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Cultura nacional, cultura organizacional e poder

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2. Capítulo

3.3. Cultura nacional, cultura organizacional e poder

Tendo em vista o estatuto diferenciado dos seus diversos interlocutores, o ambiente organizacional é permeado por relações de poder desigual de modo que os aspectos valorizados, enfatizados na vida organizacional (Áurea de Fátima OLIVEIRA, 2001) correspondem a uma ordenação hierárquica que tanto orienta quanto legitima práticas. Nesse sentido, a cultura organizacional pode constituir/fornecer meio de justificação e legitimação para as hierarquias aí presentes, tanto aquelas reproduzidas a partir do contexto mais amplo quanto aquelas construídas internamente. No entanto, se, como exposto anteriormente, são múltiplas as fontes do discurso organizacional e se ele apresenta aspectos que são comuns ao discurso capitalista ocidental, ele é permeado também por especificidades do contexto sócio-econômico e cultural no qual a empresa está inserida. De fato, se por um lado há uma tendência à homogeneização de referenciais organizacionais, há que se considerar, por outro lado, que “as situações administrativas são filtradas pelo conjunto de crenças e atitudes” (MOTTA In: MOTTA e CALDAS, 1997:26) tanto de executivos quanto de trabalhadores e das quais a cultura nacional constitui um dos referenciais. Esta não se refere apenas a valores nem é exterior às relações e instituições sociais e econômicas, mas está inscrita nestas, embora nem sempre os estudos da relação entre culturas nacionais e culturas organizacionais levem em conta essa articulação.

Dentre os estudos quantitativamente significativos nesse campo, figura aquele empreendido por HOFSTEDE (2003). Com base em dados recolhidos ao longo de sua trajetória na IBM o autor procurou estabelecer a influência das culturas nacionais de 60 países nas atitudes e comportamentos de empregados da empresa. Examinou-as e classificou-as a partir daquilo que denominou como “dimensões das diferentes culturas, ou seja, aspectos dessas culturas que podem ser comparados aos de outra cultura” (HOFSTEDE, 2003:29) quais sejam, a distância hierárquica (IDH), o grau de individualismo (ou de coletivismo), o grau de masculinidade (ou de feminilidade), o controle da incerteza e, posteriormente incluiu uma outra dimensão, a da orientação para curto prazo versus longo prazo. Embora aparentemente o autor procure articular relações sociais com os dados encontrados quanto, por exemplo, ao IDH, ele o faz de um modo muito genérico. Ele se limita a estabelecer os lugares de reprodução (família, escola, estado, teorias) do que parece considerar uma programação mental imutável e determinista, na medida em que relaciona a origem das diferenças da distância hierárquica com o sistema lingüístico (românico ou germânico) e que, ao justificar tal correlação com as formas de governo que lhes são historicamente associados, faz remontar a sua origem há 2000 anos, no caso das sociedades ocidentais, ou até há 4000 anos, no caso dos países de herança cultural chinesa. E, ainda, ao admitir que “isto não nos diz porque é que estas experiências governamentais divergiram” (HOFSTEDE, 2003:61), selecionou, dentre as variáveis que mais teriam contribuído para explicar as diferenças de IDH encontradas entre os países analisados, a latitude geográfica, a população do país e o seu nível de riqueza. Finalmente, mesmo considerando que fatores como o desenvolvimento das comunicações, o maior desejo de independência expresso pela abundância de movimentos de libertação e emancipação e a melhora das oportunidades educativas observada em diversos países possam ter reduzido as distâncias hierárquicas, o autor parece insistir num certo caráter imutável, na medida em que considera que, ainda assim, as posições relativas entre os países poderiam ter se mantido constantes (HOFSTEDE, 2003:64).

A evidente dificuldade de encontrar uma explicação razoável para os resultados obtidos pode não estar apenas na perspectiva teórica adotada, mas em possíveis distorções

decorrentes da metodologia empregada, de caráter quantitativo e pela qual procura refletir um valor médio. Nesse sentido, o IDH do Brasil e da França, por exemplo, mostraram-se, na média, muito próximos - Brasil (69) e França (68) – o que indicaria que a distância hierárquica nos dois países seria praticamente igualmente elevada. Contudo, de acordo com o autor, esses ìndices “expressam, na realidade, as diferenças entre pessoas da classe média desses paìses” (HOFSTEDE, 2003:48). Da mesma maneira, em relação à dimensão masculinidade/feminilidade, Helena HIRATA questiona o fato de que o autor tenha encontrado um ìndice de masculinidade „elevado‟ no Japão, ao qual corresponderia um nível „médio‟ tanto no Brasil quanto na França, “quando nesses dois últimos paìses as relações sociais de sexo estão longe de ser comparáveis” (2002:114). Enfim, além das distorções que levam a questionar a validade ou significância dessas médias obtidas, “essa abordagem dá uma atenção muito secundária à questão das origens (históricas, socioeconômicas, institucionais) ou das „fontes‟ desses valores” (Helena HIRATA, 2002:114).

