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Autonomia como requisito para a gestão eficaz da subjetividade

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O GÊNERO E A RELIGIÃO NA GESTÃO DA SUBJETIVIDADE NO TRABALHO 4.1 Introdução

4.4. Autonomia como requisito para a gestão eficaz da subjetividade

A autonomia pode ser entendida como liberdade de escolha e “capacidade de agir por si próprio na maior parte das situações da vida” (EHRENBERG, 2010:12). Tanto o protestantismo quanto o iluminismo concorreram para a produção da subjetividade moderna, que aspira à liberdade e à autonomia. No primeiro caso a autonomia é construída a partir da religião, embora contra a religião dominante, já que a reforma protestante

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« Mobilisation de l‟intelligence des individus, de leur capacité à communiquer et à construire collectivement des solutions » (conforme original em francês, na contracapa ).

preconizava a liberdade de consciência individual pela qual nem mesmo os/as crentes estariam submetidos/as a qualquer instituição religiosa, mas apenas a Deus, por escolha pessoal. No segundo caso ela é construída contra a religião, já que é concebida a partir da imagem “do Homem racional, cientìfico, libertado do dogma e da intolerância, e diante do qual se estendia a totalidade da história humana, para ser compreendida e dominada” (HALL, 2006:26). Na França ela se coloca nessa segunda perspectiva, engajando a laicidade como atributo central do Estado Republicano, o qual “deve exercer uma espécie de „poder espiritual‟ fundado sobre a distinção entre a „liberdade de consciência‟- livre expressão de todas as crenças – e a „liberdade de pensar‟ – não a simples possibilidade, mas a obrigação de pensar livremente” (BAUBÉROT, 1994:56). Não obstante os limites que tal ideologia possa ter encontrado na prática, particularmente nos pressupostos ocultos que definem o sujeito universal, ela teve por definição a responsabilidade do Estado em promover, por meio da escola pública, a „liberdade de pensar‟. Nesse sentido, coube ao Estado definir os parâmetros da autonomia do indivíduo e prover, em certa medida, os meios de sua consecução.

No caso do Brasil, tanto a influência de correntes protestantes quanto positivistas se fizeram presentes na entrada do país na modernidade possibilitando, por um lado, uma maior liberdade e pluralismo religioso em relação ao passado patriarcal e personalista colonial e, por outro lado, a valorização dos valores individualistas e burgueses europeus e do conhecimento como vetor de transformação (SOUZA, 2001). Contudo, além de estar atrelada a uma perspectiva européia, os meios de acesso a tais valores, assim como ao conhecimento e à política, não foram disponibilizados de modo universal ou indiscriminado a toda a população. Ao contrário, foram privilegiados “segmentos sociais e indivìduos que o Estado, como agente principal do processo de modernização segundo o modelo europeu, julgava fundamentais para o esforço de modernização” (SOUZA, 2001:199,200). Ademais, não obstante a concepção da “escola como redentora da humanidade” (SAVIANI, 2006:22) estivesse presente aí tal qual na França, a instrução pública no Brasil assume um caráter muito mais limitado até mesmo em virtude de não ter sido tomada como responsabilidade do governo central, mas dos governos estaduais, cooperando para uma divisão desigual do acesso à educação, de acordo com os recursos e interesses do poder econômico e político

dos estados da federação. E, na medida em faz repousar sobre formas específicas de conhecimento os critérios de evidência de capacitação e eficiência, ao mesmo tempo em que leva a perceber a desigualdade como “produto de qualidades individuais” (SOUZA, 2006:74), mantém à margem do mercado de trabalho os setores qualificados de „arcaicos‟41 ou subdesenvolvidos, reforçando assim o sistema de justificativas dessa discriminação seletiva.

Como resultado desse duplo viés já no início do processo de modernização do Brasil, verifica-se por um lado uma dependência e submissão “à dominação dos grandes centros”, tanto em termos econômicos quanto culturais e, por outro lado, um desenvolvimento interno desigual em que “um setor arcaico convive com um moderno, para não se falar de níveis diversos de arcaico e moderno” (MOTTA, 1997: 33). No período da República Populista (1945-1964) o “pacto de dominação” visou conciliar os diversos interesses que emergem dessa coexistência entre setores desenvolvido e subdesenvolvido e da ampliação da participação política (LAFER, 1978:63). No período subseqüente, do Estado autoritário, este procura impor o cerceamento das atividades dos movimentos sociais por meio de “uma repressão violenta sobre os líderes e militantes mais ativos” (WANDERLEY, 2005:35). É interessante observar que,

