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Entre o compromisso e a realidade : relato e análise de uma ação de levar a ler no Oeste do Pará

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

ZAIR HENRIQUE SANTOS

ENTRE O COMPROMISSO E A

REALI-DADE: RELATO E ANÁLISE DE UMA

AÇÃO DE LEVAR A LER NO OESTE DO

PARÁ

CAMPINAS

2016

(2)

ZAIR HENRIQUE SANTOS

ENTRE O COMPROMISSO E A REALIDADE:

RELATO E ANÁLISE DE UMA AÇÃO DE LEVAR

A LER NO OESTE DO PARÁ

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculda-de Faculda-de Educação da UniversidaFaculda-de Estadual Faculda-de Campinas para obtenção do título de Doutor em Educação, na área de concentração de Ensino e Práticas Culturais.

Orientador: Prof. Dr. Ezequiel Theodoro da Silva Coorientadora: Profa. Dra. Lilian Lopes Martin da Silva

O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO <ZA-IR HENRIQUE SANTOS>, E ORIENTADA PELO PROF. DR. <EZEQUIEL THEODORO DA SILVA>

CAMPINAS 2016

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Santos, Zair Henrique, 1971-

Sa59e SanEntre o compromisso e a realidade : relato e análise de uma ação de levara ler no Oeste do Pará / Zair Henrique Santos. – Campinas, SP : [s.n.], 2016.

SanOrientador: Ezequiel Theodoro da Silva.

SanCoorientador: Lilian Lopes Martin da Silva.

SanTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de

Educação.

San1. Leitura literária. 2. Práticas de leitura. 3. Agentes de leitura. 4. Espaço deleitura. I. Silva, Ezequiel Theodoro da,1948-. II. Silva, Lilian Lopes Martin da,1955-. III. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. IV. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Between commitment and reality : reporting and analysis of an action to read in West od Pará

Palavras-chave em inglês: Literary reading

Reading practices Reading agents Reading space

Área de concentração: Ensino e Práticas Culturais Titulação: Doutor em Educação

Banca examinadora:

Ezequiel Theodoro da Silva [Orientador] Maria das Dores Soares Maziero Ediene Pena Ferreira

Norma Sandra de Almeida Ferreira

Claudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto Data de defesa: 31-08-2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

ENTRE O COMPROMISSO E A REALIDADE:

RELA-TO E ANÁLISE DE UMA AÇÃO DE LEVAR A LER

NO OESTE DO PARÁ

Autor: Zair Henrique Santos

COMISSÃO JULGADORA:

Orientador Prof. Dr. Ezequiel Theodoro da Silva Profa. Dra. Ediene Pena Ferreira

Profa. Dra. Maria das Dores Soares Maziero Profa. Dra. Norma Sandra de Almeida Ferreira

Profa. Dra. Claudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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Para Josicleia Tavares Henrique, que aceitou o desafio de partilhar a vida comigo.

À minha querida avó Maria Marculina Henrique Santos (in

memo-riam), que ainda frequenta os meus sonhos para me dar conselhos.

Aos meus filhos Pedro Henrique de Freitas Santos e Paulo Sérgio de Freitas Santos, que eu não vi se transformarem em homens duran-te esduran-tes quatro anos de curso, um dia eu abri os olhos e percebi que já haviam partido para enfrentar a vida.

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AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), que com poucos anos de existência proporciona a formação do seu corpo docente.

À CAPES, agência financiadora do DINTER, que possibilitou a realização deste doutorado. Ao Grupo de pesquisa Alfabetização, leitura e escrita – ALLE, que me recebeu como se fosse conhecido de todos há muito tempo.

Ao Grupo de Leitura, Pesquisa e Intervenção em Leitura, Escrita e Literatura na Escola – LELIT, por se dedicar a formar leitores na Amazônia.

A Secretaria Municipal de Educação de Prainha (SEMED) por abrir as portas da Escola para a presente pesquisa.

A Secretaria de Educação de Monte Alegre (SEMEC) por abrir as portas das escolas para a presente pesquisa.

Ao Prof. Ezequiel Theodoro da Silva, orientador, que aceitou a minha proposta de estudo e teve paciência quando resolvi mudar de horizonte.

À Profa. Lilian Lopes Martin da Silva, coorientadora, pela sinceridade e iluminação inte-lectual nas horas precisas.

Aos Professores. Anselmo de Alencar Colares, Maria Lilia Imbiriba Sousa Colares e Mara Regina Martins Jacomeli, pela coordenação do Programa de Doutorado Interinstituci-onal em Educação/Unicamp – UFOPA.

Ao Prof. Luiz Percival Leme Britto, amigo e irmão que encontrei no mundo acadêmico. Aos professores Norma Sandra de Almeida Ferreira, Luiz Percival Leme Britto, Lilian Lopes Martin da Silva, Eliana da Silva Felipe, membros da banca de qualificação desta tese, que tanto contribuíram para o que agora apresento.

Aos professores Maria das Dores Soares Maziero, Ediene Pena Ferreira, Norma Sandra de Almeida Ferreira, Claudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto, Roberto do Nas-cimento Paiva, Renê José Trentin Silveira, Roberto Akira Goto, por aceitarem participar da minha banca de defesa.

Ao senhor José Argélio Marques, dona Eliana Aparecida Vicentin Marques e Ana Clara Vicentin Marques, cuja amizade, carinho e proteção fizeram com que eu não sofresse de saudades dos meus familiares durante a minha estada em Campinas.

A minha família, em especial à minha tia Olgaci Maria Maia dos Santos, que partiu de forma inesperada, as vésperas de sua formatura.

A turma de Letras/PARFOR 2010 do Campus de Monte Alegre, em especial aos seis pro-fessores que aceitaram o desafio de promover a leitura em suas localidades e dispuseram da sua paciência e tempo para colaborar com o meu trabalho.

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Ao amigo Raimundo Nonato que na época dos intervalos de sua travessia no romance Vidas

Secas, me revelou que a universidade pode ser a combinação de conhecimento e alegria.

À Profa. Maria de Fátima de Sousa Lima, pela sua amizade e seu carisma.

Aos colegas do DINTER, que enfrentaram o frio de Campinas e suportaram a ausência dos seus familiares para se capacitar e promover uma educação de qualidade na UFOPA.

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RESUMO

A presente pesquisa faz um estudo da promoção de leitura em espaços escolares do Ensino Fundamental em uma região afastada dos centros urbanos, com pouca circulação de cultura erudita. Procuro entender as possibilidades e os limites de levar a ler nesses lugares distantes. O interesse de investir nesta temática como proposta de investigação científica advém da mi-nha vivência como professor de uma universidade periférica e por já atuar há mais de quinze anos formando professores. A investigação ocorreu em três comunidades rurais do Oeste do Pará e envolveu seis alunos-professores-pesquisadores-mediadores que implantaram espaços de leitura no ano de 2014 e também minha própria prática de orientador de trabalho de TCC no campo da leitura. Elegeu-se a pesquisa-ação como metodologia investigativa para analisar a instalação dos lugares de ler e ver como estão os lugares um ano depois. Para realizar tal estudo, alguns movimentos analíticos foram feitos, como usar as narrativas (TCCs) produzi-das pelos alunos, entrevista semiestruturada, visita aos lugares de ler, anotações de pesquisa de campo. De forma a conformar o escopo do debate, faço uma síntese conceitual das grandes questões que envolvem o debate em torno de levar a ler e do direito à leitura e à literatura e, por meio da investigação bibliográfica, narro os processos de vida e formação dos agentes envolvidos. Isso tudo me ofereceu subsídios suficientes para tentar entender as dinâmicas e práticas de leitura locais e as tensões e possibilidades de realização de projetos inovadores na formação do leitor escolar. Interessou-me, especialmente, inquirir as razões do por que dos projetos de intervenção propostos, apenas um teve plena continuidade ao projeto enquanto os outros dois não tiveram o mesmo êxito, um se mantendo precariamente e outro tendo desapa-recido por completo, deixando apenas ruínas.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura literária. Direito à literatura. Agentes de leitura. Lugares de ler.

