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U

NIVERSIDADE METODISTA DE

S

ÃO

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AULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

NAIRA CARLA DI GIUSEPPE PINHEIRO DOS SANTOS

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ULTURA

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RGANIZACIONAL

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EPRESENTAÇÕES

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ELIGIÃO

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ENDÊNCIAS

SÃO BERNARDO DO CAMPO 2011

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NAIRA CARLA DI GIUSEPPE PINHEIRO DOS SANTOS

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ULTURA

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RGANIZACIONAL

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EPRESENTAÇÕES

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ÊNERO

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ELIGIÃO

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ENDÊNCIAS

Tese apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação à Universidade Metodista de São Paulo, Faculdade de Humanidades e Direito, curso de Ciências da Religião para obtenção do grau de Doutor

Área de concentração: Ciências Sociais e Religião

Orientação: Profª. Drª Sandra Duarte de Souza

SÃO BERNARDO DO CAMPO 2011

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FICHA CATALOGRÁFICA

Sa59g

Santos, Naira Carla Di Giuseppe Pinheiro dos

Cultura organizacional, representações de gênero e religião: tensões, contradições e tendências / Naira Carla Di Giuseppe Pinheiro dos Santos -- São Bernardo do Campo, 2011.

244 fl.

Tese (Doutorado em Ciências da Religião) – Faculdade de Humanidades e Direito, Programa de Pós Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo

Bibliografia

Orientação de : Sandra Duarte de Souza

1. Representações sociais 2.Gênero (Religião) 3. Cultura organizacional I. Título

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A tese de doutorado sob o título “CULTURA ORGANIZACIONAL, REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO E RELIGIÃO: TENSÕES, CONTRADIÇÕES E TENDÊNCIAS”, elaborada por Naira Carla Di Giuseppe Pinheiro dos Santos foi defendida e aprovada com louvor em 18 de abril de 2011, perante banca examinadora composta por Profa. Dra. Sandra Duarte de Souza (Presidente/UMESP), Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos (Titular/UMESP), Profa. Dra. Eliane Moura da Silva (Titular/UNICAMP), Profa. Dra. Roseli Fischmann (Titular/UMESP), Prof. Dr. Gualberto Luiz Nunes Gouveia (Titular/Unicapital).

__________________________________________

Profa. Dra. Sandra Duarte de Souza Orientador/a e Presidente da Banca Examinadora

__________________________________________

Prof. Dr. Jung Mo Sung

Coordenador/Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião Área de Concentração: Ciências Sociais e Religião Linha de Pesquisa: Instituições e Movimentos Religiosos

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Recentemente, por ocasião do encerramento do 3º. Congresso Nacional ANPTECRE, tive a oportunidade de ouvir o Prof. Dr. Edênio Vale relatar a história de um bolo de aniversário que sua mãe lhe prometera – um bolo de cem pessoas – ansiosamente aguardado por ele. Chegado o seu aniversário, diante de um bolo que lhe pareceu absolutamente comum, indagou a mãe, que começou a apontar o sem número de pessoas que, ao longo de toda a cadeia produtiva, haviam provido os elementos necessários à feitura do bolo. Uma tese é sempre como um bolo de um sem número de pessoas, sem as quais a sua elaboração seria impossível, mas pela qual elas não recebem o crédito, mesmo que algumas sejam nomeadas nos agradecimentos e outras ao longo do texto. A todas essas pessoas, às anônimas e também às nomeadas, dedico esta tese.

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Como agradecer

A Deus, que esteve ao meu lado e colocou junto a mim instituições e pessoas que me apoiaram, me sustentaram, me suportaram, me amaram, me ensinaram...

Às instituições que me apoiaram...

À CAPES, à Pós-Graduação em Ciências da Religião e em Administração, à Igreja Batista em Perdizes - à diretoria, ministério e membros...

Às pessoas a quem devo o que sei...

À Profª Dra. Sandra Duarte de Souza, muito mais do que orientadora, interlocutora incansável, me desafiou a enfrentar esse tema e venceu comigo cada um dos muitos desafios;

Aos/às meus/minhas professores e colegas da Pós em Ciências da Religião e em Administração, em especial, aos Profs. Drs. Leonildo Silveira Campos e Dagmar Silva Pinto de Castro e às colegas Fernanda e Nilza;

À Profª Drª Helena Hirata, com a sua rica produção acadêmica e seu generoso apoio e orientações;

Aos Profs. Drs. Régine Bercot e Claude Dargent, que me orientaram durante o estágio na França, à Karima Ghembaza e aos/às colegas do “GTM- Genre, Travail et Mobilités” e da Universidade de Paris 8;

Às que estão e às que foram secretárias dos programas de Pós-Graduação durante o meu tempo na UMESP, todas preciosas, em especial à Regiane e à Valkiria...

Às pessoas dos meus afetos...

Ao Jorge e Paloma, à Diana e à Natalina, impossível contar tudo...

Ainda às pessoas dos meus afetos...

À Marcela e Marcelo, Pati, João e Zizi e outras tantas que carinhosamente me animaram e me apoiaram...

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O primeiro dos textos a seguir (reprodução parcial de autor/a não identificado/a em acavagnol.pagesperso-orange.fr/sante.doc, livremente traduzido do francês) faz referência a algumas leis, mas também a uma série de prescrições que nos chamaram a atenção por serem freqüentemente reproduzidas em diversos lugares como em rodapés de outdoors nas ruas ou de comerciais que antecedem a exibição de filmes em salas de cinema na França. As três primeiras frases – “coma cinco frutas por dia”, “não „belisque‟ entre as refeições” e “faça exercìcios” são bastante representativas de até que ponto vai essa tentativa de dirigir a vontade dos/as cidadãos/ãs e que, como adverte o texto, revela o quão distante estamos do slogan contracultural “é proibido proibir”.

“Para a sua saúde “coma cinco frutas por dia”, “não belisque entre as refeições” e “faça exercícios”, proibição de fumar em locais públicos. “Se a sua taxa de álcool estiver entre 0,5 e 0,8 gramas por litro de sangue: você corre o risco de ser multado em 135 euros e de perder seis pontos na carteira de motorista” [...] “essas câmeras asseguram sua segurança”, obrigação de denúncia do cliente por parte dos advogados [diretiva comunitária de 26 de outubro de 2005 sobre a luta contra a lavagem de dinheiro] [...] passaporte biométrico, questionário sobre a vida privada dos passageiros de aviões [...] Sem falar das religiões que procuram novamente impor modos de pensamento e mesmo modelos de sociedade não somente aos seus correligionários, mas ao conjunto da sociedade, por meio do terrorismo, de argúcias judiciais ou de lobbyng. As pesquisas de consumo indicam enfim que uma parcela crescente, embora ainda minoritária, dos pesquisados seriam favoráveis ao fato de se lhes impor ou proibir certo tipo de consumo...Alguns não vislumbram um TVA [imposto sobre valor adicionado] majorado sobre todos os produtos nocivos à saúde: que sorte a dos pobres que poderão preservar a sua saúde! Nós estamos longe do slogan “é proibido proibir”! Cada uma dessas limitações tomada individualmente não pode obter senão a nossa adesão: é bom proteger a saúde, reduzir o número de acidentes, respeitar as convicções do vizinho,, lutar contra o crime, defender a moral; contudo a sua convergência é inquietante...”