“nesses anos de governos autoritários e repressivos, em que os instrumentos polìticos da sociedade civil estiveram cortados ou controlados, a Igreja [católica] surgiu como

41 A permanência de setores da população em condições qualificadas de arcaica ou subdesenvolvida não tem qualquer relação com fatores de ordem natural e/ou biológica, mas sim com a exclusão destes do sistema de privilégios que permitia adquirir os atributos subjetivos e objetivos necessários ao ingresso na nova ordem em condições de igualdade econômica, social e política. Dentre esses setores figuravam os/as ex-escravos/as, pessoas de baixa renda e mulheres. O direito a voto, por exemplo, se baseava em critérios de nível de renda, de instrução e de acordo com o sexo, de modo que grande parcela população não possuía esse direito. As mulheres só adquiriram o direito ao voto no Brasil em 1932, permitido apenas às casadas, desde que autorizadas pelo marido, e às viúvas e solteiras com renda própria, sendo que só em 1934 foram eliminadas tais restrições- embora se deva destacar que no caso da França ele foi obtido ainda mais tarde- em 1944, ou seja, praticamente uma década depois (cf. Évelyne PISIER, 2007). Da mesma maneira critérios discriminatórios operavam no acesso ao acesso ao trabalho e à educação. Quanto aos ex-escravos, no que diz respeito ao acesso ao trabalho, “além de serem poucas as chances de os homens negros tornarem-se aprendizes de qualquer ofício [...] isso de pouco serviu, pois, ao se deparar com o imigrante, ele foi o expelido” (Teresinha BERNARDO, 2005:143,144); quanto às oportunidades de acesso ao ensino formal estas eram “de caráter excepcional e de cunho filantrópico” (Guacira Lopes LOURO, 2001:445). No que se refere às mulheres, além das limitações que estas encontravam para o exercício de atividades profissionais, a sua educação nos segmentos sociais privilegiados era voltada sobretudo à sua “vocação natural” para o casamento e a maternidade e, posteriormente, para o magistério, enquanto que entre as meninas das camadas mais populares as suas atribuições domésticas, no trabalho na roça, no cuidado dos irmãos, etc, “tinham prioridade sobre qualquer forma de educação escolarizada para elas” (Guacira Lopes LOURO, 2001:445).

um espaço de liberdade para que os grupos e classes populares, e seus movimentos, pudessem ser ouvidos” (WANDERLEY, 2005:73).

É possível vislumbrar a partir daí limites e contornos que os avanços e refluxos de direitos políticos e sociais vão impondo à autonomia dos indivíduos de acordo com sua categoria social (e de sexo), algumas delas podendo beneficiar-se de recursos próprios e/ou estatais na consecução das condições necessárias ao exercício da autonomia, enquanto outras se vêm na contingência de recorrer a outras fontes privadas de naturezas diversas eventualmente disponíveis, tais como famílias, rede de amigos e vizinhos, igrejas, etc. Essa necessidade de recorrer a outras fontes – tanto terrenas quanto transcendentais - transparece em muitos depoimentos de entrevistados/as, mas nos ateremos aqui a três casos. O depoimento de Ronaldo, engenheiro de segurança do trabalho na Textile Brasil, é ilustrativo da imprescindibilidade do recurso a uma rede de apoio por parte das populações mais desfavorecidas, até mesmo para o atendimento de necessidades básicas como o cuidado da saúde:

“... a gente tinha uma faxineira aqui que quebrou o óculos dela. E aí nós fizemos uma vaquinha porque ela não tinha dinheiro. Fizemos uma vaquinha, lá e juntamos 10, 12 caras lá, e cada um deu um pouquinho, arrumamos o dinheiro. Aí mandei aqui na, na, minha irmã tinha numa ótica aqui, não tem mais, ela foi lá e trocou o óculos dela com a minha irmã. Minha irmã deu até a armação pra ela. Passaram uns dias, ficamos sabendo que essa senhora aí, ela fazia parte da igreja e doava 20, 30% do salário dela, pra igreja. Agora, como é que pode alguém que não tem nem onde comer ficar doando, doando...[...] Esse cara enxerga, será que não consegue enxergar um pouco que ele tá sendo explorado. Ele tá precisando de ajuda, não ajudar...” (Ronaldo, Textile Brasil)

É interessante observar também que, ainda que freqüentemente as igrejas/instituições religiosas integrem parte da rede de apoio às necessidades das camadas mais desfavorecidas, no caso denunciado por Ronaldo, ela se apresenta como fonte de sangria de recursos.