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ABSTRACT

This research presents a study of reading promotion in elementary school environment in a remote region of Brazil, far beyond of the urban centers, with scarcely presence of written culture. I aimed to understand the possibilities and limits of conduct to read these distant plac-es. The interest in investing in this subject as a scientific research proposal comes from my experience as a teacher in a peripheral university where I have been working for more than fifteen years as teacher’s professor. The research took place in three rural communities in western Pará and involved six students-teachers-researchers-mediators who have launched reading spaces in 2014 and also my own practice as guiding undergraduate thesis in the read-ing field. Action research was elected as research methodology for analyzread-ing the installation of places to read and examine how these places become a year later. To achieve this objec-tives, I performed some analytical movements, using narratives produced by students, semi-structured interviews, visits to places of reading, field research notes. In order to conform the scope of the debate, I make a conceptual overview of the main issues surrounding the debate to take people to reading and the right to read literature. I also used bibliographic studies and using the six life narratives agents involved. All this gave me enough information to under-stand the local dynamics and local reading practices as well as the tensions and possibilities of the realization of innovative designs and teaching methods in reading education. I was spe-cially iinterested to inquire the reasons why only one the three proposed intervention projects, only one is full continuity while the other two have not had the same success, one remained precariously and another having disappeared. The conclusion reached is the need to densify education projects that have roots in the community and at the same time, consistent ties with the process open to the world.

KEYWORDS: Literary reading. Literature as a human right. Reading promoter. Places to read.

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LISTA DE MAPAS

MAPA 1 - DISTÂNCIA EM LINHA ENTRE SANTARÉM E BELÉM ... 57 MAPA 2 - LOCALIZAÇÃO DAS CIDADES DE MONTE ALEGRE E PRAINHA ... 58

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - COMPARATIVO ENTRE OS ANOS DE 2014 E 2015 DO ESPAÇO DE LEITURA ISANILDES SILVA DAS NEVES: AVANÇOS E RECUOS ... 92 QUADRO 2 - QUADRO COMPARATIVO ENTRE OS ANOS DE 2014 E 2015 DO ARMÁRIO DE LEITURA: AVANÇOS E RECUOS ... 108 QUADRO 3 - RESPOSTAS DA PERGUNTA DE NÚMERO OITO DOS PROFESSORES QUE PARTICIPARAM DA PESQUISA ... 110 QUADRO 4 - COMPARATIVO ENTRE OS ANOS DE 2014 E 2015 DO ESPAÇO CANTÃO DA LEITURA: AVANÇOS E RECUOS ... 120

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

FOTO 1 - Escola Municipal de Ensino Fundamental de Ipanema ... 85

FOTO 2 - Visão panorâmica do Espaço de Leitura Isanildes Silva das Neves. ... 87

FOTO 3 - Organização dos livros no Espaço de leitura ... 88

FOTO 4 - Organização dos livros no Espaço de Leitura... 90

FOTO 5 - Visão panorâmica do Espaço de leitura Isanildes Silva das Neves um ano depois . 91 FOTO 6 - Organização dos livros no Espaço de leitura um ano depois... 91

FOTO 7 - Foto frontal da Escola Municipal de Ensino Fundamental PA 254 KM 11 ... 93

FOTO 8 - Armário de leitura instalado na Escola PA 254 KM 11 ... 94

FOTO 9 - Organização dos livros no Armário de leitura ... 97

FOTO 10 - Atividade de leitura orientada pela professora Andria Araújo. ... 101

FOTO 11 - Leitura pública de literatura dos alunos da PA 254 KM 11 ... 102

FOTO 12 - Vista do barracão que abriga duas salas de aula ... 104

FOTO 13 - Cantinho de leitura montado em sala de aula ... 105

FOTO 14 - Cantinho de leitura da sala de aula ... 105

FOTO 15 - Alunos com livros de literatura ... 106

FOTO 16 - Alunos do ensino fundamental diante de novos livros ... 107

FOTO 17 - Controle de empréstimos de livros do Armário de leitura ... 107

FOTO 18 - Mesa com bancos do Cantão da leitura ... 111

FOTO 19 - Livros no varal e dispostos sobre a mesa ... 111

FOTO 20 - Lista de empréstimos e devoluções de livros do Cantão da leitura ... 113

FOTO 21 - Prateleira que servia para expor os livros do Cantão da leitura um ano depois .. 115

FOTO 22 - Entrada da dispensa da Escola Dr. Dátis Lima de Oliva ... 116

FOTO 23 - Livros didáticos e de literatura no interior da sala ... 116

FOTO 24 - Livros didáticos e de literatura no interior da sala ... 117

FOTO 25 - Instrumentos de fanfarras e materiais obsoletos ... 117

FOTO 26 - Produtos de limpezas e outros materiais na sala onde estão os livros ... 118

FOTO 27 - Sala de aula sem janelas, mas com cantinhos de leitura ... 119

FOTO 28 - Sala de aula sem janelas, mas com cantinhos de leitura ... 119

FOTO 29 - Quadro magnético improvisado usado nas aulas do EJA no Espaço de leitura .. 134

FOTO 30 - Alunos assistindo aula do EJA no Espaço de leitura ... 134

FOTO 31 - Armário de leitura ofertando livros ... 136

FOTO 32 - Pátio da escola Dr. Dátis Lima de Oliva na hora do intervalo ... 139

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LISTA DE IMAGENS

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LISTA DE SIGLAS

ALB – Associação de Leitura do Brasil ALLE – Alfabetização, Leitura e Escrita

CANP – Comunidade Agrícola Nacional do Pará

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior COLE – Congresso de Leitura do Brasil

DINTER – Doutorado Interinstitucional EJA – Educação de Jovens e Adultos

FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FNLIJ – Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil

FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valoriza-ção do Magistério

IFNOPAP – O Imaginário nas Formas Narrativas Orais Populares da Amazônia Paraense ILES/ULBRA – Instituto Luterano de Ensino Superior de Santarém/Universidade Luterana do Brasil

INSS – Instituto Nacional do Seguro Nacional LELIT – Ler Literatura: aprender e viver MEC – Ministério da Educação

MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização ONG – Organização Não Governamental

PARFOR – Plano Nacional de Formação de Professores PNAIC – Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa PNBE – Programa Nacional Biblioteca na Escola

PROFLETRAS – Programa de Mestrado Profissional em Letras SEMED – Secretaria Municipal de Educação

TCC – Trabalho de Conclusão de Curso

UFOPA – Universidade Federal do Oeste do Pará UFPA – Universidade Federal do Pará

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas UVA – Universidade Vale do Acaraú

(15)

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 17

CAPÍTULO 1 O PROBLEMA DA LEITURA ... 20

1.1 O DIREITO À LEITURA ... 20

1.2 PERSPECTIVAS FORMATIVAS NA ÓTICA DO DIREITO A LER ... 25

1.2.1 Leitura e criticidade ... 26

1.2.2 Leitura como experiência ... 35

1.2.3 Leitura e subjetividade ... 37

1.2.4 Leitura e liberdade ... 40

1.2.5 Leitura e conhecimento ... 42

1.3 A LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL ... 45

CAPÍTULO 2 FORMADORES, LEITORES E LUGARES DE LEITURA ... 49

2.1 O CONTEXTO ... 55

2.2 LOCALIZANDO OS LUGARES DISTANTES... 56

2.3 OS PERSONAGENS ... 59

2.3.1 Zair Henrique Santos ... 60

2.3.2 Jonadabe de Araújo Garcia ... 66

2.3.3 Alzenora Ferreira Carvalho das Neves ... 69

2.3.4 Andria Arcanjo da Silva Araújo ... 73

2.3.5 Sandra Elena Couto Meireles ... 77

2.3.6 Maria Rita de Alexandre de Lima Teles ... 79

2.3.7 Eliana Nascimento de Moraes ... 82

2.4 A CRIAÇÃO DOS ESPAÇOS ... 83

2.4.1 Espaço Isanildes Silva das Neves ... 84

2.4.1.1 Um ano depois ... 90

2.4.2 Formando leitores na Escola Municipal de Ensino Fundamental PA 254 KM 11 (Armário de leitura) ... 93

2.4.2.1 Um ano depois ... 102

2.4.3 A formação de leitores na Escola Dr. Dátis Lima de Oliva – Cantão da leitura ... 109

2.4.3.1 Um ano depois ... 114

CAPÍTULO 3 AS APRENDIZAGENS – TRANSFORMAÇÕES, POSSIBILIDADES E LIMITES ... 121

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 146

(16)

