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Gênero no Brasil e na França: algumas particularidades

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2. Capítulo

2.3. Pluralismo religioso, gênero e religião no Brasil e na França

2.3.2. Gênero no Brasil e na França: algumas particularidades

“A ideologia de gênero define o que é „lugar de homem‟ e „lugar de mulher‟” (Sandra DUARTE de Souza, 2003:22), lugares e papéis diferenciados de acordo com o sexo e que são atribuídos aos indivíduos antes mesmo do seu nascimento (GODELIER In: MARUANI, 2005). Em outras palavras, a diferença biológica percebida entre os sexos é instrumentalizada na justificação e legitimação de uma relação de ordem hierárquica, socialmente estabelecida, entre homens e mulheres. Estabelecidas arbitrariamente, na medida em que não podem ser deduzidas da „natureza das coisas‟, sejam estas de ordem física, biológica ou espiritual, as hierarquias sexuais encontram seu sentido na função que exercem de legitimação dos princípios de divisão do mundo social, constituindo-se num modo de significar a diferenciação enquanto relação de poder. O gênero é, portanto, “um elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, é um primeiro modo de dar significado às relações de poder” (Joan SCOTT,1990:14). Relações de poder que mudam de acordo com as mudanças na estrutura material e na organização das relações sociais, e também de acordo com as possibilidades “de negação, resistência e reinterpretação, de jogo de invenção metafórica e de imaginação dos sujeitos individuais” (SCOTT,1990:14).

Essa hierarquização da diferenciação sexual estende-se também ao mundo do trabalho, estabelecendo o que se convencionou chamar de divisão sexual do trabalho. Segundo WEBER a divisão do trabalho entre os sexos é “a mais antiga divisão tìpica do trabalho” (1999:236). No entanto, a partir de meados do século XX a intensificação das lutas feministas pela igualdade de direitos em relação aos homens ao lado do desenvolvimento

de técnicas de controle reprodutivo, teve como resultado uma “crescente inserção das mulheres no mercado de trabalho e na política, a melhoria de seu nível educacional, a redução da fecundidade, a postergação da maternidade e a redução da resistência a novos atributos para os papéis feminino e masculino” (PICANÇO In: ARAÚJO e SCALON, 2005:153). Novas perspectivas teóricas permitiram desconstruir as dicotomias que marcavam as identidades sexuais até então, passando-se a compreendê-las como identidades de gênero, constituídas não a partir de um lugar fixo ou único, mas a partir da pluralidade , do dinamismo que se coloca na própria transversalidade da categoria gênero, com bem lembra Eni de Mesquita SAMARA : “é preciso estar atento às diferenças entre homens e mulheres, entre gênero e raça, entre gênero e classe, entre gênero e cultura, compreendendo, por exemplo, que „identidade‟ é um conceito dinâmico e que muitas vezes o conceito de gênero é constituído diferentemente nas diversas classes sociais” (1997:14).

Jeni VAITSMAN, discorrendo sobre a fluidez das fronteiras que delimitam os papéis e a maior flexibilidade e abertura à mudança da identidade de homens e de mulheres pergunta- se sobre o impacto dessa condição contemporânea, caracterizada pela multiplicidade, plasticidade, desaparecimento de qualquer unidade essencial, sobre a equidade entre homens e mulheres. Ela conclui que, se “por um lado a dicotomia público/privado e a associação mulher/natureza/procriação/esfera doméstica vem se tornando teoricamente „disfuncionais‟, por outro, na prática as mulheres ainda tem sido as principais responsáveis pela esfera da reprodução doméstica” (2001:18). Para enfrentar esse aparente paradoxo – de que “tudo muda, mas nada muda” - Helena HIRATA e Danièle KERGOAT propõem distinguir entre princípios e modalidades da divisão sexual do trabalho (In: Albertina COSTA et al., 2008:266). Na perspectiva dessas autoras são dois os princípios organizadores da divisão sexual do trabalho: “o princìpio da separação (há trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o princìpio hierárquico (um trabalho de homem „vale‟ mais que um trabalho de mulher)” (Helena HIRATA e Danièle KERGOAT In: Albertina COSTA et al., 2008:266). Contudo suas modalidades são variáveis: “o que é estável não são as situações, e sim a distância entre os grupos de sexo [...] se é inegável que a condição feminina melhorou, pelo menos na sociedade francesa, a distância continua intransponìvel” (Helena HIRATA e Danièle KERGOAT In: Albertina COSTA et al., 2008:267).