No depoimento da auxiliar administrativa Karina transparece o recurso a um poder extraterreno aparentemente como instrumento de colonização do futuro (GIDDENS, 2002): um meio de “se proteger dos imprevistos de uma vida profissional precária e de conjurar uma eventual „privação‟ da empresa [...] de criar um vìnculo com seu lugar de atividade e de conjurar as forças hostis que poderiam contrariar essa ligação” (LABARI, 2008:216).

Ou seja, o objetivo seria o de lidar com a insegurança tanto do emprego quanto das condições de segurança/sobrevivência do próprio empregador:

“... E quando eu entrei aqui, e até hoje, antes de eu sair desse departamento, eu acredito que muitas coisas aconteceram aqui, boas pro próprio departamento e isso não é espiritualizar, isso é uma maneira de você é, é, devolver a Deus aquilo que Deus te dá, né, seja um dia abençoado, seja um chefe legal, abençoado, foi Deus que te proporcionou isso. Então, a partir do momento que você oferece tudo isso pra Deus, o local de trabalho a Deus, Ele toma conta e tudo passa há ser melhor. Pode acontecer uma discussão? Pode. Mas pode ter certeza que o fim dela vai ser de uma forma apaziguada. Nada assim sem, sem, coisas absurdas. Você já vai se preparar para aquele dia. Então isso envolve muito o que a pessoa crê e influi sim. Eu falo isso, porque fluiu muito comigo aqui hoje, até hoje, flui aqui dentro. Esse prédio era um prédio que ele era muito arrombado, arrombado mesmo, a porta assim, o pessoal tentava abrir, forçava demais. Depois que eu entrei aqui o prédio, ele dormiu uma vez duas noites aberto e ninguém mexeu em nada. Porque todas as vezes que eu saio desse local eu falo “ O Senhor guarde este local, pra que esse local não venha a ser banalizado por vândalos”, por mais que existam funcionários aqui, inclusive guardas. São detalhes humanamente se eu olhar é besteira mas não é. Não é besteira. Então isso vai muito de quem crê...” (Karina, Textile Brasil)

Interessante notar que Karina não foi a única entrevistada no Brasil a declarar que reza/ora pela empresa e/ou ao chegar na empresa- dentre outros/as a secretária Marluce, da Textile, faz o mesmo, aparentemente como forma de gerir o stress no trabalho:

“... Eu acho que faz parte também, eu acho que fica mais fácil você levar o seu dia-a- dia no trabalho também, né, eu entro fazendo uma oração todo dia na Textile pro meu dia ser bom. É uma forma de, de, de me aliviar, entendeu? Acho que até a coisa do dia pesado, eu acho que é isso, mas...” (Marluce, Textile Brasil)

E, mais adiante: “Eu acho que fica mais fácil eu fazer uma oração pra entrar na Textile...” (Marluce, Textile Brasil)

Observe-se que, ainda que os objetivos das “orações” de Karina e Marluce se assemelhem, em parte, àqueles que, conforme apontamos anteriormente, entendemos serem os de Pierre da Textile França, este recorre não a uma força extraterrena, mas humana, que emergeria dele próprio, embora ela possua também um caráter místico.

Enfim, a autonomia é uma construção social, não apenas no sentido de processo de conquista social, mas também no sentido de que a sua forma e o seu conteúdo dependem do contexto e do lugar social. Estas sofreram mudanças ao longo da modernidade, mesmo no nível mais amplo das sociedades ocidentais capitalistas. Assim, se “as transformações associadas à modernidade libertaram os indivíduos de seus apoios estáveis nas tradições e

nas estruturas” (HALL:25), os movimentos sociais dos anos 60, com o seu caráter contestatório, marcam uma nova etapa nesse processo de autonomização em relação a tradições e instituições. Além disso, a intensificação do processo de mundialização da economia a partir de meados do século XX e o desenvolvimento das tecnologias da comunicação e da informação promoveram um contato mais intenso entre culturas diversas favorecendo tanto a multiplicação dos espaços e referenciais possíveis de constituição de identidade para os indivíduos, quanto a maior visibilização da diversidade cultural e social humana. Tal movimento, acompanhado da intensificação dos processos migratórios da mão de obra em busca de oportunidades de trabalho, se por um lado implicou em maior diversificação da mão de obra, inclusive no que se refere a competências, por outro lado coloca a questão de como gerir tal diversidade: como, particularmente num contexto em que a crescente autonomização do indivíduo parece deslegitimar métodos de gestão convencionais, reconhecidamente suportados por técnicas de controle e vigilância, colocar tal diversidade de competências a serviço dos objetivos organizacionais?