ANEXOS ... 155

ANEXO A - Trabalhos de conclusão de curso – TCCs ... 156

ANEXO B - Questionário para os comunitários ... 157

ANEXO C - Questionário para a comunidade escolar ... 158

ANEXO D – Parecer consubstanciado do CEP ... 159

ANEXO E – Termo de consentimento livre e esclarecido ... 164

ANEXO F - Termo de consentimento livre e esclarecido ... 166

ANEXO G - Termo de consentimento livre e esclarecido ... 168

ANEXO H – Termo de consentimento livre e esclarecido ... 170

ANEXO I – Termo de consentimento livre e esclarecido... 172

ANEXO J – Termo de consentimento livre e esclarecido ... 174

ANEXO K – Termo de anuência da Escola Municipal de Ensino Fundamental PA 254 KM 11 ... 176

ANEXO L – Termo de anuência da Secretaria Municipal de Educação em Prainha ... 177

ANEXO M – Termo de anuência da Secretaria Municipal de Educação de Monte Alegre ... 178

ANEXO N - Termo de anuência da Secretaria Municipal de Educação de Monte Alegre ... 179

(17)

APRESENTAÇÃO

Essa pesquisa apresenta-se como uma investigação diretamente vinculada ao trabalho que realizei como professor da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) durante os anos de 2013 e 2014. Na oportunidade, orientei Trabalhos de Conclusão de Curso junto à turma do curso de Letras na cidade de Monte Alegre. Em um ano de trabalho de orientação e de pesquisa junto com os alunos, já professores em exercício, muito me foi revelado e com-partilhado sobre suas concepções de leitura, suas histórias pessoais de leitura e de educação. Pude analisar um espaço da ordem social comum aos profissionais do interior da Amazônia, quiçá de outras Regiões do Brasil. Procurei e estou procurando entender, depois de mais de ano da implantação dos projetos, por que alguns desses alunos-professores-pesquisadores-mediadores conseguiram sucesso na implantação dos Espaços de leitura (o desafio a eles posto) em suas comunidades, enquanto outros agentes não conseguiram dar sequência ao pro-jeto.

Na presente investigação, vou abordar três desses trabalhos, que são relatos da criação de Espaços de leitura em escolas da zona rural, nas cidades de Monte Alegre e Prainha, no Oeste do Pará. Um deles foi desenvolvido em uma comunidade de várzea, chamada Ipanema, pertencente ao Município de Prainha. Outros dois foram realizados no Município de Monte Alegre, nas Comunidades da PA 254 KM 11 e na Vila da CANP (Colônia Agrícola Nacional do Pará), ambas pertencentes à zona rural do Município.

Esses relatos se organizaram a partir das experiências vividas por seus autores no de-safio de implantação dos referidos espaços. Os alunos em formação desenvolveram seus per-cursos de pesquisa com aplicação de questionários na comunidade e na escola e foram aos poucos revelando as possibilidades e os limites de levar a ler nesses lugares distantes e afasta-dos da cultura erudita.

Pretendo não apenas recuperar, numa narrativa retrospectiva, o processo exitoso da implantação dos espaços e das práticas iniciais de leitura com os alunos, mas também, e acima de tudo, indagar sobre os limites desse sucesso. Os espaços de leitura avançaram em sua pro-posta de formar leitores? Foram incorporados ao projeto pedagógico da escola ou não passa-ram de ações acadêmicas efêmeras de conclusão de curso? Quais fopassa-ram suas razões do suces-so ou fracassuces-so? Aumentou o número de professuces-sores da escola que desenvolve atividades de leitura na escola e na comunidade ou o espaço atraiu apenas os professores de Língua Portu-guesa? Qual é a percepção de educação, promoção de leitura e ensino do professor

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pesquisa-do? As Secretárias de Educação dos Municípios investiram nos espaços de leitura? Por que nem todos foram adiante? Enfim, são muitos os questionamentos que pretendo elucidar com a minha investigação.

Pretendo estudar os três trabalhos acadêmicos para entender:

a) Como se manifestam as contradições e limites das principais linhas de forças con-dutoras sobre leitura e formação;

b) Como em um processo de formação acadêmica inicial /continuada, com orientação sistemática, se desenvolvem os movimentos de formação de leitura em espaços de formação de leitor;

c) Quais as possibilidades de se realizarem ações de formação de leitor que tenham efeito na ampliação, na relação com a cultura e com o conhecimento das popula-ções por elas assistidas?

No primeiro capítulo, trago para o leitor um debate sobre o direito de ler literatura, de-fendendo que ler literatura é um valor positivo para elevar espiritualmente o homem e ajudar a perceber o seu existir em uma sociedade de classes. Estabeleci diálogo com estudiosos da literatura que investigam a história da leitura, que atribuem o papel revolucionário de um lei-tor esclarecido e que usufrui dos bens da criação cultural artística da humanidade, entre eles, destaco Candido, Sartre, Paulo Freire e outros.

No segundo capítulo, apresento os objetivos da investigação e a metodologia da pes-quisa-ação para averiguar o movimento dessa promoção de leitura no período aproximada-mente de dois anos, do nascimento a maturidade ou sepultamento desses espaços nas suas comunidades. Quem são os agentes executores dessa ação de ler? O que foi que criaram, on-de, e como criaram? Quais as táticas usadas pelos agentes para levar a ler? Essas problemati-zações também são assuntos desenvolvidos neste capítulo. Narro a trajetória de vida com a leitura dos sete agentes envolvidos na pesquisa, mostrando quais eram seus textos de ler na infância, quando tiveram contato com a leitura de literatura em suas vidas e como se empe-nharam na tarefa de criar e preservar os lugares de ler.

No último e terceiro capítulo, intitulado As aprendizagens – transformações,

possibili-dades e limites, apresento as transformações por que passaram os professores interventores

após vivenciar a experiência de promover a leitura, seus ganhos pedagógicos, saldo teórico conceitual sobre leitura, reflexões educacionais sobre a realidade que circunscreve aquelas comunidades, continuam desenvolvendo as atividades de levar a ler ou tudo não passou de

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entusiasmo protocolar? Quanto aos lugares de ler, tento verificar quais foram os ganhos estru-turais por que passaram no decorrer de um ano: hoje, existe pessoa responsável pelo acervo nas comunidades? Além dos professores que desenvolveram o projeto, outros se envolveram nas atividades de leitura, as comunidades chegaram a algum nível de consciência de que o lugar de ler instalado nas escolas é patrimônio de todos, que pode ser um diferencial na edu-cação local ou os espaços de ler não avançaram nas suas atividades práticas, assim como na estrutura física?

Na reflexão sobre esses temas, aponto as possibilidades e limites de levar a ler em lu-gares longínquos – distante não só geograficamente, mas também dos bens de direito que são da necessidade de todos que vivem em um Estado democrático.

Excluir o homem da possibilidade de ler literatura é condená-lo ao limbo da alienação, é dar poucas oportunidades de provar da satisfação espiritual de descobrir as coisas profundas da vida e se convencer de que só a partilha dos bens da cultura humana poderá criar uma soci-edade mais harmônica e justa.

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CAPÍTULO 1 O PROBLEMA DA LEITURA

O que significa ler e por que ler é um valor? Que ganhos, pessoais e sociais, tem a pes-soa por se fazer leitora, interagindo com determinado objeto da cultura (livros), especialmente livros de literatura e da produção cultural humana, nos marcos de uma educação omnilateral de que falam Saviani e Duarte (2010). A pergunta chave, enfim é: que sentido tem ler literatu-ra e as outliteratu-ras obliteratu-ras da cultuliteratu-ra – filosofia, política, história, ciência, quando se consideliteratu-ra a formação humana e a possibilidade de transcender a dimensão da cotidianidade, participando da generacidade humana(HELLER, 2004).

