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A sala de aula da professora Tatiana Bukowitz

5. O TRABALHO NA ESCOLA PEDRO II

5.2. A OBSERVAÇÃO E A INTERAÇÃO COM ALUNOS E PROFESSORES

5.2.2. A sala de aula da professora Tatiana Bukowitz

Nossa descrição da sala de aula da qual fizemos parte como pesquisador ficaria incompleta sem fazermos uma abordagem sobre a professora. Nos pareceu claro durante a observação participativa que a sua postura é fundamental para o desenvolvimento do trabalho na

disciplina de Sociologia na escola. A docente entrou para o Colégio Pedro II no início de 2009, um ano depois do começo da experiência como professora de Sociologia, que se deu em uma escola particular. Com graduação em Ciências Sociais na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Tatiana Bukowitz e, depois de concluir o curso de 2 anos de licenciatura, ingressou no programa de pós- graduação do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), onde concluiu seu mestrado. A professora tem experiência em viagens de observação pela Europa e recebeu bolsa de estudos do Ministério da Educação do Japão para estudar durante 1 ano em Tóquio. Quando voltou ao Brasil, Tatiana trabalhou na Fiocruz num projeto integrado com o Museu Nacional, com o cruzamento da história, ciências e saúde. O projeto interdisciplinar sobre a história do Adolf Lutz lhe deu esta perspectiva que posteriormente seria adotada na sua prática escolar. Tatiana, (BUKOWITZ, 2010a, p. 01) sempre teve “muita vontade de dar aulas para crianças” e esta determinação a levou ao Colégio Pedro II.

Segundo (Zeichner, 1993, p. 17), “cada um deve responsabilizar-se pelo seu próprio desenvolvimento profissional. A universidade pode, quando muito, preparar o professor para começar a ensinar”. Temos duas considerações a fazer a respeito desta ideia. Defendemos que a formação do professor é essencial para desenvolver trabalhos como a crítica da mídia ou da sociedade em sala de aula e, não é apenas num curso universitário que o professor encontrará esta formação. Assim, entendemos que uma bagagem de experiências, como exibe a professora Tatiana é fundamental para que possam ser formados sujeitos críticos porque o professor deve ter tido condições de se transformar em primeiro lugar, ele mesmo um sujeito crítico. Segundo Tardif (2004, p. 240), como “sujeitos de conhecimento”, os professores “deveriam ter o direito de dizer algo a respeito da sua própria formação profissional”.

Por outro lado, descordamos das correntes que culpabilizam o professor como principal responsável do fracasso escolar. O desprestígio e as condições que levaram ao desinteresse pela carreira de docente no Brasil (pelos baixos salários, por precárias condições de trabalho, por extensas cargas horárias etc.) desobrigam os indivíduos que, mesmo assim, escolheram a profissão, de buscar uma formação mais ampla, mesmo porque não teriam condições materiais e tempo para tal. Por isso, mudanças radicais nas políticas públicas são necessárias para promover uma ampla formação de professores que leve em consideração modelos que concebam o professor capaz de realizar, segundo Zeichner (1993, p. 25), “um processo de libertação de sua personalidade que o ajude a desenvolver-se a si mesmo no seu modo peculiar de ser”.

Este fato marcou muito a nossa pesquisa em sala de aula. A professora Tatiana se declara marxista e demonstra uma atitude marcante e convincente na defesa do materialismo histórico. A sua postura crítica em relação à sociedade capitalista (e mesmo à Educação) faz com

que consiga argumentos incisivos para questionar as incoerências do sistema em sala de aula, fatos que a incomodavam desde criança.

Eu sentia essas relações de poder. E eu percebia que existiam relações invisíveis entre as pessoas. E essas relações invisíveis não eram explicadas pra mim. Por que essas pessoas tem esse comportamento, por que outras tem outro? Por que minha família é desse jeito, por que outra família de outro? Por que eu gosto disso e outras pessoas não? Eu imaginava que tinha algumas explicações pra isso. (BUKOWITZ, 2010a, p. 03).

Algumas respostas, segundo a professora, começaram a surgir através de mestres que lhe marcaram definitivamente, docentes que optavam por uma pedagogia libertadora e que pudesse desenvolver o sentimento crítico nos alunos. Uma classe de professores dedicados ao seu trabalho e que entendem a importância da sua profissão.

