• Nenhum resultado encontrado

Argumentação e o ensino da produção escrita

2. DIALOGISMO, GÊNEROS DO DISCURSO E ARGUMENTAÇÃO

2.5. Argumentação e o ensino da produção escrita

Nesse item traçamos algumas reflexões sobre a produção do texto argumentativo no contexto escolar. Para isso nos serviremos de Geraldi (1997), Rodrigues (2002), Brandão (2001), Faraco e Tezza (2001), Meurer (2003) e Brasil (2001).

Durante muito tempo, a produção de texto em sala de aula foi considerada como produto e ficou restrita a tão famigerada “redação escolar”, que incluía três tipos básicos de texto: a narração, a descrição e a dissertação. Este último tipo de texto era trabalhado de forma padronizada, obedecendo a regras rígidas de escrita impostas pelos manuais: estrutura textual definida (introdução, desenvolvimento, conclusão), linguagem impessoal e formal, etc. Era comum se ouvir professores defendendo alguns “macetes” para a produção da dissertação, tão importantes para o sucesso ou o fracasso do aluno nas aulas de português, ou no Concurso Vestibular.

Na atualidade, com os avanços dos estudos da linguagem, percebeu-se que o texto não pode ser entendido como um produto acabado, resultado do trabalho individual de um sujeito, que é fonte da verdade absoluta e que escreve para o professor dá uma nota (ou escreve para um corretor impessoal, no caso da redação do vestibular). A compreensão da lingua enquanto forma ou processo de interação pôs em xeque essa visão monológica e restrita da linguagem centrada na produção de textos apenas para a escola (a redação escolar, por exemplo) e instaurou uma visão

mais dinâmica sobre a produção textual, possibilitando a produção de textos na escola (produção textual cuja natureza é mais ampla), a partir do reconhecimento de outros processos imbricados no ato de produção verbal, como por exemplo, o conhecimento enciclopédico, as convenções sociais, as normas culturais, a imagens do outro, etc.

Desse modo, a língua extrapola os limites do sistema e mergulha no dinamismo da vida social, constituindo- se num veículo de interação entre os discursos. Conseqüentemente, o texto deixa de ser mero produto de um sujeito que é fonte do dizer e passa a ser encarado como um encontro entre linguagens, já que nasce a partir do confronto com outro (s) texto (s), sendo importante nesse processo de interação verbal tanto o falante/ escritor quanto o ouvinte/ leitor, os quais percebem que “as verdades são construções dinamicamente articuladas, das quais somos parte integrante e ativa” (FARACO E TEZZA, 1991, p. 167).

Geraldi (1997, p. 160), postulando a necessidade do aprendiz assumir o papel de sujeito no ato da produção escrita em sala de aula, relaciona algumas condições necessárias à produção do texto, independentemente do gênero em questão. Para ele, é preciso que o enunciador tenha o que dizer; tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer; tenha para quem dizer o que se tem a dizer; se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz e escolha as estratégias adequadas para materializar o seu discurso na produção escrita.

Em se tratando da produção do texto argumentativo, texto em que o produtor emite opiniões, julgamentos, preferências, hipóteses, ressalvas (BRANDÃO, 2001), essas condições propostas por Geraldi tornam-se esclarecedoras por possibilitar- nos perceber que o aprendiz, no ato da escrita, recorre a seu arquivo, isto é, ao conhecimento enciclopédico adquirido na experiência do cotidiano, nas leituras diversas e nas vivências que ele trava com o outro nas mais diferentes esferas da vida social, para que ele apresente informações consistentes, isto é, tenha o que dizer. Essas informações veiculadas no texto, às vezes, também podem aparecer sintetizadas no próprio título. É o que nos lembra Travassos (2003, p. 56-57) quando nos diz que “...além de nomear o texto, [o título] resume o que o autor considera como mensagem/ informação mais importante”, ativando na memória do leitor, “o conhecimento necessário para a compreensão do texto”, e cria expectativa, funcionado, portanto, como um organizador textual.