Vale a pena desenhar um mosaico de perspectivas que, com suas particularidades apontem para uma ideia de civilização, como postula Antônio Candido (2011): a literatura tem uma dimensão civilizatória e, neste sentido, uma dimensão emancipatória, pois pode tor-nar o homem livre de si mesmo, não necessariamente livre das amarras materiais, mas capaz de fazer a crítica da realidade.

No presente capítulo, trato de algumas questões fundamentais sobre o ato de ler. Em primeiro lugar, assumindo que ler é um valor e um direito – na perspectiva acima indicada –, examino as premissas que sustentam esse ponto de vista e as articulações entre a formação do leitor autônomo, o que, por sua vez, supõe considerar aspectos como a criticidade, a experiên-cia, a subjetividade, a liberdade e a produção de conhecimento através do processo de ler. Em segundo lugar, considero a leitura como prática social e as condições de sua possibilidade objetiva. Finalmente, examino o que significa “levar a ler” e que ações e propósitos se articu-lam nesta dimensão, inclusive as linhas de forças subjacentes às diferentes ações que daí re-sultam.

1.1 O DIREITO À LEITURA

Ler e escrever é, mais que um direito, é um imperativo social. Conforme Britto (2012), a escrita é a chave mestra da estruturação social, ocorrendo de forma essencial nas mais vari-adas manifestações da vida cotidiana, em impressos de todo tipo (do volante ao livro, passan-do por folhetos, revistas, encartes) e em placas, cartazes, faixas, telas. Para este autor, a vida prática está impregnada de escrita. Nessa dimensão pragmática da leitura, ocorre um

Uso da escrita (principalmente de leitura) relacionado com a reprodução da vida no espaço cotidiano, referenciado no senso comum complexo. Tal uso exige aprendizagens automatizáveis que superam o relacionamento imediato com os pares, fazendo-se por mediações várias de meios sofisticados de co-municação e formação. A esta dimensão, associam-se textos cuja

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interpreta-ção é fortemente contextualizada e cujos referenciais são da ordem do coti-diano, estabelecidos pelas tradições ou pelos instrumentos formativos ideo-lógicos (meios de comunicação de massa, instituições de estado, igrejas, etc.). (BRITTO, 2012, p. 40).

Para o autor, nesta dimensão,

Pouco se manifestam dois elementos essenciais das práticas intelectuais es-critas: a expansão da memória e a metacognição (o ato de controlar o próprio ato de pensar, a administração deliberada das formas de raciocínio e de inte-ração). De maneira geral, os usos da escrita em atividades da vida diária cor-respondem à situação em que esta atua como comando direto de um proces-samento mecânico, irrefletido. (BRITTO, 2012, p. 41).

Aponta Britto que a ordem capitalista contemporânea tornou imperativa a leitura, pois há a necessidade de o indivíduo dispor de um mínimo de conhecimento de leitura e escrita para produzir, consumir e responder às demandas sociais: sem isso, sua participação na ordem social é mínima. Aí está o consenso, no âmbito do sistema, da necessidade de capacitação neste nível de todos os trabalhadores: não dominar estas tecnologias implica menor capacida-de capacida-de participação positiva no sistema produtivo.

Disso resulta que o alfabetismo, mais que um direito, é uma determinação estrutural. Isso não significa que não seja percebida como direito, mas não se pode esconder que é a pró-pria ordem produtiva (em âmbito mundial) que impõe a todos a necessidade de se municiarem dessa “capacidade”, passando, portanto, a ser um direito impositivo (como ser vacinado).

Por outro lado, existe uma dimensão do direito de ler que não se conforma àquela que o sistema exige, apontando para uma ordem histórica humana que propiciaria ao indivíduo, como expressão da humanidade toda, a experiência de ser de cultura, de ser-genérico (HEL-LER, 2004),reconhecendo que “atividade autorrealizadora é a única forma de o indivíduo se efetivar como um ser genérico, isto é, um ser conscientemente representativo do desenvolvi-mento alcançado pelo gênero humano”. (SAVIANI e DUARTE, 2010, p. 429).

Trata-se de uma dimensão em que a pessoa não lê para estudar o necessário ou para aprender a produzir, e, sim, lê, estuda, aprende para ser participante da ordem completa do humano. Seria, seguindo o raciocínio de Herbert Marcuse apresentado por Bottomore (2012, p. 435), aquela dimensão correspondente à esfera da liberdade, em oposição à esfera da neces-sidade.

Nos termos de Marilena Chauí, trata-se de, para além do sentido amplo de cultura co-mo expressão antropológica, tomar a cultura coco-mo processo de “criação e expressão das obras

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de pensamento e das obras de arte”. Nessa perspectiva, a cultura – e aqui está implicada a leitura como forma privilegiada do fazer humano – se realiza como:

[1] movimento de criação do sentido, quando a obra de arte e de pensamento capturam a experiência do mundo dado para interpretá-la, criticá-la, trans-cendê-la e transformá-la – é a experimentação do novo; [...] [2] ação para dar a pensar, dar a ver, dar a refletir, a imaginar e a sentir o que se esconde sob as experiências vividas ou cotidianas, transformando-as em obras que as modificam por que se tornam conhecidas (nas obras de pensamento), densas, novas e profundas (nas obras de arte); [...] [e 3] direito do cidadão, direito de acesso aos bens e obras culturais, direito de fazer cultura e de participar das decisões sobre a política cultural.(CHAUÍ, 2008, p. 61).

Importa destacar que esse direito não está dado nem garantido a todos: é um direito em disputa, uma possibilidade humana. Ler, agora, corresponde a experimentar e interagir intensa e livremente, num “contínuo movimento de apropriação das objetivações humanas produzidas ao longo da história”. (SAVIANI e DUARTE, 2010, p. 432).

Portanto, como estamos falando em direito pleno, a leitura tem de ser mais que uma exigência, se não as pessoas vão continuar seguindo cegamente a ordem estabelecida. O direi-to à leitura, nessa perspectiva, implica a viabilização da realização plena do ser humano em suas tensões, contradições e desejos, amplitude esta que não é garantida pela ordem econômi-ca, antes, é restringida.

Trata-se, portanto, de assumir a leitura como parte de uma

Política cultural definida pela ideia de cidadania cultural, em que a cultura não se reduz ao supérfluo, entretenimento, aos padrões do mercado, à oficia-lidade doutrinária (que é ideologia), mas se realiza como direito de todos os cidadãos, direito a partir do qual a divisão social das classes ou a luta de classes possa manifestar-se e ser trabalhada porque no exercício do direito à cultura, os cidadãos, como sujeitos sociais e políticos, se diferenciam, en-tram em conflito, comunicam e trocam suas experiências, recusam formas de cultura, criam outras e movem todo o processo cultural. (CHAUÍ, 2008, p. 66).

Se isso diz respeito em relação a cultura em geral, mais diretamente se aplica à questão da literatura. Porém, no geral, a literatura é entendida como entretenimento fácill – conceito que se difunde midiaticamente, seria o direito básico de um lazer simples. Contudo, percebida como expressão da condição humana, ela se caracteriza como a possibilidade de participar do total humano pela sua densidade, pela sua força e potencialidade criativa.

Quem tratou deste assunto de maneira muito intensa foi Antônio Candido no conheci-do texto “O direito à literatura”, em que assume o ponto de vista de que a literatura é um di-reito humano inalienável.

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Para sustentar essa tese, o autor remete à noção de bens incompressíveis, entendidos como aqueles que “não podem ser negados a ninguém”, tais como o alimento, a casa, roupa, e bens compressíveis (cosméticos, os enfeites, as roupas supérfluas). Ocorre que

A fronteira entre ambos é muitas vezes difícil de fixar, mesmo quando pen-samos nos que são considerados indispensáveis. [...] O fato é que cada época e cada cultura fixam os critérios de incompressibilidade, que estão ligados à divisão da sociedade e em classes, pois inclusive a educação pode ser ins-trumento para convencer as pessoas de que o que é indispensável para uma camada social não é para outra. (CANDIDO, 2011, p. 175).