Assim, se a divisão sexual do trabalho é uma forma de “relação social recorrente entre o grupo dos homens e o das mulheres” (Helena HIRATA e Danièle KERGOAT In: Albertina COSTA et al., 2008:265) isso não significa que ela não sofra mudanças no tempo e no espaço. Ao contrário, ela tem “uma incrìvel plasticidade: suas modalidades concretas variam bastante no tempo e no espaço” (Helena HIRATA e Danièle KERGOAT In: Albertina COSTA et al., 2008:266) , de acordo com o contexto geográfico e histórico. Helena HIRATA, em suas pesquisas comparativas internacionais conclui que há uma correlação entre a evolução das relações sociais de sexo na sociedade como um todo e as modalidades que a divisão sexual do trabalho assume em cada paìs, que existe, enfim, “uma correspondência entre a hierarquia na família, na profissão e na sociedade que produz configurações extremamente diferentes nos status sociais e nas relações de poder” (2002:286).

Nesse sentido, se é possível encontrar semelhanças entre os fatores que moldam as relações de gênero no Brasil e na França, estes apresentam também particularidades até mesmo a partir de diferenças observadas no desenvolvimento dos movimentos e debates feministas. Dentre os fatores que teriam concorrido para esse desenvolvimento diferenciado dos movimentos e pensamento feministas no Brasil e na França estariam as condições políticas que estes encontraram para a sua emergência, bem como a forma particular de entender e tratar politicamente a diferença num e noutro contexto. Enquanto na França o desenvolvimento de cada uma das gerações/correntes do movimento e da teorização feminista se fez de forma histórica e sedimentada, no Brasil em face da ditadura militar “a possibilidade política de emergência da luta pelos direitos de „minoria‟, pelos direitos à alteridade, só se configurou [...] no espaço inicial da abertura polìtica” (Lia MACHADO, 1992:27).

Tal fato teve impacto também sobre a forma de intervenção do Estado na promoção da igualdade, com a socialização do trabalho de reprodução ocorrendo em tempos, ritmos e amplitudes bem diferentes num e noutro país. Enquanto na Europa e na França o aspecto generificado do Estado do Bem Estar Social era objeto de discussão nos anos 80, nesse

perìodo o Brasil “sob impacto da democratização e da luta de movimentos feministas” (Marta FARAH, 2003:1) apenas inicia um processo gradual de incorporação da problemática das desigualdades de gênero na agenda governamental. Na esfera municipal, particularmente, o desenvolvimento de polìticas de gênero ainda “é um processo em construção” (Marta FARAH, 2003:3). Se o regime de governo tem impacto sobre a condição de penetração de políticas de promoção da igualdade entre os sexos, as condições específicas de inserção mundial de cada país também marcam o desenvolvimento de tais políticas. Assim, por exemplo, a questão da necessidade de uma abordagem integrada ou transversal da igualdade entre os sexos já se colocava como desafio político na França dos anos 90, a partir da gênese e legitimação dessa perspectiva primeiramente no âmbito da ONU e posteriormente do Conselho da Europa que, em 1995, institui o Comitê Diretor para a igualdade entre homens e mulheres (Réjane SÉNAC-SLAWINSKI, 2008; Geneviève FRAISSE, 2008). O Conselho da Europa, atentando para a insuficiência de políticas específicas de promoção da igualdade entre os sexos, adota a perspectiva da transversalidade como eixo principal do seu 4º Programa de Ação (1996-2000). No Brasil a questão da transversalidade faz sua aparição pela primeira vez em 2004, no Plano Plurianual (2004-2007), quando se realizou a I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres e um ano depois de ter sido criada, sob o governo do presidente Lula, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (Lourdes BANDEIRA, 2005).