Além das informações advindas do conhecimento enciclopédico, o aprendiz mobiliza outros processos argumentativos a fim de encontrar razões suficientes (opiniões) para dizer “com o propósito de assegurar um acordo nas idéias” (EEMEREN et al, 2000, p. 305) e um auditório, uma vez que “a palavra dirige-se a um interlocutor” (BAKHTIN, 1929, p. 112), e, de igual modo, se constitua no confronto com a opinião do outro, ainda que esse outro seja virtual, como é o caso da produção escrita, e escolha as estratégias adequadas ao ato de enunciação, e isso inclui as técnicas de argumentação, já explicitadas no item 2. 4. 1 desta dissertação, que possibilitam ao produtor do texto uma variedade de argumentos capazes de garantir a eficácia do processo argumentativo escrito de forma convencional.

Por fim, o produtor do texto argumentativo ainda precisa adequar a escrita a um gênero do discurso, haja vista que “O gênero circunscreve o pensamento” (REBOUL, 2004, p. 144). E aqui convém lembrar que são muitos os gêneros do discurso eminentemente argumentativos que podem ser trabalhados em sala de aula pelo professor de língua portuguesa. Basta pensar nos gêneros próprios do discurso jornalístico (editoriais, artigo de opinião, crônica, etc), do discurso acadêmico (resenha, monografia, ensaio, tese...) e em outros gêneros que circulam socialmente.

Já os Parâmetros Curriculares Nacionais defendem a necessidade de se desenvolver estudos sobre a diversidade de gêneros, haja vista que “a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino” (BRASIL, 2001). Corroborando essa tese, Rodrigues (2002, p.216) ressalta que “um dos objetivos da área de Língua Portuguesa para a prática de produção de textos escritos é o ensino do modo de produção do discurso argumentativo”, que incluem “os processos de argumentação, os modos de composição textual, as unidades lingüísticas e outros aspectos” nos diferentes gêneros, reconhecendo, portanto, a importância desses estudos para o ensino de língua materna. Marcuschi (2002, p. 22) propõe a adoção de “gêneros textuais” ao invés de “gêneros do discurso”, visto que:

Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo, composição característica.

Como podemos perceber, os gêneros do discurso/ textuais, sem duvida, estão imersos na realidade social e caracterizam-se não somente em função de suas propriedades lingüísticas ou estruturais, mas sobretudo pelas suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais, apresentando-se como elementos dinâmicos e maleáveis que existem a serviço de um contexto sociocultural.

Meurer (2003), por um lado, ratifica que os estudos sobre gêneros textuais ainda são incipientes, mas por outro afirma que esses estudos têm evoluído bastante com o esforço de pesquisadores e professores preocupados com a pesquisa e o ensino da linguagem, possibilitando outras abordagens sobre os estudos dos gêneros textuais, e apresenta a sua importância pelos seguintes motivos: 1) nos comunicamos através de gêneros textuais específicos, os quais impregnam os mais diversificados eventos de comunicação da cultura na qual fazemos parte; 2) a pesquisa e o ensino sobre gêneros textuais podem estimular o estudo sobre as diversas manifestações da língua em uso tanto na oralidade como na escrita; 3) a possibilidade desses estudos explorarem os gêneros textuais em outras esferas sociais.

Por isso, o ensino de lingua portuguesa não pode prescindir o estudo sobre os gêneros do discurso/ textuais, pois, refletindo sobre a noção de gênero a escola abre um caminho para se discutir sobre as possibilidades de usos sociais da língua e um trabalho com o texto argumentativo, permitindo um ensino/ aprendizagem mais produtivo da língua, a partir do desenvolvimento da competência comunicativa (nas suas dimensões lingüística e textual), tão necessária para a complexidade que perpassa o ato da produção escrita em sala de aula e, de igual modo, em outras esferas da atividade humana.