“...esquecemos que nossa razão, por mais livre que seja, é influenciada por aquilo que nos ensinam, através de livros, músicas, filmes e cursos...” (Israel Belo de AZEVEDO, Porque nossa razão não é livre, Bom dia nº 427, <http://www.prazerdapalavra.com.br>)

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SUMÁRIO RESUMO 8 ABSTRACT 9 RESÚMEN 10 INTRODUÇÃO 11 2. Capítulo 1

REPRESENTAÇÕES DO LUGAR DA RELIGIÃO E DO GÊNERO

NO MUNDO DO TRABALHO 23

1.1. Introdução 23

1.2. Cultura, um conceito complexo 25 1.3. Representações sociais 26 1.4. Religião: um fato privado? 30 1.5. O trabalho: uma construção social 39 1.6. Percepções acerca do lugar da religião e do gênero no mundo do trabalho 44 2. Capítulo 2

O CONTEXTO CULTURAL MAIS AMPLO: DESTACANDO ALGUNS

ELEMENTOS ESTRUTURANTES DA CULTURA ORGANIZACIONAL 56

2.1. Introdução 56

2.2. O movimento de contracultura e o capitalismo pós-industrial 57 2.2.1. Condições de emergência de novos elementos éticos 57 2.2.2. Alguns aspectos da penetração do ideário contracultural no mundo

organizacional e do trabalho 61 2.2.3. Respeito pelas pessoas 63 2.3. Pluralismo religioso, gênero e religião no Brasil e na França 71 2.3.1. Pluralismo religioso no Brasil e na França 71 2.3.2. Gênero no Brasil e na França: algumas particularidades 79 2.4. Gênero e religião no pão de cada dia 88 3. Capítulo 3

A CULTURA ORGANIZACIONAL E A REPRODUÇÃO DE

REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO E DE PRESSUPOSTOS RELIGIOSOS NOS PADRÕES, NORMAS E PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS 90

3.1. Introdução 90

(9)

3.3. Cultura nacional, cultura organizacional e poder 94 3.4. A religião e o gênero nas representações e práticas organizacionais 104 3.5. A religião e o gênero nas regras, padrões e procedimentos organizacionais 116 4. Capítulo 4

O GÊNERO E A RELIGIÃO NA GESTÃO DA SUBJETIVIDADE

NO TRABALHO 126

4.1. Introdução 126

4.2. A religião e o gênero na gestão de recursos humanos 127 4.3. Alguns desenvolvimentos recentes dos métodos de gestão: gestão da

subjetividade 131

4.4. Autonomia como requisito para a gestão eficaz da subjetividade 137 4.5. Dimensões do trabalho e competências/qualificações „subjetivas‟ 146 5. Capítulo 5

A CULTURA ORGANIZACIONAL ENQUANTO LUGAR DE DIFUSÃO E MEDIAÇÃO DE TENSÕES SOCIAIS 162

5.1. Introdução 162

5.2. Representações de gênero e o paradoxo da separação das esferas 163 5.3. O impessoal e o universal: alguns paradoxos 173 5.4. Representações da religião: tensões entre arcaísmo e modernidade,

alienação e contestação 185

CONCLUSÃO 197

BIBLIOGRAFIA 208

Bibliografia pesquisada 208

Artigos em jornais quotidianos 236

ANEXOS 238

Modelo de questionário 239

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SANTOS, Naira Carla Di Giuseppe Pinheiro dos, Cultura organizacional, representações de gênero e religião: tensões, contradições e tendências, São Bernardo do Campo, fevereiro de 2011, Tese de doutorado em Ciências da Religião, Faculdade de Humanidades e Direito, Universidade Metodista de São Paulo.

RESUMO

Nas sociedades ocidentais contemporâneas, racionais e secularizadas, a religião é freqüentemente representada como externa à „razão‟ e de foro ìntimo, idéias estas implìcitas na máxima „religião não se discute‟. Ela estaria no campo oposto, portanto, daquele do mundo organizacional, sujeito à racionalidade, à objetividade do cálculo e à impessoalidade e do qual se abstrairiam o mundo privado da religião, das atividades domésticas e tudo o mais que se supõe ser de caráter pessoal e avesso ao cálculo. A idéia de que a igualdade entre os sexos já está consumada também faz parte do imaginário contemporâneo: a maior autonomia e presença das mulheres no espaço público, particularmente o aumento da sua participação no mercado de trabalho, seriam evidências de que a igualdade constitui uma batalha ganha. No entanto as representações de gênero continuam a configurar tal presença (ou ausência) feminina no mercado de trabalho. Da mesma maneira, as idéias religiosas e acerca das religiões não são passíveis de confinamento a tempos e espaços precisos, do culto, da meditação ou da prática religiosa. Tanto as representações de gênero quanto aquelas acerca da religião e da diversidade religiosa interpenetram o espaço público, o dia-a dia da vida e das relações sociais, as relações de gênero e de trabalho. Elas se inscrevem nas normas e práticas organizacionais, nas técnicas de gestão e os/a próprios sujeitos trabalhadores/as também bricolam e transitam entre esses mundos na construção das suas competências e na gestão da sua atividade profissional. A pergunta por aspectos e maneiras pelas quais representações de gênero, da religião e da diversidade religiosa, suas especificidades em determinado contexto social, se desdobram e entrecruzam em percepções e práticas no ambiente organizacional, e vice-versa, em que medida estas apontam para tensões e tendências presentes na sociedade circundante, constitui-se no fio condutor da presente tese. Além de pesquisa bibliográfica a metodologia contempla pesquisa de campo em duas organizações empresariais francesas no Brasil e na França.

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SANTOS, Naira Carla Di Giuseppe Pinheiro dos, Organizational culture, representations of gender and religion: tensions, contradictions and tendencies, São Bernardo do Campo, february 2011, PhD thesis in Science of Religion, Faculdade de Humanidades e Direito, Universidade Metodista de São Paulo.

ABSTRACT

In contemporary western societies, rational and secular, religion is often represented as being outside the “reason” and of an intimate nature, these ideas are implicit in the maximum “religion is not to be discussed”. It would be the opposite field of the organizational world, subject to rationality, objectivity and impartiality of the calculation and which abstracts the private world of religion, domestic activities and everything else that is supposed to be personal and reverse calculation. The idea that gender equality is already consummated it‟s also part of the contemporary imagination, the greater autonomy and representation of women in public space, particularly the increase of its participation in the labor market, would be an evidence that equality is a battle wins. Yet the representations of gender continue to set such women‟s presence (or absence) in the labor market. Likewise, ideas about religion and religions are not eligible for confinement to precise times and places of worship, meditation or religious practice. Both representations of gender as those about religion and religious diversity interpenetrate the public space, the day-to-day life and social relations, gender relations and work. They fall under the rules and organizational practices, management techniques and the workers themselves try to mix and move between these worlds to build their skills and to managing their professional activity. The question for the aspects and ways in which representations of gender, religion and religious diversity, in its specific social context, unfold and intertwine on perceptions and practices in the organizational environment, and vice versa, the extent to which they point to tensions and trends in the surrounding society, it constitutes the leitmotif of this thesis. In addition to the literature search methodology includes field research in two French business organizations at Brazil and France. Key concepts: social representation, gender, religion, work, organizational culture.