Assim, chama a atenção para que os direitos incompressíveis não se restrinjam ao campo dos direitos fundamentais sociais da existência, tais como a alimentação, saúde, mora-dia, educação, vida, maternidade, indo muito além disso, em função do alargamento do con-ceito, e compreendendo os aspectos relativos à “integridade espiritual”, dentre os quais estão a instrução, a cultura, a liberdade e a literatura como essenciais ao existir do homem.

De forma a adensar o argumento, o estudioso vê-se instado a explicitar o que entende por literatura e qual sua função na vida humana.

Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível, todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civi-lizações. (CANDIDO, 2011, p. 176).

Em consequência, a literatura englobaria da parlenda aos romances e os textos “de pensamentos” fundamentais da humanidade. Esta ideia de projeção imaginária de possibilida-des passa a ser vivida e representada em um texto que tem intenção de abandonar o real e, com isso, manifesta o caráter fabulador do humano – isto é, a necessidade de viver a dimen-são da ficção-imaginação-fruição da existência, transpondo os problemas da vida imediata.

É da natureza humana fantasiar, independentemente da classe social, cultura ou civili-zação. Imaginar é a única faculdade humana plena de liberdade individual criadora e, por isso, é direito de todos o acesso a esse bem, porque a literatura é um elemento essencial da cultura e, tendo caráter extremamente civilizatório, humanizador, possibilita às pessoas maiores e fundamentais condições de participação na ordem da vida, da dimensão fundamental da exis-tência de forma ampla.

Outra questão considerada por Candido é a razão de ser da literatura. Segundo o estu-dioso, a função dessa arte pode ser abordada nos seguintes aspectos:

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(1) ela é uma construção de objetos autônomos como estrutura e significa-dos; (2) ela é uma forma de expressão, isto é, manifesta emoções e a visão do mundo dos indivíduos e dos grupos; (3) ela é uma forma de conhecimen-to, inclusive como incorporação difusa e inconsciente. (CANDIDO, 2011, p. 178-179).

Geralmente, a literatura se apresenta na existência dos homens apenas como forma de conhecimento que deveria ser adquirida e expandida, pouco se refletindo sobre sua estrutura física (parte material do objeto de arte) que materializa as verdades interiores do limbo da humanidade. Na verdade, quando falamos de literatura, estamos falando dessa tríade que ex-pande as possibilidades da existência humana, abrindo o espírito para a reflexão, indicando caminhos para a aquisição de novos conhecimentos, instalando uma alma provocadora que parece em constante descontentamento com a ordem alienada, formando um sujeito sensível às emoções, um sujeito que experimenta a existência pelo fruir estético, além disso, a fre-quência aos textos de literatura desenvolve a capacidade de se importar com o outro, instigan-do a ética e a cidadania, alicerçadas no caráter humanizainstigan-dor e civilizatório. Então, a literatura é essencialmente um elemento produtor de ética e cidadania.

O terceiro aspecto destacado por Candido em sua análise consiste na defesa da litera-tura como um direito fundamental do homem que vai além dos direitos materiais, porque, devido a seu caráter humanizador e a sua potência criativa organizadora do caos, esse direito não é mensurável: a pessoa não precisa dele para existir, mas precisa dele para viver.

Em sociedades como a brasileira, nas quais ainda não se efetivaram direitos básicos de cidadania (problema pretensamente já superados por outros países há mais de séculos), existe um abismo descomunal nas possibilidades do viver bem entre todos: não se estende à popula-ção pobre os bens incompressíveis. Assim, Candido (2011, p. 188-189) sustenta que:

Em nossa sociedade há fruição segundo as classes na medida em que um homem do povo está praticamente privado da possibilidade de conhecer e aproveitar a leitura de Machado de Assis ou Mário de Andrade. Para ele, fi-cam a literatura de massa, o folclore, a sabedoria espontânea, a canção popu-lar, o provérbio. Estas modalidades são importantes e nobres, mas é grave considerá-las como suficientes para a grande maioria que, devido à pobreza e à ignorância, é impedida de chegar às obras eruditas.

Cabe lembrar que, se, no primeiro momento, o estudioso estendeu o conceito de litera-tura para várias manifestações cullitera-turais, oferece, no final de seu discurso, ênfase à ideia de que todo homem do povo tem o direito de ler literatura universal, como a de Luiz de Camões, Fernando Pessoa, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade – res-tringindo o exemplo a autores de Língua Portuguesa. Negar às pessoas essa possibilidade é

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feri-las no direito fundamental, se é um direito, então o Estado tem de intervir e garantir, com ações objetivas, as condições fundamentais para que as pessoas possam ler.

A primeira dessas condições é a garantia de todos terem acesso à produção cultural, o que passa pelas políticas do livro e da biblioteca. A segunda é a disposição intelectual de cada pessoa, de modo que possa ler e vivenciar o lido. De nada adianta o acesso ao livro por meio da política de oferta, distribuição de livros, se a pessoa não tiver a capacidade objetiva de ler – o que implica a escolarização e a instrução adequadas.

Mas, afinal, o que significa ler literatura? Novamente entram duas premissas.

Em primeiro lugar, está evidentemente o saber ler, isto é, dispor da capacidade de pro-cessar e operar com o texto escrito e com produtos que se produzem nesse modelo. Trata-se daquilo que Bértolo (2014), ao tratar da operação de ler o texto narrativo, chama de dimensão textual da leitura, que implica o processamento linguístico do texto com que o leitor interage. Por isso se pode dizer que toda ação de letramento é uma ação que garante o direito a ler.

Entretanto, a simples habilidade de ler ou a capacidade de leitura limitada ao trivial não é condição suficiente para alguém ler literatura. Ler literatura significa fundamentalmente ter experimentado, convivido e aprendido a operar com determinado texto artístico da língua. As palavras de Candido (2011, p. 193) são categóricas:

A luta pelos direitos humanos abrange a luta por um estado de coisas em que todos possam ter acesso aos diferentes níveis da cultura. A distinção entre cultura popular e cultura erudita não deve servir para justificar e manter uma separação iníqua, como se do ponto de vista cultural a sociedade fosse divi-dida em esferas incomunicáveis, dando lugar a dois tipos incomunicáveis de fruidores. Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável.

1.2 PERSPECTIVAS FORMATIVAS NA ÓTICA DO DIREITO A LER

Desde os anos 1970, a ordem é ler: ler palavras, ler imagens, ler entrelinhas, ler o mundo, ler criticamente, ler por prazer, aprender a ler brincando, ensinar ler a partir de rótulos de produtos comerciais, etc. Muitos são os chavões sobre leitura que hipnotizam pais, profes-sores, estudantes e a sociedade. Ler seria a ordem!

O desenvolvimento da humanidade e do conhecimento tecnológico fez com que ler ganhasse grande importância em todos os setores sociais, até mesmo com certos exageros. Em alguns discursos, soa como uma atividade que qualquer pessoa poderia desenvolver – bastaria

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vontade e estímulo. Em outros, aparece como a panaceia salvacionista que conduziriam o in-divíduo à plena realização de si, colocando o sucesso pessoal e a aquisição de poder como consequências direta de ser leitor.

Isso, certamente, não tem fundamento quando se examinam as condições e os modos de formação da subjetividade e de aquisição de conhecimento no mundo contemporâneo.

A leitura não é uma função que nasce e se desenvolve devido a um dom, vo-cação ou talento de um indivíduo. Muito pelo contrário: a leitura é uma prá-tica social que, para ser efetivada, depende de determinadas condições obje-tivas, presentes na sociedade como um todo. Ninguém é avesso à leitura por natureza; a pessoa pode, isto sim, ser levada a ser avessa, a detestar a leitura. Mais concretamente falando, uma pessoa dificilmente vai ler ou conviver com livros se ela não tiver tempo para o exercício da leitura, se ela não tiver acesso à educação formal, se ela não tiver poder aquisitivo para a compra re-gular de materiais escritos, se ela não tiver uma rede bem equipada de biblio-tecas que atenda seus interesses e necessidades. (SILVA, 2009c, p. 165). Assim, a partir da ótica do direito à literatura, passo a discutir o que considero serem os cinco eixos fundamentais do sentido de ler sugeridos pela produção intelectual contempo-rânea sobre leitura e formação de leitor. A intenção dessa resenha é capturar como tais pers-pectivas informam o pensamento comum sobre formação de leitor, especialmente em sua re-percussão nas práticas de leitura levadas a cabo pela educação escolar.