As condições econômicas do país também influem sobre a disponibilidade de recursos para políticas públicas, de modo que a crise do Estado brasileiro na década de 90 e conseqüente inflexão da agenda de reformas resultou em mudanças também na agenda de gênero, embora esta passe a ser especificada “em torno de temas como saúde, sexualidade, violência contra a mulher, dentre outros” (Marta FARAH, 2003:5). Ademais, a própria ausência de um Estado do Bem Estar Social no Brasil não apenas impõe sérios limites à implementação de políticas públicas que favoreçam a igualdade entre os sexos, como resulta em condições diferenciadas em termos de igualdade/desigualdade social em geral. Esta por sua vez tende a amplificar seus efeitos sobre as mulheres, tanto em virtude do fato de que a inserção destas no mercado de trabalho é mais marcada pela instabilidade e vulnerabilidade, quanto pelo fato de que “a ausência de uma contrapartida social e pública

que ofereça redes de segurança e atenção gera um déficit de „cuidado‟, particularmente no tocante a crianças, enfermos e idosos, com impactos especiais sobre as mulheres” (Clara ARAÚJO e Celi SCALON 2005:22,23). A forte presença de desigualdades sociais no Brasil favorecem a adoção de um modelo que Helena HIRATA e Danièle KERGOAT (In: Albertina COSTA et al., 2008) denominam de „delegação‟ no enfrentamento do conflito decorrente da distribuição desigual de trabalho entre homens e mulheres.

Significa dizer que as tarefas domésticas são transferidas às empregadas, faxineiras, babás em praticamente todos os segmentos sociais (Helena HIRATA e Danièle KERGOAT In: Albertina COSTA et al., 2008: 275). De fato, um dos entrevistados expatriados na França dá conta dos conflitos que vem enfrentando atualmente com sua esposa em torno da partilha do trabalho doméstico em virtude do fato de aqui no Brasil ele era efetuado por uma pessoa contratada, serviço com o qual não podem contar na França. Não é por acaso que o emprego doméstico – de baixo nível de remuneração e de proteção social - responde por “17% da força de trabalho feminina no Brasil” (Cristina BRUSCHINI, Arlene RICOLDI, MERCADO, 2008:26). Se por um lado os dados indicam intenso e constante aumento da atividade feminina, por outro lado persistem “traços de desigualdade” (Cristina BRUSCHINI, Arlene RICOLDI, MERCADO, 2008:31) na esfera ocupacional e de rendimentos do trabalho: embora as mulheres mais escolarizadas tenham passado a ter acesso a atividades de prestígio, é nas ocupações precárias e/ou de menos prestígio que se encontra o maior contingente de trabalhadoras. O caso do Hypermarché no Brasil é ilustrativo dessa situação - embora as mulheres ocupem aí pouco mais da metade dos postos, é na função de caixa que se concentra a sua participação: 95% dos/as funcionários/as trabalhando no caixa central são mulheres e o setor responde por cerca de 25% dos postos de trabalho na empresa (Fique Ligado, fev/2009:18).

Na França a polarização entre atividades de prestígio e ocupações precárias, assim como as características da política familiar em vigor, que atribui predominantemente às mulheres a responsabilidade pela conciliação entre trabalho profissional e afazeres domésticos, “continua a excluir os homens dessa problemática” (Helena HIRATA e Danièle KERGOAT In: Albertina COSTA et al., 2008: 272), favorecendo ali também a emergência

do modelo da delegação. Evidência de que a responsabilidade pela conciliação continua a pesar sobre as mulheres também na França está no fato de que, tanto na Textile quanto no Hypermarché, um dos fatores aos quais se atribui a ausência de mulheres em determinadas funções/postos é o horário requerido - noturno e/ou pela manhã muito cedo – que as impediria de cumprir com as suas obrigações familiares, particularmente as da maternidade. Interessante notar que essa dificuldade, não chega a constituir empecilho à forte proporção de mulheres (95%) na função de caixa no Hypermarché Brasil, onde se requer a presença delas na empresa tanto no período noturno quanto nos finais de semana (inclusive domingos) em jornadas de trabalho mais longas (44 horas semanais) do que as da França (de 35 horas semanais, quando contratadas em período integral), talvez em função da prevalência do modelo da delegação31. De fato, no Brasil “o acúmulo de tarefas e as práticas de conciliação ocorrem no contexto de uma rede informal de solidariedade bastante ampla, que inclui famìlia ampliada, vizinhos amigos, etc” (Helena HIRATA e Danièle KERGOAT In: Albertina COSTA et al., 2008: 275). Por outro lado a emergência de empregos em tempo parcial na França estaria associada ao subemprego e à precariedade, constituindo-se basicamente de

“empregos pouco qualificados, concentrados em algumas atividades e profissões (comércio, limpeza, hotelaria) e de empregos cujos horários e as condições de trabalho são particularmente difíceis: baixos salários, trabalho em fim de semana ou à noite, instabilidade de horários e fracionamento das jornadas de trabalho” (Margaret MARUANI, 2008:45).

