Breton (2003) adverte que “essa autoridade deve ser

evidentemente aceita pelo auditório para que ele, por sua vez, aceite como verossímil o que lhe é proposto” (BRETON, 2003, p. 77). Contrário ao argumento de autoridade é o argumento ad hominem, que segundo Reboul (2004, p. 178) “Consiste em refutar uma proposição recorrendo a uma personalidade odiosa [...] Ou então ressaltando as fraquezas de quem o enuncia”. Assim podemos dizer que o argumento ad hominem é uma inversão do argumento de autoridade.

Por último, os argumentos que fundam a estrutura do real (03) são aqueles que partem de um fato ou evento particular para se chegar a determinadas generalizações, apresentando-se, portanto, como argumentos indutivos. São eles: o argumento pelo exemplo, o argumento pela ilustração e o argumento pelo modelo ou antimodelo, o argumento por analogia e a metáfora.

O argumento pelo exemplo (3.1) é um tipo de argumento que visa apresentar eventos ou casos particulares com vistas a uma generalização. O papel do exemplo é dar fundamento a uma tese já conhecida pelo auditório ou ainda passar de um caso particular para outro. “O foro do jovem empresário da informática que se tornou bilionário é um exemplo que pode convencer que todo mundo pode se tornar bilionário” (BRETON, 2003, p.142). Seja como for, o exemplo apresentado deve ser incontestável. Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2002, p. 405) “Um caso particular, observado, jamais pode estar em contradição absoluta com um juízo cuja universalidade é empírica. Ele só poderá reforçá-lo ou enfraquecê-lo”. Para fortalecer a adesão pelo exemplo, o orador poderá recorrer a várias formas, dentre elas: ele poderá multiplicar exemplos diferentes ou usar o exemplo de hierarquia dupla, isto é, uma série de exemplos para reforçar uma generalização já citada ou ainda usar os casos invalidantes para provocar a rejeição da tese e/ou pô-la em evidência (testemunho).

O argumento pela ilustração (3.2): argumento que usa fatos ou eventos particulares para esclarecer o enunciado geral, tendo, portanto o papel de “reforçar a adesão a uma regra conhecida e aceita” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2002,407). Nesse contexto, os dados (fatos, exemplos) necessariamente têm que ser comprobatórios e sustentar a idéia geral defendida pelo orador. Diferentemente do exemplo, a ilustração pode ser duvidosa e também preceder a generalização. A comparação, quando não se trata de uma avaliação, pode ser uma ilustração de um caso por meio de outro. Platão e Fiorin (2003) defendem que a ilustração pode se constituir num excelente expediente para argumentar, quando é representativa, isto é, quando o

exemplo comprova a verdade geral, mas se usada de forma inadequada pode enfraquecer a argumentação, tornando-se num defeito

O argumento pelo modelo (3.3) consiste em seguir um comportamento particular (geralmente alguém de prestígio social) para fundamentar uma tese ou regra geral ou estimular a uma ação inspirada nesse comportamento. Breton (2003, p.142) nos dá uma bom exemplo do uso desse tipo de argumento: “O foro do jovem empresário que se tornou bilionário [...] pode ser o modelo para quem queremos convencer a ser bilionário” Quando se cita um comportamento que contrasta com a conduta socialmente aceita a fim de rejeitar esse comportamento, temos o argumento pelo antimodelo. Neste tipo de argumento “Incentiva-se se distinguir de alguém, sem que nem sempre se possa inferir daí uma conduta precisa” (PERELMAN e OLBRECHTS- TYTECA, 2002, p. 418).

O argumento pela analogia (3.4) consiste em um raciocínio que produz a interação entre tema e foro. Na relação analógica a está para b assim como c está para d. Apesar do parágrafo padrão ser composto de quatro partes, é comum encontrarmos o raciocínio analógico com três, sendo que a está para b, assim como c está para b. Um dos tipos de analogia é a metáfora que funde os quatro elementos de um raciocínio.Com relação a esta última, Breton (2003, p.135) assim se pronuncia: “(...) a metáfora é um argumento quando ela é colocada a serviço da defesa de uma tese ou de uma opinião”. Fora isso não passa de uma figura preocupada com o estilo e a estética do texto.

Por fim, há os argumentos pela dissociação das noções (04), que são argumentos que visam remover uma incompatibilidade através de uma decomposição de um conceito. Geralmente a dissociação de noções é feita em pares hierarquizados: aparência/ realidade, meio/ fim, conseqüência/ fato, essência/ existência etc. De acordo com Reboul (2004, p. 189) neste tipo de argumento “onde se via uma realidade, surgem duas, a aparente e a verdadeira”. Desse modo, o argumento da dissociação das noções, ao procurar confrontar uma tese com outras, quer na verdade, fazer uma reestruturação conceitual do real, afastar, portanto, qualquer incompatibilidade. Breton (2003, p.109) nos dá um exemplo: “Tzevan Todorov distingue a memória literal da memória exemplar. A primeira implica em que o passado doloroso seja preservado na sua literalidade [...]. A segunda memória implica em abrir esta lembrança ara a analogia e a generalização para fazer do passado um principio de ação para o presente”. Alexy

(2001, p. 137) ainda lembra que “pelo processo de dissociação os conceitos empregados na argumentação são alterados por meio de novas subdivisões. Isso torna possíveis soluções bastante novas”.

Diante do exposto, vê-se, então, que a taxionomia dos argumentos proposta neste trabalho, inspirada basicamente em Perelman e Olbrechts-Tyteca (2002), é apenas uma forma simplificada de classificação, haja vista que não abrange a complexidade taxionômica teorizada por Perelman e Tyteca no Tratado da Argumentação, contudo defendemos que o conhecimento e uso dessas técnicas argumentativas são de fundamental importância na produção do texto cujo gênero discursivo recorre à argumentação.