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CAPÍTULO 2 FORMADORES, LEITORES E LUGARES DE LEITURA

2.3 OS PERSONAGENS

2.3.3 Alzenora Ferreira Carvalho das Neves

A professora Alzenora Carvalho é uma senhora de 35 anos, casada, mãe de Ábia Izan- ildes. No dia a dia, Alzenora aparenta-se tímida e acanhada. Entretanto, quando provocada, transforma-se em uma admirável ativista pela educação e pelo feminismo. Seu esteio de vida é o esposo, Rosivan Neves, filho da professora Isanildes da Silva Neves, personagem histórica da comunidade do Ipanema. Fazendeiro e empresário, é apaixonado pelas ações que a esposa desenvolve, seja como diretora de escola, professora ou estudante.

Filha do interior do Município de Prainha, Alzenora é a primeira pessoa de sua família a ter curso superior, filha de pai que estudou apenas a primeira série, cumprida no MOBRAL, e de mãe que estudou até a 5ª série.

É professora há quatorze anos, trabalhando sempre em escolas de comunidades rurais no Município de Prainha. Iniciou a docência em 2001, na Comunidade de Patauazal, de 2006 a 2007, trabalhou na Vila do Igarapé do Cuçari e, em 2008, começou a desenvolver atividades docentes na Escola Municipal de Ensino Fundamental de Ipanema.

Já está na sua segunda formação em curso superior, a primeira tendo sido em Pedago- gia (2008), pela Fávix (Faculdade em Ciências Humanas de Vitória) que ofertou o curso à distância na cidade de Monte Alegre. Além disso, possui especialização em Língua Portugue- sa e Educação Musical e Ensino das Artes pelo Instituto Prominas em parceria com a Univer- sidade Candido Mendes (RJ), todas cursadas na cidade de Monte Alegre.

Sempre teve vontade de cursar Letras e ser professora de Língua Portuguesa. A leitura chegou timidamente na infância no espaço escolar, pois não veio de um lar habituado a leitu- ra. Lembra apenas que, quando morava com os avós, eles costumavam pegar um livro com frequência e pediam que ela lesse – era a Bíblia. Seu maior contato na escola foi com os livros didáticos, não lembra ao longo de sua trajetória de vida de ter lido um livro de literatura infan- tojuvenil, tem apenas esparsas recordações da história do Chapeuzinho Vermelho narrada repetidamente pela professora das séries iniciais.

Meu relacionamento com a aluna Alzenora Carvalho começou de forma tensa. Fiz um comentário infeliz sobre sua pessoa após uma atividade de reescrita de texto, mais tarde ela me revelou que aquele comentário serviu de desafio para que eu fosse escolhido para ser o seu orientador de TCC.

Na época de início de curso, a discente estava diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental de Ipanema e várias vezes viu-se obrigada a “atravessar” o Rio Amazonas para

atender chamado de pais, comunidade, família (no início, não compreendendo a geografia do lugar, tampouco a situação profissional da professora e de outros alunos da turma, eu ficava chateado com aquelas situações inusitadas de saídas repentinas).

O curso de Letras legou-lhe algumas boas experiências com a leitura. Dona de um es- pírito crítico teceu um comentário sobre as disciplinas de literatura trabalhadas no curso de Letras:

Alguns professores da UFOPA não conseguiram repassar o conhecimento da disciplina, o tempo é muito concentrado, uma semana, uma disciplina de sessenta horas, alguns professores só mandaram ler para fazer seminários, outros fizeram provas científicas das literaturas, poucas foram as atividades de leitura em sala de aula dos textos literários, sem contar que às vezes as atividades pedagógicas consistiram em ler para recriar e teatralizar o enre- do dos textos, porém a leitura de dois romances foram marcantes no curso, Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e Iracema, de José de Alencar, não só o enredo chamou a atenção, mas principalmente o significado das entrelinhas do texto, por exemplo a turma teve a oportunidade de ler Vidas Secas em cinco perspectivas diferentes.(Entrevista).

Quando lancei a proposta de construção de espaços de leitura como forma de realiza- ção do TCC, conheci outra aluna-professora: surgiu a ativista pela educação do Ipanema. Fa- lou que era uma liderança no Ipanema porque era moradora do local e já tinha sido diretora na escola da Comunidade. Além disso, lecionava língua portuguesa na escola no ensino funda- mental, o que facilitaria as atividades em sala de aula. Foi a primeira pessoa a me procurar e dizer que queria construir um Espaço de leitura, surpreendendo-me com a proposta – não imaginava que seria seu orientador de TCC.

A aluna-professora-pesquisadora era incansável no cumprimento de suas tarefas, ques- tionamentos, leituras. Foi a que mais fez ligações telefônicas dos orientandos de TCC do ano de 2014 para mim e quando eu mandava e-mail com material ou texto corrigido a professora Alzenora falava: “Vou ‘atravessar’ o Rio e depois ligo para o senhor”.

Palavras ditas, tarefas cumpridas. Lembrando que o Ipanema não possui internet e o celular funciona apenas em pontos estratégicos no meio ou nas encostas do Rio Amazonas.

