• Nenhum resultado encontrado

A educação informal para o consumo infantil e juvenil na televisão e na mídia

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "A educação informal para o consumo infantil e juvenil na televisão e na mídia"

Copied!
213
0
0

Texto

(1)

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

AFFONSO HENRIQUES DA SILVA REAL NUNES

A EDUCAÇÃO INFORMAL PARA O CONSUMO INFANTIL E

JUVENIL NA TELEVISÃO E NA MÍDIA

(2)

A EDUCAÇÃO INFORMAL PARA O CONSUMO INFANTIL E

JUVENIL NA TELEVISÃO E NA MÍDIA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do grau de doutor em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Arnon Alberto Mascarenhas de Andrade.

(3)
(4)

Ao Professor Dr. Arnon Alberto Mascarenhas de Andrade, que me acolheu como seu orientando, e me guiou pela complexa estrutura acadêmica e científica.

Aos amigos que sempre estiveram ao meu lado durante a difícil realização deste trabalho, em especial Luciene Cezário, Sandra Mara de Oliveira Souza, João Tadeu Weck e, pelas inestimáveis colaborações para a conclusão do processo de conclusão do curso de doutorado. À Professora Dra. Eliany Salvatierra Machado, professora do departamento de Comunicação

(5)

sempre audaz, nas esquinas das ruas, no corpo de cada uma e de cada um de nós.

(6)

O consumo se tornou um dos principais pilares do capitalismo moderno e, ao mesmo tempo, um dos fatores que se relacionam à desigualdade social. Karl Marx desenvolveu a tese do materialismo histórico que defende uma história da sociedade determinada pela luta de classes e pela ‟exploração do homem pelo homem”. Considerado ultrapassado por aqueles que acreditam que marxismo é sinônimo de socialismo real, as ideais marxistas nos parecem mais do que atuais num mundo ocidental que leva cada indivíduo à individualização (perda da noção de público e coletivo) e à alienação pelo trabalho. A teorização de Lukács sobre as teorias marxistas reforça esta ideia, quando diz que este processo engloba todo o sistema social. Partimos do pressuposto que poderíamos trabalhar estes temas na formação do aluno, ainda no Ensino Fundamental, através do questionamento da sociedade de consumo, com a crítica à televisão e à mídia, principal promotora do atual sentido de consumo, como passo inicial que poderia levar à futura autonomia do indivíduo. A teoria da ideologia e as ideias de educação libertadora de Paulo Freire permearam teoricamente a experiência que aconteceu como observação participativa numa das turmas da disciplina de Sociologia numa das unidades do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, capital do estado, instituição sob administração direta do Ministério da Educação. Encontramos um terreno fértil em que os alunos se mostraram aptos a entender e a questionar o sentido da publicidade midiática.

(7)

The consumption has become a major pillar of modern capitalism and at the same time, one of the factors that relate to social inequality. Karl Marx developed the theory of historical materialism which maintains a history of society determined by class struggle and the

‟exploitation of man by man.” Considered to be overtaken by those who believe that Marxism is synonymous with real socialism, the Marxist ideals seem more present than in the Western world which each individual takes the individualization (loss of sense of public and collective) and the alienation by the work. We assumed we could work on these issues in student education, even in elementary school, through questioning of the consumer society, with the criticism of television and the media, the main promoter of the current sense of consumption, as an initial step that could lead to future autonomy of the individual. The theory of ideology and ideas of Paulo Freire's liberating education theory permeated the experience that happened as a participant observation of groups in the discipline of sociology in the unit 2 of the Colégio Pedro II in Rio de Janeiro, the state capital, an institution under the direct administration Ministry of Education. We have found fertile ground in which the students were able to understand and question the meaning of advertising media.

(8)

El consumo se ha convertido en un pilar fundamental del capitalismo moderno y, al mismo tiempo, uno de los factores que se relacionan con la desigualdad social. Karl Marx desarrolló la teoría del materialismo histórico que mantiene una historia de la sociedad determinada por la lucha de clases y la ‟explotación del hombre por el hombre.” Considerado como superado por los que creen que el marxismo es sinónimo de socialismo real, los ideales marxistas parecen más presente que nunca en el mundo occidental que cada individuo toma la individualización (pérdida del sentido de lo público y colectivo) y la alienación en el trabajo. La concepción de Lukács acerca de las teorías marxistas refuerza esta idea cuando dice que este proceso abarca todo el sistema social. Asumimos que podríamos trabajar sobre estos temas en la educación de los estudiantes, incluso en la escuela primaria, a través de cuestionamiento de la sociedad de consumo, con la crítica de la televisión y los medios de comunicación, el principal promotor del sentido actual de consumo, como un primer paso que podría llevar a futura autonomía del individuo. La teoría de la ideología y las ideas de la teoría de la educación liberadora de Paulo Freire han permeado la experiencia que ocurrió como la observación participante de los grupos en la disciplina de la sociología en las unidades II del Colegio Pedro II en Río de Janeiro, la capital del estado, una institución bajo la administración directa Ministerio de Educación. Hemos encontrado un terreno fértil en el que los estudiantes fueron capaces de entender y cuestionar el sentido de los soportes publicitarios en la media.

(9)

La consommation est devenue un pilier majeur du capitalisme moderne et, en même temps, l'un des facteurs qui ont trait à l'inégalité sociale. Karl Marx a développé la théorie du matérialisme historique, qui conserve un historique de la société déterminé par la lutte de classe et ‟l'exploitation de l'homme par l'homme.” Considéré comme dépassé par ceux qui croient que le marxisme est synonyme de socialisme réel, les idéaux marxistes semblent plus présents que dans le monde occidental où chacun prend l'individualisation (perte du sens du public et collectif) et la aliénation par le travail. Lukács théories sur les théories marxistes renforce cette idée quand il dit que ce processus englobe l'ensemble du système social. Nous avons supposé que nous pourrions travailler sur ces questions dans l'éducation des élèves, même à l'école primaire, par le questionnement de la société de consommation, avec la critique de la télévision et les médias, le principal promoteur du sens actuel de consommation, comme une première étape qui pourrait conduire à l'autonomie future de l'individu. La théorie de l'idéologie et les idées de la théorie de Paulo Freire de éducation libératrice imprégné l'expérience que des événements comme une observation participante de groupes dans la discipline de la sociologie dans une des unités de Colégio Pedro II de Rio de Janeiro, la capitale de l'Etat, une institution sous l'administration directe Ministère de l'éducation. Nous avons trouvé un terrain fertile dans lequel les étudiants ont été en mesure de comprendre et de s'interroger sur le sens de la publicité dans les médias.

(10)

1. INTRODUÇÃO... 12

1.1. APRESENTAÇÃO GERAL DO PROBLEMA... 13

1.2. SÍNTESE DO OBJETO E DO OBJETIVO DA TESE... 15

1.3. DIVISÃO DE CAPÍTULOS... 16

2. REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO... 18

2.1. FORMAÇÃO PARA O CONSUMO... 19

2.2. EMISSÃO E RECEPÇÃO MIDIÁTICA... 21

2.2.1. A apropriação da fala... 23

2.2.2. O ritmo e a realidade dentro da televisão... 26

2.3. PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO PARA A VIDA... 31

2.4. A LIBERDADE EM ARENDT E O “MODELO MECÂNICO” DE BARBERO... 38

2.4.1. O ser político e a liberdade em Arendt... 40

2.5. MARX E A DIVISÃO SOCIAL PELO TRABALHO... 44

2.5.1. Modernização da produção e luta de classes... 44

2.5.2. A contradição entre a crise trabalho moderno e o consumo... 46

2.5.3. O excesso de trabalho... 48

2.5.4. A revisão de Marx em Lukács... 51

2.6. TEORIA DA IDEOLOGIA... 54

2.6.1. Estado e ideologia... 58

2.6.2. Ideologia, mídia e representações sociais... 60

2.6.3. A linguagem e a ideologia... 62

2.7. A LINGUAGEM E AS DIFERENÇAS DE CLASSE SOCIAL... 64

2.8. OBERVAÇÃO PARTICIPANTE COMO METODOLOGIA... 65

3. FORMAÇÃO DA AUDIÊNCIA: UMA TAREFA DE CONVENCIMENTO... 70

3.1. JORNALISMO E FICÇÃO: A TEORIA DO AGENDAMENTO... 79

3.1.1. A cultura televisiva... 82

3.2. A ASCENSÃO DA BURGUESIA E A SOCIEDADE DE MASSA... 87

3.2.1. A mídia e a construção das massas... 93

3.3. O DESENVOLVIMENTO DA TV BRASILEIRA E DO MERCADO DE CONSUMO... 96

4. A MÍDIA QUE VENDE PRODUTOS, IMAGENS E IDEIAS... 105

4.1. A REALIDADE CRIADA ARTIFICIALMENTE... 118

5. O TRABALHO NA ESCOLA PEDRO II... 130

5.1. A ESCOLA BRASILEIRA DO SÉCULO XXI... 131

5.1.2. A função da escola: dois pontos de vista... 133

(11)