São eles: leitura e criticidade, leitura como experiência, leitura e subjetividade, leitura e liberdade, leitura e conhecimento1. Desde logo, é preciso advertir que me refiro a tendências e que se identificam muitos pontos de articulação entre elas, ainda que se possa destacar um aspecto como predominante.

1.2.1 Leitura e criticidade

Na linha da leitura crítica, destaco três intelectuais brasileiros que são ícones no campo da educação: Paulo Freire, Ezequiel Theodoro da Silva e João Wanderley Geraldi.

Começo falando de Paulo Reglus Neves Freire, considerado por muitos o principal pensador da educação no Brasil do século XX e um dos mais destacados pedagogos do

1Ainda que não siga exatamente a análise dos autores, para estabelecer estes cinco eixos, referenciei-me em

Britto, Serra e Casmanie (2015), que, em trabalho em que examinam o que sustenta as ações de leitura desenvol-vidas por projetos premiados pelo concurso “Melhores programas de incentivo à leitura de crianças e jovens”, realizado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, trabalham com a ideia de “linhas de força de pro-moção da leitura, entendidas como as diferentes formas de compreensão e de ação que conduzem suas finalida-des. Elas informam, por assim dizer, as percepções de leitura, de subjetividade, de identidade que sustentam os programas. Nelas, o conceito de conhecimento e de verdade jogam e fazem acontecer uma ação; se aproximam, se afastam, coexistem, tensionam-se, divergem, suportam-se, impõem-se umas às outras”.

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do de todos os tempos. Seu pensamento, suas ações educacionais e políticas se transformaram em grande legado para a humanidade.

Em 1963, Paulo Freire foi convidado pelo então presidente da república João Goulart para desenvolver um programa de alfabetização para ensinar a leitura e a escrita a milhares de trabalhadores brasileiros analfabetos. Porém, ainda quando do início do desenvolvimento des-te projeto, os militares assumiram o poder e Paulo Freire foi considerado subversivo, perigoso e teve que se exilar.

A educação defendida por Paulo Freire ficou conhecida primeiro no exterior, uma vez que um dos marcos do seu trabalho acadêmico – A pedagogia do oprimido – foi publicado primeiramente em 1968, em espanhol, só recebendo edição brasileira em Português em 1975, quando a ditadura militar, já em seus estertores, permitiu sua publicação.

O educador pernambucano desenvolveu uma pedagogia dialógica e questionadora fundada em um tripé: escola, sala de aula e sociedade, em que desde logo se reconhece a di-mensão política de toda ação pedagógica. Afirmando taxativamente “não ser possível pensar, sequer, a educação, sem que se esteja atento à questão do poder” (FREIRE, 1989, p. 16), ob-serva que a sociedade é constituída de opostos e diferenças, democracia e opressão, problemas e soluções. A pedagogia libertadora estaria a serviço dos oprimidos. Em seu bojo, são contra-postas duas concepções antagônicas de educação: a primeira é chamada de educação bancária, assim explicada por Freire (1989, p. 33-34):

A educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depo-sitários e o educador o depositante. Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, rece-bem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para serem co-lecionadores ou fichadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens, nesta (na melhor das hipóteses) equivo-cada concepção “bancária” da educação. Arquivados, porque, fora da busca, fora da práxis, os homens não podem ser. Educador e educandos se arqui-vam na medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criati-vidade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fa-zem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também. Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifesta-ções instrumentais da ideologia da opressão a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual es-ta se encontra sempre no outro.

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Dessa forma, a educação bancária limita o conhecimento dos alunos à assimilação adaptativa, não lhes sendo dada a oportunidade de uma discussão que lhe possibilitaria a refu-tação do “saber” imposto pelo opressor, como se os problemas da realidade social não fossem do interesse de cada indivíduo naquele contexto. O professor ‘sábio’ repassaria o conhecimen-to da burguesia colonizadora, o qual jamais deveria ser questionado pelos que nada sabem e mecanicamente repetem as ideologias, valores, interesses dos dominadores.

A segunda concepção de educação é a problematizadora, que pressupõe uma relação dialógico-dialética que supera a hierarquização educador-educando. Nesse caso, educador e educando aprendem um com o outro por meio do dialógico, tomando consciência de ser no mundo, tornando-se conscientes de que são seres inacabados. Esta pedagogia contribui para a libertação da escravidão imposta pelos opressores, estimulando a reflexão ativa e potenciali-zando o uso da palavra transformadora do mundo e dos homens. Acima de tudo, investe na autonomia ao educando, contribuindo para que ele possa intervir de forma revolucionária na sociedade.

A grande arma para a liberdade plena na pedagogia de Paulo Freire (1987, p. 45) é o diálogo.

Porque é encontro de homens que pronunciam o mundo, não deve ser doa-ção do pronunciar de uns a outros. É um ato de criadoa-ção. Daí que não possa ser manhoso instrumento de que lance mão um sujeito para a conquista do outro. A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógi-cos, não a de um pelo outro. Conquista do mundo para a libertação dos ho-mens.

Assim, educação não é sinônimo de domesticação, mas de prática reflexiva de liberda-de. O combate à opressão é o motivo essencial da ação transformadora, por isso, o povo tem que se alfabetizar para se conscientizar e lutar pela sua liberdade das amarras dos dominantes. Com isso, “A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se pren-dem dinamicamente.” (FREIRE, 1989, p. 9). Só assim, os homens desenvolverão a criticidade necessária para questionar a situação social, criando a consciência que é responsabilidade de todos os sujeitos a construção de uma sociedade democrática.

Ensinar a leitura perpassa por contextualizar os signos, atribuindo significados sociais para o que se lê. De nada vale ficar repetindo mecanicamente pa-pe-pi-po-pu sem mergulhar no significado profundo da linguagem e da palavra. Por isso, ainda segundo Freire (1989, p. 9), “o ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem

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escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo”. Aprender a ler e a escre-ver só faz sentido se for para ampliar a intervenção do sujeito no mundo, principalmente pela autoconsciência, que não é só subjetiva e individual. Não é eu e eu, mas eu sou eu, neste

lu-gar, com estas pessoas e reconheço as relações históricas, culturais, políticas envolvidas na

sua condição de ser e nas condições de realização do contexto histórico. É isto que ele chama de conscientização.

Em suma, a proposta de Freire tem como eixo fundamental a educação para a liberda-de, princípio de toda e qualquer educação (obviamente, em sua produção intelectual, a refe-rência se circunscreve ao trabalho de alfabetização de adultos). A alfabetização projeta o ho-mem para ser no mundo, não o deixando se perder e fazendo-o responsável pela autoafirma-ção de ser sujeito na sociedade e reconhecer nos outros essa mesma condiautoafirma-ção. Isso tudo con-tribui para que cada indivíduo reconheça a si e ao outro no mundo. Portanto, a ideia de leitura crítica existe em aprender a ler para pensar o mundo e intervir nele.

Outra referência da vinculação da leitura ao desenvolvimento do espírito crítico é Eze-quiel Theodoro da Silva, de cujas ideias passo a tratar.

Data do ano de 1978 a organização do 1º Congresso de Leitura do Brasil (COLE) pelo professor Ezequiel. Era época de censura imposta pela ditadura, de modo que falar em direito de leitura para o cidadão comum era ser contra essa ordem e os responsáveis por fazer profes-sores e alunos sonharem com a liberdade de expressão poderiam ganhar o mesmo destino de Paulo Freire, Caetano Veloso, Benedito Nunes, Vladimir Herzog e tantos outros intelectuais que foram perseguidos, exilados ou assassinados por serem considerados subversivos pela ordem autoritária instalada no Brasil.

Criar o COLE, por si só, já colocaria Ezequiel Theodoro da Silva como um dos princi-pais promotores de leitura no Brasil. Contudo, é necessário levar em consideração sua produ-ção intelectual no campo da leitura e educaprodu-ção, incluindo artigos, blogs, sites, dissertações e teses orientadas, palestras, livros, que adicionam à crítica intelectual brasileira pesquisas de fôlego e resultados científicos marcantes.

