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Alguns desenvolvimentos recentes dos métodos de gestão: gestão da subjetividade

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O GÊNERO E A RELIGIÃO NA GESTÃO DA SUBJETIVIDADE NO TRABALHO 4.1 Introdução

4.3. Alguns desenvolvimentos recentes dos métodos de gestão: gestão da subjetividade

Não obstante a ideologia dominante no mundo capitalista moderno ocidental acerca da despersonalização promovida pela estrutura burocrática e da impessoalidade do trabalho, a subjetividade dos/as trabalhadores/as jamais esteve ausente da sua atividade, nem mesmo sob o taylorismo. Ao contrário, como destaca Danièle LINHART “ela sempre foi indispensável para dar sentido e operacionalidade a formas prescritas que teriam ficado quase inertes sem a implicação subjetiva e, freqüentemente, até mesmo transgressiva dos assalariados, até os mais subalternos” (2008:8,9). Pode-se imaginar a distância entre trabalho prescrito e trabalho real através dos efeitos de greves tartaruga que, não representam nada mais do que “a conformidade às prescrições e normas operacionais” (Danièle LINHART, 2008:9), para aquém de qualquer esforço de interpretação e ou

adaptação destas pelos/as trabalhadores/as. Assim, para que os objetivos estabelecidos possam ser efetivamente atingidos, além de qualificações/competências obtidas através eventuais programas formais de treinamento nas técnicas e métodos prescritos, os/as trabalhadores/as podem se ver na contingência de integrar à sua atividade a experiência pessoal, quer esta seja adquirida no exercício da função ou transmitida por colegas, quer seja adquirida pela socialização e/ou atividades exercidas no âmbito da sua vida pessoal.

Tal é o caso também em relação aos referenciais religiosos e de gênero: se por um lado as empresas chegam a se apropriar destes na mobilização e/ou transformação da subjetividade dos/as funcionários/as, por outro lado os/as próprios/as trabalhadores/as também recorrem à estratégia de integrar competências sociais e/ou adquiridas em outras esferas, dentre as quais as esferas das religiões e das relações de gênero, no exercício da sua atividade profissional. Voluntária e espontaneamente, uma vez que a separação entre a esfera pessoal e a esfera do trabalho encontra limites na própria subjetividade do/a trabalhador, mas também porque o engajamento desta pode se apresentar como indispensável tanto à busca de solução para problemas que se colocam no exercício de sua função e/ou ao stress gerado por esta, quanto, talvez, para fazer frente a déficits de investimento em formação por parte das empresas. De fato pode-se observar entre os/as entrevistados/as diversos exemplos de integração de competências advindas de sua condição religiosa e ou de gênero no exercício de funções no trabalho - ou seja, tanto competências decorrentes dos papéis socialmente atribuídos aos sexos quanto aquelas associadas ao âmbito religioso ou da fé.

Mesmo no caso da França, onde a influência do laicismo imprimiu um caráter ilegítimo ou de baixa tolerância à expressão pública da fé religiosa, é possível observar alguns casos de relação entre valores do universo religioso e algum tipo de competência, particularmente no que diz respeito à gestão das relações interpessoais e/ou do stress. E até mesmo na Textile, onde a presença da religião se faz menos evidente do que no Hypermarché em face da menor diversidade e proporção de trabalhadores de outras origens que não francesa. Observa-se porém neste caso uma adequação a esse contexto francês mais laicizado: ao invés de uma referência mais explícita à religião, a referência a valores religiosos assimilados a uma “convicção humanista” (Danièle HERVIEU-LÉGER, 1996:22) -

conforme já exemplificado no primeiro capítulo - e/ou daqueles que, embora freqüentemente representadas como não-religiosas, figuram dentro de uma “espiritualidade” de Nova Era (Emma BELL e TAYLOR, 2004). Exemplo deste último caso é o do contramestre da Textile França, Pierre, que, quando perguntado sobre compatibilidades/incompatibilidades e possibilidades da religião contribuir de alguma maneira no trabalho ou com o trabalho, respondeu negativamente, afirmando que a religião é pessoal, “cabe a cada um crer ou não crer”. Contudo, posteriormente fala em valores que ele e sua esposa procuram “inculcar” às suas filhas- “polidez”, “respeito pelas pessoas”, “saber escutar”, “estender a mão”, “não pensar só em si mesmo”, “pensar nos outros” – e que essas são coisas que devem ser “trabalhadas”, que “não caem do céu”, “a felicidade se fabrica”. A forma de “fabricar” é “desenvolver” o que há de positivo no seu interior, ver as coisas “positivamente”, atitude que repercutirá também no ambiente de trabalho, permitindo gerir tanto o stress quanto o sucesso no trabalho:

