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CAPÍTULO 2 FORMADORES, LEITORES E LUGARES DE LEITURA

2.3 OS PERSONAGENS

2.3.4 Andria Arcanjo da Silva Araújo

Nascida em 1982 na Comunidade da PA 254 KM 11, distante 70 km da área urbana da cidade de Monte Alegre, Andria Arcanjo da Silva Araújo se notabilizou na turma de Letras 2010/UFOPA por uma biografia de desafiadora para enfrentar obstáculos ao longo da sua vida e durante o curso.

No decorrer do curso, fiquei sabendo que a professora Andria saía em uma motocicleta bastante grande, às 5 horas da manhã de segunda-feira da sua localidade, para frequentar aulas na cidade no decorrer da semana. Costumava trazer na garupa duas filhas. No último ano de curso, “ganhou” mais uma menina e passou a receber o auxílio do esposo nesse trajeto. O caminho da sua Comunidade até a cidade é feito por estradas vicinais pequenas que, no inver- no, ficam cheias de poças de lama e, no verão, sofrem com a poeira que toma conta de tudo. O caminho é acidentado, devido às crateras, pedras e poeira que acumulam como se fosse talco (no verão). A atenção das pessoas nessas estradas, explica a professora, tem que ser redobra- da, pois não há lei que estabeleça limite de velocidades, uso de capacetes, ultrapassagens se- guras, mototaxistas, motoristas, ciclistas e pedestres disputam a via com o rebanho de gado e animais selvagens.

Filha de mãe agricultora e pai garimpeiro que chegaram àquela região na década de 1970, a professora Andria desenvolve as atividades de magistério concomitantemente com as atividades de agricultura: plantação de mamão e limão.

Durante a infância, o único livro de que ela se recorda que fez parte do seu dia a dia foi a Bíblia, já que a família era religiosa. Teve uma educação oral com seu avô, que costu- mava reunir os netos na hora de almoçar ou de dormir para narrar aventuras de caçada. De todo modo, o início com o mundo da leitura e da escrita da professora aconteceu ainda na infância. Mas o relato é fragmentado: como é característica da memória do ser humano, fica difícil precisar quando as coisas começaram, a professora relata que foi antes dos quatro anos de idade no ambiente familiar:

Eu aprendi a ler em casa com uma tia, porque ela me mostrou a relação do som de uma letra com outra. Até hoje lembro a primeira palavra que eu li, a primeira palavra. Dessa primeira palavra, as outras não tive mais dificul- dades, que foi macaco.

-Sabe qual é esta letra? -Sei!

-E esta? Por que tu não sabes ler? - Não sei.

E era em uma segunda série. Lhe digo mesmo: era em uma segunda série quando aprendi a ler em uma tarde na casa da minha tia Maricota. Então, ela juntou:

- Não é M nesta casa que faz ma – me; então esta junta com esta e faz ma e esta daqui; e c com a, maca, c com o, co;, então, estas palavras juntando e que formam as sílabas, e formam as palavras. Daí, as outras, não tive mais dificuldades e não me mostrou mais nada. (Entrevista).

A história dos primeiros passos no campo da leitura de Andria se aproxima de outras narrativas de professores da sua geração e da sua região, que se aproximaram dessa tecnologia de maneira improvisada, guiada por um parente: mãe, avô, avó, pai, tia, madrinha e, que quando chegava à escola, já liam, mesmo que de forma rudimentar.

Durante o ensino de 1ª a 4ª séries não teve contato com livro de literatura, o único ma- terial de leitura de que dispunha era o livro didático, que era no estilo dos que são distribuídos para o programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Vale ressaltar que, às vezes, só che- gavam ao final do ano. As aulas eram intensivas, pois os professores só estavam de passagem pela Comunidade da PA 254 KM 11 e a prioridade era o famoso “assunto de português”, cheio de lições de gramaticais e exercícios copiados do quadro.

Os livros só começaram a fazer parte da vida da educadora a partir do momento que ela saiu da sua Comunidade e foi estudar na cidade, em Monte Alegre. Durante um período, morou como agregada na casa de uma tia, mas logo teve que mudar para morar e trabalhar na casa de uma família de japoneses, já que, para terminar o ensino médio, era preciso que se sustentasse financeiramente.

Aos dezesseis anos de idade, a menina mulher foi seduzida pela maneira com que a matriarca lia os livros para os filhos: “gostava de ver a senhora da casa ler, porque ela lia

com pontuação, ela ensinava dizendo ‘essa leitura é assim’. Eles tinham outro hábito de lei- tura, outra cultura”. (Entrevista).

Durante os anos em que estudou o ensino médio, além de tomar conta da casa e dos fi- lhos da patroa (às vezes os patrões passavam de ano para o Japão), Andria auxiliava os dois meninos nas tarefas escolares. Talvez, diz ela, aí tenha começado o exercício do magistério. Destes anos de estudos, não lembra de uma leitura literária que tenha lhe sido proposta por algum professor ou mesmo que tenha feito de forma voluntária. A professora só foi ter conta- to com livros de literatura quando já atuava como docente através do Programa “Literatura em

minha casa”, que distribuía livro para os alunos lerem em casa. Chegou a ler alguns livros e recomendar, mas confessa que o programa foi inexpressivo na sua localidade.

Andria atua há quinze anos como professora. Durante este tempo, flertou com vários campos de conhecimento: Português, Estudos Amazônicos, História, Geografia, Religião, Arte educação, Educ. Física. Também já atuou como diretora da escola.