De acordo com Régine BERCOT, “as orientações atuais de mudança industrial e organizacional se apóiam muito freqüentemente sobre a iniciativa e a autonomia dos assalariados” (1999:115). De fato, a autonomia, a auto-realização, o desenvolvimento pessoal e a iniciativa individual constituem, a nosso ver, alguns dos eixos em torno dos quais o discurso organizacional procura enfrentar esse desafio e articular sua estratégia de mobilização da subjetividade dos/as trabalhadores/as, de modo a colocá-la a serviço da produtividade. Para EHRENBERG,

“a autonomia joga um papel importante na fixação da sociedade e dos saberes sobre a subjetividade individual porque ela implica uma atitude geral: ela consiste numa auto-afirmação e numa assertividade pessoal que possuía um lugar limitado na vida social francesa até o fim dos anos 1970” (2010:12).

Na perspectiva do autor, a partir de meados do século XX verifica-se “o deslocamento da disciplina à autonomia” (EHRENBERG, 2010:13). Contudo, conforme demonstra WEBER (2000) em sua explanação acerca da ascese protestante, esta constituía uma forma de autodisciplina associada, no caso, ao próprio processo de autonomização do indivíduo frente à instituição religiosa. Partindo dessa perspectiva a disciplina não teria sido substituída pela autonomia - ela se referia, isso sim, ao sentido conferido a uma autonomia que já se anunciara como valor e prática, a uma forma de regulação desta. A disciplina

pautava o sentido e os limites – auto-impostos - da autonomia do indivíduo. Ou seja, não é a autonomia que faz sua aparição em meados do século XX – e ainda que o autor esteja se referindo em especial à sociedade francesa, ali também a autonomia já se encontrava fortemente presente como valor social, embora regulada pelo Estado republicano. O que, na nossa perspectiva, substitui a disciplina, não é a autonomia, mas sim a auto-realização. De fato, como o próprio autor indica na citação acima, é a auto-afirmação (pela qual ele define a autonomia) e a assertividade pessoal que passam a ocupar um lugar mais destacado na vida social francesa a partir de meados do século XX. E, de acordo com o próprio autor, a auto-afirmação é ao mesmo tempo “uma norma, porque é coercitiva, e um valor, porque é desejável” (EHRENBERG, 2010:12).

É portanto a auto-afirmação, usualmente compreendida e/ou associada à auto-realização, que, a nosso ver, substitui a disciplina e que passa a dar a medida e o sentido da autonomia que, contudo, permanece normativa. A relação desta com a auto- realização/desenvolvimento pessoal e iniciativa individual é evidenciada pelo autor ao tratar do que é, na nossa leitura, um deslocamento do sentido conferido à autonomia (para o autor, passagem da disciplina para a autonomia como valor e norma social) na sociedade pós-industrial:

“Num estilo de existência organizada pela disciplina tradicional, a questão que se colocava a cada um era de tipo „neurótica‟: o que me é permitido fazer? Quando a referência à autonomia domina os espíritos, quando a idéia de que cada um pode tornar-se qualquer um por si próprio progredindo por sua própria iniciativa torna-se um ideal inserido nos nossos hábitos cotidianos, a questão é de tipo „depressiva‟: eu sou capaz de fazer?” (EHRENBERG, 2010:13).

Assim, a auto-realização ao lado das idéias de desenvolvimento pessoal e iniciativa individual - “as duas vertentes indissociáveis do sistema de normas que define o sujeito na sociedade moderna contemporânea” (Ehrenberg, apud HERVIEU-LÉGER, 2001:96) – compõem aparentemente o sistema de valores através dos quais procura-se mobilizar a colaboração ativa dos funcionários.