De fato, essa parece ser a característica do emprego do Hypermarché França, sobretudo na função de caixa, ocupada predominantemente por mulheres. Embora a empresa afirme que, “perseguindo ativamente nossa polìtica de luta contra a precariedade, nós revalorizamos, desde 2006, os contratos salariais de tempo parcial de um mínimo de 30 horas de trabalho efetivo”32

, isso não implica na eliminação do trabalho de tempo parcial, mas no simples prolongamento do número de horas trabalhadas e, como no caso do Brasil, sob horários instáveis. De acordo com os depoimentos vem crescendo a participação de estudantes entre

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Vale a pena destacar que mesmo na Textile no Brasil, dentre os vários entrevistados que consideram o trabalho na fábrica inadequado para as mulheres, um deles lembrou que o trabalho em turnos não poderia ser considerada uma limitante hoje, já que há mulheres trabalhando em sistema de turnos em hospitais por exemplo, de modo que os “empecilhos” aì seriam de outra ordem.

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Conforme consta em livreto informativo do Hypermarché destinado aos empregados “Des atouts por tous” edição 2009, pp.12 e 13.

os/as contratados/as para essa função (no caso de caixas do sexo masculino trata-se sobretudo de jovens universitários) o que, por outro lado, permite justificar a ampliação ou manutenção da proporção dos empregos de tempo parcial. No caso das mulheres estudantes entrevistadas ocupando a função de caixa estas declararam ter filho/a(s). De acordo com a empresa a população de assalariados de tempo parcial representavam em 2007 cerca de 31% do efetivo total do Hypermarché, contra 36% do total de efetivos no setor comercial e de distribuição na França (Atouts pour tous, 2009). O emprego parcial, contudo, não atinge o quadro de executivos: entre estes, ao contrário, o tempo de trabalho é de 35,75 horas semanais – superior portanto às 35 horas regulamentares, compensadas por férias anuais prolongadas para sete semanas e meia ou 215 dias de trabalho anual (Atouts pour tous, 2009).

No caso da França, diferentemente do Brasil, “as polìticas públicas protegem as mulheres em dificuldade, especialmente as desempregadas com filhos” (Helena HIRATA e Danièle KERGOAT In: Albertina COSTA et al., 2008: 272). Nesse contexto aparentemente confirmar-se-ia o modelo de acúmulo da atividade profissional com o cuidado e educação dos filhos “como o modelo atual de atividade feminina na França contra o modelo da escolha” (Helena HIRATA e Danièle KERGOAT In: Albertina COSTA et al., 2008: 272). Por outro lado, o acesso a políticas públicas ou mesmo a substitutos de mercado é atravessado por segmentações de classe, raça/etnia e mesmo de religião, sendo que “medidas como o auxìlio parental de educação (APE) fizeram do modelo da alternância [trabalho, interrupção, retomada da atividade profissional], o mais atrativo para as mulheres de mais baixa renda” (Helena HIRATA e Danièle KERGOAT In: Albertina COSTA et al., 2008: 272). De fato, não obstante os relatos de prejuízo que a maternidade impõe sobre a trajetória profissional, até mesmo em função da mencionada segmentação por setor, não houve, entre os/as entrevistados/as da Textile na França, nenhum depoimento de perda/interrupção de emprego ocasionada por necessidades familiares. Por outro lado entrevistados/as notaram a absoluta ausência de mulheres muçulmanas e/ou de origem muçulmana trabalhando na Textile, a não ser como terceirizadas executando serviços de limpeza. Observe-se que uma das entrevistadas da Textile, que é expatriada, referiu-se à exigência de inclusão de foto no currículo, o que poderia explicar a possibilidade de

selecionar determinados segmentos da população em detrimento de outros. Já no caso do Hypermarché França, onde a remuneração é mais baixa e os funcionários são recrutados entre as camadas mais desfavorecidas, houve relatos tanto de prejuízo à trajetória profissional (no caso de funcionárias mais antigas, como Manuela e Blanche) quanto de interrupção do trabalho (Danièle) e/ou dos estudos (no caso das mais jovens, como Noemi) em face da necessidade de conciliação com a maternidade. Por outro lado o próprio prejuízo sobre o nível de escolarização reforça os efeitos negativos sobre a trajetória profissional. Nesse sentido, as assimetrias salariais/de nível de renda operam como reforço das assimetrias de gênero e vice-versa.