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SANTOS, Naira Carla Di Giuseppe Pinheiro dos, São Bernardo do Campo, Cultura organizacional, representaciones de género y religión: tensiones, contradicciones y tendencias, febrero de 2011, São Bernardo do Campo, Tesis de doctorado en Ciencias Religiosas, Faculdade de Humanidades e Direito, Universidade Metodista de São Paulo. RESUMEN

En las sociedades occidentales contemporáneas, racional y laica, la religión es a menudo representado como externo a la “razón” y de carácter ìntimo, ideas implìcitas en la máxima “religión no se discute”. Ella serìa en el campo contrario del mundo de las organizaciónes, que estan sujetas a la racionalidad, la objetividad y la imparcialidad del cálculo y donde se abstrae el mundo privado de la religión, de las actividades domésticas y todo lo que se supone que es personal y inverso al cálculo. La idea de que la igualdad de género ya está consumada también forma parte de la imaginación contemporánea, la mayor autonomía y representación de la mujer en el espacio público, en particular con el aumento de su participación en el mercado de trabajo, se evidencia que la igualdad es una batalla gana. Sin embargo, las representaciones de género siguen establecendo la presencia (o ausencia) de las mujeres en el mercado laboral. Del mismo modo, las ideas sobre la religión y las religiones no quedan confinadas en los momentos y lugares de culto, de la meditación o de la práctica religiosa. Ambas representaciones de género como los de la religión y de la diversidad religiosa se interpenetran el espacio público, en la vida del día a día y en las relaciones sociales, en las relaciones de género y de trabajo. Caen bajo las normas y prácticas de la organización, técnicas de gestión y los propios trabajadores mezclan y también se mueven entre estos mundos para construir sus habilidades y en la gestión de su actividad profesional. La cuestión de los aspectos y las formas en que las representaciones de género, la religión y la diversidad religiosa, en particular, en un contexto social específico, se desarrollan y se entrelazan en las percepciones y prácticas en el entorno de la organización, y viceversa, la medida en que apuntan a tensiones y tendencias en la sociedad que mas amplia, constituye el hilo conductor de esta tesis. Además de la búsqueda bibliográfica la metodología incluye la investigación de campo en dos organizaciones empresariales de Francia en Brasil y Francia. Conceptos clave: representaciónes sociales, género, religión, trabajo, cultura organizacional.

(13)

INTRODUÇÃO

Na segunda metade do século XX diversos fatores, tanto de ordem cultural, expressos nos movimentos sociais, de contracultura e feministas, quanto tecnológicos, econômicos e políticos, concorreram para uma reconfiguração do mundo do trabalho e dos conflitos que lhe são subjacentes. Tais fatores, na realidade interdependentes, tiveram impacto também sobre os métodos de gestão organizacional. Dentre os vetores de mudanças figuram o forte aumento da participação de mulheres no mercado de trabalho e a intensificação do processo de globalização do capital e do trabalho e dos fluxos migratórios, tanto de homens quanto de mulheres, propiciando o contato e presença de múltiplas identidades culturais, étnicas, religiosas, nacionais, etc. no ambiente organizacional. Nesse sentido, as organizações empresariais têm sido colocadas frente a frente com a diversidade – e com a necessidade de geri-la. Por outro lado, o caráter extremamente mecânico, alienante, atribuído à organização taylorista do trabalho e o aumento do poder de barganha dos trabalhadores no contexto do Estado do Bem Estar Social favoreceu, num primeiro momento, a adoção de políticas de recursos humanos que levassem em conta a subjetividade dos/as trabalhadores/as. Esta passa a ser objeto de gestão organizacional. A cultura organizacional constitui um dos instrumentos através do qual as empresas procuram canalizar, controlar, estimular as subjetividades dos/a trabalhadores/as e “inscrevê-las num quadro bem preciso, pré-construìdo” (Danièle LINHART, 2008:10)1

.

Esse processo de duplo sentido é favorecido também pelo desenvolvimento dos meios de comunicação que, se por um lado permite acionar um grande reservatório simbólico, antes indisponível ou de mais difícil acesso, por outro cumpre um papel de pasteurização de valores e expressões culturais diversas sob a forma de uma „cultura globalizada‟ (RIFKIN,

1

Destacamos aqui que todas as citações de textos originalmente em língua estrangeira foram livremente traduzidas por mim.

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2000). Do mesmo modo, se por um lado o mundo do trabalho se apresenta cada vez mais plural, por outro lado tal tendência encontra limites nas tentativas de universalização homogeneizante através da difusão do ideário neoliberal e de métodos e técnicas de gestão que impregnam a cultura organizacional. Essa tensão entre “aumentar a diversidade para preservar a flexibilidade num ambiente mutável [...] ou reforçar a homogeneidade” (SCHEIN, 2006:337) é uma questão que se impõe às organizações a partir da própria diversificação da força de trabalho. Estas devem decidir quanto à melhor forma de gerir a diversidade a fim de enfrentar os possíveis conflitos e tensões que daí decorrem e de obter competitividade e maximizar vantagens potenciais (Maria Tereza FLEURY, 2000).

No contexto de crescente individualismo e liberalização econômica, desmantelamento da rede de proteção social, precarização do trabalho e aumento da competitividade, a balança parece pesar favoravelmente para as empresas, que procuram se apropriar da subjetividade dos trabalhadores “para lhe dar o uso mais eficaz do seu ponto de vista” (Danièle LINHART, 2008:10). Por outro lado, a tendência à afirmação identitária - característica do mundo contemporâneo altamente diferenciado, plural e no qual a autonomia do indivíduo se reveste cada vez mais de um caráter normativo - agrega novos aspectos às tensões e conflitos entre os sujeitos trabalhadores, seus valores e interesses, e práticas e valores que as organizações procuram lhes impor no contexto das sociedades capitalistas. Contudo, tais conflitos, tensões e tendências não se limitam àqueles próprios ao ambiente interno. Se a cultura organizacional é influenciada por representações e práticas específicas ao quadro da própria organização, ela também produz e reproduz, em maior ou menor grau, representações e práticas que permeiam e constituem a cultura da sociedade circundante.

Obviamente esta comporta um amplo sistema simbólico, de representações e práticas que permeiam o conjunto de instituições e relações sociais nos contextos em questão, conformando-as, legitimando-as e ocultando as contradições e conflitos que as constituem. Dados os limites e interesse de nossa pesquisa, nos ativemos a alguns aspectos específicos da cultura nos contextos sócio-cultural brasileiro e francês, quais sejam àqueles que dizem respeito à configuração das relações de gênero e à relação dessas sociedades com a religião e com a diversidade religiosa. O nosso objetivo foi o de analisar, numa perspectiva

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entrecruzada de gênero e da diversidade religiosa e comparativa Brasil-França, em que medida ou em que aspectos as representações acerca dos sujeitos trabalhadores religiosos, segundo o seu sexo e sua religião, no contexto de organizações empresariais francesas atuando também no Brasil revelam tensões e/ou indicam tendências presentes na sociedade circundante. A nossa hipótese é a de que a cultura organizacional produz e reproduz representações de gênero e acerca da religião e da diversidade religiosa que tanto constituem focos de conflitos entre práticas organizacionais e valores dos sujeitos trabalhadores quanto indicam contradições, tensões e tendências presentes na sociedade mais ampla.

A identidade religiosa e o gênero constituem, a nosso ver, importantes eixos de articulação da diversidade no mundo contemporâneo, de modo que o estudo dos fenômenos religiosos mostra-se relevante à análise social e de gênero e vice-versa. Não apenas porque as religiões contribuem para conformar a cultura e, portanto, as próprias representações de gênero, mas também porque, não obstante o processo de secularização e a crescente consciência social acerca dos direitos igualitários entre os sexos, verifica-se participação significativa de mulheres nas religiões, em muitos casos predominante2 em relação à presença masculina. Tal participação encontra formas e justificativas as mais diversas e complexas, de modo que a análise das relações que as mulheres estabelecem com perspectivas e referenciais religiosos pode constituir um importante instrumental para os estudos e políticas para a igualdade de gênero. Contudo, são poucos ainda os estudos que articulam gênero e religião, o que é evidenciado inclusive pelo “número reduzido de publicações a esse respeito” (Sandra Duarte de SOUZA, 2006:9). E, dentre estes, poucos são os que lançam o olhar para além do próprio contexto religioso, isto é, do ponto de vista das implicações mútuas entre relações de gênero e religião no contexto da sociedade mais ampla.

2

No Brasil, de acordo com dados do censo de 2000, verifica-se uma predominância de mulheres, em números absolutos, na maioria das religiões, particularmente naquelas quantitativamente mais expressivas no País. A exceção fica por conta das religiões de tradição indígena, judaísmo, hinduísmo e islamismo, conforme dados da Tabela 1.3.1 - Populaçăo residente, por sexo e situaçăo do domicìlio, segundo a religiăo – Brasil, IBGE, Censo Demográfico 2000, www.ibge.gov.br.

