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Cultura organizacional

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2. Capítulo

3.2. Cultura organizacional

As organizações empresariais são formadas por pessoas dotadas de uma identidade. Além disso, diante da necessidade de trocas sociais, inerentes à sua atividade, elas também desenvolvem uma identidade ou uma cultura própria. “O conceito de cultura organizacional designa um conjunto de representações, valores, regras de conduta, mitos, que é adquirido e assimilado pelos membros de uma organização” (THIOLENT, 1997:94). Ela envolve, assim, tanto questões de sentido, quanto regras, práticas, formas de encarar e solucionar problemas, protocolos quanto a comportamentos, a formas legítimas ou adequadas de se

expressar, vestir, etc. Ainda que a cultura organizacional seja construída a partir de múltiplos e diversos referenciais também é fato que, “em toda organização, os valores aceitos pelas instâncias de poder concretizam-se em normas” (THIOLENT, 1997:98). A efetividade de tais valores e normas, no entanto, pode ser variável, na medida em que se encontrem em contradição com outros valores da empresa ou de membros da organização (THIOLENT, 1997). Para MARRAS, o corpo gerencial com poder decisório, “a elite dominante e/ou o empresário centralizador são, [geralmente], os responsáveis pela „cultura‟ de suas organizações” (2001:79 e 100), expressa sob a forma de valores que devem ser compartilhados, ou aos quais devem se submeter, até determinado grau, o corpo de funcionários. O trabalho de Liliana SEGNINI sobre “a construção do homem disciplinado” evidencia a maneira pela qual a religiosidade do principal acionista do Banco Bradesco é transferida por diversos meios à cultura da empresa, com a religião cumprindo aí uma função de “coesão social, buscando a manutenção do equilìbrio harmonioso interno traduzido pelo trabalho a nìveis máximos, sem contestação” (1988:67). Nesse sentido, Liliana SEGNINI destaca também a proibição de discutir assuntos religiosos, com o intuito de “impedir „desavenças religiosas‟” (1988:65).

Contudo o quadro de produção da cultura organizacional não se limita àquele dos seus executivos: “se o capitalismo é sempre o mesmo em suas linhas gerais, ele não se implanta no vazio: ao se expandir, encontra sistemas sociais repletos de preconceito, valores e ideologias” (Ciméa BEVILAQUA, 2000:88). Assim, tanto a cultura da sociedade de origem da empresa quanto aquela que encontra em outros contextos no qual se implanta podem influenciar de modo mais ou menos significativo a cultura organizacional. Isso não significa, por outro lado, que as estruturas organizacionais sejam simples produto do contexto. A organização não é mera reprodutora de ideologias presentes na sociedade: “a empresa hipermoderna investe também nos aparelhos ideológicos da sociedade global (notadamente através da intermediação do Estado) procurando influenciar suas orientações e se torna ela mesma um dos locais por excelência da produção ideológica” (Maria Tereza FLEURY, 1996:22), de modo que elas também produzem o seu contexto.

MORGAN ao analisar as metáforas subjacentes às teorias organizacionais chama a atenção para o perigo destas transformarem-se em ideologias, “em que as imagens ou teorias passam a servir como orientações normativas que delineiam a prática” (1996:78). Além disso, na avaliação do autor, o aspecto ideológico de algumas dessas teorias fica evidenciado pela sua ligação com teorias/ideologias dominantes no contexto histórico em que estas surgem e/ou se desenvolvem. Em outras palavras, “a técnica não é neutra” (BURITY, 2006:183), as teorias e métodos organizacionais são produto histórico e social, e se localizam dentro de um contexto cultural, servindo e reproduzindo ideologias específicas. Elas tanto impregnam a cultura e a prática da empresa e do empresário, quanto são impregnadas, por vezes de forma imperceptível, pela cultura das sociedades nas quais são geradas e aplicadas. Nesse sentido, a própria existência, construção e manutenção de uma cultura organizacional implica na articulação de relações de poder-saber, das quais as representações de gênero e das religiões são constitutivas, ao mesmo tempo em que estas relações constituem tais representações. Há que se considerar, no entanto, que as relações de poder-saber não são estabelecidas a partir de um sujeito desse saber, que seria ou não livre frente ao sistema de poder, mas são “os processos e as lutas que o atravessam e que o constituem, que determinam as formas e os campos possìveis do conhecimento” (FOUCAULT, 1999:27).

Ou seja, a cultura organizacional não se constitui como “um mundo próprio e restrito de padrões não-intercambiáveis” (ALVES, 2004: 10), mas é continuamente construída e reconstruída a partir do lugar social e das múltiplas referências culturais, internas e externas, do conjunto de seus interlocutores. Ela não se produz e reproduz simplesmente numa única direção, a partir de um saber-poder que emana da organização e/ou de seu corpo executivo e/ou técnico-gerencial, mas é construída e reconstruída pelo processo contínuo de conversação, de tensão entre o indivíduo como resultado da cultura e do sujeito livre dos constrangimentos culturais (SPINK, 1997). Por outro lado, na medida em que o estatuto do empresário, o do corpo executivo e o dos sujeitos trabalhadores na empresa diferem entre si, o poder de intervenção destes sobre os valores e práticas organizacionais também difere, de modo que tais valores, pelos quais as empresas elaboram suas normas e pautam as suas práticas, encontram-se hierarquicamente ordenados.

Enfim, a cultura organizacional expressa de forma mais ou menos explícita valores, os quais encontram-se impregnados de valores individuais e/ou de grupo, do fundador e executivos da empresa, daqueles reproduzidos na e por meio da sua estrutura, “regras, polìticas, objetivos, missões, descrições de cargos e procedimentos operacionais” (MORGAN, 1996:136), da própria cultura ocidental capitalista, com suas técnicas, tecnologias e seus discursos sobre a economia, gestão de negócios, etc., do meio sócio- cultural e econômico do país em que está inserida e do qual é originária, assim como dos conflitos (históricos, econômicos e/ou sociais) que emergem e que permeiam as relações nesses contextos (SPINK, 1997). É também a partir dessa interação dinâmica complexa que as empresas e os sujeitos trabalhadores „interpretam‟ a religião e as relações de gênero e estruturam as suas práticas.

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