O começo das suas atividades pedagógicas ocorreu quando foi convidada pela Comu- nidade da PA 254 KM 11, para lecionar em uma turma de multissérie. O convite surgiu por- que ela estudara o ensino médio na Cidade; mesmo tendo feito Ciências Humanas, por contra- to e carência de professor formado, ela poderia lecionar sem problemas. A experiência de trabalhar com trinta alunos em uma sala de aula que cursavam séries diferentes provocou nela um grande desânimo, porém a Comunidade convidou-a para que lecionasse no pré-escolar. Trabalhando com essas turmas, a professora Andria esqueceu o sonho de fazer medicina e se apaixonou pela profissão.

Quatro anos depois, quando já lecionava Geografia do 5º ao 8º anos, a professora An- dria iniciou seu primeiro curso superior pela UVA – Universidade do Vale do Acaraú; para quem já atuava em sala de aula, bastava fazer dois anos e já saía licenciado em Pedagogia. Depois, pela mesma Universidade, se graduou em Geografia. Finalmente, quando já estava terminando esse curso, apareceu a UFOPA com a oferta de curso do PARFOR; escolheu Por- tuguês/Inglês visando principalmente a aprendizagem de outra língua para fazer mestrado. Em 2015, quando terminava a licenciatura em Letras, estudou pós-graduação pela Universidade Prominas, também à distância.

No que diz respeito à leitura de literatura no curso de Letras da UFOPA, percebe-se pela entrevista que ela pouco contribuiu para que a docente passasse a fazer leitura de livros, talvez pela exiguidade do tempo ou pela inexperiência dos professores da Instituição ou, ain- da, por sua pouca identificação com a leitura.

Apesar de ter na sua matriz curricular, duas literaturas africanas, duas literaturas por- tuguesas, duas literaturas brasileiras, além de três disciplinas de teorias literárias, o exercício da leitura em sala de aula, segundo a professora-aluna Andria, foi muito pequeno, as aulas ficaram mais no aspecto histórico e crítico-analítico, pouco havendo com a pedagogia da lei- tura. Ela destaca dois professores que exercitaram a leitura literária em sala de aula, sendo que um deles lhe causou impacto ao apresentar um livro na sala de aula da graduação como exer- cício de leitura literária, mais tarde, no desenvolvimento do projeto Armário de leitura, a pro-

fessora levou este livro para seus alunos que é intitulado Beijo da palavrinha, de Mia Couto, e, segundo ela, a recepção foi muito positiva pela turma.

Após a proposta de TCC a turma de Letras 2010 sobre espaços de leituras, a professo- ra-aluna Andria me descreveu o lugar onde lecionava e me convenceu da necessidade e viabi- lidade do programa de levar a ler na PA 254 KM 11.

Porém, depois de preparar o projeto sobre a proposta do espaço, pensar nos questioná- rios, a professora Andria e Sandra Elena, sua companheira de TCC, me apresentaram a pro- posta de criar um Armário de leitura. Não era bem o que eu imaginava em projetar com a du- pla, mas as fotos, os relatos e os produtos da experiência se mostraram fecundos no decorrer do primeiro semestre de 2014.

Durante todo o período de instalação e desenvolvimento da açãoo, a cada encontro nosso, a professora trazia novas e interessantes fotos, textos, vídeos das atividades que desen- volvia com seus alunos. O Armário de leitura passou a ser uma espécie de projeto de vida para ela. O compromisso com a Comunidade, a obrigação acadêmica, a vontade de proporci- onar a seus alunos livros para ler fizeram com que a professora-aluna-pesquisadora- interventora se empenhasse em uma campanha de aquisição de livros junto à Secretaria de Educação de Monte Alegre, também chamasse comunitários, vizinhos, professores para abra- çar a causa. A vinda mensal à cidade para receber salário, estudar, cumprir obrigações profis- sionais passou a ser a oportunidade para receber doações de livros de Santarém ou da própria cidade de Monte Alegre. Além disso tudo, houve empenho financeiro da professora na fabri- cação do armário.

O segundo semestre de 2014 foi marcante para o desenvolvimento acadêmico da Pro- fessora Andria. Ela teve a oportunidade de apresentar no IV Seminário de Ler Literatura:

aprender e viver – LELIT, da Universidade Federal do Oeste do Pará, em Santarém, a comu-

nicação oral intitulada Espaço de leitura na comunidade PA 254 KM 11. A acadêmica divul- gou os resultados preliminares de um projeto de leitura que desenvolvia em uma Comunidade da área do planalto do Município de Monte Alegre.

Em fevereiro de 2015, a acadêmica-professora Andria defendeu, na forma de banner, a monografia Criando um espaço para a promoção de leitores na Escola municipal de Ensino

Fundamental PA 254 KM 11. O trabalho foi aprovado e recebido pelo Município de Monte

Alegre como exemplo de projeto de promoção de leitura bem-sucedido, sendo elogiado pelos avaliadores e pelo secretário de educação do Município.

No final do ano de 2015, quando visitei a PA 254 KM 11 de Monte Alegre, pude, mais uma vez, constatar que a professora Andria continuava empenhada em ofertar leitura aos seus alunos. O armário “não havia morrido” e continuava a dar bons resultados para os alunos, funcionários e até comunitários da localidade.

Hoje a professora Andria continua desenvolvendo práticas de leituras literárias na sua escola e tem recebido cada vez mais apoio dos pais dos alunos e da Secretaria de Educação do Município. Costumo trocar e-mails com a educadora, que informa os andamentos das ativida- des, e suas conquistas e sonhos. Dentro do possível, envio livros para o Armário de leitura.