5.2.1.1. O texto ‟Classificação indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê”... 139

5.2.1.2. A pesquisa ‟A televisão pelo olhar das crianças”... 141

5.2.1.3. A força da televisão no século XXI... 143

5.2.2. A sala de aula da professora Tatiana Bukowitz... 144

5.2.3. A turma do Colégio Pedro II... 149

5.3. OS SUPORTES UTILIZADOS NO QUESTIONAMENTO AO CONSUMO... 151

5.3.1. Os trabalhos escritos... 152

5.3.2. O trabalho com os vídeos... 163

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS... 168

REFERÊNCIAS... 172

ANEXO I... 185

ANEXO II... 212

(12)

1. INTRODUÇÃO.

A industrialização e a sociedade ocidental de consumo atingiram proporções que extrapolam as questões econômicas de um país ou das empresas que constituem a máquina de geração de capital. Mais do que a expansão pura e simples de um mercado de compra e venda de produtos ou de prestação de serviços, assistimos à criação de uma rede de ações corporativas que se dirigem ao público lançando mão de fatores psicológicos e sociais, que acabam por influir no comportamento da população, no desenvolvimento pessoal e maturidade do indivíduo, e no meio ambiente. São elementos que entram em jogo para servir diretamente ao principal interesse da indústria de bens e serviços – ampliar seus mercados consumidores e aumentar a sua base de lucros. Estes mesmos elementos também estão diretamente relacionados com a formação pessoal e escolar de uma pessoa desde a sua primeira infância.

Este trabalho investiga a atuação da televisão e da mídia como fonte de educação informal para o consumo mesmo antes que a criança se equilibre em seus primeiros passos e antes de começar a frequentar a escola. A pesquisa busca entender que ferramentas podem ser utilizadas no trabalho de crítica a este processo no Ensino Fundamental. As primeiras fontes de informação a este respeito estão contidas na publicação ‟Classificação indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê”, editada numa parceria da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), a Save the Children Suécia, a Fundação Avina e o Ministério da Justiça com o objetivo de debater, sob diferentes perspectivas teóricas, a prática da classificação, apresentando uma Nova Classificação Indicativa, que permitiria aos pais regularem o tipo de programas televisivos aos quais os filhos poderiam ou não ter acesso. Também foram colhidas relevantes informações a respeito da relação que as crianças mantém com a televisão no texto “A televisão pelo olhar das crianças”, coletânea de 10 artigos organizada por Rosália Duarte, redigidos pela equipe de pesquisadores do GRUPEM – Grupo de Pesquisa em Educação e Mídia do Departamento de Educação, PUC-Rio – a partir dos resultados da pesquisa “Criança, televisão e valores morais”, realizada entre 2004 e 2006.

(13)

Numa sociedade da informação, o papel da mídia é essencial para a reafirmação das noções relativas à aquisição de capital. Entendemos o poder da mídia nos dias de hoje como um fato e não pretendemos propor a criação de mecanismos que impeçam as crianças de ter contato com a televisão, ou mesmo reduzir este contato a um número determinado de horas. Parte da formação global de um indivíduo reside em seu contato com o mundo e com os desafios apresentados pelas diversas situações cotidianas, entre elas a exposição aos processos ideológicos da mídia. O que nos inquieta é que estes processos circulem livremente entre o público infantil sem que enfrentem resistência.

Propomos que o professor pode questionar em sala de aula as orientações da televisão e da mídia para o consumo dirigidas aos alunos. Nosso objetivo principal é questionar esta ideologia dominante em relação ao consumo, avaliando a possibilidade de desenvolvimento crítico do aluno.

1.1. APRESENTAÇÃO GERAL DO PROBLEMA.

Nossa principal questão a ser trabalhada é o processo crescente de alienação pelo consumo. Neste trabalho, apresentaremos as análises teóricas que indicam que ao se tornarem consumidores precoces, as crianças se deparam com confusas referências de mundo o que, acreditamos, afeta o seu processo de formação como indivíduo.

As estratégias utilizadas pela mídia com foco no consumidor infantil têm se mostrado agressivas já que as crianças, segundo as pesquisas que serão apresentadas, também influenciam em menor ou maior grau os hábitos de compra da família. Ao eleger a criança como público alvo, a publicidade encontra um nicho que amplia imensamente as possibilidades de venda de produtos, uma vez que os publicitários entendem a “força” e o poder de persuasão das crianças junto aos pais. Sabem que a vida moderna tira as pessoas de casa e, em geral, as força a cumprir um elevado número de horas a serviço do trabalho. A falta de tempo e de capacidade mental para, depois de uma jornada excessiva de trabalho, ter disponibilidade para cuidar dos filhos determina um sentimento de culpa que os pais tentam aliviar comprando o que os filhos desejam ou os presenteando a todo momento com coisas que lhes agradam. Este misto de atuação da publicidade e estratégias de marketing, e o impasse que os pais encontram para lidar com o problema, pode gerar uma situação que vai determinar a formação da criança e influencia-la não apenas no momento de sua infância, mas por toda a sua vida.

(14)

possível realizar este trabalho com crianças e pré adolescentes. Nos parece que este é um público pertinente à pesquisa (uma vez que os marqueteiros passaram a se dirigir a uma população cada vez mais jovem) além de considerarmos mais eficaz um trabalho de confronto da ideologia dominante com pessoas de 12 e 15 anos de idade – fase da vida em que os conceitos ainda estão em formação.

Os estudos recentes de Comunicação Social/Educação têm caminhado no sentido de abordar e incluir a cultura como eixo central de vinculação no trabalho nesta área de pesquisa. O professor espanhol Jesús Martín-Barbero, radicado na Colômbia desde 1963, e o argentino Jorge Huergo, para citar exemplos de pesquisadores que atuam na América Latina, estão entre os que entendem que a cultura (e a questão política, para Huergo) deve ser relacionada com os estudos culturais e que, sem isso, seria difícil trabalhar questões sobre a mídia na escola. Não nos opomos a esta visão porque entendemos que as áreas de conhecimento da Educação, das Ciências Sociais e Políticas e da Comunicação Social apresentam muitos pontos de interseção – sem nos esquecermos do papel dos acontecimentos históricos na influência sobre o momento presente. Nos parece impossível pensar num processo que leve para a escola as questões relativas à mídia sem levarmos em consideração como se configura a sociedade brasileira na primeira e início da segunda década do século XXI e, mais especificamente, em que contexto histórico se situam as gerações de crianças e jovens na atualidade.