D‟IRIBARNE, em seu conhecido trabalho La logique de l‟honneur (1989), analisa a relação entre culturas nacionais e cultura organizacional numa perspectiva comparativa entre França, Estados Unidos e Holanda. O autor procura estabelecer sobretudo as formas de cooperação específicas de cada cultura, cujas raízes estariam na sua “visão particular do homem e da sociedade” (D‟IRIBARNE, 2008:231). Nas sociedades anglo-saxônicas, de acordo com o autor, elas estariam baseadas no contrato e as empresas procurariam fazer corresponder o seu funcionamento cotidiano “com a imagem mítica de uma sociedade de proprietários” (D‟IRIBARNE, 2008:231), à qual estaria associada a idéia de liberdade nesses países. Ao se auto-representarem como proprietários de si próprios, mesmo ocupando uma posição subordinada, os indivíduos teriam a impressão de serem “donos do próprio destino”, de serem livres. No entanto, há que considerar que certas instituições e ideologias – tal qual a relação contratual e impessoal e a manipulação pelos grupos dominantes de uma ideologia da igualdade de condições de acesso à propriedade - são constitutivas das sociedades capitalistas modernas, muito embora possam ganhar um sentido e eficácia própria de acordo com o contexto.

Consideramos que é ilustrativa dessa ideologia a campanha “atitude de dono do negócio” que o Hypermarché (no caso uma empresa francesa) desenvolve junto aos seus funcionários no Brasil, conforme pode ser observado, por exemplo, em artigos na revista interna Fique Ligado (fev/2009:6; jul/2009:7). No artigo intitulado “2009: um ano de desafios”, lê-se: “...Como a meta da empresa é dobrar de tamanho e crescer em todos os sentidos possìveis, devemos manter nossa Atitude de Líder e agir como donos do negócio Hypermarché. Não especificamente da loja em que trabalhamos, mas da rede como um todo” (Fique Ligado fev/2009:6). É claro, no entanto, que agir como dono do negócio não é o mesmo que ser dono do negócio, uma vez que não confere aos funcionários nem direito de propriedade nem poder de decisão sobre a organização ou sobre a distribuição dos lucros. A intenção não parece ser, portanto, a de que os funcionários realmente acreditem que são donos do negócio - o que de fato eles não dão mostras de acreditar, mesmo quando há aparentemente uma maior identificação (que pode ser efetiva ou apenas enunciada) com os objetivos da empresa. Nesse sentido é interessante observar algumas das frases de funcionários/as afixadas no mural de uma das lojas pesquisadas no Brasil, elaboradas em dinâmica efetuada pela empresa no final de 2009. Os/as funcionários foram solicitados a expressar seu compromisso para estar “sempre um passo à frente” nessa dinâmica, onde aparentemente são trabalhados os “valores” da empresa - “juntos, acolhedor, positivo” (provenientes da matriz francesa33)- e também a atitude de dono de negócio. Reproduzimos abaixo algumas dessas frases, tanto daquelas que julgamos mais ilustrativas de uma maior identificação entre objetivos organizacionais e pessoais quanto daquelas onde a distinção entre estes aparece de modo mais marcante:

“Me comprometo a ajudar o grupo Hypermarché a realizar esse sonho” (sexo feminino, setor cross merchandising).

“Agir como o dono do negócio” (sexo feminino, auxiliar administrativo).

“Acreditar na capacidade de romper as barreiras negativas, que nos faz desanimar. Acreditar que somos capazes, que somos fortes e que podemos sim surpreender o abril e que juntos somos mais fortes para atingir os objetivos organizacional e pessoal!” (sexo feminino, auditoria).