Um pouco das suas ideias sobre leitura e criticidade estão reunidas no livro

Criticida-de e leitura: ensaios (2009), obra Criticida-dedicada a Paulo Freire que reúne alguns textos que

repre-sentam um ajuste de contas de uma vida de militância. Nela, o autor manifesta pensamentos que combatem as concepções simplórias de leitura e procura apontar caminhos para os profes-sores que estão imbuídos na tarefa de formar leitores.

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Crítico das concepções reducionistas de leitura, o estudioso defendeu, ao longo de sua carreira, a ideia de uma leitura crítica que se sintetiza no seguinte pensamento: “Ler é sempre uma prática social de interação com signos, permitindo a produção de sentido(s) através da compreensão-interpretação desses signos” (SILVA, 1999, p. 16). Está bem claro para o pro-fessor que a sociedade brasileira “não está solicitando o leitor ingênuo e reprodutor de signifi-cados, mas sim cidadãos leitores que produzam novos sentidos para a vida social através da criatividade, do posicionamento crítico e da cidadania” (p. 17).

Silva (2009c, p. 165-166) critica as concepções facilitadoras de leitura, observando que

Sem o conhecimento crítico dos porquês de nossa sociedade ser e estar assim (e não de outra maneira) e sem o posicionamento frente às contradições de-tectadas, professores e bibliotecários correm um sério risco de, inocentemen-te, colaborar para a reprodução das estruturas e dos valores vigentes. [...] Enquanto nossos professores e bibliotecários não partirem para uma crítica contundente dos valores subjacentes às relações sociais, continuaremos no “chove não molha”, com as pessoas pensando, por exemplo, que a técnica da hora do conto, por si só, vai solucionar o problema da não leitura das nossas crianças e jovens.

Nas últimas décadas, tivemos avanço significativo no combate à naturalização da bar-bárie no Brasil. Esvaiu-se o tempo em que a escola era lugar exclusivo dos bem-nascidos, tempo em que caboclos, negros, índios, pobres não precisavam ler e escrever: se sua existên-cia dependia apenas da sua força de trabalho, estudar para quê? Mulheres não precisavam aprender a ler e escrever, as prendas domésticas e um bom casamento garantiriam a sobrevi-vência, o salário das empregadas domésticas dependia da “bondade” dos patrões, não havia regime de horas de trabalhos, já que pobre não tinha direito a lazer nem dispunha de espaços na sociedade para gozar do descanso.

Toda essa contradição existia e existe na sociedade brasileira e parecia tão natural que os massacrados socialmente repetiam jargões do tipo “graças a Deus que sou pobre”, “mais vale um pobre no reino de Deus do que um rico na terra”, “só morre de preguiça, quem não trabalha”, “é motivo de comemoração ter um aluno da nossa escola aprovado na universidade, sendo que 300 concluíram o segundo grau este ano”.

Já houve mudanças, mas não houve a mudança. Uma das características do capitalis-mo é se reinventar: o sistema tem em seu fundamento a dominação de uma classe sobre a ou-tra e o convencimento dos dominados pelos dominantes como algo natural. Por isso, as

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dis-crepâncias sociais são tão grandes, tanto do ponto de vista das classes sociais, assim como entre as regiões brasileiras.

Nos idos dos anos 80 do século XX, Ezequiel Theodoro já professava:

A caracterização da leitura como sendo uma atividade de questionamento, conscientização e libertação geram uma série de implicações, principalmente quando vinculamos com organizações sociais específicas e concretas. É pre-ciso saber [...] se a organização social, onde a leitura aparece e se localiza, dificulta ou facilita o surgimento de homens-leitores críticos e transformado-res. É preciso saber, ainda, se uma sociedade, através dos seus organismos dirigentes, concebe a leitura como uma atividade destinada à realização e ao bem-estar do povo ou como uma atividade que impede o surgimento da consciência e da racionalidade. É preciso saber, enfim, se o objeto da leitura (livro ou similar) circula democraticamente numa sociedade de modo a per-mitir sua fruição por parte dos homens que constituem essa sociedade. Tais necessidades revelam que o problema da leitura não se desvincula de outros problemas enraizados na estrutura social: é praticamente impossível discutir as vivências ou carências da leitura de um indivíduo sem situá-lo dentro das contradições presentes na sociedade onde ele vive. (SILVA, 1997, p. 46-47). A leitura crítica possibilitaria à pessoa um projeto de transformação social que comba-te a naturalização da barbárie, uma vez que lhe daria condições de encomba-tender as contradições da sociedade conservadora, em que poucos detêm o poder e usufruem dos privilégios, enquanto a maioria é sistematicamente ferida em seus direitos fundamentais. Além disso, a leitura crítica armaria a sociedade para abalar o mundo das certezas através de questionamentos, desmasca-rando o funcionamento das ideologias alienantes. As pessoas passariam a entender o porquê de as propagandas do Estado incentivarem o consumismo, assim como exaltarem a docilida-de, a ingenuidade e a cordialidade do homem. Todo esse desprezo que a classe popular expe-rimenta no seu dia a dia é explicado porque

A conservação e a reprodução dos esquemas de privilégios dependem fun-damentalmente, da ignorância e do conformismo, aqui tomados como formas de escravização da consciência. Daí que a presença de sujeitos críticos e, por extensão, de leitores críticos seja incômoda, seja tomada como um risco aos detentores do poder. (SILVA, 2009a, p. 25).

Diante dessa sociedade excludente, conservadora, desumana, é papel do professor: Ser um rebelde bem fundamentado teoricamente e astuto politicamente. Lu-tar incessantemente pela horizontalização das relações na escola. Estudar e saber de onde vem o poder dos superiores. Lembrar sempre que, entre as funções do professor, está aquela de ser um militante da mudança; nesse ca-so, militância significa saber organizar seus pares na direção de uma nova sociabilidade – uma sociabilidade democrática e ética. (SILVA, 2009a, p. 66).

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Assim, penetrar nas entranhas do texto é penetrar no âmago da realidade da socieda-de, combatendo a simplificação da realidade apresentada pelos que detêm o poder. Cabe à leitura crítica fazer com que o homem se arme de lentes que oportunizem ler para além das linhas.

Silva fala da leitura e da escrita defendendo um sujeito ativo, um sujeito que consegue ter a clarividência de que faz parte de uma sociedade contraditória. Daí porque formar leitores é formar cidadãos conscientes, cidadãos que têm o dever de transformar a sociedade – o que jamais acontecerá se a aprendizagem continuar ocorrendo por mera repetição ou acumulação de conteúdos propostos pela elite dominante.

O terceiro nome que se destaca nessa perspectiva é o de João Wanderley Geraldi, que veio a tornar-se nacionalmente conhecido quando lançou, em 1984, O texto na sala de aula –

leitura e produção de texto, inaugurando uma nova concepção de ensinar e aprender a Língua

Portuguesa (GERALDI, 1984).“A utilização do texto em sala de aula” – talvez a expressão mais marcante e mal compreendida dessa obra – continua a ecoar até hoje na voz dos profes-sores e formadores de profesprofes-sores de Língua Portuguesa de norte a sul do Brasil.

O ponto fulcral da concepção de Geraldi está no reconhecimento dos sujeitos da lin-guagem e na afirmação decorrente de que é no exercício crítico da palavra que se formam subjetivas autônomas e livres. Para o autor,

É preciso enfrentar um problema de construir no fluxo das instabilidades uma estabilidade e confessá-la ao Outro como uma posição provisória que permite propor a hipótese. Eis pois esta posição: instaurar a linguagem como um processo de contínua constituição e, por isso, sobre a precariedade que a temporalidade específica dos momentos implica. E se o sujeito emerge no mundo discursivo e nele sua consciência se constitui, a precariedade do pro-visório é também, pelo funcionamento próprio da linguagem, uma caracterís-tica da subjetividade. Não há, para nos garantir um terreno estável, nem um sujeito pronto e acabado que se apropria de uma língua ao falar/escrever, nem uma língua (no sentido sociolinguístico do termo, que implica portanto e desde sempre a multiplicidade na unidade aparente) pronta e acabada. So-bra-nos, neste sentido, apenas o evento discursivo, que se dá na linha do tempo e que só tem consistência enquanto “real” na singularidade do mo-mento em que se enuncia. A relação com a singularidade é da natureza do processo constitutivo da linguagem e dos sujeitos do discurso. (GERALDI, 2002, p. 80).