Este cenário se apresenta imperioso quando nos propomos a discutir a influência do mercado de consumo na formação desta nova geração. Esta influência está diretamente relacionada com todo o processo que deu origem à sociedade brasileira desde a invasão portuguesa, e de outros povos europeus, no século XVI. Seria impossível imaginar que sem a despropriação cultural dos povos nativos que viviam por aqui e em outros lugares deste continente, que viria a ser chamada pelos invasores de América, chegaríamos a esta forma de sociedade em que nos encontramos no século XXI. E, ao pensar especificamente no objeto de estudo proposto, não poderíamos pensar que os hábitos de consumo se dessem e ganhassem os sentidos que ora se apresentam se não nos encontrássemos na condição de um povo colonizado, que aprendeu os valores do “colonizador” e a assumir uma postura e uma forma de vida estrangeira (estranha) como sua.

(15)

estado das coisas quando o assunto é consumo. Supomos que isto seja possível uma vez que se clarifique questões relativas a hábitos culturais e ideológicos.

1.2. SÍNTESE DO OBJETO DE ESTUDO E DO OBJETIVO DA TESE.

Esta tese tem por objeto a avaliação do processo de educação informal para o consumo promovido pela na televisão e pela mídia, partindo do pressuposto que as crianças e pré adolescentes estão capturados pela ideologia divulgada pela mídia. Nossa hipótese é que existe a possibilidade de trabalhar com crianças do Ensino Fundamental que, mesmo sujeitos da sociedade de consumo, teriam condições de fazer uma crítica a esta sociedade e entender que existem alternativas à postura social estabelecida. Foi este o propósito do nosso trabalho de campo realizado no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, na disciplina de Sociologia, quando acompanhamos de perto, com a metodologia de observação participativa, as aulas do segundo semestre de 2010.

O trabalho busca uma interseção entre as áreas de conhecimento da Educação e da Comunicação Social, numa perspectiva que encara a televisão e a mídia como ferramentas da cultura dominante para a divulgação do consumo crescente. Parte-se do pressuposto de que as crianças, expostas a estes mecanismos, não podem questioná-los sozinhas e são induzidas a repetir os hábitos sociais a partir de representações televisivas e midiáticas de situações cotidianas que privilegiam o consumo de bens como principal forma de satisfação e bem estar. Esta situação as levaria a uma condição de constante insatisfação, já que estariam condicionadas a relacionar a realização desejos ao ato de compra.

Este trabalho é proposto a partir da apresentação de uma outra concepção a respeito do mercado de consumo e do sistema capitalista. Encontramos no pensamento marxista a melhor alternativa ao capitalismo atual, numa ressignificação pelas ideias de Georg Lukács que defendia que os homens fazem a sua história e que este fazer não encontra em nenhuma instância (“natural” ou não) qualquer limite para o seu desenvolvimento.

(16)

si próprias, num momento mais avançado de suas vidas, qual o caminho a seguir. Rejeitamos a idéia de impor uma orientação que apareça como “certa” em detrimento de outra que seria “errada”. Apresentar alternativas não é sinônimo de obrigar alguém a segui-las.

Trabalhamos com os textos de Paulo Freire como orientação de uma prática educativa libertadora que luta contra uma pedagogia dominante que é a pedagogia das classes dominantes. Encontramos no trabalho do educador uma resposta para uma atuação dentro da escola que possa dar ferramentas para a libertação do sujeito que pode se ressignificar perante a si mesmo e ao mundo que o cerca. Também nos pareceu importante contextualizar nosso tema de estudo sob a ótica da teoria da ideologia utilizando textos de Althusser, Thompson e Bakthin. A sociedade capitalista se mantém ideologicamente construída e não parte apenas da classe dominante em relação à trabalhadora, mas serve de referencial supostamente concreto para toda a sociedade capitalista, que se transformou em sociedade de consumo. Devemos contextualizar esta ideia nas distintas realidades culturais brasileiras, mas, ainda assim, nos parece que existe uma maioria de pessoas que se deixa incorporar à totalidade do sistema e que não consegue outras vias para a autodeterminação.

Estamos questionando as práticas autoritárias do capitalismo. Desta forma, não encontramos melhor referência que as ideias de Karl Marx e Friedrich Engels, através da releitura feita por Georg Lukács. Desprezamos a ideia de que o marxismo esteja ultrapassado, ao contrário, entendemos que ele pode ser continuamente ressignificado no século XXI como contraponto ao capitalismo e como possibilidade de contestação da alienação pelo trabalho.

Entendemos que estas orientações teóricas sejam esclarecedoras na produção do pensamento subjetivo e coletivo e que possam nos dar os principais subsídios para propor ações libertadoras para o indivíduo/aluno no campo educacional.

1.3. DIVISÃO DE CAPÍTULOS.

No capítulo 1, apresentamos os referenciais teóricos que nortearam nosso trabalho. Em seguida, capítulo 2, informações sobre a formação da audiência, uma das principais tarefas da televisão que apresenta os números de espectadores como seu principal patrimônio a ser oferecido aos anunciantes. Aqui, começa a tarefa de sedução para o convencimento a respeito da relevância da programação. Este trabalho é essencial para o estímulo do mercado de consumo através da formação de sentido.

(17)
(18)

2. REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO.

Busquei na revisão bibliográfica respostas para questões que começaram a surgir durante os anos que lecionei no Ensino Superior, na área de Comunicação Social, na cidade de Natal, e que, em parte, me levaram a abordar o tema da sociedade de consumo neste trabalho científico. Minha inquietação partia na direção de encontrar respostas sobre o desenvolvimento da sociedade de consumo e, em especial, no processo que havia levado aqueles alunos na faixa média dos 18 aos 24 anos a encarar a aquisição de bens e serviços como o objetivo principal de suas vidas, conforme demonstravam em seus discursos.

Nesta tese, busco estas respostas com o suporte da metodologia científica e referenciais teóricos que serão apresentados no decorrer deste capítulo. Os objetivos do trabalho são, principalmente, investigar a origem da formação para o consumo dos jovens, investigação esta que foi realizada em forma de observação participativa com alunos da segunda fase do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Adotamos, como pressuposto, que esta formação começa antes mesmo da criança entrar para a escola e que a mídia, liderada pela televisão, se tornou uma das principais formas de divulgação das práticas de consumo atuais. Nos primeiros anos de escola, estes alunos tomam contato com meninos e meninas de sua idade e que tiveram um acesso muito parecido à televisão e à publicidade. Tentamos identificar as atitudes destas crianças (algumas pré adolescentes) em relação ao consumo.

Nos primeiros contatos com o Colégio Pedro II, tomamos conhecimento de que a instituição já realizava um trabalho com os alunos em sala de aula que lidava exatamente com a crítica ao consumo e ao sistema capitalista, desenvolvida na disciplina de Sociologia para a segunda fase do Ensino Fundamental (este trabalho será descrito no capítulo final). Nossa atenção passou a se focar nas atividades realizadas pelas professoras e nosso acompanhamento se deu junto à uma específica docente que, ao nosso ver, sintetizava a metodologia utilizada pelo Colégio. A partir daí, tentamos avaliar os procedimentos práticos das aulas (trabalhos escritos e exibição de vídeos documentários que tratam da sociedade de consumo), confrontando-os com os referenciais teóricos por nós eleitos. Ao confrontar as duas categorias de informação, pretendemos sugerir um avanço no trabalho com os alunos em sala de aula.

(19)

Geografia e Língua Portuguesa, a escola estará lidando com duas questões essenciais na formação da sociedade brasileira: a diferença de classes e a degradação do meio ambiente. Seria uma proposta de formação individual para uma sociedade senão justa, pelo menos mais coerente. O atual desnível de classes no Brasil mostra a degradação da sociedade como um todo e o prejuízo que qualquer cidadão, de qualquer classe, arca com isso é alto – os índices de violência provam o fato. Por outro lado, o avanço da destruição ambiental, que em parte ocorre em função do aumento do lixo, resultante do crescimento do consumo e da decorrente aceleração do descarte dos produtos, determina uma degradação do ambiente que atinge a todos. As políticas de reciclagem no Brasil estão longe de atender à real necessidade do país, um consumo mais racional poderia reduzir o problema.