Os saberes docentes são fruto da reflexão crítica que os professores fazem da realidade educacional. Numa situação de diversidade, o professor deve prestar atenção que para leccionar na diversidade cultural, o professor deve saber: 1) trabalhar na incerteza e na complexidade; 2) ser afetivo, mobilizando carinho, atenção, cuidado, diminuindo a tensão e promovendo o relaxamento; 3) respeitar e considerar as diferenças entre os alunos, acompanhando o processo de formação de identidades culturais híbridas; 4) selecionar formas de comunicação e interação durante as aulas que sejam eficazes para o ensino e a aprendizagem. (DIAS e ANDRÉ, 2009, p. 84 e 85).

Apesar de ser uma mulher com 33 anos de idade, Tatiana sabe se aproximar da classe com uma linguagem jovial que usa termos próprios das crianças e adolescentes de hoje que moram no Rio de Janeiro. Ele se refere à turma com a gíria “galera”, pergunta se entenderam com um “sacô?”, além de usar termos como “parada” (“entenderam a parada?”, para se referir a alguma questão). Desta forma, estreita a comunicação com a turma e, mesmo na postura de professora, que a destaca dos alunos, consegue se aproximar afetivamente das crianças e adolescentes. Uma postura que pode ser inserida no socioconstrutivismo, desenvolvido a partir dos estudos de Vigotsky (2003) que dá grande importância à interação social e à informação linguística para a construção do conhecimento. O núcleo do processo passa a ser a funcionalidade da linguagem, o discurso e as condições de produção. Cresce a importância do professor como alguém que interage com os alunos por meio da linguagem.

Esta proximidade também nos pareceu importante para quebrar a estranheza a respeito de temas e ideias às quais os alunos não estão acostumados. É uma postura favorável à intenção da professora de fazer os alunos passarem por um processo de auto-conhecimento tão necessário para a formação do sujeito crítico que possa alcançar a autonomia. Conforme nos disse a professora

Tatiana,

O pensamento crítico, na minha visão, é a possibilidade da emergência de uma alteridade original. E da vivência de uma identidade individual singular. Essa alteridade, essa singularidade dependem da autonomia, de um pensamento autônomo. E esse pensamento autônomo só pode existir se houver um espaço para o questionamento. (BUKOWITS, 2010a, p. 08)

Em seu trabalho a respeito do behaviorismo radical, Skinner (1987, p.18) apresenta o homem como objeto do controle do ambiente, depositário de influências, passivo, mero reflexo de determinações externas e alheias a ele. Por outro lado, mostra que “o mundo em que nós vivemos é amplamente uma criação das pessoas”. Vivemos esta ambiguidade de sermos criadores e vítimas de nossas criações. Ao olharmos com olhos amargos para o mundo, devemos entender que nós, individualmente, também somos responsáveis por este estado das coisas. Faz parte do trabalho de auto-reconhecimento de cada um entender como o povo brasileiro tem sido submisso, podemos dizer, depois do fim da ditadura militar. Esta perspectiva poderia fazer parte de formação do aluno para afastar a condição de sujeito alienado a que, em larga medida induzida pela mídia, a maioria da população brasileira parece se encontrar.

Alienação parece se antagonizar com a noção de homem como sujeito, isto é, como agente, como ser ativo, capaz de imprimir direção a suas ações, a sua vida. Se isto for verdade, novos elementos devem ser considerados para constituição deste homem: a variabilidade e o contato com a realidade, pois a condição básica para a construção de um homem assim concebido é a sensibilidade ao mundo e às suas transformações. Talvez o grande problema seja descobrir as condições que possibilitam tal construção. Com certeza entre elas não estará uma sociedade disciplinadora, porque seleção implica sempre variação e os homens para serem sujeitos não podem ser regidos por regras (MICHELETTO, 1993, p. 07 e 08).

Para que os alunos possam alcançar uma visão de mundo em que possam avaliar as regras impostas socialmente, é fundamental que o professor pode ter atingido um estágio intelectual que lhe permita exercer o pensamento crítico.