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Em segundo lugar porque, ao contrário do que se previra, as formas religiosas de identificação “jogam atualmente um papel crescente em muitas sociedades” (Chantal MOUFFE , 2006: 15). Se há secularização, verifica-se por outro lado um processo de publicização da religião não como “um resquìcio ou tentativa de reinventar um mundo áureo da antiguidade” (BURITY, 2006: 209) mas, em muitos casos, como uma reação a questões que se colocam a partir da dinâmica social contemporânea. Ademais, a própria ruptura do monopólio religioso favorece a emergência de novas e múltiplas religiosidades, sendo que as possibilidades destas estabelecerem relações entre si são amplificadas pelo processo de globalização. Para Eliane M. da SILVA, o pluralismo religioso, assim como “os fundamentalismos religiosos e os movimentos de revitalização das religiões em diversas partes do mundo são respostas à globalização” (2006: 13). Fátima TAVARES identifica “um quadro histórico de revitalização do religioso que se dinamiza acentuadamente desde, pelo menos, os anos 1960” (2006:90), de modo que a religião ganhou novos contornos, suas fronteiras tradicionais se alargaram, mas não se extinguiu como faziam supor os paradigmas racionalistas modernos.

Enfim, a idéia de que a secularização e a crescente racionalização acabariam com a religião não encontrou, ao menos não ainda, confirmação empírica. Elas vieram provocar um pluralismo religioso e o deslocamento do lugar da religião na sociedade e na vida dos indivíduos; lugar que, no entanto, é variável de acordo com o contexto social. Se em alguns contextos é possível observar uma certa efervescência religiosa, da qual o fenômeno do crescimento do pentecostalismo no Brasil constitui, para muitos, um exemplo, em outros a secularização, ao menos enquanto circunscrição da fé religiosa à ordem de assuntos da esfera privada, parece se mostrar mais efetiva, como no caso da França. Contudo, no mundo contemporâneo globalizado em que as múltiplas fronteiras, geográficas, identitárias, culturais e religiosas são permanentemente cruzadas/confrontadas/afrontadas, o fator religioso parece ganhar relevância enquanto elemento promotor e/ou catalisador de conflitos, mesmo no caso das sociedades mais secularizadas. Nesse sentido, a análise comparativa entre Brasil e França, no contexto de empresas francesas operando no Brasil, mostra-se relevante na medida em que permite avaliar qual o papel e o lugar que o entrecruzamento de representações religiosas e de gênero cumprem e/ou encontram na

(17)

formação e/ou expressão de tensões e tendências presentes em sociedades com graus de secularização aparentemente muito distintos.

De fato, o contexto francês apresenta, a princípio, diferenças significativas em relação ao contexto brasileiro, tanto no que concerne às relações de gênero, quanto às relações que o Estado e a sociedade brasileira e francesa mantém com a religião. No que se refere às relações de gênero, se há elementos em comum no que se refere à divisão sexual do trabalho, observáveis no Brasil e na França, esta também toma configurações específicas num e noutro contexto. Fatores sócio-culturais e históricos diversos que incluem desde condições de internacionalização, difusão e implantação de novas técnicas, até o grau de politização, e a presença e intervenção diferenciadas do Estado na promoção de políticas sociais e de gênero, resultam em diferentes condições de trabalho e de empregabilidade das mulheres no Brasil e na França (Helena HIRATA, 2002). Ademais, questões étnicas e religiosas perpassam de modo diferenciado as relações de gênero no norte e no sul, no caso no Brasil e na França, e contribuem para dar um contorno mais específico às representações de gênero, às suas permanências e mudanças num e noutro contexto, para o qual concorre também a compreensão aparentemente diferenciada de laicidade nos dois países.

No que concerne à religião, especificamente, embora ambos os países se declarem laicos, a presença e influência das religiões na cultura, na mídia e mesmo na vida política no Brasil é, aparentemente, bem mais marcada do que no contexto francês no qual, a princípio, o grau de secularização cultural e político é mais acentuado e onde a própria concepção de laicidade assume um conteúdo distinto daquele encontrado no Brasil. No Brasil, o imaginário social parece impregnado de religiosidade e as espiritualidades ocupam um lugar de destaque na dinâmica cultural, constituindo importantes elementos identitários (Marion AUBRÉE, 2001). A reação do Estado brasileiro diante da crescente pluralização religiosa é também bastante liberal, conforme observa Marion AUBRÉE (2001). Se o contexto brasileiro parece ser sócio-culturalmente favorável ao desenvolvimento das religiões, o contexto francês, rigidamente regulamentado e altamente secularizado é, aparentemente, o oposto do brasileiro. E se, ainda assim, é possível identificar um certo pluralismo religioso, este parece confrontar e desafiar o modelo laico, tanto do ponto de vista jurídico, quanto no que se refere à própria identidade francesa que, se por um lado é

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ainda impregnada de referenciais católicos, por outro lado está fortemente ancorada numa perspectiva laicista do ideal de „igualdade, fraternidade e liberdade‟, que a considera absolutamente incompatível com a crença e a fé (Danièle HERVIEU-LÉGER, 2001a).

Uma vez que a cultura organizacional retira parte de seu sentido do contexto social, ela tende a sofrer o impacto desses contextos histórico, sócio-econômico e culturalmente diferenciados. Nesse sentido, dado o contraste entre o contexto brasileiro e francês, a pesquisa se mostra relevante não só no âmbito das pesquisas que procuram estabelecer o grau de influência do ambiente cultural externo sobre a cultura organizacional, mas também por possibilitar verificar em que medida esta favorece a expressão, a articulação e a integração de identidades plurais no mundo do trabalho. Ela possibilitou também averiguar a influência de aspectos sócio-culturais, como o gênero e a religião, sobre a relação que os sujeitos estabelecem com o trabalho e no ambiente de trabalho e como estes afetam, no plano da percepção e da prática, a sua trajetória profissional.

Com o fim de atingir esses objetivos empreendemos pesquisa de campo junto a empresas de dois grupos organizacionais no Brasil e na França, aqui nomeados de grupo A e grupo B3. Ambos são de origem francesa, com atuação no Brasil. O grupo A atua principalmente no segmento de hipermercados e supermercados e conta com cerca de 495000 colaboradores no mundo, distribuídos em cerca de 15500 unidades em 31 países, sendo o maior empregador privado na Europa e o sétimo no mundo. No Brasil possui 599 lojas em 17 estados e conta com 70918 funcionários (52,5% do sexo feminino), sendo 48368 na rede pesquisada, aqui nomeada Hypermarché, e os demais 22550 em empresas do grupo atuando sob outras bandeiras. O Hypermarché conta com 165 lojas no Brasil distribuídas em 14 estados, sendo 116 hipermercados e 49 lojas de bairro. A maior parte dessas unidades - 52,7% - estão localizadas no estado de São Paulo4. De acordo com dados do Relatório de Desenvolvimento Sustentável de 2009 do grupo A, este contava com um total de 87 lojas sob a bandeira Hypermarché no estado de São Paulo em 2009. No Brasil nossa pesquisa

3 Embora tenhamos obtido autorização formal das empresas para a realização da pesquisa, nos utilizamos aqui de nomes fictícios, a fim de preservar a identidade das mesmas. Adotamos os nomes fictícios Hypermarché- para a empresa pesquisada do grupo A e Textile, para a empresa pesquisada do grupo B.