Acreditamos que não há tempo a perder. Se pretendemos manter a ideia de Paulo Freire de construção de uma escola para o mundo, aberta ao mundo, precisamos incluir questões como a crítica à sociedade de consumo na orientação para a formação dos alunos desde os primeiros anos do Ensino Fundamental.

2.1. FORMAÇÃO PARA O CONSUMO.

Durante os anos que exerci o cargo de professor universitário, me interessei em pesquisar os motivos que levavam os alunos a ter uma relação mercantilista com a universidade que, me parecia, era encarada apenas como uma porta de entrada para o mercado profissional e não como uma formação mais ampla, em termos teóricos, da área de conhecimento na qual pretendiam ingressar. O curso de Comunicação Social, encarado como um curso profissionalizante, lhes atraia pelas informações práticas para as profissões de jornalista e publicitário. As noções teóricas, que lhes dariam uma informação sobre o universo da área de conhecimento, eram menosprezadas.

(20)

uma cidade, determinaram a cultura do “cada um por si” e do “que vença o mais forte”.

O aumento da população brasileira e a política de Estado que objetivava a escola para todos, estabelecida a partir da elaboração da revisão constitucional de 1988 e da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 1996, ampliaram o número de alunos matriculados nas escolas do Ensino Fundamental, que atualmente é de cerca de 27 milhões e 600 mil, segundo o Censo Escolar da Educação Básica de 2009, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP (BRASIL, 2009), órgão de pesquisa do Ministério da Educação. O número representa muito em termos quantitativos, mas não qualitativamente. Ainda segundo o censo, existe a necessidade de investimentos na melhoria da infraestrutura das escolas. Faltam adaptações nos espaços físicos para creches e pré-escolas, assim como salas de leitura e laboratórios para adolescentes no Ensino Fundamental. Ou seja, a qualidade no sentido de criar condições para uma formação global do aluno foi posta de lado para atender à crescente demanda – a atual política educacional brasileira se preocupa com quantidade, ainda que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação em seu artigo 3o, parágrafo IX pregue o “padrão de qualidade” como exigência.

A experiência pessoal acima descrita fez com que eu começasse a considerar que estes diversos fatores pudessem ser relacionados com a postura dos alunos universitários a que me referi, uma postura essencialmente mercantilista em relação à escola. Seus objetivos primordiais que se relacionavam com a ascensão ao mercado de trabalho e à realização financeira que lhes daria possibilidades de se realizar através do consumo. Comecei, então, a refletir a respeito de ações que pudessem dar um sentido político-cultural à educação no Ensino Fundamental, onde começa a socialização com alunos em uma idade mais avançada em relação à pré-escola. Minha ideia foi que uma ação nesta época da vida escolar poderia gerar cidadãos mais conscientes de suas escolhas. Me propus a realizar uma revisão bibliográfica mais localizada em relação ao desenvolvimento do atual estágio do capitalismo e do mercado de consumo, pois me parecia claro que esta é uma das bases do sistema ocidental.

Neste trabalho, consideramos os referenciais teóricos e conceituais como base para a compreensão da construção de significados que se originam do meio televisivo e que atuam na sociedade brasileira como potencializadores de uma comunidade que se volta para o consumo não apenas para satisfazer necessidades, mas para tentar encontrar na fartura e no conforto os estímulos primeiros que, através do trabalho, lhes dão razão de existir. Este capítulo pretende abordar a origem e o desenvolvimento de tal situação a partir de uma abordagem histórica do problema/objeto que está fundada em antecedentes teóricos-conceituais que assumimos como válidos e pertinentes ao nosso tema.

(21)

televisão comercial no Brasil. Nossos conceitos a respeito desta mídia partem da premissa que as emissoras são empresas de capital privado e que têm como maior objetivo o acúmulo de capital – todo o seu esforço se dará neste sentido. Ainda que a mídia se diferencie de outros tipos de negócio na sociedade da informação e ganhe um status especial neste cenário, entendemos que qualquer prática televisiva, mesmo que algumas se apresentem como prestadoras de serviço à população, visa a obtenção de lucro financeiro.

Entendemos que a programação televisiva mantém um padrão que é aplicado à programação como um todo – e este padrão é repetido à exaustão. Os programas estão divididos por gêneros, com o telejornalismo e a dramaturgia abrangendo a maior parte do horário de programação, mas todos seguem um roteiro bem semelhante. Podemos dizer que os programas de auditório se assemelham com os jornalísticos – um apresentador, com maior ou menor grau de participação, anuncia as atrações do dia. A dramaturgia assume seus diversos matizes nas novelas, nos humorísticos, em produções especiais (como às que se assiste na Rede Globo de Televisão e na Rede Record, as duas mais atuantes na teledramaturgia brasileira), e mesmo em alguns filmes nacionais, que nascem de minisséries ou que são dirigidos, produzidos e estrelados por profissionais que atuam em televisão.

Podemos abrir uma exceção para os programas de entrevistas, que têm linguagem própria, e aos programas religiosos, mas estes costumam ter pouca participação na grade televisiva das principais emissoras comerciais brasileiras (em relação aos programas religiosos, a exceção fica com a Rede Record, administrada pela Igreja Universal do Reino de Deus, do Bispo Macedo). Assim, quando falamos de “televisão” estamos nos referindo à totalidade da programação, sem fazer grande diferenciação entre um ou outro gênero televisivo.

Elegemos a Rede Globo e a Rede Record como símbolos maiores na história da televisão brasileira a partir dos anos 1960. As emissoras são atualmente as líderes de audiência, pelas pesquisas pouco precisas do IBOPE (veremos isso em outro capítulo), e sintetizam o modo de se fazer televisão no Brasil, servindo de modelos para as outras emissoras.

2.2. EMISSÃO E RECEPÇÃO MIDIÁTICA.

(22)

determinam mudanças na sociedade.

Em 1967, quando a televisão se caminhava para ser o veículo de destaque entre a mídia, o canadense Mashall McLuhan publicou, em co-autoria com Quentin Fiori, o livro The Medium is the Message: An Inventory of Effects (em português, O meio é a mensagem: uma relação de efeitos) onde pregava exatamente o que propunha no título: “meio é a mensagem”. Os autores pretendiam sublinhar que o meio, tido como simples transmissor de mensagens, seria um elemento determinante na concepção da mensagem, transformando-a, dando-lhe um caráter caracteristicamente televisivo. A televisão, e a mídia em geral, desencadearia diferentes mecanismos de compreensão desta mensagem, ou seja, a tecnologia empregada definiria a forma do conteúdo e afetaria a recepção. Os autores defenderam que a televisão é uma forma de comunicação.

[...] é apenas uma questão de bom senso reconhecer que a situação geral criada por um canal de comunicação e o seu público constitui grande parte daquilo no qual e através do qual os indivíduos comunicam. A mensagem encodificada não pode ser considerada como uma simples cápsula ou pílula produzida de um lado e consumida do outro. A comunicação é comunicação em toda a linha (McLUHAN, 1999, p. 153).

Um texto do professor Muniz Sodré, com o qual concordamos, pode dar uma outra visão desta situação. Sodré defende que a televisão não pode ser tratada como “meio de comunicação” uma vez que, para tal, seria necessário a realização do diálogo em termos iguais não previsto por esta mídia que opera através da transmissão unilateral. Acreditamos que esta unilateralidade continua como uma das características da TV e, mesmo que se criem alternativas com a tecnologia da informática, não existem formas de diálogo concreto entre espectadores e produtores de televisão.

(23)

A articulação de Muniz Sodré sobre os meios de produção da televisão nos leva a entender que não há espaço para ações comunicativas neste medium, porque há uma impossibilidade de diálogo. Segundo Sodré (1984, p. 25), “é no diálogo [...] que a comunicação se revela plenamente como troca, dando margem ao conhecimento recíproco dos sujeitos ou até ao conhecimento de si mesmo, na medida em que pode incorporar o discurso do outro.” Entre televisão e expectador não há troca, não existe um espaço linguístico onde as diferenças possam ser confrontadas. O que parece acontecer é uma organização do ato da fala que impede a expressão da audiência. Mas não queremos afirmar que a televisão age sempre de forma impositiva. Devemos lembrar que, para conseguir audiência, deve cativar o público, seu bem mais valioso.