« ...Mais je pense que tout le monde à l‟intérieur a quelque chose et il sait le développer ou il ne sait pas le développer, alors peut-être qu‟on ne lui a pas montré, peut-être que si... alors voilà, mais je pense que tout le monde a quelque chose à l‟intérieur de positif et ça se développe, ça se travaille. Mais c‟est... alors on y croît ou on n‟y croît pas, après voilà... C‟est chacun après qui... On pourrait en parler des heures... Mais je pense que ça se travaille et je pense que c‟est au contact des gens, comme je vous ai dit tout à l‟heure, le fait de rencontrer des gens, on ne rencontre pas des gens au hasard... » (Pierre, Textile França)

No primeiro dos dois trechos a seguir, evidencia-se o papel que atribui a essa visão para a gestão do stress no trabalho e, no segundo, como ela contribuiria para o sucesso no trabalho. O objetivo parece ser aqui o de “controlar sua emoção face aos fatos organizacionais „desestruturantes‟, que são todos os imperativos de regulação e de racionalização do trabalho suscetìveis de engendrar „o universo mórbido da falta‟” (LABARI, 2008:216):

« ... ça sert au travail, parce que le fait de mettre une barrière, par exemple : on est dans le travail, ça se passe mal, le gars n‟est pas content, tout ça, mais au lieu de prendre « Boum ! » [...]... Enfin le mec, la personne va venir, « Oui, ça marche mal », « C‟est le bordel ! ». (Enfin, vous voyez ce que je veux dire ?) [...] Si vous prenez tous les problèmes qu‟il attire, vous allez être fatiguée... En fin de journée, vous imaginez-vous un peu ? Donc, c‟est là avoir le sens du travail, c‟est-à-dire que tous les problèmes qui peuvent arriver à votre travail [...] écouter ce qu‟on vous dit, de répondre, d‟apporter des solutions à son problème, mais mettre de barrières pour que ça rebondisse et ça ne rentre pas. C‟est ça ce travail à ce qu‟il faut arriver pour qu‟à la fin de journée vous n‟ayez pas une tête... Et après à l‟extérieur dans la vie, c‟est ça...

c‟est pareil avec des gens qui ne sont pas polis, on les mets de côté. C‟est mettre de barrières ça et de n‟attirer que le positif, de faire des barrières au négatif. Vous allez voir que le négatif il ne va plus rentrer. Et vous n‟allez voir que du positif. C‟est ce que je crois et c‟est ce que l‟on croît nous. » (Pierre, Textile França)

E, mais adiante :

« C‟est parce que ce que je vais attirer ça va être du travail positif quoi... Même au travail, ça va être du travail positif... c‟est-à-dire que peut-être, et bien, des gens qui « peuvent venir vous embêter », et bien peut-être que je ne vais avoir que des personnes qui vont m‟attirer que des personnes positives. Qui vont me dire : « Et bien, tiens Christian, ton travail que tu as fait, c‟est super ! » C‟est ce qui se passe en ce moment. Je fais des projets et les gens viennent me voir et disent : « Tiens, ce que tu as fait là-bas, c‟est bien ! Tu as bien fait ! Continue ! » Voilà ce qui se passe et j‟attire du positif. » (Pierre, Textile França)

No campo brasileiro pudemos encontramos referências mais explícitas à relação entre religião e competências, como no caso de Carlos, por exemplo. Ele considera que a sua religião o ajuda a compreender as pessoas e, portanto, o capacita melhor para o exercício de sua função de gerente de caixas em uma loja da rede de supermercados Hypermarché no Brasil:

“Eu acho que o primeiro ponto é, eles ensinam muito a ouvir. Ouvir bastante. No caso da minha religião ouvir bastante e respeitar as diferenças né, das pessoas. Isso no caso da minha religião eu aprendo muito lá mesmo, inclusive, porque, por exemplo, se um espírita, eu sou médium, tenho incorporação e as pessoas onde eu freqüento 99% também tem. E dentro desses próprios guias espirituais que a gente incorpora, existe uma divergência muito grande, né. Uma divergência de comportamentos, uma divergência de conhecimentos, né. Mas todos com o intuito comum de crescimento espiritual, de ajudar, né [...]Então tem momentos que você acaba vendo que você precisa um pouco de cada um deles. E eu acabo trazendo isso para o meu dia-a-dia principalmente, profissional, né. Sou líder de cento e poucos funcionários, cada um com um comportamento, cada um com uma história e vida diferenciada, né. E eu acabo trazendo um pouco disso, dos ensinamentos de lá, eu trago para o meu dia-a- dia aqui, no sentido de que eu procuro ver em cada um deles o que tem de melhor.” (Carlos, Hypermarché Brasil)

