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A contradição entre a crise trabalho moderno e o consumo

2.5. MARX E A DIVISÃO SOCIAL PELO TRABALHO

2.5.2. A contradição entre a crise trabalho moderno e o consumo

Nesta pesquisa, onde se questiona o tipo de consumo no século XXI, nos parece pertinente questionar também a sociedade do trabalho, ainda que este não seja nosso objeto de estudo principal. A crise do mercado de trabalho se dá no sentido de que as relações trabalhistas se transformaram e perderam a conotação de parceria entre empregador e empregado e o trabalho deixou de significar, como escreve Offe (1989, p. 7), o “centro organizador das atividades humanas, da auto estima e das referências sociais, assim como das orientações morais […]. A redução relativa da capacidade de absorção de mercado de trabalho […] tem como efeito imediato a exclusão social”. Como vimos, a escola tem sido encarada como principal formadora de indivíduos para o mercado de trabalho, indivíduos estes que muitas vezes não conseguem a posição (e a remuneração) desejada. Um dos motivos é que o mesmo sistema que propõe a profissionalização assume um modelo econômico que não privilegia a empregabilidade.

Um dos mais importantes economistas da primeira metade do século XX, John Maynard Keynes (1883-1946), escreveu em 1936, o livro The General Theory of employment, interest and money (Teoria geral do emprego, dos juros e do dinheiro) onde pregava a intervenção do estado na vida econômica com o intuito de garantir um regime de pleno emprego. Basicamente, propôs a manutenção da demanda com o aumento da capacidade produtiva de forma suficiente, mas sem excessos, pois isto geraria inflação. Estes possíveis excessos seriam contidos pela regulamentação estatal. Assim, o teórico acreditava que a economia seguiria o caminho do pleno emprego. Suas

ideias influenciaram profundamente a renovação das teorias clássicas inglesas, mas, a partir dos anos 1970, sua doutrina econômica passou a sofrer críticas daqueles que defendiam o que se tornaria o modelo vigente desde então, o monetarismo.

Em quase todos os países industrializados, o pleno emprego e o nível de vida crescente alcançados nos 25 anos seguintes à II Guerra Mundial foram acompanhados pela inflação. Os keynesianos admitiram que seria difícil conciliar o pleno emprego e o controle da inflação, principalmente por força das reivindicações dos sindicatos por aumentos salariais. O monetarismo defendia que seria possível manter a estabilidade de uma economia capitalista através de instrumentos monetários, pelo controle do volume de moeda disponível e de outros meios de pagamentos, e o excesso de moeda em circulação que gera inflação. A teoria prega que um dos culpados pela inflação é o governo, responsável pela emissão dessa moeda corrente e também pelas despesas públicas. Nos anos 1970, o monetarismo passou a ser amplamente adotado e entre seus principais defensores estavam Milton Friedman, que recebeu o Prêmio Nobel da Economia em 1976, e George Stigler, igualmente premiado em 1982. Suas idéias são associadas à teoria neoclássica da formação de preços e ao liberalismo econômico. A tentativa de contenção dos preços através da auto regulamentação do mercado não impediu a enorme aceleração dos níveis de inflação. O conceito de crescimento econômico, restrito ao aumento quantitativo da capacidade produtiva e não à transformação qualitativa da estrutura da economia, gerou a perda geral de poder aquisitivo e o aumento do endividamento das pessoas físicas e das empresas.

O que se vê hoje em países como o Brasil são nações que tendem ao equilíbrio das finanças estatais, mas que abrigam uma população pobre em sua maioria. Por fim, a crise econômica mundial, deflagrada em 2008 e capitaneada pelos Estados Unidos, que teve início com o crescimento forjado do mercado imobiliário estadonudense nos anos 1990, mostraram a fragilidade do modelo liberal da economia. Os críticos de Keynes, que abominavam a presença do Estado como regulador do mercado, recorreram a este com a desculpa de que a falência das instituições privadas, que inventaram altíssimos rendimentos com complexas manobras financeiras, seria prejudicial à toda população de um país.

Esta fragilidade macroeconômica atinge diretamente o emprego do cidadão comum, já que, no modelo atual, o crescimento econômico constante é uma das condições para a manutenção da empregabilidade. Atente-se aqui que devemos pensar em um grande crescimento contínuo, porque um crescimento em menor escala, dado o nível de mecanização da indústria, não garante a empregabilidade. Neste ambiente incerto, construído por um capitalismo cada vez mais agressivo que incentiva o consumo a todo custo (e que amplia o crédito sem reais garantias), a ameaça da perda do emprego cria uma contradição fundamental no sistema: como a população pode comprar

cada vez mais quando não sabe se terá trabalho formal remunerado nos meses seguintes?

Entendemos que as questões relativas ao trabalho são importantes para a nossa pesquisa já que a partir do fim do século XVIII, o trabalho assume uma posição privilegiada nos estudos da sociedade. O desenvolvimento da burguesia, calcado no avanço econômico e com alicerces fincados na formação de uma extensa classe trabalhadora, chamou a atenção de estudiosos como Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim. Mas se o trabalho passou a exercer uma centralidade na sociedade seria preciso que ele se concretizasse na forma de empregos formais para a maioria dos indivíduos e, mais, que a remuneração fosse suficiente para garantir um mínimo bem estar social. De fato, nos deparamos com uma condição adversa a estas duas situações. Mesmo que encontremos um desenvolvimento constante e acelerado em uma nação, esta não seria suficiente para garantir empregos para todos.

Nas economias capitalistas desenvolvidas da Europa Ocidental e dos Estados Unidos lidamos hoje com um desemprego que não é só elevado, mas também

estruturado, atingindo os diferentes grupos de modo bastante desigual. Com isso, o

problema da política de mercado de trabalho se coloca não só como elevação global da demanda por força de trabalho, mas cada vez mais também como problema de uma distribuição uniforme e apropriada dessa demanda entre parcelas da população ativa diferenciadamente atingidas pelos riscos do mercado de trabalho (OFFE, 1989, p. 44).

Estes riscos podem estar na falta de crescimento econômico, mas também nos investimentos das empresas em racionalização (mecanização e informatização de processos produtivos), uma vez que a cada mudança de tecnologia exclui-se do mercado de trabalho uma parcela significativa de profissionais que não se atualizaram – geralmente, estes terão poucas chances de retornar ao mercado. Este mercado também sofre a tensão de um lado dos sindicatos que lutam pela pela empregabilidade e elevação da renda salarial real, e por outro dos empregadores que entendem que maiores salários podem determinar um menor contingente de funcionários. O que normalmente se constata é uma maior empregabilidade com salários reduzidos que faz do trabalhador um indivíduo com baixo poder aquisitivo que, pressionado pela inflação, encontra a “saída” no endividamento através do crédito que, normalmente, é maior do que pode arcar.