Estas duas correntes de pensamento em relação aos meios de produção televisivo serviram como reflexão para chegarmos, com auxílio dos teóricos, a uma terceira via que talvez possa nos levar a uma compreensão mais próxima dos conceitos em relação aos mecanismos que fazem deste meio o mais procurado no Brasil. Esta linha de pensamento se relaciona com o mito.

2.2.1. A apropriação da fala.

A televisão opera, basicamente, com a fala – talvez, por isso, na palavra audiovisual, o termo “áudio” se preceda ao “vídeo”. Esta oralidade tem origem no Rádio já que, no Brasil, foram os profissionais deste veículo que inauguraram a televisão. Provavelmente por causa desta origem, a televisão “fala” mais do que mostra – é uma maneira mais fácil de contar uma história. A narração (seja ela com o narrador ao vivo, falando para o espectador, seja comentando imagens em off) induz com maior eficácia às ideias que o emissor pretende transmitir. Mesmo que estejamos assistindo às imagens (e, assim, poderíamos tirar nossas próprias conclusões sobre aquilo que vemos), somos induzidos às impressões de um narrador. Por característica própria, a televisão, diferente do cinema sério (não apenas comercial), não espera abrir lacunas para que as pessoas pensem, reflitam, sobre os conteúdos transmitidos – por isso, em raríssimos casos existe silêncio na TV. Ao falar constantemente, a televisão se assegura de que não haverá dúvidas sobre aquilo que pretende transmitir e, neste caso, as imagens se tornam puras ilustrações redundantes do que é dito. Não há, na maioria das vezes, intenção de deixar as imagens transmitir mensagens por si próprias, o que seria mais coerente num meio audiovisual e daria sentido à apresentação destas imagens. O que se vê na televisão são imagens presentes apenas para reforçar e “comprovar” aquilo que é narrado.

(24)

escolhida pela história”. É um sistema de comunicação; uma mensagem que não pode ser um objeto, conceito ou ideia, mas sim uma forma, um modo de significação. O mito não se define pelo objeto da sua mensagem, mas pela maneira como é enunciado. Este não esconde nem ostenta nada pois a sua função é a de deformar, não é nem uma mentira nem uma confissão; é uma inflexão (porque modifica). Seria um sistema duplo, onde o ponto de partida é constituído pelo ponto de chegada de um sentido. É uma fala definida muito mais pela sua intenção do que pela sua letra.

Assim poderíamos pensar a televisão como uma apropriadora de falas alheias e podemos ampliar esta ideia à apropriação de hábitos e costumes, de formas de comportamento, de tipos socialmente definidos e de um amplo universo social. A TV “rouba” estas falas e as apresenta como dela no momento que as devolve para a audiência que se reconhece naquilo que ouve e vê, ainda que possa sentir um estranhamento, uma certa falsificação, daqueles personagens e de suas falas. Um exemplo é a situação apresentada em novelas ambientadas fora do Rio de Janeiro, maior polo de produção de teledramaturgia do País, em que os atores cariocas devem se expressar através de um arremedo do falar nordestino, por exemplo. As pessoas que nasceram no Nordeste devem entender perfeitamente esta falsificação do seu dialeto, ou melhor, dialetos porque a fala “cantada” dos atores, interpretando personagens nordestinos nesses tipos de novelas, mostra a região como um bloco linguístico e cultural único, e ignora as diferenças entre cada um dos estados. Segundo Leite e Callou (2004, p. 21), no livro Como Falam os Brasileiros, “o desconhecimento da interação de um conjunto de regras e representações é que gera, portanto, as falas caricaturais de personagens nordestinas nos diferentes meios de comunicação”.

Esta forma de divulgar a desinformação, típico dos programas televisivos em geral, desenvolvidos superficialmente, parece provocar críticas do espectador e podem ser encaradas como um dos pontos de resistência sobre o conteúdo televisivo. Mas, como já foi colocado, fica difícil determinar o grau exato desta resistência e suas consequências na relação do público com a televisão (explanaremos mais a frente sobre a limitação dos órgãos de pesquisa de audiência, liderados no Brasil pelo IBOPE, restritas e imprecisas, uma vez que privilegiam o público da capital paulista, aquele com o maior poder aquisitivo do País).

(25)

A TV não manda ninguém fazer o que faz; antes, autoriza, como espelho premonitório, que seja feito o que já foi feito. Autoriza e legitima práticas de linguagem que se tornam confortáveis e indiscutíveis para a sociedade pelo efeito da enorme circulação e da constante repetição que ela promove. A TV sintetiza o mito (BUCCI e KEHL, 2004, p. 19)

Os produtores de televisão tendem a reforçar o que já existe porque também estão capturados por este mito – vivem na mesma sociedade midiática que ajudam a manter. Na televisão, opera-se uma interação circular: as crenças e valores interagem com os conteúdos e estrutura dos programas televisivos, gerando um “movimento de retroalimentação”. Conforme Fragoso (2000, p. 103):

A televisão, como todos os media, é produto da experiência humana, construído a partir de teias de crenças socialmente estabelecidas, as quais tendem a ser primariamente reforçadas pelos conteúdos e formatos propostos. A recepção implica, no entanto, uma contínua interação entre o que está sendo enunciado e a experiência prévia do público, produzindo um feedback em que os conteúdos e formas dos medias retornam continuamente como elementos constitutivos das sociedades e culturas a partir das quais eles mesmos se originaram. Assim, valores e crenças, sociedades e culturas, conformam os medias, cuja atividade reforça ou modifica valores e crenças, sociedades e culturas, os quais, por sua vez, continuam sendo conformadores dos medias, num movimento contínuo e rico em sutileza e complexidade (FRAGOSO, 2000, p. 103).

(26)

daquilo que pretendem mostrar/representar.

O que nos interessa é que o discurso televisivo toma para si a reprodução de parte do que se convencionou a chamar de “realidade” e a transforma em sua linguagem, apoiada em seu aparato eletrônico e informático para recriar este real à sua maneira, no seu discurso que se forma a partir de uma integração entre a fala, a imagem e o texto escrito, textos que aparecem em diversos formatos: voz, caracteres, legendas, tarjas etc. sobre as imagens. Este procedimento se revela numa outra maneira de mostrar o mundo sob uma ótica editada. Segundo Martín-Barbero (1990, p. 12), isto a que se chama de tecnicidade é “um transpor/transformar dos sentidos, dos modos de percepção e de experiência pessoal, como uma das formas de manifestação cotidiana do que antes se denominou sociedade”.

2.2.2. O ritmo e a realidade dentro da televisão.

A velocidade se tornou, com o passar do tempo e desenvolvimento de uma linguagem própria dos aparatos eletrônicos, uma das características da televisão (os programas até o final dos anos 1970 tinham um ritmo de edição bem mais lento) e esta velocidade pretende refletir o modo moderno de vida. A diferença é que não vivemos dentro de uma tela de TV e nossos cérebros não são constituídos por circuitos impressos. A sociedade de hoje vive o dilema entre o humano (o humanamente possível) e a tecnologia eletrônica que parece ter extrapolado a si mesma e se tornado um dado, uma característica, destes tempos modernos.

A palavra mágica de hoje é digital, mesmo vivendo num mundo analógico, tudo que carrega o nome digital leva a conotação de avançado e superior. Por ironia, poucas pessoas entendem a distinção exata entre os dois termos. O processamento digital lida com apenas duas possibilidades: ligado ou desligado, horizontal ou vertical, sim ou não (não existe o meio termo, por exemplo, a possibilidade de representação gráfica fiel de ângulos ou curvas, como as curvas da frequência sonora). As curvas ou linhas inclinadas viram escadas de pixels, unidade de representação digital da imagem.