As idéias de desenvolvimento pessoal e iniciativa individual favorecem a transferência da responsabilidade pela empregabilidade da empresa para o indivíduo. Empregabilidade, entendida não apenas como meio de acesso a um emprego mas como trajetória incluindo,

portanto, a responsabilidade por buscar a capacitação „requerida‟ para se manter no emprego e ascender profissionalmente. Essas idéias da realização pessoal – o “querer crescer” - a necessidade de buscar por si próprio o desenvolvimento pessoal e a responsabilidade pela própria empregabilidade e trajetória profissional – “conversar com o gerente”, “voltar à sala de aula”, assim como o investimento pessoal na própria formação - transparecem no depoimento de Manuel Inácio na revista Fique Ligado (ago/2009:19): “Trabalhava à noite, mas meu sonho era trabalhar de manhã e estudar à noite. Até que um dia decidi: se quisesse crescer, teria de voltar para a sala de aula. Conversei com meu gerente e consegui mudar de turno”. O investimento na formação pessoal consistiu de cinco anos de estudo para completar o ensino médio (atualmente esse é o nível mínimo de escolaridade exigido para contratação pelo Hypermarché Brasil), e em seguida um curso técnico “antes de ser promovido” (Fique Ligado, ago/2009:19). A necessidade de iniciativa e da responsabilidade pessoal ficam evidentes também nas “dicas” que Inácio dá: “Seja proativo”, “Demonstre interesse em conhecer outras funções”, “Observe o setor em que você trabalha, perceba como ele funciona e se integre com os outros setores da loja”, “Estude sempre, faça cursos e invista em você” (Fique Ligado, ago/2009:19). O que no Hypermarché é chamado de “trilha de carreira” (Fique Ligado abr/2008:6), na Textile, tem o nome de “caminho de carreira”. Não obstante conte aparentemente com um acompanhamento mais próximo por parte da chefia, aí também o funcionário é responsabilizado pela sua própria carreira, o que transparece na idéia do “arquiteto”:

“A sua mobilidade profissional é fortemente apoiada, e isso é importante para permitir que você aperfeiçoe seu caminho de carreira. Com o suporte ativo de seu líder e do especialista de RH que acompanha o seu progresso, você é o arquiteto da sua própria carreira, expressando suas preferências para o seu futuro crescimento profissional. Existem várias oportunidades de mobilidade dentro do Grupo, em termos de localização geográfica e atividade profissional (dentro de sua família profissional atual ou em direção a uma famìlia diferente).”42

No caso do Hypermarché França, essa tendência também está presente e pode ser identificada, por exemplo, no artigo no “espaço RH” da Positif! sobre “como funciona a mobilidade” na empresa. Já na introdução o artigo anuncia que

“... é o novo site dedicado à mobilidade dos empregados dos Hipermercados. Simples e fácil de acessar do seu próprio domicílio, ele lhe dá a possibilidade de mudar de loja, de se desenvolver profissionalmente e pessoalmente concretizando suas

vontades. Nascido no último dia 8 de março, o site estará disponível para todos a partir do fim do mês de junho”43

(jul/2010:12).

Mais adiante, respondendo à pergunta de “como fazer corresponder seus desejos com as necessidades das lojas”, explica-se como proceder para obter uma entrevista que, contudo não garantirá a obtenção do posto e que “as cartas estão em suas mãos, cabe a você ser convincente” (Positif! jul/2010:12). A frase - “cabe a você jogar! Não espere mais, consulte o site sem demora!” (Positif! jul/2010:12) - que finaliza o artigo associa mais uma vez autonomia - entendida como “liberdade” de iniciativa pessoal - e responsabilidade pessoal na consecução de objetivos de desenvolvimento profissional.

Além dos óbvios constrangimentos de ordem material, que implicam na necessidade de se adequar para obter, manter e ascender no emprego, outra motivação para a submissão ao discurso organizacional reside na aparente legitimidade que lhe conferem o discurso da autonomia e da auto-realização, em face do grau de normatividade social que estas alcançaram. Assim, a auto-realização, tão normativa quanto a autonomia, fornece justificativa ideológica à responsabilidade do próprio indivíduo – sujeito de autonomia, referida aqui em termos de desenvolvimento pessoal e iniciativa individual - pela busca das condições necessárias à consecução de sua realização. A instrumentalização de tais ideais contraculturais parece atender, portanto, ao objetivo de motivar o/a trabalhador/a a colaborar ativamente, desenvolvendo e a mobilizando/engajando o maior número possível de competências – diversas e mesmo particulares e subjetivas - no exercício das suas funções. O interesse da estratégia de engajamento de competências adquiridas ou desenvolvidas no universo das atividades, interesses e relações pessoais, pode ser

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