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A religião e o gênero nas regras, padrões e procedimentos organizacionais

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2. Capítulo

3.5. A religião e o gênero nas regras, padrões e procedimentos organizacionais

Até recentemente as organizações eram vistas e tratadas como sistemas fechados. “A idéia de que a organização da empresa pudesse ser influenciada por fatores que escapam, em parte ou totalmente, à vontade dos „organizadores‟ é, com efeito, uma idéia relativamente recente” (PIOTET e SAINSAUILIEU, 1994:79). Reconhecer a empresa como um sistema aberto às influências externas implica admitir, entre outras coisas, que a cultura organizacional e o “conjunto de representações, valores, regras de conduta, mitos” (THIOLLENT, 1997:94) que a designam, tanto estabelece solidariedades com a cultura circundante quanto é influenciada por esta. Influências e solidariedades que podem engajar tanto preceitos religiosos quanto pressupostos de gênero na delimitação de regras de conduta, normas e procedimentos. Isso não significa que a absorção e/ou

instrumentalização de éticas religiosas e padrões de gênero na política interna seja sempre necessariamente consciente ou explicitamente reconhecida pela empresa. Se os valores da organização podem estar formalmente explicitados “como princìpios norteadores nos documentos oficiais, regulamentos, critérios de seleção de pessoas ou de projetos” (THIOLLENT, 1997:97) é possível identificá-los também no nível informal dos discursos e comportamentos dos membros que a compõem, e que não se esgotam, portanto, em princípios que emanam do corpo diretivo e na sua intenção de imprimi-los à cultura organizacional. Contudo, se por um lado é preciso reconhecer, contra uma visão de homogeneização, a diversidade social, de públicos internos e de visões de mundo existentes na empresa, por outro lado “é preciso lembrar também a realidade das discriminações” (THIOLLENT, 1997:97).

Os horários, turnos e condições de trabalho, as normas quanto à aparência ou quanto à vestimenta, os padrões de mobilidade, etc., embora possam ter relação com fatores de ordem técnica, são estabelecidas também em função de padrões culturais hegemônicos, religiosos, sexuais ou de classe, cuja „naturalização‟ opera como fator discriminatório, freqüentemente invisível. Assim, no Brasil, por exemplo, o trabalho em turnos, quer na Textile quer no Hypermarché, coloca barreiras à contratação e/ou manutenção do emprego por trabalhadores/as adventistas que desejem seguir os preceitos religiosos, uma vez que a sua religião lhes proíbe trabalhar aos sábados, a contar a partir da sexta-feira após o pôr do sol. Adilson, gerente de logística e serviços na Textile relata o caso de um adventista que, não obstante fosse “um excelente funcionário” não queria trabalhar aos sábados, o que resultou na sua demissão:

Eu tive um exemplo, vou te dar um exemplo, de uma pessoa, ah...que era um excelente funcionário nosso, um mocinho do interior de São Paulo, da Textile, pra ser bem sincero, era o melhor operador de painel que a gente tinha. Enfim, se destacava, o cara era 10 e, e...a esposa dele era uma pessoa que freqüentava a religião Adventista do Sétimo Dia e ele foi, foi...entrou pra religião. Ele não era e ele passou a fazer parte da religião. De certa forma ele foi convencido lá, sei lá pela esposa e passou...e eles trabalhavam em turno de revezamento, né, trabalhavam 6 dias e folgava 2. E tinha semana que ele tinha que trabalhar ao Sábado e, é o Adventista, né, que não pode trabalhar ao sábado? E ele falou „Sábado eu não vou trabalhar mais. Como é que fica minha situação?‟ E aì se tentou lá achar um... mudar, falou „não dá! Não...não tem como você não trabalhar aos sábados. Você não vai vim trabalhar aos sábados você vai perder o dia, vai ser descontado o dia que você não vier trabalhar.‟ Mas o

problema não era só esse. É que só tinha uma pessoa na... naquela função em cada turno. E no tur... na turma dele era ele. „Ah, bom, cê você não pode trabalhar ao sábado é...além de você perder o dia nós vamos ter que achar uma outra saída porque não pode, nesse dia você não vim trabalhar. Quando cê não vier o que que eu faço?‟, né? É...e a coisa chegou uma hora que ele falou „Então me manda embora. Porque eu não venho trabalhar mais. Se a empresa não aceita essa minha condição me manda embora.‟” (Adilson, Textile Brasil)