A exemplo dos outros dois estudiosos considerados, Geraldi faz a defesa sistemática da liberdade como princípio do homem existir. Sua reflexão sobre a leitura acontece no cam-po da educação linguística, mas, mais que dizer quais os efeitos e cam-possibilidades da leitura, o

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estudioso está preocupado fundamentalmente em responder como o sujeito se constitui no mundo.

Geraldi defende a necessidade de investimento na forma de ser de cada um que, de certa maneira, se contraporia a um mundo autoritário, fechado e assim por diante, havendo, em seu argumento, o investimento permanente na fala dos menos assistidos, dos pobres, dos pequenos, dos oprimidos. É preciso armar as classes populares com a contrapalavra:

Um leitor que não oferece às palavras lidas as suas contrapalavras, recusa a experiência de leitura. É preciso vir carregado de palavras para o diálogo com o texto. E essas palavras que carregamos multiplicam as possibilidades de compreensões do texto (e do mundo) porque são palavras que, sendo nos-sas, são de outros, e estão dispostas a receber, hospedar e modificar-se face às novas palavras que o texto nos traz. (GERALDI, 2002, p. 82).

No que diz respeito especificamente à leitura, o estudioso fala o seguinte:

Ler não é apenas reconhecer signo com suas significações que, entranhadas nas palavras, são dissolvidas pelo seu novo contexto – que incluem também as contrapalavras do leitor – para permitir a emergência de um sentido con-creto, específico e único, produto da leitura que está realizando. Neste senti-do, leitura é também coprodução do texto, uma atividade orientada por este, mas que lhe ultrapassa. O reconhecimento do que já é conhecido é uma con-dição necessária para que se dê a leitura, mas não é concon-dição suficiente. É preciso ultrapassar o já sabido e reconhecido para construir uma compreen-são do que se lê (e do que se houve). (GERALDI, 2010, p. 103).

Geraldi justifica o investimento na prática e ensino da leitura se for para afirmação do sujeito capaz de pensar diante das coisas do mundo, por meio do uso da linguagem como pro-vocação para pensar o outro e entendê-lo, levando a sério o outro. Alfabetizar não é só associ-ar fonemas a grafemas, aperfeiçoassoci-ar instrumentos de leitura e escrita, tampouco o domínio dos aspectos linguísticos-discursivos. Acima de tudo isso está a produção de sentidos no ato de ler.

Trabalhar a leitura tendo como fim a construção de sentidos perpassa, portanto a cons-cientização do homem da sua situação de existir em um espaço onde reina a desigualdade social. Assim, formar leitores com o domínio da contrapalavra é subversão ao sistema, já que passarão a indagar constantemente sobre as condições e possibilidades sociais de ser leitor dentro de um sistema excludente.

Na sociedade brasileira, os brasis vivem esta situação quando:

Há que formar leitores proficientes sem que o acesso aos objetos de leitura tenha sido universalizado, estando excluídos do mundo dos livros, das livra-rias e das bibliotecas muitos dos alunos e frequentemente muitos dos profes-sores pela inexistência das condições sociais de leitura. Em consequência, a

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luta pela formação de leitores não se restringe às paredes das escolas e de-manda também a participação política. (GERALDI, 2010, p. 110).

Enquanto não melhorarem as condições sociais do Brasil com a efetivação de direitos fundamentais do homem (dentre eles: educação, saúde, moradia, alimentação, vida e direito à literatura), continuará acontecendo o que Geraldi (2010, p. 110) anota como sendo “mera es-colarização, sem melhoria das condições sociais produzindo o paradoxo de ensinar a ler a quem sabe que não terá direito de ler”.

Na sociedade capitalista, a exclusão quase não é questionada, porque é como se todos tivessem as mesmas oportunidades e os que não conseguem uma vida digna não o fazem por culpa exclusivamente sua. Se alguns foram capazes de ascensão social estudando em escolas improvisadas, a maioria que não conseguiu nada foi por falta de vontade própria. Os meios de comunicação a serviço do poder estabelecido não cansam de divulgar as exceções dos que lograram chegar aos grandes postos e quase nada falam da situação de abandono que a maio-ria dos alunos e professores enfrenta no seu dia a dia.

Existe uma escola em frangalhos, livros didáticos como único material escrito, ausên-cia de bibliotecas, falta de livros de literatura e bons dicionários, etc., mas parece que tudo isso não existe, pois não temos um levante das massas. Pergunta-se por quê? Porque o único sentido de leitura que atravessa a nossa sociedade é a da classe que manda e que jamais dá a oportunidade para que a contrapalavra dos mais frágeis se manifeste e reconheça que os seus direitos são furtados.

Fica evidente que os três estudiosos abordados falam da leitura dentro de uma espécie de pensar e viver o mundo, informar, conhecer. Daí a ideia de leitor crítico, que seria o sujeito cognoscente que realiza suas ações intelectuais, cognitivas e sociais com autonomia e percep-ção da realidade, isto é, exercita a reflexão consciente, decisiva, autônoma, não mecanicista, sendo capaz de tomar decisões independentes. E, além de tudo isso, entende que as pessoas têm o direito de participar da ordem social de forma individual e coletiva.

A grande aposta dos que defendem a concepção de leitor crítico é o protagonismo do sujeito leitor, seja o leitor simples, seja como educando no sentido mais amplo ou sujeito da linguagem.

Vale uma ressalva: nem um dos três faz pergunta específica sobre o texto literário (nos textos estudados para este fim), porém está incorporado em seus discursos este gênero de lei-tura, sendo razoável dizer que, quando falam desse processo formativo, não estão

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preocupa-dos com as leituras pragmáticas, ou seja, uso de leituras para as atividades mais ligadas ao cotidiano. Até porque não faz sentido falar de leitor crítico para ler um texto de instrução de como montar uma caixa de sapato, textos informativos ligeiros, texto do dia-a-dia. Todos es-tão pensando em leitura que pressupõe investimento: as leituras culturais do mundo do sujei-to, leitura de História, leitura de Filosofia, leitura da Política, leitura de Ciências, não são lite-rárias, mas o que há de comum nessas leituras com a literária é que supõem uma forma de ver e perceber o mundo.

1.2.2 Leitura como experiência

No Ocidente, as primeiras três décadas do século XX legaram inúmeros movimentos de arte de ruptura denominados de vanguardas. Aliás, a Idade Moderna ainda não tinha expe-rimentado tantos “ismos” originais ao mesmo tempo, que chegaram para ficar e influenciar as próximas gerações de artistas.

Passado o período de fecundidade artística, instalou-se um período de barbárie que culminou com o empilhamento de milhares de corpos humanos sem vida nos campos de con-centração de Sobibór e Auschwitz e o lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaky que ceifaram milhares de vidas. Diante disso, o homem prometeu construir um mundo mais fraterno baseado nos direitos fundamentais de justiça, liberdade, saúde, educa-ção.

O movimento cíclico da história mostra que, em momentos de grandes conflitos, as ar-tes se encolhem, de forma que o sequestro da arte do dia a dia do homem colabora para o atro-fiamento do espírito, não se exercitando a liberdade de criação nem a criticidade que desen-volva a autonomia do homem, tampouco é possível a afirmação subjetiva da experiência da humanidade.

Depois da reação subjetiva dos homens diante do horror da guerra, a indústria cultural norte-americana começa uma nova forma de dominação. Agora, as armas de extermínio não são as câmeras de gás, mas sim a formação ideológica da competição desenfreada entre os homens que manipula de tal forma que o sujeito passa também a ser um produto de massa, sem senso crítico, neutralizado, que só pensa em aumentar a sua produtividade técnica, mes-mo que para isso não usufrua do direito do lazer e da arte.

Com isso,

A formação cultural se converte em uma semiformação socializada, na oni-presença do espírito alienado, que, segundo sua gênese e seu sentido, não

Referências

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