Vários/as entrevistados/as destacaram que a participação religiosa favorece o desenvolvimento de competências de liderança, inclusive entre as mulheres, como no caso de Dalva, gerente comercial de uma das lojas do Hypermarché no Brasil, que considera que a sua experiência de participação na igreja católica lhe permite não apenas compreender melhor as pessoas lideradas, como lhe dá maior domínio e firmeza no exercício de sua função:

“... Eu acho que a religião ela te ajuda a ter um domínio maior pra, por exemplo, falar em público. Se você tem o hábito de ir na igreja, de pregar. Se você tem uma facilidade de... conversar mais com as pessoas, você se torna uma pessoa menos inibida, você tem uma facilidade pra, em algumas situações, você se expor. Expor a tua opinião, a tua vontade. Eu acho que facilita bastante. Porém algumas religiões, te...te trava. Te coloca... na dúvida. Mas a maioria, seja ela crente ou católica, se você é praticante, ela te ajuda. Te ajuda a se expressar melhor. A colocar as suas opiniões, a não ter tanto medo de falar em público. Por exemplo, no nosso trabalho hoje, é extremamente necessário falar em público. [...] Ou às vezes vem pessoas da matriz, vem outros diretores, tem um encontro que é sema... que é mensal, que junta todas as 17 lojas onde é escolhido algumas pessoas pra falar e às vezes você é escolhido, você vai ter que falar. Então...você vê que algumas pessoas, elas não tem preparo e não tem domínio nenhum. [...] Pra ...isto a religião facilita, você ter um domínio maior da oratória, entender, compreender algumas coisas melhor. Se você pratica isso na, na igreja, se você fala em público ou se você questiona, pergunta. Acho que ajuda bastante. Também acredito de,de experiência porque lá você convive com pessoas e tem relatos de experiência de vida, de momentos, de fases, que você vai aprendendo, você vai pegando como experiência. Então, chega em determinadas situações, que você vai se debater, se defrontar com aquilo e você vai lembrar “nossa, uma vez eu lembro que alguém comentou isso, isso e isso e agiu assim”. Então te ajuda realmente. Acredito que a religião ela te ajuda a desinibir e a desenvolver algumas habilidades. No caso de falar, de se expressar em público, de entender melhor algumas situações.” (Dalva, Hypermarché Brasil)

Mário também estabelece uma influência mútua entre o que aprende no exercício de sua fé religiosa e no exercício da sua função de coordenador de RH no Hypermarché:

“... E aqui usar também o meu conhecimento que eu digo lá na religião...E tentar ajudar a pessoa a, a, a, crescer. Eu mesmo aqui tenho uma equipe de 5 pessoas, né, e eu sei que eles dependem de mim pra muita coisa, né, então assim, eu tenho uma obrigação com essas pessoas de ajudá-los a se desenvolverem, o caminho cada um que vai escolher, mas eu tenho obrigação de mostrar o melhor caminho, que porta que ele vai entrar, ele que vai escolher.”

Mais adiante:

“A pessoa tem um ano de casa, 6 meses, ele não sabe todo o caminho da empresa e uma coisa que me ajudou, que me ajuda muito assim, olhar a dificuldade da pessoa, onde é o enfrentamento dela. Um exemplo,ah, tem gente aqui que não consegue falar com nível acima, tem um receio de autoridade, né. Eu tenho que ajudar essa pessoa a descobrir onde que ta aquele medo dela, por que que ele tem tanto medo de se relacionar com alguém que está num nível acima, é a própria capacidade dele, se sente inferior se sente incapaz né, e aí eu acho que entra um pouco da questão religiosa que fala que nós somos iguais. Pode estar ocupando posições diferentes, mas nós somos pessoas. Ás vezes tem uma pessoa que não é tão é, visível, não se vende tanto tal, mas tem uma a essência é... tem uma essência maravilhosa. Ás vezes esconde isso então meu trabalho também é puxar essa essência da pessoa e nisso acho que a religião me ajuda muito, né” (Mário, Hypermarché Brasil)

Além do campo religioso, as capacitações adquiridas ou implícitas em função do sexo do/a trabalhador/a também são mobilizadas por estes/as no exercício das suas funções. Na perspectiva da entrevistada Marluce, por exemplo, a função de secretária teria se tornado mais feminina devido ao preconceito por parte dos homens ou em virtude dos atributos que a função requer:

“... Pra função? Tem que ser meio mãezona. Sabe aquela coisa de paciência de mãe? É isso aì...”