No entanto, Raimundo, supervisor de manutenção na Textile Brasil e que conta com um adventista hoje na sua equipe, considera que, havendo um número suficiente de trabalhadores na equipe, é possìvel administrar os horários e assim “contornar a situação”:

“... Então é uma coisa administrável muito fácil. A não ser que você tenha todos adventistas de sétimo dia que aí vai...mas no meu caso, com a minha equipe, é muito fácil de administrar. Acho que aí é o bom senso, né, eh...eh...da chefia com o seu funcionário...” (Raimundo, Textile Brasil)

Da mesma maneira, vários entrevistados do Hypermarché Brasil relataram a impossibilidade de contratação de adventistas que desejassem seguir os preceitos religiosos. Destacamos dentre eles o relato de Fernando, coordenador de RH no Hypermarché, referindo-se à contratação de operacionais, do sexo masculino:

“... Eu acho que é prejudicial nesse sentido, onde é, é influencia pessoas a, a... tomar algumas ações dentro do seu trabalho, né, e essas pessoas acabam tendo menos hã, oportunidades porque por exemplo, eu não consigo contratar alguém que fale pra mim que não consegue trabalhar sexta-feira.” (Fernando, Hypermarché Brasil)

A sua argumentação nos parece lógica, „natural‟: “...Se eu preciso segunda a sábado, é pra vir de segunda a sábado se ela não pode vir, não posso contratá-la...”, diz Fernando, (Hypermarché Brasil). No entanto, os casos relatados por Renato, vendedor do setor de eletro de uma das lojas Hypermarché pesquisadas no Brasil e que possui um colega adventista trabalhando no mesmo setor e uma colega na função de segurança, evidencia que os problemas decorrentes da restrição religiosa não constituem impedimento insuperável, mas que podem ou poderiam ser administrados:

“Bom, isso aì é uma coisa que é discutida entre o gerente e o diretor, né? Ele vê que de repente o cara tem a religião dele então... o cara trabalha bem e tudo, a gente vê um jeito de deixar ele folgar aos sábados, né?” (Renato, Hypermarché Brasil)

E logo, adiante:

“E aì se não me engano tem outra pessoa também que trabalha no setor de segurança, que é a...esqueci o nome da menina. Ela também é adventista do sétimo dia. Sábado ela também..ela não trabalha devido a isso aì. Eu acho legal que a firma respeita, né?” (Renato, Hypermarché Brasil)

Da mesma maneira, a dimensão sexual do trabalho das caixas de supermercado, que implica que “para terem acesso a um emprego e para conservá-lo, devem ser atrizes sexualizadas e ter uma apresentação „atrativa‟ ou „agradável‟”37

(SOARES, 2002:233), pode constituir, na visão de alguns entrevistados do Hypermarché Brasil, um impeditivo à contratação de mulheres evangélicas pertencentes a igrejas ditas “de costumes”:

“...Você trabalha com público, quando você tá diretamente com o público, né, e você não pode usar um brinco, não pode passar uma maquiagem, com certeza atrapalha [...] É diferente por exemplo „olha, vou trabalhar no escritório‟. Aì não precisa de maquiagem, não precisa de cabelo preso, não tem problema usar saia. Mas se você vai trabalhar dentro de uma linha de caixa por exemplo, você vai ter que ter uma maquiagem leve, um brinquinho...” (Fernando, coordenador RH Hypermarché Brasil) “...Eu diria para você trabalhar no caixa a gente exige maquiagem suave nada de pesado e tal por que; é um cartão de visita da empresa e faz a diferença. [...] „Ah, mas tem saia no uniforme?‟ „Não, não tem. Você vai ter que trabalhar de calça‟. E a pessoa desiste da vaga porque ela não, não é permitido pela religião dela, ela chega a perder o emprego...” (Carlos, gerente de caixas Hypermarché Brasil)