Do outro lado, o analógico representa qualquer fluxo constante que não pode ser medido em unidades isoladas. Exemplos de fluxo analógico são os raios luminosos, a correnteza dos rios, o vento etc. Ou seja, o mundo é analógico (parece incrível ter que lembrar isso!). Mesmo os equipamentos digitais de áudio e vídeo usados hoje em televisão têm que lidar com o analógico em sua captação e reprodução – eles tomam do mundo analógico os sinais (sons e imagens) que são digitalmente convertidos, e os devolvem para o ambiente, analogicamente reconvertidos.

(27)

2010, o mundo digital precisa avançar muito para chegar perto do analógico (e é este o objetivo). Em termos de reprodução de imagem ainda é preciso resolver uma série de problemas técnicos (relativos à compressão de dados) que impedem que a definição de transmissão chegue aos padrões da transmissão analógica. O processo é: captação analógica, conversão digital, conversão analógica, transmissão analógica ou digital (no Brasil a rede de fibra ótica ainda é financeiramente proibitiva para permitir uma transmissão totalmente digital), recepção nas casas, geralmente, analógica e conversão digital para as imagens serem exibidas nos televisores high definition (HD). Bem mais complexo do que no passado, quando todo o processo era analógico. A piada é que a informática (e o mundo digital) veio solucionar problemas que nós não tínhamos. A tecnologia digital deve ser boa e barata para atender à população, e este binômio ainda é difícil de resolver.

Mesmo assim, não se pode negar que a tecnicidade faça parte do cotidiano e que as mídias eletrônicas contribuam para este estado das coisas ao promover os mecanismos de compartilhamento social a distância. As redes sociais via internet “ligam” pessoas em diversos pontos do Brasil e disponibilizam uma nova forma de “relacionamento”. A TV reproduz as situações cotidianas que, da mesma forma, são (re)produzidas à distância, de um lado estão os emissores e, de outro, os receptores com uma tela que serve de meio imprescindível à cultura audiovisual (e também à cultura digital). Mediados pela tela, os espectadores têm a impressão de contato próximo, aprendido nas relações cara a cara (no mundo concreto), mas sofrem a impossibilidade da completa realização da comunicação humana, que necessita do contato pessoal, do olhar sem intermediários eletrônicos, da fala do corpo e da expressão dos sentimentos. No caso da TV, as situações que parecem reais, que ganham veracidade a partir da representação através de sons e imagens do mundo, apenas imitam o que foi socialmente criado. Aí se encontra o processo de retroalimentação num continuum ininterrupto que faz com que a televisão reinterprete o mundo e o recoloque na sociedade à sua maneira.

São novas categorias de análise emergindo, como o tempo, o visível e o invisível; a fragmentação do tempo, o do espaço nas imagens, sugerindo o mesmo na vida real das pessoas; o micro tempo que as fotografias tentam capturar e reter ante a situação conflitiva que as imagens em movimento na televisão lhes trazem; a linguagem pelo som e pela imagem, em múltiplos processos de metamorfose, interagindo com o imaginário, em que estão presentes tantos outros atores; enfim, a sedução da técnica parece ganhar autonomia no meio social do trabalho e da informação, e chega, nos indivíduos e, para além deles, compondo o mundo de suas fantasias e desejos, tanto quanto o próprio imaginário social (SOUZA, 1995, p. 32).

(28)

esclarecer esta simbiose desde o desenvolvimento da televisão, este entrelaçamento de discursos que se confundem. São estudos que buscam posicionar o papel social da televisão.

Os primeiros estudos sobre Comunicação no Brasil tinham como base o modelo de análise funcionalista. Este é um foco de interesse nos anos 1950, época de inauguração da televisão no Brasil. A década marcou o desenvolvimento do mercado de consumo com a criação do sistema de compra através de crediário, fato que atraiu a atenção dos Estados Unidos que influenciaram diretamente o mercado brasileiro de publicidade com os aportes teóricos norte-americanos nos estudos de comunicação.

Estes foram os primeiros conceitos de desenvolvimento do mercado de consumo nos países latino-americanos. A influência da sociologia empírica importada dos Estados Unidos se consolidou nos anos 1960, traduzindo-se na escolha de objetos, temas, métodos e premissas que fundamentaram as indagações e problemáticas estudadas. As pesquisas se colocavam em função de determinar o ângulo psicossocial para estudo do comportamento do consumidor brasileiro que passou a balizar o desenvolvimento de técnicas de incentivo aos bens de consumo. Foi uma época em que predominou a teoria que apontava para a formação de uma massa popular com características bem semelhantes e a televisão partia do pressuposto da existência de um receptor/telespectador passivo, subjugado pelo predomínio do emissor.

Como se houvesse uma relação sempre direta, linear e inequívoca de um pólo, o emissor, sobre o outro, o receptor; uma relação que subentende um emissor genérico, macro, sistema, rede de veículos de comunicação, e um receptor específico, indivíduo, despojado, fraco, micro, decodificador, consumidor de supérfluos; como se existissem dois pólos que necessariamente se opõem, e não eixos de um processo mais amplo e complexo, por isso mesmo, também permeado por contradições (SOUZA, 1995, p. 14).

(29)

imediata, às pressas, determina produtos audiovisuais em geral pobres de conteúdo e descartáveis no momento seguinte à exibição. A forma encontrada de convencer o espectador com tão pouco foi tomar para si a fala da sociedade e assumir frente ao público uma relação de autoridade.

No livro “O monopólio da fala”, o professor Muniz Sodré defende que

O sistema audiovisual – a televisão – […], contém virtualmente todas as funções preenchidas pelos veículos precedentes e abrange um vasto número de possibilidades de expressão audiovisual. A curto prazo, os jornais tendem a ser televisão, não no sentido tecnológico da palavra, mas no sentido mercadológico (como media financeiramente complementares da tevê) e editorial (como peças auxiliares da abstração despolitizante do medium televisivo). A televisão é decididamente despolitizante. Considere-se, por exemplo, a função do medium nos debates entre Nixon e Kennedy ou entre Giscard d'Estaing e Miterrand. O que ali estava em jogo não eram realmente os conteúdos políticos dos diferentes discursos dos candidatos (diferença institucional mais acentuada no caso francês), mas o desempenho de cada um deles em face do código televisivo. O medium tecnológico ganha, de fato, tamanha autonomia com relação à situação vivida, humana, dos sujeitos, que consegue mesmo impor-lhes as suas razões técnicas. O medium não é aí um simples mediador entre informante e público, mas um espaço autônomo capaz de criar modelos próprios, que neutralizam o sentido político das ações e dos discursos. O público tende a pôr na balança o charme, a regularidade plástica, a segurança dramática dos candidatos, ao invés de suas plataformas políticas. É fato conhecido a nítida vantagem de Kennedy sobre Nixon na tevê, o mesmo acontecendo com Giscard d'Estaing face a Miterrand (SODRÉ, 1984, p. 28).

O texto do professor, publicado pela primeira vez em 1977, ainda nos parece atual. O modelo televisivo, inalterado, mantém a tendência à imposição de apontar julgamentos pré-estabelecidos a partir de regras remodeladas pela própria televisão. A situação nada natural de um confronto de candidatos frente às câmeras transmite a impressão de naturalidade, impondo uma ideologia que relaciona a imagem (a boa imagem) com o poder. A televisão opera com a possibilidade da síntese hegemônica dos discursos e precisa, para isso, do silêncio do espectador.

À questão do monopólio da fala, poderíamos adicionar a do monopólio da diversão caseira. Isto podia ser verdade em 1977, mas há alguns anos deixamos de ser totalmente reféns da televisão quando procuramos informações ou diversão barata e imediatamente acessível. O acesso à internet, mesmo para aqueles que não possuem computadores em casa conectados à rede (acesso à lan houses), a grande redução dos valores de aparelhos de Digital Video Disc (DVD) e a pirataria de filmes abriram novas possibilidades que concorrem com a audiência televisiva. Esta possível fuga do aparelho televisivo nos dá uma saída para não ficarmos reféns de uma única babá eletrônica.