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teve lugar junto a três unidades da rede Hypermarché, todas localizadas no ABC Paulista, e contando com um número total de 956 funcionários, distribuídos conforme a seguir:

Lojas Número de colaboradores

Santo André 223

São Bernardo Demarchi 297

São Bernardo do Campo 436

TOTAL 956

Nas unidades pesquisadas, a participação de mulheres nas posições de hierarquia (37,8%) é bem inferior à proporção de mulheres empregadas nessas lojas (60,7%), conforme pudemos apurar a partir da relação do quadro de funcionários fornecidos pelas referidas lojas. Deve-se destacar que os cargos hierárquicos na farmácia das lojas (farmacêutica/gerência da farmácia) - integralmente ocupados por mulheres – correspondem a 35,3% das posições hierárquicas ocupadas por mulheres na hierarquia das lojas pesquisadas. Além disso, de acordo com o relato da entrevistada Dalva (gerente comercial em uma das lojas pesquisadas do Hypermarché Brasil) apenas três lojas em todo o estado de São Paulo são dirigidas por mulheres.

O grupo B atua na indústria química e têxtil produzindo plásticos de engenharia, polímeros e fios têxteis, conta com 68 unidades fabris em todo o mundo e emprega cerca de 14500 pessoas. É o segundo maior produtor mundial de poliamidas. No Brasil o grupo conta com cinco unidades industriais, todas no estado de São Paulo, onde abriga também um dos seus cinco centros mundiais de pesquisa5. Em 2008 empregava cerca de 2900 pessoas (sendo 19,1% do sexo feminino) no Brasil, das quais 1320 (15,6% do sexo feminino) na Textile, unidade do grupo em Santo André6 na qual foi realizada a nossa pesquisa.

5 Dados publicados pelo grupo em seu Relatório de Desenvolvimento Sustentável 2008-2009 e Inovação na

Indústria Têxtil.

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A nossa metodologia contemplou a aplicação de questionários e entrevistas junto a funcionários, bem como o recurso a fontes primárias tais como dados relativos ao quadro de funcionários e dados divulgados no site institucional das empresas em questão. No caso do Hypermarché, nos utilizamos também de exemplares da revista de circulação interna da empresa destinada aos funcionários – Fique Ligado no Brasil e Positif! na França. Os questionários – cujo roteiro pode ser encontrado em anexo - tiveram por objetivo a seleção da população a ser pesquisada e o levantamento de alguns elementos constitutivos de percepções dos sujeitos quanto à religião, à diversidade e ao gênero.

Na primeira parte procurou-se traçar o perfil da/o questionada/o. Nas primeiras questões tratou-se de contemplar as representações acerca do estatuto das religiões, do seu lugar na esfera pública e/ou privada, e a interface destas com as representações quanto ao lugar social (público e/ou privado; de maior ou menor autonomia) que, na perspectiva das/os questionadas/os, os sujeitos ocupam e/ou deveriam ocupar segundo o seu sexo. Posteriormente foram introduzidas questões relativas às representações dos sexos, das religiões e da diversidade religiosa no ambiente de trabalho. Procurou-se identificar aí as representações quanto à atitude no trabalho, segundo o sexo e a opção religiosa, assim como as representações quanto à incidência do sexo e da religião sobre a trajetória profissional. Ou seja, como, na percepção dos/as questionados/as, o sexo e a religião dos sujeitos trabalhadores influenciam a sua relação com o trabalho e com as pessoas (isto é, com colegas e com a chefia) no ambiente de trabalho, e como percebem a influência do sexo e da religião (em geral, mas também segundo a religião) na trajetória profissional dos sujeitos. Deve-se destacar que, em função das condições de acesso ao campo de pesquisa e tempo de permanência na França, os questionários foram aplicados apenas no Brasil. Não obstante eventuais limitações daí decorrentes, as entrevistas realizadas na França possibilitaram proceder à análise comparativa basicamente de todos os aspectos abordados na pesquisa. Foram aplicados no total 132 questionários no Brasil dos quais 102 no Hypermarché e 30 na Textile.

Nas entrevistas – cujo roteiro encontra-se em anexo- procurou-se apreender as representações dos próprios sujeitos quanto às religiões, à diversidade religiosa, ao gênero e

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ao seu entrecruzamento, e também quanto às práticas organizacionais no que concerne ao tema. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com um total de 45 trabalhadores/as7 nas unidades das empresas no Brasil e na França, distribuídos/as conforme a seguir:

Brasil França Total_____ Masc. Fem. Total Masc. Fem. Total Masc. Fem. Total

Hypermarché 7 7 14 2 10 12 9 17 26 Textile 8 3 11 7 1 8 15 4 19 Total 15 10 25 9 11 20 24 21 45

No Brasil, tanto no caso da Textile quanto no do Hypermarché, os/as entrevistados/as foram selecionados/as a partir dos dados obtidos nos questionários. Procuramos contemplar um universo o mais diverso possível, levando em conta o sexo, perfil religioso e sócio-econômico e os lugares que os sujeitos trabalhadores ocupam no quadro funcional. Para a realização da pesquisa de campo no Brasil, a pesquisadora obteve autorização formal das empresas em questão. As autorizações, juntamente com os instrumentos de pesquisa e o projeto foram submetidos ao Comitê de Ética desta Universidade que aprovou os procedimentos propostos. No que se refere ao contato com o campo a pesquisadora buscou, junto à área administrativa das unidades/empresas nas quais foram conduzidas as pesquisas, as informações e formas de seleção dos sujeitos e de aplicação dos questionários. Na praticamente totalidade dos casos os questionários foram aplicados pessoalmente pela pesquisadora, que também obteve pessoalmente de todos/as os/as questionados/as o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido- TCLE.

7 O grupo de entrevistados/as no Hypermarché abrange pessoas que se declaram sem prática religiosa, evangélicos/as, católicos/as, espíritas umbandistas, ocupando funções diversas- desde operadores de loja, vendedores de eletrodomésticos, atendentes de caixa, patinadoras, agentes de segurança, assistentes adminsitrativas, gerentes e coordenadores de Recursos Humanos. Na França, as funções dos/as entrevistados/as do Hypermarché abrange patinadoras, caixa, assistentes (denominadas pela empresa “animadoras”) de gerentes de setor, atendimento de loja, contabildade da loja, responsável do RH da loja, chefe de manutenção. Na Textile o grupo entrevistado abrange pessoas que declaram não possuir uma prática ou fé religiosa, evangélicos/as, católicos/as e espíritas kardecistas, possuindo também funções diversas como supervisores de manutenção, técnico de produção, bombeiro-líder, engenheiro de segurança do trabalho, auxiliar administrativa, secretária sênior, assistente de supply chain, analista de excelência oeracional, gerente de logística e serviço. Na França, os/as entrevistados/as da Textile ocupam funções de líder de excelência operacional, contramestres, responsáveis de produção, de RH, de logística de compras, de controle de qualidade, consolidação mundial de supply chain,

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No Hypermarché França procedemos à pesquisa por meio de contato que efetuamos com a diretoria da loja do hipermercado no bairro de Saint Denis, onde o perfil da população de moradores é bastante diversificado. A pesquisa foi autorizada (embora não por meio de documento formal) e os/as entrevistados/as (dos quais obtivemos o TCLE) foram selecionados/as pela diretoria da referida loja com base nas nossas solicitações quanto à diversidade e representatividade de funções/cargos. Na Textile França, realizamos primeiramente o contato com expatriados brasileiros indicados pela diretoria de Recursos Humanos no Brasil. Estes, por sua vez, estabeleceram contatos com os funcionários franceses que concordaram em nos conceder a entrevista. A partir desses contatos realizamos entrevistas junto a funcionários/as de unidades da Textile nas cidades de Valence (uma com um expatriado brasileiro e sete com franceses) e Lyon (duas entrevistas com expatriados/as brasileiros/as). Embora não tenha havido uma autorização formal por parte da empresa, um dos entrevistados foi o próprio diretor da área de Recursos Humanos (doravante nos referiremos ao departamento/área de Recursos Humanos como RH) do site de Valence, no qual trabalham os franceses entrevistados e dos quais obtivemos também o TCLE.