Uma vez que as igrejas lhes impõem restrições quanto ao uso de brincos, maquiagem e calças compridas, o acesso ao emprego implica em abrir mão dos preceitos religiosos. É claro que diante da perda do poder de regulação das instituições religiosas, nem sempre as mulheres simplesmente obedecem aos preceitos destas. “As mulheres religiosas não raras vezes contrariam doutrinas caras a diversos sistemas simbólicos, indicando uma certa infidelidade dos sujeitos para com as prerrogativas religiosas” (Sandra Duarte de SOUZA, 2010:333,334). Esse é o caso de algumas dessas mulheres que, mesmo pertencendo a igrejas que impõem tais restrições quanto ao vestuário, decidem aceitar um emprego de caixa no Hypermarché. Por outro lado, Carlos menciona que há lojas onde é possível usar saias. E no Hypermarché França, se por um lado o relato de casos de mulheres muçulmanas que vestem o véu apenas quando saem da loja indica a impossibilidade – se não explícita, ao menos sentida – de uso do mesmo no ambiente de trabalho, por outro lado, não obstante haja regras quanto ao vestuário, o uso de maquiagem pelas caixas mulheres não é obrigatório, conforme relata a caixa Noemi:

37 « Pour avoir accés às un emploi et pour le conserver, doivent être des actrices sexualisées et afficher une présentation „attirante‟ ou „agréable‟. D‟ailleurs, elles doivent maintenir et garder une certaine apparence : elles ne peuvent pas avoir l‟air fatigué, ni utiliser de de bijoux „excentriques‟ et le maquillage doit être discret » (SOARES, 2002 :233).

« Je ne me suis jamais maquillée. Je ne pense pas que je me maquillerais un jour. Mais non, on ne m‟a jamais rien dit là-dessus et comme je vous disais, il y a des filles qui sont tout le temps maquillées et c‟est bien pour elles, parce que je pense que si elles n‟étaient pas maquillées elles se sentiraient mal aussi. Donc, du moment que ça reste correct je pense qu‟il n‟y a pas de soucis. » (Noemi, Hypermarché França)

Diferentemente do que ocorre no Brasil, portanto, a orientação da matriz francesa possibilita às trabalhadoras muçulmanas seguir a prescrição religiosa de não utilizar maquiagem durante o período do ramadan, conforme relata a adjunta de chefe de caixa Danièle:

« Et bien, comme ça on sait que telle personne, par exemple... on va dire, telle personne à un moment donné (bon je parle du ramadan parce que c‟est le ramadan)... On sait que, je ne sais pas moi.... qu‟elle va arriver et elle ne sera pas maquillée, parce qu‟ils ne se maquillent pas quand c‟est le ramadan. Ils font ça, c‟est comme ça, c‟est leur religion. Donc elle va arriver, donc... on dit bonjour comme ça, mais on ne se fait pas la bise. Parce que quand c‟est le ramadan, ils ne s‟embrassent pas quoi. Ils ne se font pas la bise quand c‟est le ramadan. Ils ne se font la bise, ils ne se donnent pas la main. Ils se disent juste bonjour, comme ça. Mais nous, on connaît, on a l‟habitude. Donc ça c‟est à connaître, avant je ne savais pas. » (Danièle, Hypermarché França) Isso não significa, no entanto, que no Hypermarché França não haja discriminações que se imponham a partir de normas dominantes ligadas ao vestuário, conforme indica a resposta de Danièle à pergunta quanto à maior ou menor dificuldade de acesso e /ou de progredir no emprego de acordo com a pertença religiosa e/ou o sexo:

« Et bien, peut-être effectivement, je pense que par rapport à la religion, parce que je sais que, parce que je ne savais pas, mais on m‟a appris, ma collègue. Peut-être il y a certaines femmes, peut-être parce que moi je vois souvent... quand elles arrivent à Hypermarché, il y en a qui portent le voil, enfin le foulard quoi je veux dire, et après quand elles vont à la batterie de caisses elles l‟enlèvent et quand elles ressortent, elles le remettent. Ça c‟est leur religion. Et puis il y a aussi peut-être, je pense qu‟il y a des maris qui ne veulent pas que leurs femmes travaillent, parce que c‟est la religion qui veut ça. Ces dammes d‟origine musulmane donc. » (Danièle, Hypermarché França) Embora a visão androcêntrica da própria religião possa constituir um impeditivo para o acesso e progresso no emprego, a impossibilidade – se não explícita, ao menos sentida – de uso do véu no ambiente de trabalho indica que o acesso/ascensão profissional depende, por outro lado, da submissão das mulheres muçulmanas a uma norma que, ainda que se pretenda “liberadora”, é estabelecida a partir da visão cultural dominante. Esse aspecto discriminatório que se impõe a partir de uma conjugação de hierarquias presentes na cultura dominante se expressa, por exemplo, no caso da França, na dificuldade de homens

muçulmanos e/ou de países que professam religiões muçulmanas acederem a cargos diretivos na Textile e, sobretudo, no que parece ser quase uma impossibilidade de até mesmo aceder a um emprego aí, no caso de mulheres muçulmanas. Essas dificuldades relatadas pelos expatriados brasileiros na França, são também reconhecidas por alguns dos franceses entrevistados na Textile.