(30)

via satélite, não detenha um possibilidade de persuasão, de convencimento, muito acima de qualquer outro veículo de comunicação (poderíamos pensar no rádio como um próximo competidor da televisão, mas as imagens são imbatíveis).

E esta persuasão parte de um grupo restrito de indivíduos que se centralizam majoritariamente no Rio de Janeiro e em São Paulo (outro exemplo de monopólio) com as visões de mundo das pessoas que vivem nestas cidades que irão aparecer na tela. Por isso, o que se vê na televisão são retratos elitizados de estilos de vida (nas novelas) e colocações marcam as classes sociais onde a população de baixa renda aparece, em geral, como desprivilegia, isenta de educação escolar ou associada ao crime (geralmente, no telejornalismo). A teoria do agendamento (agenda setting) aponta como o telejornalismo pretende nos dizer com o que devemos nos preocupar, no que vale a pena pensar. Aí se cria parte da realidade televisiva.

[…] a mídia ou conjunto dos meios de comunicação de que se vale fortemente a ideologia globalista é, a exemplo da velha retórica, uma técnica política de linguagem. Mais ainda: potencializada ao modo de uma antropotécnica política – quer dizer, de uma técnica formadora ou interventora na consciência humana – para requalificar a vida social, desde costumes e atitudes até crenças religiosas, em função da tecnologia e do mercado (SODRÉ, 2004, p. 22).

As duas últimas citações, do professor Muniz Sodré, distam 27 anos uma da outra e mostra que, como já afirmamos, a televisão não mudou muito neste período. A inércia se encontra não no conteúdo, mas na forma. A TV tem como base a repetição e é assim, sempre repetindo, que marca o seu território na sociedade, por isso, não se pode esperar verdadeiras inovações na programação porque esta não é a intenção dos produtores. A intenção é impor um discurso. Pela argumentação dos últimos parágrafos, não nos parece possível imaginar a televisão como espaço democrático de práticas sociais, como propõem autores como Martín-Barbero (MARTIN-BARBERO, 1997, p. xiii) que propõe pensar na mídia televisiva como “o mais eficaz motor de desprendimento e inserção das culturas – étnicas, nacionais ou locais – no espaço/tempo do mercado e tecnologias globais”.

Ao contrário disso, sustentamos que a televisão apresenta uma prática antidemocrática ao (re)propor os conteúdos que colheu na sociedade e ainda, ao se autodenominar “meio de comunicação”, toma para si este papel de comunicadora como se a comunicação possível na sociedade moderna dependesse em certo grau desta mediação. Tentar provar que “o meio é a mensagem” é supor que não a comunicação se torne difícil fora dos meios.

(31)

práticas consumistas oriundas das informações colhidas nos meios. Daí nos parece que poderia advir uma verdadeira fala libertadora e formadora de sentidos democráticos.

O fortalecimento de práticas sociais – autônomas e democráticas – e especialmente da comunicação, produto e componente destas, é um dos maiores desafios que atualmente enfrentamos e a condição sine qua non para tornar realidade uma utopia sustentada em uma liberdade comprometida com a justiça e a igualdade, e em uma solidariedade crítica. Nesta perspectiva, o elemento fundamental que deve ser assumido como o objeto de fortalecimento é o “diálogo”. Diálogo que em ocasiões toma a forma de interlocução das audiências com os meios, convertendo os processos de recepção em autênticos processos de produção de sentidos e significados, onde ainda que permaneçam as mensagens dos meios como referentes, o produto comunicativo pode tomar um sentido que pouco ou nada tem a ver com o original e muito com as diferentes mediações dos interlocutores e à situação particular em que se produzem [tradução nossa] (GÓMEZ, 2002).

Estes sentidos, ainda que vagos e em processo de contínua ressignificação, nos parecem ser a melhor ferramenta para se trabalhar com os alunos as questões relativas ao incentivo para o consumo determinadas pela televisão. Entendemos que este pode ser um primeiro passo.

Acreditamos que começa a se delinear um processo de rejeição do público perante a TV, como mostram as pesquisas de audiência e se lamentam as próprias emissoras, até mesmo a Rede Globo em reportagem da Revista da TV, publicada em setembro de 2010, em “comemoração” aos 60 anos da televisão no Brasil. O título do texto é “Apesar da queda de audiência, a TV ainda é o principal meio de entretenimento do país” (BRAVO e FRAJDENRAJCH, 2010). Ainda que outros meios eletrônicos de diversão caseira façam frente à predominância da TV, esta queda na audiência pode significar um aumento da crítica à televisão. E acreditamos que o poder de crítica pode ser construído num processo de aprendizado, da mesma maneira que as crianças aprendem com a televisão, podem aprender a duvidar dela.

2.3. PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO PARA A VIDA.

Enxergamos a escola como um espaço que proporcione escolhas, que abra um espectro de possibilidades para a vida em sociedade e que possa apoiar a formação global do indivíduo como ser independente e dono das próprias escolhas. Um indivíduo livre. Esta utopia pode começar a ser concretizada na medida em que se ofereça aos alunos alternativas ao pensamento hegemônico. Como diz Dermeval Saviani (2009), passar “do senso comum à consciência filosófica”.

(32)

respeito das práticas consumistas, já que entendemos que o indivíduo pode realizar escolhas a partir do momento que encontra mais de uma opção de vida.

O objetivo educacional deste trabalho nos encaminha, desde alguns anos de estudo, a seguir as ideias de Paulo Freire através de sua leitura de mundo. Buscamos referências em outros textos do pedagogo mas, particularmente, nos ateremos aqui no livro Pedagogia do Oprimido como guia para o ponto de vista que elegemos para esta pesquisa: a postura das camadas sociais de baixa renda frente à sociedade de consumo.

Entendemos que este seja um texto básico do autor e que a partir das ideias nele contidas expõe toda a sua postura de fé, respeito e crença nas pessoas. Freire valoriza o cotidiano como ponto de partida para o desenvolvimento de um conhecimento político-científico-filosófico que daria conta de uma pedagogia com base na praxis humana. É um pensamento libertador que demonstra crença nos homens e mulheres do povo, aposta que a liberdade pode ser conquistada com a ajuda de uma pedagogia que dê condições para que estas pessoas atinjam um poder de reflexão que as faça descobrir o seu papel de sujeito histórico. Paulo Freire demonstrou que, com o seu método de alfabetização através das “palavras geradoras”, o ensino da leitura e escrita deve se basear no princípio da conscientização e, no livro a que nos referimos coloca os problemas que advém do binômio oprimido/opressor.

Nos parece claro que aí se encontra uma questão de luta de classes, uma luta que pende para o lado mais forte e que precisa ser equilibrada a partir da conscientização dos oprimidos como tal.

É como homens que os oprimidos têm de lutar e não como “coisas”. É precisamente porque reduzidos a quase “coisas”, na relação de opressão em que estão, que se encontram destruídos. Para reconstruir-se é importante que ultrapassem o estado de quase “coisas”. Não podem comparecer à luta como quase “coisas”, para depois ser homens. É radical esta exigência. A ultrapassagem deste estado, em que se destroem, para o de homens, em que se reconstroem, não é “a posteriori”. A luta por esta reconstrução começa no auto-reconhecimento de homens destruídos (FREIRE, p. 60, 1970).

(33)

diminuir o abismo entre a população de baixa renda e os ricos. É preciso sempre olhar para o passado e constatar que lutas que pareciam inglórias acabaram revertendo o quadro social (podemos de imediato pensar na história do Partido dos Trabalhadores).

