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3. FORMAÇÃO DA AUDIÊNCIA: UMA TAREFA DE CONVENCIMENTO

3.2. A ASCENSÃO DA BURGUESIA E A SOCIEDADE DE MASSA

3.2.1. A mídia e a construção das massas

A mídia tem especial atuação em todo este processo, na verdade, ela é um de seus frutos e passou a ser encarada com um sentimento de pertencimento pela população. As empresas de comunicação detém certo poder de controle sobre a forma como apresentam o mundo, mas, como em toda representação, apresentam um mundo distorcido que por vezes convence o público, por vezes, não. As empresas buscam a participação popular uma vez que que a mídia necessita da atenção e da aprovação do público que, como já foi dito, é o seu principal patrimônio a ser oferecido aos anunciantes e ao Estado. Esta tensa relação de forças faz com que a população se sinta, de certa forma, atuante na mídia, o que gera o tal sentimento de pertencimento.

A mídia se curva em certos momentos à vontade do público, mas lembremos que representa os interesses da classe dominante e procura determinar a consciência social, de caráter e costumes, a partir de um modelo que vem de cima para baixo. A denominada “alta cultura” rejeita as manifestações da cultura popular e, no máximo, lhe dá algum valor sob o nome de “folclore”. Estes valores acabam assimilados por grande parte da massa popular que acaba por rejeitar a sua própria maneira de ser num processo de auto preconceito e de valorização daquilo que não lhe pertence, nem nunca pertencerá – apesar de esta fantasia de possuir os produtos típicos da classe rica lhes possa parecer um sonho invejável, o de viver como aqueles que têm dinheiro. Desta forma, o povo acaba dominado com o seu próprio consentimento. Não importa que a sociedade de consumo não lhes recompense moralmente, a promessa de felicidade através do consumo de bens lhes parece suficiente.

Por outro lado, a crescente insatisfação diária faz esticar a corda. Talvez ainda estejamos longe do seu rompimento, mas o fato é que apesar das novas tecnologias eletrônicas usadas na televisão (ou pelo rádio, jornais e revistas impressas, cinema e internet) permitirem a transmissão confiável a grandes distância e a dezenas, centenas de milhões de pessoas não significa necessariamente que esta transmissão seja recebida uniformemente por este mesmo número de espectadores. A pergunta é: como os espectadores recebem os diversos tipos de informação – sejam jornalísticas, relativas a comportamento ou a venda de produtos? O quão relevante as informações

se tornam para as suas vidas e como eles reagem frente a elas é o que realmente está em questão. A mídia vende ideias com a intensão de que sejam assimiladas pelos espectadores / consumidores. Como já citamos, com base na teoria da agenda setting, a mídia espera ter poder suficiente para determinar aquilo que as pessoas devem pensar e o aumento da oferta e do consequente acesso a estas informações deveria, em tese, aumentar este poder de controle sobre o agendamento das questões públicas. Mas parece que a lógica não funciona tão bem assim na prática.

Estudos realizados no Estados Unidos pelo Pew Research Center, em abril de 2007, instituição que fornece informações sobre questões, atitudes e tendências que estão moldando o país norte-americano e o mundo mostraram que o aumento da oferta de informação a partir dos anos 1980 com a criação de canais de televisão a cabo exclusivamente dedicados às notícias e a expansão do acesso à internet não determinaram uma representativa diferença de conhecimento sobre os assuntos internos dos Estados Unidos, como política e economia entre os diferentes grupos sociais – com referência a escolarização, nível de renda mensal e etnias branca e negra (TRENDS, 2007). O recente estudo pode nos apresentar motivos para duvidar do determinismo que faz com que as pessoas realmente estejam pensando naquilo que a mídia espera e, além disso, nos faz questionar sobre a verdadeira existência do conceito de massa.

Os textos de James W. Carey, escritos nos anos 1980, colocam em questão a herança mítica do senso comum sobre “comunicação”, “mídia de massa” e “revolução eletrônica”. No século XXI, estas noções aparecem com ainda mais força. Em citação apresentada na introdução deste trabalho, a professora doutora Maria da Graça Jacintho Setton, graduada em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, escreve que “para o bem ou para o mal, a comunicação de massa está presente em nossas vidas, transmitindo valores e padrões de conduta, socializando muitas gerações” (SETTON, 2002). Declarações como estas sugerem, basicamente, que o desenvolvimento da informática tenha potencializado a presença da mídia nas nossas vidas.

Uma tendência que talvez siga a ideia de que esta tal “revolução eletrônica” tenha sido de fato determinante no comportamento social se baseia nos fatos de que (1) a informática esteja realmente difundida entre a população de todas as classes, de todos os cantos do País; (2) que a maioria das pessoas estejam capacitadas para lidar com os recursos da informática; e (3) que os avanços tecnológicos tenham realmente ampliado o poder de comunicação entre as pessoas. Sem querer se aprofundar na questão, podemos especular sobre verdadeiro sentido social da informática e da internet. O pesquisador Doug Sculer, vinculado à organização norte-americana Computer Professionals for Social Responsability (Profissionais de Computação para a Responsabilidade Social) deu uma entrevista sobre o assunto ao jornal Folha de S. Paulo.