Todas as entrevistas foram conduzidas pessoalmente pela pesquisadora, de modo que os TCLE nessa fase também foram obtidos pessoalmente pela pesquisadora, tanto no Brasil quanto na França. Destaca-se que a pesquisa não envolve qualquer ônus financeiro ou risco para os sujeitos pesquisados, os quais foram esclarecidos/as quanto à possibilidade de se recusar ou suspender a qualquer tempo sua decisão de participar da mesma, conforme lhes é assegurado através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE. Ademais, a fim de garantir a confidencialidade prevista em tal termo e preservar assim a identidade dos sujeitos questionados e entrevistados, nos utilizamos aqui de nomes fictícios. Destacamos finalmente que parte das entrevistas na França foram realizadas em português (as três entrevistas com expatriados/as brasileiros trabalhando na Textile França e uma entrevista com uma das funcionárias de origem portuguesa do Hypermarché França) e parte em francês. Optamos por manter no idioma original os trechos das entrevistas reproduzidos ao longo da tese.

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Quanto aos custos da pesquisa de campo no Brasil, estes envolveram basicamente custos de reprodução dos questionários e TCLE‟s e custos de transporte, destacando-se que a pesquisadora é bolsista da Capes. A pesquisa na França foi custeada por meio de bolsa do programa de doutorado sanduíche (PDEE) da CAPES.

O nosso objetivo principal, conforme já explicitado anteriormente foi o de verificar se e em que aspectos as representações do mundo do trabalho acerca dos sexos, da religião e dos sujeitos religiosos, revelam tensões, tendências e/ou contradições presentes na sociedade mais ampla quanto à organização desta no que diz respeito à religião, à diversidade religiosa e às relações de gênero. No primeiro capítulo nosso objetivo foi o de identificar as representações acerca do lugar e da influência da religião e do gênero no mundo do trabalho, sendo que nos ativemos aí basicamente a percepções. Para tanto, apresentamos brevemente o conceito de cultura, abordando-o posteriormente a partir da teoria das representações sociais o que, juntamente com a introdução de outros conceitos - como o de secularização, trabalho, divisão sexual do trabalho - nos possibilitou identificar e analisar representações dos sujeitos questionados quanto ao lugar da religião e do gênero no mundo do trabalho. Procuramos verificar primeiramente até que ponto, na percepção dos/as questionados/as, há ou não permeabilidade e/ou incompatibilidades entre a religião e/ou algumas religiões e a vida profissional. Em seguida procuramos averiguar se estes/as percebem o sexo e/ou a religião como fator de influência sobre a relação que os sujeitos estabelecem com o trabalho e no ambiente de trabalho e sobre a trajetória profissional.

No segundo capítulo tivemos por objetivo analisar em que medida a religião e o gênero, contribuem para estruturar e justificar o discurso mais amplo das sociedades ocidentais capitalistas, repercutindo sobre representações e práticas no mundo do trabalho. Para tanto procuramos primeiramente destacar elementos éticos que emergem com os chamados Novos Movimentos Religiosos (NMR) e das mudanças nas representações de gênero que têm lugar no âmbito dos movimentos de contracultura e feministas, a partir de meados do século XX. Em seguida procuramos estabelecer a relação entre estes e as transformações verificadas no mundo do trabalho e no discurso organizacional mais amplo e geral, pontuando também algumas das especificidades do contexto nacional brasileiro e francês.

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No terceiro capítulo nosso objetivo foi o de estabelecer a influência da cultura circundante, no que diz respeito à religião e às relações de gênero, sobre a cultura das organizações em foco, sob o ponto de vista das regras, normas/ procedimentos - formalmente estabelecidas pela empresa ou praticadas pela direção/gerência. Abordamos o conceito de cultura organizacional, bem como alguns dos aspectos nos quais este se associa a especificidades dos contextos culturais brasileiro e francês na reprodução de relações de poder. Analisamos, a partir de dados do campo, em que medida pressupostos culturais quanto à religião, à diversidade religiosa e ao gênero, impregnam regras, normas/ procedimentos organizacionais no contexto das empresas pesquisadas no Brasil e na França. A cultura organizacional foi abordada nesse capítulo sobretudo a partir da perspectiva das próprias empresas, de suas políticas formais, métodos internos de difusão/normatização de valores e práticas, embora tenhamos levado em conta também práticas de funcionários/as, principalmente daqueles/as com cargos diretivos. Procuramos verificar também, tanto nesse quanto no quarto capítulo, em que medida os valores e práticas organizacionais quanto à religião e ao sexo dos sujeitos trabalhadores engajam e/ou produzem conflitos entre estes e a organização.

No quarto capítulo procuramos estabelecer a influência de referenciais religiosos e de gênero sobre a cultura organizacional, abordando-a sobretudo a partir da perspectiva dos sujeitos trabalhadores, da sua relação com o trabalho e no trabalho em termos de percepções e práticas. Contudo levamos em conta também a articulação destes com os valores e práticas organizacionais. Tratamos de algumas mudanças recentes nas técnicas de gestão de recursos humanos, e procuramos identificar estratégias utilizadas tanto pelas empresas quanto pelos/as próprios/as trabalhadores/as, na mobilização da sua subjetividade. Mais especificamente tratou-se de verificar se há incorporação de competências adquiridas por meio da socialização/práticas religiosas ou de gênero na sua atividade profissional e em que medida elas se apóiam sobre representações das religiões e de gênero. Finalmente, no quinto capítulo, tratamos de estabelecer se há e que relação há entre as representações da religião e de gênero produzidas e/ou reproduzidas pela cultura das organizações pesquisadas e as contradições, conflitos, tensões e/ou tendências que permeiam a cultura das sociedades brasileira e francesa, nas quais atuam as referidas empresas.

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Capítulo 1

REPRESENTAÇÕES DO LUGAR DA RELIGIÃO E DO GÊNERO NO MUNDO DO TRABALHO

1.1. Introdução

A afirmação de que o trabalho sempre foi parte integrante da vida humana pode parecer evidente, porém dizer que ele é uma construção social pode não nos resultar tão evidente. No entanto essa mesma “auto-evidência” (aparente) do que seja trabalho nos indica que ele é produto de um contexto - o que significa dizer que ele é construído também como representação. Isto é, ele é construído e percebido a partir de uma determinada visão de mundo, que tanto remete aos “princìpios estruturantes da divisão social do trabalho [quanto] aos critérios determinantes das hierarquias dos espaços produtivos” (LALLEMENT, 2007:29). Há uma conexão, portanto, entre representações e valores que perpassam, constituem a cultura num determinado contexto e aqueles que perpassam o mundo do trabalho, particularmente nas sociedades contemporâneas, onde o trabalho ocupa o centro da vida social. Por outro lado, no contexto moderno, tendo em vista o processo de diferenciação das esferas de ação social – que tem origem na secularização e/ou laicização das sociedades ocidentais e por meio da qual se operou a separação da esfera de ação da religião e/ou da instituição religiosa da esfera de ação secular ou do Estado – o trabalho também é constituído e perpassado por separações de esferas. Na prática, mas também no imaginário, nas percepções.

Separação entre esfera pessoal e esfera profissional, entre esfera doméstica e esfera de produção, entre esfera privada e esfera pública sendo que cada uma dessas separações remete a tantas outras que lhes são associadas, tais como: entre a casa e a empresa; a vida pessoal, e a vida profissional; entre a vida familiar, as relações afetivas, informais,

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subjetivas e a atividade de trabalho, as relações impessoais, formais, objetivas; entre o que é da competência da fé e o que é da competência da razão; entre o que é da competência da mulher e o que é da competência do homem, e assim sucessivamente. Tais esferas se constituem aparentemente como oposições (hierárquicas) e algumas delas são vistas como incompatíveis com a atividade profissional. Particularmente no contexto moderno onde a noção de trabalho emerge associada a “uma atividade social que podemos objetivar, isto é descrever, analisar, racionalizar, prescrever em termos precisos: uma seqüência de operações, consideradas numa abstração generalizante, e o tempo mensurável necessário para realizá-la” (Helena HIRATA e ZARIFIAN, 2009:253). E, dado que o grau de racionalização e de impessoalidade é tido então como determinante da produtividade do trabalho, este seria impermeável a “um conjunto de espaços e práticas” (LALLEMENT, 2007:15), dentre as quais as atividades domésticas que, pela disponibilidade de tempo e afetiva que exigem, são “o oposto da objetificação” (Helena HIRATA e ZARIFIAN, 2009:253). Da mesma maneira, no contexto da sociedade ocidental capitalista secularizada, a religião pode ser vista, ela também, “como um meio de afastar as pessoas do trabalho neste mundo” (WEBER, 2000:46).