Se renda, emprego e principalmente escolaridade, além de outros aspectos são significativos na construção das representações e práticas de gênero, a cultura também “tende a ser uma dimensão importante” (Clara ARAÙJO, Felìcia PICANÇO e Celi SCALON, 2008:239). Assim, há atividades que se exercem fora do ambiente de trabalho e que têm impacto sobre a eficácia das técnicas e das inovações tecnológicas, e “processos sociais que distanciam as mulheres do controle da nova tecnologia” (Helena HIRATA,2002:229). Por outro lado mudanças no processo de desenvolvimento capitalista e também o próprio processo de desenvolvimento tecnológico tendem a produzir transformações tais que repercutem nas normas sociais. Assim, na perspectiva de Sylvie SCHWEITZER, a terceira industrialização e a intensificação da globalização e da divisão internacional do trabalho, que trouxeram mudanças profundas no mercado de trabalho, encontraram eco nos sistemas de ensino o que, ao lado das reivindicações feministas, acabou por produzir uma “revolução silenciosa e eficaz” (2008:378), com conseqüências no acesso das mulheres a profissões mais qualificadas. Contudo, esse não é o único efeito da nova divisão internacional do trabalho e do processo de globalização. Ela produz resultados diferenciados sobre as relações de gênero e as condições de inserção de mulheres no mercado de trabalho no norte e no sul até mesmo em função da posição que um e outro hemisfério ocupam nos processos migratórios.

Envolvendo principalmente mulheres dos países do hemisfério sul que migram para o norte, a feminização dos processos migratórios, mesmo não sendo recente, tem se

acentuado em face da expansão do setor de serviços e, mais particularmente, da oferta de empregos domésticos e relacionados ao cuidado, amplamente representados como trabalhos femininos (Helena HIRATA, 2008a). Na França, a partir de 1999, “as mulheres migrantes se tornaram, em números absolutos, mais numerosas em relação aos homens migrantes” (Helena HIRATA, 2008a:2). De acordo com Helena HIRATA, “pode-se afirmar que há uma tendência à internacionalização do trabalho reprodutivo e à globalização do care” (2008a:3). Freqüentemente exercidos em condições precárias, sem o vínculo de contratos que garantem direitos sociais, esses serviços engajam eventualmente também mulheres de nível universitário, como resultado de uma política de exportação de mão de obra dos países de origem, como no caso das Filipinas e do Ceilão. A globalização das redes de prostituição, por outro lado implica na migração de mulheres latino-americanas e do leste europeu para países da Europa ocidental (Helena HIRATA, 2008a). Esses movimentos no entanto não são estanques, verifica-se uma porosidade entre as redes internacionais de prostituição, de domesticidade e mesmo de casamento. Essa dinâmica tem forte impacto sobre as relações sociais de sexo e as representações de gênero mesmo nos países do norte, até porque a disponibilidade de mão de obra de baixo custo pode ser mais um elemento a favorecer, no caso da França, a adoção de um modelo de delegação em detrimento do desenvolvimento de políticas igualitárias por parte dos estados.

Enfim, fatores socioculturais e históricos diversos que incluem desde condições de internacionalização, difusão e implantação de novas técnicas, até o grau de politização, e a presença e intervenção diferenciadas do Estado na promoção de políticas sociais e de gênero, resultam em diferentes condições de trabalho e de empregabilidade das mulheres no Brasil e na França (Helena HIRATA, 2002). Estas, por sua vez, tanto impactam quanto sofrem o impacto de representações de gênero, contribuindo para a sua mudança e/ou permanência. Questões étnicas e religiosas também perpassam de modo diferenciado as relações de gênero no norte e no sul, no caso no Brasil e na França, e contribuem para dar um contorno mais específico às representações de gênero, às suas permanências e mudanças num e noutro contexto. Cabe portanto avaliar como e em que medida as representações e práticas de um e outro contexto operam no interior das organizações que constituem o nosso campo de pesquisa.

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