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CAPÍTULO 1 O PROBLEMA DA LEITURA

1.2 PERSPECTIVAS FORMATIVAS NA ÓTICA DO DIREITO A LER

1.2.4 Leitura e liberdade

Jean Paul Sartre é um filósofo que cativa principalmente os jovens que têm contato com a sua produção. Talvez o seu espírito inconstante e revolucionário seja o responsável por tamanha sedução: foi soldado, ativista político, professor, prisioneiro nazista, comunista, ro- mancista, pensador.

Apesar de ser um homem múltiplo, foi no campo da literatura que mais cultivou a sua paixão pela arte, para ele a literatura não é apenas um artefato artístico, mas uma arma políti- ca no combate as injustiças. Sartre prega um mundo impulsionado pelo ato libertário, não liberdade no sentido de cada um seguir a própria determinação, mas liberdade no sentido on-

tológico, isto é, caracterizada como a escolha que o homem faz de seu próprio ser e do mun- do.

O livro Que é a literatura? (SARTRE, 2004) está organizado em quatro capítulos e um prefácio, na sequência o título dos capítulos Que é escrever?, Por que se escreve?, Para

quem se escreve? O último capítulo discute A situação do escritor em 1947. As discussões

sobre leitura e liberdade acontecem no segundo capítulo, embora apareça em outras partes do livro.

O escritor defendia que uma literatura pura só seria possível em uma sociedade sem classes, já que só uma sociedade sem hierarquias sociais respeitaria a liberdade do escritor de criar e do leitor de ler. Diz mais, a tarefa do escritor de fazer literatura é um processo da afir- mação da condição humana de liberdade que reflete sobre um ser que vive no mundo em so- ciedade, esta comunidade compartilha das mesmas tarefas, organização política, organização social, pode até afirmar que é possível que tenha um mesmo objetivo de existência.

Da mesma forma, ler literatura também é o exercício da liberdade plena através da participação do homem na sociedade. O pensador afirma que o ponto alto da dialética aconte- ce na escrita literária.

Pois o objeto literário é um estranho pião, que só existe em movimento. Para fazê-lo surgir é necessário um ato concreto que se chama leitura, e ele só du- ra enquanto essa leitura durar. Fora daí, há apenas traços negros sobre o pa- pel. Ora, o escritor não pode ler o que escreve, ao passo que o sapateiro pode calçar os sapatos que acabou de fazer, caso estes lhe sirvam, e o arquiteto pode habitar a casa que construiu. Ler implica prever, esperar. Prever o fim da frase, a frase seguinte, a outra página; esperar que elas confirmem ou in- firmem essas previsões; a leitura se compõe de uma quantidade de hipóteses, de sonhos seguidos de despertar, de esperanças e decepções; os leitores estão sempre adiante da frase que leem, num futuro apenas provável, que em parte se desmorona e em parte se consolida à medida que a leitura progride, um futuro que recua de uma página a outra e forma o horizonte móvel do objeto literário. Sem espera, sem futuro, sem ignorância, não há objetividade. (SARTRE, 2004, p. 35-36).

Não existe escritor sem o leitor e vice-versa. Embora a tarefa do primeiro possa pare- cer mecânica, cabe registrar que é exigido desse operário social o exercício pleno de subjeti- vidade para registrar em signos sobre o papel o drama dos homens seja um conflito burguês ou proletário, aqui se faz presente a liberdade de criar, dá vida a seres de papel que trazem em si a projeção da angústia, alegria, medo, felicidade, da humanidade. Criar literatura é um exercício incompleto, porém eivado de liberdade, pois possibilita ao outro refletir sobre a me- tafísica do existir.

Por outro lado, a liberdade do leitor é convocada para caminhar por labirintos linguís- ticos antes desconhecidos, mas que vai lhe dando a possibilidade de ir se constituindo em um homem phoesys, ou seja, um criador de mundos através da interpretação dos “inertes” signos verbais.

A leitura parece algo tão banal e mecânico que poucos param para metalinguistica- mente refletir sobre esta tecnologia humana que é constituída pelo leitor diante do texto por um trabalho imenso de percorrer com os olhos e significar com o cérebro, o volume do livro (texto), início e fim de frases, o ir e vir das páginas, formulação de hipótese diante do enredo textual, confirmar horizontes de expectativas, amargar decepções, etc., tudo isso, é constituído pelo exercício pleno de liberdade, ler literatura não é apenas ler enredo, mas, é acima de tudo, compreender a obra de arte como reflexo do ser humano.

Assim, o autor escreve para se dirigir à liberdade dos leitores, e a solicita pa- ra fazer existir a sua obra. Mas não se limita a isso exige também que eles re- tribuam essa confiança neles depositada, que reconheçam a liberdade, cria- dora do autor e a solicitem, por sua vez, através de um apelo simétrico e in- verso. Aqui aparece então o outro paradoxo dialético da leitura: quanto' mais experimentamos a nossa liberdade, mais reconhecemos a do outro; quanto mais ele exige de nós, mais exigimos dele. (SARTRE, 2004, p. 43).

É mister observar que Sartre chama a atenção que a liberdade é uma conquista do ser humano que vive em sociedade e aprende com outros o sentido, a moral e a ética de ser livre, com isso, não estamos diante de um valor pronto e acabado pela sociedade, é necessário en- tender que o sentido e o valor da liberdade só existem dentro de um contexto histórico e social dos homens.

O homem que atingiu o exercício da liberdade não está a serviço da obra literária, mas é o texto literário que aparece ao homem como possibilidade de exercitar o compromisso de ser livre, compromisso político, social, mas não é só da militância com causa humanitária, é compromisso com a própria condição humana.