“Ser ágil no ambiente de trabalho, buscando sempre atender as necessidades dos meus colegas garantindo assim que todos possam estar sempre um passo à frente junto comigo mostrando nossos valores. Positivo Juntos Acolhedor” (sexo masculino, assistente administrativo informática).

“Ter responsabilidade, pontualidade a alto (sic) estima para obter sempre realizações concretas, dinamismo, compreensão, pois de alguma maneira nossa vida relaciona ao nosso emprego” (sexo feminino, operadora de caixa).

“Sempre à disposição para crescimento (no) do grupo Hypermarché, pensamento positivo também para meu crescimento externo e interno na empresa. Prática maior que estarei aplicando que estou trabalhando junto com a equipe da loja...” (sexo feminino, assistente técnico de gestão).

“Trabalho pelo grupo e pela minha familha (sic) e pelo Hypermarché” (sexo masculino, operador de loja).

“Para dar sempre um passo à frente eu gostaria de ter mais insentivo (sic) profissional e melhor salário” (sexo masculino, setor açougue).

O enunciado - agir como dono do negócio – tem por propósito implícito obter comprometimento efetivo e eficaz dos/as funcionários/as com os objetivos organizacionais – “atitudes transformadas em ação” (Fique Ligado, fev/2009:6) – ao fazer supor (supondo- se que a técnica utilizada criaria tal expectativa) a coincidência entre objetivos pessoais e objetivos organizacionais. Essa é a idéia implícita, aliás, também no termo “colaborador”, freqüentemente usado pelas empresas para se referir aos seus funcionários, como é o caso do Hypermarché. Essa correlação, no caso da matriz francesa, é explicitada no caderno informativo aos/às funcionário/as, por meio da frase “je m‟engage, je contribue aux performances et je suis intéressé aux résultats”34. Ela expressa a tentativa de estabelecer um vínculo entre o engajamento dos/as funcionários/as com a performance da empresa e desta com objetivos/interesses pessoais dos próprios funcionários, aos quais, no caso de proporcionarem resultado positivo, seria atribuído um prêmio sobre os resultados nacionais e/ou da loja à qual está vinculado/a. Vale destacar que essa prática existe também na filial brasileira. Enfim, não obstante os limites que as frases de trabalhadores/as reproduzidas

acima aparentemente colocam ao „mito de proprietário‟ e até mesmo à simples justaposição entre objetivos organizacionais e pessoais, a técnica empregada não deixa de ser uma estratégia de poder. E, embora possa não atingir plenamente o objetivo que pretende de desconhecimento das relações de poder aí envolvidas ela não é totalmente isenta de efeitos materiais e/ou subjetivos sobre os/as funcionários/as. No mínimo por explicitar – e obrigá- los a explicitar - o grau de envolvimento que se requer dos/as mesmos/as, inclusive nos escalões mais baixos da hierarquia funcional, fazendo repousar sobre os indivíduos- pressionados por performance - a responsabilidade pelo não atendimento das expectativas enunciadas.

No que diz respeito à França, D‟IRIBARNE (1989) considera que a lógica hierárquica da idade média – do que é vil (ou servil) ou nobre – marca, ainda hoje, a cultura francesa e as relações no interior das organizações francesas. O ideal que inspiraria a conduta seria o das tradições das corporações profissionais e a recusa a cair ou ser submetido a uma condição servil. A cada estrato (operário/mestre/engenheiro) corresponderiam fatores de distinção. No caso dos engenheiros e executivos o fator de distinção e de legitimidade hierárquica estaria no diploma obtido em universidades renomadas (grandes écoles), o que parece coincidir com observações feitas pela expatriada Flávia e pelo expatriado Ângelo:

“... Então na França acho que você conhece não sei, tem as faculdades é... tradicionais de engenharia que nem Polytechnique , e tudo o mais. Essas pessoas que fazem esse tipo de... de formação elas vão ter prioridade numa organização na França.” (Flávia, Textile França)

“... Na França, principalmente numa empresa multinacional, no setor químico, se você não é engenheiro de cara você já tem... no Brasil é um pouco assim, tá? Ah, menos mas, o que me chocou é que aqui é engenheiro, e de algumas escolas. No caso da França, as clássicas como École Polytechnique, a direção da Textile, praticamente todos vem dessa... dessas escolas clássicas, né, e... por exemplo, École de Mines, École ... as grandes escolas de engenharia elas tem um upgrade. Se você não é destas escolas provavelmente cê não vai chegar num nível...cargo de chefia...” (Ângelo, Textile França)