Na medida em que tais separações são socialmente construídas, apoiando-se em representações de gênero, do trabalho, da religião e da diversidade religiosa, as quais estruturam e são estruturadas por práticas no mundo do trabalho e organizacional, procuraremos destacar ao longo deste capítulo algumas dessas representações que permeiam e constituem a cultura das sociedades nas quais as empresas pesquisadas atuam. O nosso objetivo neste capítulo será o de verificar até que ponto, na percepção dos/as questionados/as, há ou não permeabilidade e/ou incompatibilidades entre algumas das esferas associadas à vida privada e aquelas da vida profissional. Mais especificamente procuraremos averiguar se estes/as percebem o sexo e/ou a religião como fator de influência sobre a relação que os sujeitos estabelecem com o trabalho e no ambiente de trabalho e sobre a trajetória profissional. No entanto, nos ateremos aqui exclusivamente a percepções – as práticas e sua conexão com as representações serão tratadas nos demais

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capítulos – e sobretudo àquelas que podem ser depreendidas dos dados obtidos através da aplicação dos questionários8.

1.2. Cultura, um conceito complexo

A definição de cultura admite uma variada gama de conceitos mais ou menos próximos entre si evocando a sua oposição à natureza e/ou a sua constituição a partir da relação entre o individual e o coletivo. De forma sucinta podemos entender a cultura como fenômeno coletivo, que implica numa atividade simbólica de construção de um sistema de signos e significados socialmente transmitidos, os quais no entanto não se apresentam sob forma rígida e perene, mas se inscrevem num processo dinâmico e contínuo de interpretação, reinterpretação, adaptação e resistência (FLEURY, 2008). Considerada em seu aspecto ideológico, constitui o campo do imaginário não como irrealidade ou fantasia, mas como “conjunto coerente e sistemático de imagens ou representações tidas como capazes de explicar e justificar a realidade concreta” (Marilena CHAUÍ, 1981:19). Portanto, o fato de se constituir como atividade simbólica ou como instrumento de comunicação e conhecimento, não significa que ela não tenha realidade objetiva, bem ao contrário ela se inscreve nos corpos e nas relações sociais (assim como nos afetos/emoções que permeiam tais relações) dos e aos quais tanto retira quanto fornece sentido num determinado contexto social e histórico. Assim sendo, não se refere apenas a percepções, mas também a instituições, comportamentos e práticas que guardam relação com o contexto social e histórico. Por outro lado, ainda que se apresente como um conjunto coerente de representações, ela está permeada de contradições em face da existência de conflitos e antagonismos (Marilena CHAUÍ, 1981), os quais pretende ocultar por meio da associação de tais representações a uma ordem „natural‟ e/ou sobrenatural e da naturalização e/ou sacralização da ordem vigente (BOURDIEU, 1974) que, no entanto, é arbitrária.

Esse é o caso, por exemplo, das representações de gênero que, associando um dado biológico - o da gestação humana - a uma suposta „natureza feminina‟ e a um tipo de

8

Os questionários foram aplicados exclusivamente no Brasil. Nas análises relativas ao campo francês utilizaremos dados das entrevistas.

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trabalho pretensamente compatìvel com tal „natureza‟, oculta as desigualdades que decorrem da responsabilização exclusiva ou predominante das mulheres pelos afazeres da esfera doméstica e familiar. O mesmo ocorre em relação à associação da „natureza‟ – biológica e/ou cultural – de determinados grupos populacionais (étnico/raciais, nacionais ou regionais) com baixa produtividade justificando por meio dessa naturalização a maior precariedade das condições de trabalho e sua menor remuneração (Helena HIRATA, 2002). As representações sociais jogam portanto um papel importante na justificação/legitimação de tais assimetrias. Elas perpassam o mundo do trabalho e das organizações empresariais e tanto permitem configurar quanto assegurar determinadas formas de divisão social do trabalho, conferindo sentido e/ou ocultando o aspecto arbitrário de tal divisão. Nesse sentido, as representações acerca da religião, da diversidade religiosa e do gênero que circulam e/ou são produzidas, reproduzidas, difundidas e consumidas (BOURDIEU, 1974) no interior das organizações empresariais que constituem o nosso campo de pesquisa podem fornecer indicações quanto a hierarquias de gênero e/ou religiosas presentes na sociedade circundante.

1.3. Representações sociais

O conceito sociológico de representação coletiva ou representação social foi primeiramente explicitado por DURKHEIM, que o elabora a partir do conceito de consciência coletiva, a qual define como sendo “o conjunto de crenças e de sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade [ou ainda] o conjunto de similitudes sociais” (1978:40 e 41). Em DURKHEIM e MAUSS, as representações sociais são entendidas como “o conjunto de hábitos mentais em virtude dos quais nos representamos os seres e os fatos sob a forma de grupos coordenados e subordinados uns aos outros” (2005:455). Constituem-se num instrumento de comunicação e de conhecimento social consensual quanto ao significado dos signos e ao significado do mundo (MICELI In: BOURDIEU,1974:VIII). Conhecimento não apenas de ordem intelectual mas que possui um valor emocional, o que lhe confere um caráter refratário à análise crìtica e lógica pelo grupo social. Assim, “a pressão exercida pelo grupo social sobre cada um de seus membros não permite que seus indivíduos julguem livremente as noções que a própria sociedade elaborou e onde ela pôs

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alguma coisa de sua personalidade” (DURKHEIM e MAUSS,2005:455). Apesar dessa formulação, que nos sugere a dimensão de ocultamento da realidade que as representações sociais cumprem, e da relevância que atribui ao poder de coerção da sociedade, para DURKHEIM não existe representação falsa. “Se ela não estivesse fundada na natureza das coisas, ela teria encontrado resistência nas coisas, com a qual não poderia triunfar” (1989:206).

Já para MARX, as idéias, ou a consciência, é determinada pelo modo de produção. “O homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade” (S/D:46), e é desse mundo que provêm as ideologias, usadas como justificativas na execução de interesses políticos, categoria na qual se inclui a religião que, na sua perspectiva, é alienação e ilusão, porque é falsa consciência de si e do mundo, que projeta como ideais para além de sua existência material, real : projeta-se como Deus e ao mundo como o paraíso. As idéias são condicionadas pelo modo de produção da vida material da sociedade, são reflexo do mundo real. Enfim, para MARX, as idéias ou ideologias, não possuem qualquer realidade material, e tendem a desaparecer pela chegada ao que denomina de “idade da razão, [que significa o fim de uma] situação que precisa de ilusões” (S/D:46 e 47).

Weber concebe os sistemas culturais, ou visões de mundo em articulação com os interesses de grupos sociais. Considera que a visão de mundo - idéias abrangentes acerca do tempo, do espaço, do trabalho, do sexo, dos papéis sociais, enfim, que perpassam o conjunto de uma determinada sociedade - é, em geral, elaborada pelos grupos dominantes. É pela adequação que opera entre um determinado tipo de práticas ou discursos e uma categoria particular de necessidades (e/ou interesses próprios) de grupos sociais determinados que a visão de mundo confere legitimidade à dominação. Contudo, para Weber, se o

“desenvolvimento das circunstâncias e os contextos da realidade social-histórica determinam o mundo ideal e as intenções dos seres humanos, [os quais] em virtude da experiência social, conhecem as circunstâncias e os contextos, e por eles se orientam, [por outro lado, e da mesma maneira] as intenções, interações e cooperações de seres humanos interessados e orientados atuam continuamente sobre fatos e contextos na sociedade e na história, e podem influenciá-las e formá-las até um certo grau geralmente indeterminável: se não fosse assim, não haveria ações”(WINCKELMANN In: 2004:XXIX).