Enfim, padrões internos e/ou culturais diversos, por vezes contraditórios, quanto às rotinas/horários/procedimentos/aparência e até mesmo o padrão arquitetônico parecem operar como barreiras ao acesso das mulheres a determinados postos e/ou restringir as suas possibilidades de ascensão profissional. Vários desses elementos, de forma combinada ou isolada, são utilizados por entrevistados tanto da Textile quanto do Hypermarché, no Brasil e França, na justificativa para o baixo número de mulheres na produção ou em setores tidos como masculinos. Os argumentos tanto remetem à exigência de masculinização - ou seja de aceitação e adaptação das mulheres aos padrões masculinos- quanto supõem que estas não desejam ou não possuem as qualidades „naturais‟ – físicas, biológicas, para aceder a determinadas funções/cargos. Este é o caso, por exemplo, do supervisor de manutenção da Textile no Brasil que associa o padrão arquitetônico da unidade fabril com um padrão de vestuário socialmente estabelecido para as mulheres para afirmar uma presumida incompatibilidade destas com o mundo da fábrica:

“Hoje na Textile aqui é proibido salto, vem umas mulher com salto... não é nem Luis XV, era maior lá. A fábrica é toda de paralelepípedo, vai cair. Vai encaixar, cê vai andando assim uma hora, é paralelepípedo vai aí, o salto encaixa e quebra. Cai. Aí foi proibido. Mas não é que não poderia, mas ela não soube...por exemplo, se ela entrar com o carrinho dela, parar lá do lado do Demarchi, lá na gerência. Lá é um local que é piso, granito, é tudo bonitinho. Agora transitar pela fábrica não dá. Não tem jeito.” (Raimundo, Textile Brasil)

Tais barreiras, ainda que freqüentemente associadas a atributos biológicos, „naturais‟, das mulheres são de fato construídas nas percepções, mas também na prática. Elas são tecidas tanto a partir da adoção do referencial masculino no estabelecimento das diversas normas e padrões que pré-definem condições de trabalho, aparentemente imutáveis (de modo que as barreiras aparecem como incontornáveis), quanto do reforço que a sua adoção exerce sobre a percepção e a prática quanto aos papéis diferenciados socialmente atribuídos aos sexos. Assim, por exemplo, os efeitos da condição familiar do trabalhador/a - seu estado civil e a

presença ou não de filhos - são diferentes para as mulheres e os homens, tanto no Brasil quanto na França, embora os contornos e intensidade possam variar em um e outro contexto e também de acordo com a classe social. Na Textile Brasil, por exemplo, alguns dos funcionários entrevistados destacaram, quanto à questão do estado civil do trabalhador do sexo masculino, que este deve ser, obrigatória ou preferencialmente, casado, ao menos no caso daqueles que trabalham em turnos, como indica o relato de João Pedro, técnico de produção, e que constituiu exceção a essa regra na época de sua contratação, há 25 anos:

“Olha, eu, eu fui assim quase que...Há 25 anos atrás, a Textile não contratava rapaz solteiro aqui, entendeu? Aí eu entrei na Textile assim e foi, meu pai sofreu um derrame, né? Ele trabalhou na Textile aqui 5 anos. Eu lembro até hoje da entrevista que eu tive assim com meu chefe. Ele falou assim „Rapaz, a gente vai apostar em você‟, eu fiquei assim na época até meio, né, „mas a gente não costuma contratar rapaz solteiro aqui e tal‟, era uma concepção da Textile naquele tempo, contratar pessoas casadas.” (João Pedro, Textile Brasil)

Mais adiante, ele explica:

“... cê sabe que a questão do solteiro que que é? E geralmente aqui eles tinham o que? Essa questão dos 3 horários. É quando eu fui, eu não fui pros 3 horários. Um horário só. A questão de falta, né? Questão de falta, questão que quando você, eu assim, depois que a gente foi entender, essa percepção se você contrata um cara casado, com filho, ele vai ser mais responsável, né? Ele vai ter mais, com o trabalho, procurar não faltar...” (João Pedro, Textile Brasil)