Uma das características das aulas de Sociologia a que assistimos no Colégio Pedro II foi a proposta de fugir do caráter normativo da educação e oferecer um sentido contextualizado do programa adotado pela disciplina. Segundo a professora Tatiana Bukowitz, (BUKOWITZ, 2010a, p. 03) “a minha primeira irritação pedagógica é que as coisas são ensinada como se elas fossem assim e ponto final. E as coisas não são, elas são criadas. Criadas como? Por quê? Pra quê? Em que contexto? Até quando? Servem para quem? Qualquer tema disciplinar deve ser ensinado desta maneira”. É esta forma de postura dialética que presenciamos nas aulas que abordavam, entre outros

tema, a crítica ao capitalismo que nos parece conveniente quando pretendemos desenvolver o sentido crítico com os alunos. A hegemonia dominante precisa ser questionada em sala de aula como forma de emancipação do indivíduo.

[…] a concepção de mundo hegemônica é exatamente aquela que, mercê de sua expressão universalizada e seu alto grau de elaboração, logrou a obter consenso das diferentes camadas que integram a sociedade, vale dizer, logrou converter-se em senso comum. É nesta forma, isto é, de modo difuso, que a concepção dominante (hegemônica) atua atua sobre a mentalidade popular articulando-a em torno dos interesses dominantes e impedindo ao mesmo tempo a expressão elaborada dos interesses populares […]. O senso comum é, pois, contraditório, dado que se constitui num amálgama integrado por elementos implícitos na prática transformadora do homem de massa e por elementos superficialmente explícitos caracterizados por conceitos herdados da tradição ou vinculados pela concepção hegemônica e acolhidos sem crítica [tradução nossa] (GRAMSCI, 1977, p. 13).

A crítica nasce, no nosso entender, da desconfiança ou da ideia de que os dados sociais são construções ideológicas. Para que os alunos tenham a possibilidade de alcançar esta condição, é conveniente mostrar que tudo pode ser questionado, como entende a professora entrevistada: “exitem algumas coisas que são muito pertinentes explicar porque são criadas. Como, por exemplo, o sistema de poder. Como, por exemplo, quem detêm o conhecimento. Como, por exemplo, quem controla as ideias e define as ideias das pessoas, porque as ideias definem comportamentos” (BUKOWITZ, 2010a, p. 03). Conforme descrevemos acima, Tatiana não pode ser considerada uma professora com a formação padrão de outros docentes do Ensino Fundamental. Sua formação, superior à média dos professores do Ensino Fundamental, lhe dá possibilidades intelectuais para exercer o senso crítico com embasamento teórico, mas como ela se interessou em chegar a este nível? Segundo a professora, foi um processo que se desenvolveu deste a infância quando percebia as relações de poder dentro da sua família. Acreditamos que estas relações de poder podem ser bem compreendida pelas crianças se for corretamente explicada e colocada com conceitos que estejam dentro de seu universo de entendimento. Em A Distinção, Pierre Bourdieu coloca que uma classe social não se define apenas a partir de uma propriedade (volume ou estrutura de capital), nem por uma soma de propriedades (sexo, origem, etnia etc.) mas por uma estrutura de relações entre todas as propriedades.

[…] trata-se também de apreender a origem das divisões objetivas, ou seja, incorporadas ou objetivadas em propriedades distintas, com bases nas quais os agentes têm mais possibilidades de se dividirem e de voltarem a agrupar-se realmente em práticas habituais, além de mobilizarem ou serem mobilizados – em função, é claro, da lógica específica, associada a uma história específica, das organizações mobilizadoras – pela e para a ação política, individual ou coletiva

(BOURDIEU, 2007, p. 101).

Em termos teóricos, acreditamos que seria difícil ensinar uma criança a respeito da distinção entre classes e as relações de poder entre elas. Mas, desde que nasce, a criança assiste em casa à disputas de poder (entre seu pai e sua mãe, por exemplo). Estas situações cotidianas fazem parte de seu universo e, acreditamos, são facilmente reconhecíveis por elas quando explicitadas. Isto acontece no Colégio Pedro II na disciplina de Sociologia e acreditamos que em parte é possível por causa da autonomia que os professores têm em sala de aula. No Colégio, esta autonomia é concedida pela direção, mas, conforme já mencionamos, a autonomia é uma das características do exercício desta profissão, uma vez que o dia a dia da sala de aula é controlado pelo professor.

A influência da formação inicial assume relevante papel na (re)significação de contextos e práticas culturalmente definidas e defendidas, às vezes sob a aparência libertadora e democratizante, por discursos supostamente renovadores, que se esquecem dos principais protagonistas das mudanças, os professores, e, sobretudo, de sua imprescindível autonomia (Gauche, 2001, p. 37).