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Ou seja, aqui as condições objetivas não determinam univocamente o mundo ideal e nem são determinadas unicamente pelas condições materiais, “mas dependem também da capacidade e disposição dos homens em adotar certos tipos de conduta” (WEBER, 2000:11), a qual, por sua vez, encontra nos fatores de ordem espiritual e ética a sua maior motivação: “onde foram obstruìdas por obstáculos espirituais, o desenvolvimento de uma [dada] conduta também tem encontrado uma séria resistência interna. As forças mágicas e religiosas, e os ideais éticos de dever deles decorrentes, sempre estiveram no passado entre os mais importantes elementos formativos da conduta” (2000:11).

BOURDIEU parte das contribuições dessas três tendências principais para formular sua sociologia dos sistemas simbólicos, e que sintetiza da seguinte maneira:

“uma vez que os sistemas simbólicos derivam suas estruturas da aplicação de um simples principium divisionis e podem assim organizar a representação do mundo natural e social dividindo-o em termos de classes antagônicas; uma vez que fornecem tanto o significado quanto o consenso em relação ao significado através da lógica de inclusão/exclusão, encontram-se predispostos por sua própria estrutura a preencher funções simultâneas de inclusão e exclusão, associação e dissociação, integração e distinção. Somente na medida em que tem como sua função lógica e gnosiológica a ordenação do mundo e a fixação de um consenso a seu respeito, é que a cultura dominante preenche sua função ideológica – isto é – política, de legitimar uma ordem arbitrária; em termos mais precisos, é porque enquanto uma estrutura estruturada ela reproduz sob forma transfigurada e, portanto irreconhecível, a estrutura das relações sócio-econômicas prevalecentes que, enquanto uma estrutura estruturante (como uma problemática), a cultura reproduz uma representação do mundo social imediatamente ajustada à estrutura das relações sócio-econômicas que, doravante, passam a ser percebidas como naturais e, destarte, passam a contribuir para a conservação simbólica das relações de força vigentes”(apud MICELI In:1974:XII).

Desta forma, BOURDIEU articula as condições de existência material e a hierarquia social com a cultura numa interação complexa , resultando no que o autor denomina „economia das trocas simbólicas‟(1974) em referência ao processo pelo qual os agentes individuais e coletivos ocupando determinados lugares na estrutura social incorporam como hábito a ordem simbólica vigente, travando lutas no campo simbólico pela

“definição do „estilo de vida legìtimo‟, isto é, pela representação legítima do mundo social e dos seus princípios de divisão. No pólo dominante as distintas frações lutam para impor seu estilo de vida como legítimo (reconhecido),

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enquanto que [para as classes dominadas resta] a interiorização da distância social e (de sua „indignidade social‟), adaptação e resistência” (GAVIRIA, 2002:39).

Nesse contexto, uma ordem simbólica – arbitrária na medida em que sua estrutura e funções “não podem ser deduzidas de qualquer princìpio universal, físico, biológico ou espiritual, não estando unidas por nenhuma espécie de relação interna com a „natureza das coisas‟ ou com uma „natureza humana‟” (MICELI In: BOURDIEU,1974:XII) - depende, para se legitimar, do seu poder de atrair o interesse de um grupo (no interior do campo simbólico) ou de uma classe pela “produção, reprodução, difusão e consumo” (BOURDIEU, 1974:48) da referida ordem simbólica, como meio de legitimação e de justificação de sua existência em uma dada posição na estrutura social.

Na perspectiva de Moscovici, a teoria das representações sociais é “contra uma epistemologia do sujeito „puro‟, ou uma epistemologia do objeto „puro‟ [centrando] seu olhar na relação entre os dois.[... e,] se a atividade do sujeito é central para a teoria, não menos central é a realidade do mundo” (GUARESCHI e JOVCHELOVITCH, 2003:19). Enquanto na perspectiva marxista a realidade se limita às estruturas materiais e somente pela transformação destas pode ser alterada, para MOSCOVICI (1977) a cultura integra a realidade objetiva e como tal, faz parte do processo de produção e de transformação desta. Assim, se por um lado a realidade é construída como representação, por outro, ela “encontra a sua mobilidade na dinâmica do social, que é consensual, é reificado, mas abre-se permanentemente para os esforços dos sujeitos sociais, que o desafiam e abre-se necessário o transformam” (GUARESCHI e JOVCHELOVITCH, 2003:19).

É a partir dessa relação dinâmica que representações e práticas “se mantêm enquanto se transformam e se transformam enquanto se mantêm” (PEREIRA DE SÁ, 1998:74). Do ponto de vista temporal tais transformações, de acordo com Mary Jane Spink, são marcadas basicamente por três tempos distintos: “o tempo curto da interação que tem por foco a funcionalidade das representações; o tempo vivido que abarca o processo de socialização- [...] das disposições adquiridas em função da pertença a determinados grupos sociais; e o tempo longo” (In: GUARESCHI e JOVCHELOVITCH, 2003:122), no qual se inscreve o imaginário social e onde se encontram os núcleos mais estáveis das representações sociais.

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Nesse sentido valores e representações tradicionais (do tempo longo), podem coexistir com a diversidade, a inovação e a mobilidade (do tempo curto). Enfim, tanto a relação dialética da ação recíproca do sujeito sobre o mundo social e do mundo social sobre o sujeito, quanto aquela entre os tempos diferentes requeridos na construção, consolidação e transformação das diversas disposições, favorecem e promovem a coexistência de valores e representações tradicionais - “construìdas no curso de uma história compartilhada” (BERGER e LUCKMANN, 2004:79) - com o novo, o diverso e até mesmo o instável, adequando as representações às necessidades do tempo curto e/ou projetando mudanças e tendências.

1.4. Religião: um fato privado?

A entrada na modernidade implicou em mudanças significativas tanto na ordem social quanto simbólica. Na perspectiva de WEBER (2000), a Reforma protestante, com os seus princípios doutrinários da justificação pela fé, autoridade normativa da bíblia e sacerdócio universal dos crentes retirou das mãos da Igreja e do clero o poder normatizador sobre os indivíduos e a vida social, instaurando assim o processo que denominou de secularização. O sentido original da palavra era a da passagem de um indivíduo ou bem do domínio da igreja para o domínio secular (ISAMBERT, 1976:573). A secularização corresponderia, portanto, ao processo pelo qual a influência religiosa se enfraqueceu ou desapareceu em alguns setores da atividade humana e pela qual o espírito científico teria encontrado meios de se desenvolver. De acordo com ISAMBERT “a história da constituição do espìrito científico é aquela da secularização do conhecimento do mundo, ou das formas de pensamento aptas a apreendê-lo” (1976:575). Ocorre assim um processo de diferenciação pelo qual as esferas de ação e pensamento social tais como o ensino, a medicina, o direito ou a administração, outrora sob controle da instituição religiosa, vão progressivamente se constituindo como “esferas distintas e autônomas sob controle de seus próprios experts profissionais” (MARTIN, 1996:27). Tal processo levaria a uma concentração da religião ao campo que lhe é próprio, o das últimas coisas (ISAMBERT, 1976), à sua privatização.

Assim, as sociedades ocidentais modernas constituíram-se, em grande parte, sob essa égide da separação entre religião e ciência, entre razão e fé, entre poder religioso e político e entre

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