Embora ele se refira ao passado, a idéia de que o homem com família, como também o homem religioso, é mais responsável e falta menos, continua em vigor e transparece na fala de outros entrevistados da Textile como, por exemplo, de Adilson, gerente de logística e serviços na Textile:

“... Porque o cara tendo uma estabilidade grande familiar, isso ajuda muito, dá condição que o cara trabalhe bem aqui na empresa . Se o cara entra pra trabalhar é, sabendo que lá fora ele tem uma condição estável, uma família correta, que segue leis, que respeita a ordem, que...[...]. Ele vai ter essa mesma postura aqui no trabalho. De ser honesto, de ser correto, de não faltar no trabalho, né? E quando o cara não é correto, o cara falta, o cara mente, o cara arruma atestado médico falso pra não vim trabalhar, o cara engana, o cara, né...é comum.” (Adilson, Textile Brasil).

Trabalho, família e mesmo a pertença religiosa se ligam aqui, a família e a pertença religiosa sendo mobilizadas, no caso, como formas de integração e controle dos trabalhadores dentro e fora dos muros da empresa. A sua contrapartida está no suporte que ela deve oferecer à unidade familiar (Anne MONJARET, 2001) o que, no entanto, pode

adquirir expressões e dimensões diferenciadas de acordo com o contexto cultural, mas também de acordo com a classe social e sobretudo de acordo com o sexo. Assim, na visão do expatriado Ângelo, coordenador de supply chain na Textile França, não haveria qualquer constrangimento no caso de mães e mesmo pais abandonarem uma reunião para atender a necessidades emergenciais em relação aos filhos na Textile França (essa visão é confirmada por Paul, responsável de RH) enquanto que no Brasil, em situações semelhantes isso seria muito mal visto e até mesmo impensável: “a pessoa não teria coragem nem de expor o problema”. Contudo, essa importância que, segundo ele, os franceses dariam à famìlia e que justificaria essa diferença de visão, não chega a impedir os efeitos negativos da maternidade sobre a trajetória profissional das mulheres na matriz francesa, caso esta decida fazer uso do direito de se ausentar às quartas-feiras para cuidar do filho/a(s):

“..Então, pra ela cuidar do filho elas pegam a quarta-feira que é onde não tem aula, né, o período escolar, então ela tem 4 dias da semana no lugar de 5. Então, vejo que muitas vezes quando a mulher toma essa decisão, a... totalmente aceitável, porque na França a família é a prioridade, todo mundo tem... mas no caso de uma promoção ela é impactada. Eles sabem que ó: „ó, mas ela não trabalha de quarta por exemplo, e eu precisava da pessoa full- time pra essa vaga‟ Então querendo ou não, dizer que foi pelo fato dela ser mulher, foi né, porque ela... só mulher que tem esse direito. Os homens tão brigando também pra ter, né. Que é o correto que o pai deveria também poder ajudar, né. Então nesse caso, ela foi penalizada pelo fato de ter o benefício do dia, ficar quarta-feira em casa pra cuidar dos filhos, né.” (Ângelo, expatriado Textile França).

No caso do Hypermarché, tanto Manuela quanto Blanche afirmam ter recusado oportunidade de evoluir na empresa em função da incompatibilidade das responsabilidades familiares com os requisitos impostos para a ascensão profissional. No caso de Manuela, animadora do setor de roupas no Hypermarché França, a longa jornada requerida para os postulantes a cargos gerenciais, que julgou incompatíveis com a sua situação familiar, teria sido o motivo da recusa em aceitar uma promoção para “chef de rayon” que lhe teria sido oferecida:

“Porque é muita responsabilidade sobretudo quando a gente tem crianças e marido, casa... O trabalho é muito... acho que é muito... tem que estar de manhã até a noite. Requer muito... muita presença se você quiser...” (Manuela, Hypermarché França) E, mais adiante:

“... são chefes ah, diretores, é difícil ficarem sempre com a mesma mulher. Porque é difícil da... conseguir a vida da... profissional, a vida profissional 100% e a vida de casado 100%. Eu escolhi 50- 50...”(Manuela, Hypermarché França)

Além dos horários, a mobilidade - requisito de evolução profissional no Hypermarché França – opera, conforme o depoimento de Blanche, como mais um fator de empecilho à

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