D‟IRIBARNE identifica também um senso de dever que não se inscreveria no âmbito das relações contratuais, mas sim na lógica da honra, do dever profissional, que constituiria um fator de distinção. A idéia implícita seria a de que, no limite, cada um/a só teria que prestar

contas “à sua consciência e ao seu próprio sentido de honra” (D‟IRIBARNE, 1989:28). Assim, esse sentido de dever profissional seria também o que justificaria não só uma liberdade de tomar a iniciativa, mesmo quando não solicitada, como também o direito de opinar e intervir, especialmente diante de situações de mudança. Elas consistiriam em verdadeiras estratégias de poder, que “podem se apresentar como estando a serviço do bom funcionamento que ninguém tem a responsabilidade exclusiva de definir e sobre o qual cada um pode legitimamente ter a sua própria idéia” (D‟IRIBARNE, 1989:31). Tal perspectiva parece ser confirmada por Lemos, líder de excelência operacional na Textile França:

“... A maior diferença na minha opinião é que... pra fazer as coisas acontecer (sic) aqui é mais difícil porque o francês em geral ele é mais questionador, ele é mais pessimista, ele precisa de motivos é, reais pra conseguir fazer alguma coisa. No Brasil você consegue fazer, fazer-fazer, né o „faire faire‟ que eles falam, de uma maneira mais fácil. Então aqui você tem... tem que utilizar outros meios, outros mecanismos de, de aceitação no projeto. Um projeto é a qualidade do projeto e a aceitação das pessoas. Essa parte da aceitação das pessoas tem que ser muito melhor trabalhada aqui, na França.”

Mais adiante:

“Porque como eu trabalho na área de Excelência Operacional, a gente faz projetos de melhoria e pra melhorar você precisa mudar. Então cê tem que mudar um procedimento, cê tem que mudar um processo, mudar uma peça na máquina e, o pessoal de uma maneira geral aqui não gosta muito da mudança, né? Falam „pô, mas vamos mudar isso aqui, já tava assim, tá funcionando‟. Então ele quer saber porque, como, quando, por que tem que fazer, como tem que ser feito, né, vai fazer muitos questionamentos. E no Brasil quando a gente diz que é pra melhorar, de uma maneira geral as pessoas acreditam que a gente vai melhorar (risos), são otimistas, né? Aqui não vai. „Não vai melhorar nada, isso melhora aqui mas vai ferrar lá, vai danar aqui, vai...‟ Então é... cê tem que... o que exige também de uma maneira geral, é o que ajuda, é tem um lado chato de tudo isso, mas tem um lado que o questionamento às vezes não é só pra atrapalhar as coisas, esse questionamento ajuda desenvolver melhor o projeto, já ajuda a conseguir uma solução técnica melhor. Agora é claro que o tempo, o prazo de implantação do projeto é mais longo porque você faz mais reflexões. Então, eu ainda não consegui estabelecer que qual que é o melhor fazer um meia-boca, meia-boca não é o correto, fazer um mais ou menos rápido, e começar a ganhar dinheiro agora ou fazer o ideal daqui há 6 meses. Não sei, né. Eu sempre escutei no Brasil, a gente tem uma frase, a gente fala que o ótimo é inimigo do bom (risos), né. Então, bom, se você vai esperar o ideal sendo que cê pode ganhar já um pouquinho e depois você vai fazendo pra chegar no ideal, isso... isso, isso eu vejo como positivo. E de maneira geral o brasileiro gosta disso. Brasileiro faz, ele é... meio o mais ou menos, e depois vai melhorando. E aqui não. E acho que tem uma razão pra isso porque muitas coisas que a gente faz no meia-boca, o meia-boca é... não tem pra isso uma palavra certa, né? Porque não é ruim, né, meia-boca não... você faz a coisa

um pouquinho, ou mais ou menos, e muitas vezes você para nisso, né. Depois troca o chefe, troca o gerente, sai o engenheiro e você fica com aquele mais ou menos durante... toda vida, vai. Entre aspas. E aqui não, o cara vai fazer... que você tem que começar o ideal. Não o mais ou menos. Então isso é uma diferença que, que particularmente me... me deixa um pouquinho nervoso porque eu quero começar a ganhar amanhã. Eu tenho foco no resultado assim, enorme. Então isso, isso é mais difìcil.”