Os efeitos que a tecnologia terá na sociedade dependerão das decisões tomadas ao longo de seu curso. A internet pode se tornar uma rede televisiva, ou seja, uma comunicação de mão única, se não for conscientemente usada como ferramenta para o desenvolvimento humano. A inteligência cívica diz respeito às pessoas coletivamente comprometidas com a proposta de tentar tomar as decisões corretas. […] Acho que a sociedade civil e as pessoas interessadas na educação, no desenvolvimento e em direitos humanos têm de se fazer ouvidas. Não queremos só entretenimento (BARROS, 2005).

A diversão faz parte do dia a dia das pessoas e grande parte desta diversão é encontrada nos meios audiovisuais. A nova tecnologia de captação e exibição de filmes em 3D (3 dimensões) têm levado o público de volta às salas de cinema. A indústria promete que ela também chegará em breve aos televisores. Mas a grande diversão popular ainda está em casa, na tela das simples televisões analógicas, uma vez que o mundo digital ainda apresenta um custo que está fora do alcance do brasileiro médio, ou de baixa renda. Através da TV, a diversão visual se tornou um produto a ser comercializado. A noção de artista também ganha um novo significado num mundo onde foi criado um gigantesco mercado da diversão que, segundo a empresa de auditoria Price Water House Coopers, movimenta uma média de 726 bilhões de dólares por ano apenas nos Estados Unidos (PRICE WATER HOUSE COOPERS GLOBAL, 2009). Em entrevista ao médico e ator Vitor Pordeus, coordenador do Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil da cidade do Rio de Janeiro, o diretor de teatro Amir Haddad dá a sua definição da função do artista.

Artista, conforme entendemos hoje, modernamente, é um conceito da burguesia, deste mundo capitalista, pragmático, da burguesia protestante. O artista também começa a ser formado segundo os valores que regem esta ética. Nesse sentido, este artista da burguesia não tem papel nenhum. O papel dele, por falta de consciência, é a manutenção das coisas – ele é o pão do circo. […] Por isso, não podemos impunemente falar do papel do artista sem definir um pouco o que é o artista. Fico vendo que qualquer pessoa pode se dispor a trabalhar a sua criatividade, a sua sensibilidade, ser capaz de dominar os seus recursos expressivos a ponto de comunicar coisas mais importantes entre um ser humano e outro, aprofundando os níveis de relação que existem. Todas as pessoas que são capazes disso têm um papel importante na transformação que estamos vivendo agora. Não há de ser a economia que vai trazer a saída para a gente, vai ser preciso muita imaginação. Nós estamos vivendo um final de tempos. A crise econômica é grande no País e no mundo, mas a crise moral é maior. […] Há uma função social maior da arte que não é enxergada como produto. A vida cultural não é produto cultural. Tem um tipo de exercício de sensibilidade que se faz através das ferramentas que a vida cultural desenvolveu, mas não é necessariamente um produto [transcrição nossa] (HADDAD, 2010).

pensarmos que a produção humana, pessoal ou coletiva, não precisa ser empreendida para, necessariamente, gerar lucro financeiro. Pressionados pela ordem atual das coisas e pela mídia, buscamos satisfação na realização profissional e financeira e deixamos de lado projetos pessoais ou de grupo que poderiam se destinar a um outro tipo de lucro que geraria um real bem estar humano. Seria impossível pensar em viver sem remuneração ou sem poder de compra em um mundo capitalista. O que se coloca aqui é que podemos usar parte da nossa força produtiva para outros fins, inclusive aquele que poderia gerar uma sociedade melhor, onde um maior número de pessoas teria acesso a educação e saúde de primeira linha, e a uma melhor qualidade dos serviços públicos.

Mas hoje em dia o que se vê é a divulgação de que são os bem materiais que podem trazer mais felicidade às pessoas, não importa quem sejam, onde vivam ou a que cultura pertençam. E o sonho da indústria é que o maior número de pessoas possível possa consumir exatamente a mesma coisa – é o que tentam fazer as grandes cadeias de fast food, por exemplo. “Comida de qualidade e feita de forma higiênica” é o que prometem, respeitando pouco as diferenças de cada país, região, cidade ou comunidade. Esta é a origem da sociedade de massa e da comunicação de massa, que procuram homogeneizar o consumidor.

Os promotores desta filosofia se esquecem que as questões locais permanecem como determinantes no comportamento das pessoas e nas suas relações sociais. A televisão aberta tem um grande papel em desenvolver um mundo homogêneo, e para entendermos como se dá este mecanismo, é preciso contextualizar o surgimento da televisão no Brasil e as estratégias que ela adotou com o intuito de conquistar a audiência e conseguir consumidores para os produtos e serviços anunciados.