Freire se refere ao Ser Mais como uma possibilidade histórica nas mãos daqueles que estão em um processo de busca. Em analogia aos atuais hábitos de consumo, podemos pensar que a cobiça por um número infindável de produtos (e coisas que o dinheiro possa comprar) insinua uma condição de insaciabilidade que jamais termina. Nesta busca contínua pela satisfação, o consumidor, inclusive o infantil, indica que não encontra o que realmente procura porque não sabe exatamente o que quer ou o que precisa. Será que são mesmo os bens de consumo que atenderão a esta possibilidade de Ser Mais? As promessas da publicidade através do audiovisual televisivo são muitas, mas, como não se concretizam, o consumidor continua na sua busca, comprando novos produtos de todas as espécies para tentar encontrar o sentimento de saciedade (e “felicidade”) que espera conseguir.

Será a escola um lugar para aprender o sentido do consumo? Propomos que sim, uma vez que entendemos a escola como um meio para a formação para a vida. É fundamental para a formação sólida do indivíduo ter ferramentas para enfrentar o mundo de forma coerente e segura, e, dentro de uma sociedade capitalista, o mercado de consumo. A escola poderia mostrar aos alunos o consumo como aquilo que ele realmente representa, segundo Canclini, (1999, p. 77): “o conjunto de processos socioculturais nos quais se realizam a apropriação e os usos dos produtos”. Assim, a forma como se consome no século XXI diz muito de como se formatou a sociedade que hoje vivemos, na propensão dos indivíduos ao individualismo e ao destaque social como ser único, à busca da auto-expressão e reconhecimento (geralmente, através do trabalho), à ânsia de estar no centro das atenções como se protagonizasse o seu espetáculo particular. Esta disputa social que se trava no campo simbólico precisa ser explicitada na escola como uma forma de fazer os alunos refletirem sobre sua própria condição. Como escreve o professor Ernani Maria Fion no prefácio de Pedagogia do Oprimido,

a descodificação é análise e consequente reconstituição da situação vivida: reflexo, reflexão e abertura de possibilidades concretas de ultrapassagem. Mediada pela objetivação, a imediatez da experiência lucidifica-se, interiormente, em reflexão de si mesma e crítica animadora de novos projetos existenciais. O que antes era fechamento, pouco a pouco se vai abrindo; a consciência passa a escutar os apelos que a convocam sempre mais além de seus limites: faz-se crítica (FREIRE, 1970, p. 3).

(34)

possa criar outra orientação, diferente daquela que a TV divulga para as crianças a todo o momento, através da publicidade. Freire (1970, p. 145) sustentava que o homem é um ser da praxis, do “quefazer [...] porque seu fazer é ato de reflexão”. Defendemos que incentivar a reflexão deve ser uma tarefa primordial na escola, ainda mais quando se pode criar aí um contraponto à superficialidade do audiovisual televisivo que pouco leva ao ato de refletir. Não é tarefa fácil propor que os alunos pensem filosoficamente sobre seus hábitos de consumo, mas devemos lembrar que uma das grandes justificativas para a escolarização é demonstrar a existência do pensamento científico e como ele faz avançar frente aos problemas práticos. Como insiste Freire (1970, p. 146), “[...] não há revolução com verbalismo, nem tampouco com ativismo, mas com praxis, portanto, com reflexão e ação incidindo sobre as estruturas a serem transformadas.”

O educador também demonstra em Pedagogia do Oprimido que as classes dominantes não esperam que não haja um questionamento frente às suas imposições, ou seja, não existe uma situação dialógica. Como entendemos a televisão como representante dos interesses dominantes (não existe veículo na mídia brasileira que seja controlado e administrado pela população de baixa renda), não vemos qualquer possibilidade de diálogo entre as emissoras e o público. A televisão busca entender o que se passa na sociedade porque é disso que se nutre. Também busca entender o que quer o espectador porque precisa de audiência que, depois de mensurada, servirá de base para as tabelas de preço para os intervalos comerciais e patrocínios de todos os programas.

A ausência de uma perspectiva de diálogo entre a classe dominante e o povo brasileiro também se revela nas políticas educacionais. O modelo brasileiro, historicamente, atendeu os interesses da classe dominante. As práticas de exclusão ainda atingem a população de baixa renda. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Anísio Teixeira (BRASIL, 2010), no ano de 2007 4,3% do produto interno bruto foram investidos na Educação Básica, valor pouco superior aos 3,7%, em 2000. O relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), intitulado Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009 – O Direito de Aprender: Potencializar Avanços e Reduzir Desigualdades (SITUAÇÃO DA INFÂNCIA, 2009), recomenda que sejam investidos 8% do PIB na Educação brasileira. O documento reconhece e comemora os avanços nos indicadores de acesso, aprendizagem, permanência e conclusão do Ensino Básico – 97,6% das crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos estão matriculados na escola, o que representa cerca de 27 milhões de estudantes. Mas alerta que os 2,4% restantes representam 680 mil pessoas, número maior que a população do Suriname, por exemplo. Desse total de crianças fora da escola, 66% (450 mil) são negras e o percentual na Região Norte é duas vezes maior do que o mesmo percentual na Região Sudeste.

(35)

Brasil (que também se revela na precária situação da infra-estrutura física da maioria das escolas públicas). Uma as evidências de que o poder público se importa pouco com o efetivo desenvolvimento das escolas (formação integral) está na prática de indicação dos gestores da esfera federal, geralmente, indicações políticas para os cargos no Ministério da Educação (para delimitar um período político, nos referimos aos mandatos de Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1995, até o final do segundo mandato de Luiz Inácio da Silva).

As mudanças no sistema capitalista no século XX – declínio da social-democracia e ascensão do neoliberalismo – foram marcantes a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso. Foram mudanças que afetaram as bases produtivas, trouxeram à tona a ideia de globalização, quando redefiniram a noção de público e o privado.

Nesse contexto, as corporações transnacionais assumem posição hegemônica no mercado mundial e, dentro da concepção neoliberal, passam a ter responsabilidades assistenciais, que na social-democracia constituíam prioridade do Estado. Além disso, tais corporações dominam as forças produtivas centrais do capitalismo de final do século XX: a ciência, a tecnologia e a informação (SILVA JÚNIOR, 2005, p.13).

Estas condições têm um reflexo mais direto na educação superior, mas todo o processo educativo foi atingido e, de certa forma, o sentido da educação fundamental também começou a ser orientado para a formação da força de trabalho. Nesse caso, a pedagogia de formação para a liberdade de Freire estaria colocada em segundo plano, já que a profissionalização exerceria o papel principal na escolarização. O atual modelo econômico prega que uma nação deve estar sempre em crescimento ao proporcionar um contínuo aumento de riqueza (produto interno bruto). A evolução dos meios de produção fez com que se ampliasse a base de trabalhadores qualificados, técnicos, gerentes etc. para atender a crescente demanda da tecnoestrutura (ampliaremos este conceito adiante). Mas esta riqueza gerada beneficia apenas a classe dominante, o que transforma o Brasil (e outros países denominados de “terceiro mundo”) em país que aponta para um crescimento de riqueza, mas que continua com uma população basicamente pobre. A política educacional que objetiva a formação para o mercado profissional não favorece o desenvolvimento pessoal da população de baixa renda (maioria dos brasileiros), não abre portas para uma nova concepção de mundo (ao contrário reafirma que a busca pelo capital seja a razão primordial para a formação escolar) e reforça a condição privilegiada da classe dominante, pela passividade da classe de baixa renda.

Referências

Documentos relacionados

De seguida, vamos adaptar a nossa demonstrac¸ ˜ao da f ´ormula de M ¨untz, partindo de outras transformadas aritm ´eticas diferentes da transformada de M ¨obius, para dedu-

Equipamentos de emergência imediatamente acessíveis, com instruções de utilização. Assegurar-se que os lava- olhos e os chuveiros de segurança estejam próximos ao local de

Tal será possível através do fornecimento de evidências de que a relação entre educação inclusiva e inclusão social é pertinente para a qualidade dos recursos de

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Como já afirmei, esta pesquisa tentou compreender o olhar das crianças negras sobre sua realidade e suas relações no ambiente escolar. Através deste olhar, na simplicidade das vozes