E, mais adiante:

“... Mas você fala que vai fazer assim, ele fala que vai fazer assado, você concorda com ele e ele é contente. Aí ele faz todo o projeto com você feliz, dando risada. Então quando ele sente que participou, que é um pouquinho da idéia dele lá, ele entra no barco legal.” (Lemos, expatriado Textile França).

Assim, o sentimento de liberdade individual, de autonomia parece jogar um papel importante nas relações entre os sujeitos trabalhadores no âmbito das organizações francesas. Contudo, seria o caso de perguntar até que ponto ele de fato teria sua fonte na idade média, numa lógica da honra e da nobreza, e em que medida encontra seu suporte político ou simbólico nos valores da República francesa, da igualdade e da liberdade, da autonomia e da razão moderna. Ou ainda, em possibilidades efetivas de exercício da autonomia que são oferecidas não pela referência a uma ordem do passado, mas pelo suporte social que representa o modelo francês do Estado do Bem Estar Social. Além do mais, não obstante o peso que a forma de organização e o pensamento medieval possam ter sobre a cultura francesa, ela esteve e está exposta a outras influências. WEBER considera, por exemplo, que apesar da presença majoritária e hegemônica do catolicismo francês que se mostrava – “em suas camadas inferiores, muito interessados nos prazeres da vida, e, nas mais altas, abertamente hostis à religião” (2000:24) - o espírito ascético das igrejas calvinistas foi “reconhecidamente um dos fatores mais importantes do desenvolvimento industrial da França, e assim continuou sendo na pequena escala permitida pela perseguição movida aos protestantes” (2000:24). FRIEDBERG, ao contestar a primazia que d‟Iribarne confere à cultura nacional na estruturação da ação, inclusive no ambiente organizacional, chama a atenção para o fato de que

“muitos outros contextos de ação são fontes de competências, geram aprendizagens, produzem socializações e fornecem códigos para interpretar a realidade. Esses códigos coexistem com aqueles da cultura nacional numa relação de complementaridade da tradição, mas também de concorrência” (2005:184).

Entendemos que essa mesma dinâmica pode se aplicar às próprias culturas nacionais que, além do mais, não são fixas e imutáveis. Mesmo que o ritmo, a forma e o tempo de consolidação do ideário moderno possam diferir de uma sociedade para outra, elas estão todas sujeitas a mudanças, de maior ou menor amplitude, porém constantes. Enfim, embora seja inegável o fato de que as culturas nacionais podem ser fortemente marcadas pela história e alimentadas pelo passado, elas estão sujeitas também a outras influências que podem se constituir como igualmente marcantes, aportando perspectivas complementares e/ou concorrentes com tradições e hábitos de longa duração, com impacto sobre relações, práticas e instituições sociais.

Essa dinâmica pode ser verificada também no caso do Brasil: a influência do catolicismo, religião oficial do Estado colonial, e que não teria como valor a liberdade individual - presente no protestantismo e nas democracias modernas - teria resultado na persistência da escravidão durante longo tempo (CARVALHO, 2004), tendo sido o Brasil um dos últimos países no mundo a abolir a escravidão. A longa duração do regime escravocrata sem dúvida trouxe conseqüências, quer quanto às condições de instalação – tardia, e de forma desigual - quer quanto ao modus operandi do capitalismo no Brasil e, particularmente, na visão acerca do trabalho, assimilado sobretudo como tripalium, ou ainda como “mourejar” (OLIVEN, 2002:39). No entanto, diversos fatores concorreram para a difusão gradual do ideário capitalista hegemônico já a partir do século XIX, mas principalmente a partir do início do século XX, especialmente a partir de 1930, quando o processo de industrialização ganha impulso no país. De fato,

“Pereira de Queiroz formulou a hipótese de que a difusão do modo de vida burguês começou a ocorrer no Brasil aproximadamente a partir de 1820, muito antes de o país se tornar industrializado e parte das elites políticas da época aderiram ao ideário liberal que fora criado na e se aplicava à Europa” (OLIVEN, 2002:19,20).

De acordo com OLIVEN, no período da ditadura do Estado Novo (1937-1945) criou-se o Departamento de Imprensa e Propaganda que, “além da censura, tinha a seu cargo [...] a exaltação das virtudes do trabalho [e] em 1945, o Brasil já é um paìs diferente” (OLIVEN,

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