E, mais adiante:

“Já acho que isso é inato. Isso já vem da pessoa. Antigamente, né, logo que começou a função secretário não existia mulher trabalhando então, mas eu acho que se tornou mais o perfil feminino, se vamos dizer assim, pelo próprio é, é... essa coisa mesmo de, de... cuidar.”

Verifica-se aí a associação entre o papel de mãe, socialmente atribuído às mulheres, e as qualidades que Marluce considera necessárias ao exercício da função de secretária. O caso da loja do Hypermarché em Bayeux, assim como os relatos de entrevistados que teremos oportunidade de abordar mais adiante indicam que a mobilização de competências adquiridas no âmbito da socialização de gênero não é exclusividade do contexto brasileiro.

Enfim, tais exemplos evidenciam que a forma de apropriação de técnicas e tecnologias guarda relação com o lugar social e com a experiência ou trajetória pessoal dos trabalhadores. Por outro lado, o fato de que os/as próprios/as trabalhadores/as se utilizem (desde sempre) da estratégia de engajar competências provenientes de experiências pessoais, particulares, subjetivas no exercício da sua função, não significa que as organizações empresariais mantenham uma postura passiva diante dela. Ao contrário, reconhecendo o papel que ela pode jogar, a mobilização da subjetividade dos/as trabalhadores/as passa a ser considerada indispensável para “assegurar a performance das empresas” (Danièle LINHART, 2008:8). Apreendida através daquilo que caracteriza e diferencia um/a trabalhador/a das outras pessoas e dos demais recursos produtivos, ou seja, a “especificidade de suas dimensões cognitivas, de seu registro emocional, afetivo e moral, em conexão também com uma biografia, uma trajetória particular” (Danièle LINHART, 2008:8), a subjetividade passa a ser vista como fator a ser integrado nos métodos e técnicas de gestão. Tal mudança de perspectiva transparece no depoimento de Evandro, bombeiro

líder na Textile Brasil ao falar da sua percepção acerca da mudança em relação à forma de liderar na empresa:

“Antigamente já se fala, quando aqueles supervisores antigos que aprenderam aquela coisa assim, „não é isso, é aquilo, pronto‟. Só que ele não enxerga que existe uma maneira melhor de se fazer aquela tarefa. „Não é assim que tem que ser feito. Pronto acabou‟. E hoje não. Hoje, hoje essa mania tá saindo daqui porque as pessoas tá ampliando a visão, o modo de ver, tão aceitando sugestões, tão, né, não tem mais aquela coisa de „Eu sou o chefe, pronto, acabou!‟. Não. Eu aceito sugestão. Se for uma coisa legal, „Opa! Tá ótimo, parabéns. Legal. Vamos implantar sim. Muito bom‟. Acho que a preocupação da Textile é essa, fazer com que as pessoas... se interagir também, né? lìder e liderado, não aquela coisa de eu pra cá, você pra lá. Não. „Vem cá, vamos conversar. Vamos debater. Vamos bater um papo‟.”( Evandro, Textile Brasil)

De fato, a passagem do modelo fordista ao modelo de acumulação flexível ou toyotista na nova fase capitalista, dita pós-industrial, implicou na busca e implementação de novos modos de gestão da mão de obra que favorecessem o desenvolvimento de competências e a criação de saberes (CAHOUR, 2002), inclusive para fazer face ao aumento da competitividade. No entanto, a “mobilização da inteligência dos indivìduos, de sua capacidade de comunicação e de construir coletivamente [ou mesmo individualmente] as soluções” (Régine BERCOT, 1999: contracapa)40

, requer a colaboração ativa dos/as funcionários/as (CAHOUR, 2002). A questão que se coloca então é a de como obter tal colaboração ativa, um nível de engajamento que ultrapasse a simples adequação a instrumentos e técnicas pré-concebidas e/ou a simples obediência a normas e preceitos organizacionais.

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