Dos três espaços propostos, foi o primeiro que me enviou fotos do lançamento do pro- jeto em março de 2014. Em alguns momentos, a professora Alzenora, mais o seu colega de trabalho, Jonadabe, mostravam autonomia, tomaram a iniciativa de trabalhar com a leitura e produção de texto, não era esta a proposta inicial, porém fui convencido pelos dois, já que a Comunidade local valoriza muito o escrito e se envolveram muito na proposta. Além de tudo isso, tinham que cumprir um conteúdo proposto de Língua Portuguesa.

Em outubro de 2014 fui convidado para a inauguração do Espaço Isanildes da Silva Neves. A professora Alzenora ligou me lembrando do compromisso:

- O senhor vai de lancha até Monte Alegre (Santarém-Monte Alegre/duas horas de vi- agem) que alguém vai buscar o senhor em outra lancha e “atravessa” o rio para chegar ao Pa- coval do Ipanema.

Viagem tranquila cheguei às dezoito horas à Cidade de Monte Alegre e logo fui procu- rado por um senhor que se identificou como professor do Ipanema e que ia me levar até a Comunidade, ao embarcar senti que deveria mudar meu conceito de lancha, estava em um pequeno barco de alumínio, sem coletes, em um desses entardeceres furibundos do Rio Ama- zonas, tomado por raios e ondas. Conforme escurecia, comecei a entender o que era “atraves- sar” o rio para estudar, imprimir um e-mail, dar notícias. Trabalhar com educação na Amazô- nia é um desafio muito grande devido às distâncias, condições naturais, falta de transporte adequado e outros.

Cheguei a imaginar que passava por um teste de coragem ou de vingança, os cabelos constantemente molhados pelas águas, aqui e ali a “lancha” afundava a proa nas águas e via as luzes de Monte Alegre desaparecerem atrás de nós e ia em direção a um escuro desconhecido, também tinha uma vertigem estomacal que teimava em me incomodar. Hora e meia depois, ao chegar à localidade, notei que esse ir e vir, esse “atravessar”, é uma situação cotidiana com que todos estão acostumados.

A vida interiorana começa às cinco da manhã, barulhos, sons guturais, canto de galo, e vozes de pessoas que se preparavam para a culminância do projeto de leitura, mais uma vez atravessamos o Rio, agora em uma embarcação lotada com alunos e professores. O clima na Escola era de festa, comunitários, autoridades, professores, alunos, representantes do Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) de outras comunidades, evangélicos, estavam presentes para celebrar o resultado de meses de atividades, foram várias apresenta- ções de música, declamações de poemas, leitura livres de texto, mas o momento ímpar das atividades do projeto ocorreu quando os alunos do oitavo ano leram resenhas, resumos de livros do acervo, também expuseram nas dependências do educandário pôsteres de suas ativi- dades, em seguida foi entregue uma placa de fundação do Espaço de leitura Isanildes Silva das Neves pelo esposo da professora Alzenora, o senhor Rosivan Neves, filho de Isanildes Silva das Neves, por último foi anunciado que quinze alunos da Escola iriam participar do evento do LELIT em Santarém apoiado pela Comunidade.

O resultado das atividades e a capacidade de mobilização social da professora Alze- nora me chamaram a atenção, principalmente quando o ex-secretário de educação do Municí- pio de Prainha afirmou que o Espaço Isanildes Silva das Neves era um exemplo para as outras comunidades que também não possuíam bibliotecas ou espaços de leitura, apesar de serem localidades do porte de Ipanema e estarem recebendo livros do Pacto Nacional Pela Alfabeti- zação na Idade Certa.

Em entrevista com a professora Alzenora, perguntei: O que foi que motivou a senhora a discutir no seu TCC leitura? O que me respondeu:

Já fui coordenadora da escola do Ipanema e sempre observei que as crian- ças têm dificuldades em aprender a ler e escrever, infelizmente, nem todos professores se preocupam, eu sempre tive essa preocupação, então eu pensei assim, se eu fizer um trabalho sobre leitura, talvez eu possa atrair as pesso- as para trabalharem comigo e surgiu a oportunidade quando o senhor pro- pôs o projeto. (Entrevista).

Apesar de o trabalho Espaço Isanildes da Silva das Neves: formando leitores na vár-

zea ter sido aprovado no nome dos professores Jonadabe Garcia e Alzenora Carvalho, os alu-

nos do oitavo ano da escola do Ipanema também participaram da apresentação, lendo os seus textos para o público presente e foram bastante elogiados pela plateia, afinal estavam reunidos no evento de professores do PNAIC de 21 Municípios do Oeste paraense.

A participação dos alunos da acadêmica Alzenora Carvalho no LELIT fez aparecer a aluna-professora-pesquisadora-interventora e o resultado não poderia ter sido melhor, uma vez que a atividade desenvolvida em Santarém teve uma ressonância muito grande no Muni- cípio de Prainha entre os professores que passaram a reconhecer e elogiar o projeto que vinha sendo desenvolvido.

Depois dessa atividade, a professora deu os retoques finais no seu relato escrito e de- fendeu com sucesso o trabalho na cidade de Monte Alegre. No decorrer e após a orientação, fiz três visitas à casa da professora Alzenora, além dos encontros em Santarém e da última vez que conversamos não estava feliz com os rumos que o Espaço de leitura tinha tomado no ano de 2015, mas continua apaixonada por leitura, planejando como vai ser o trabalho com o LE- LIT no ano de 2016 e está se preparando para concorrer a um mestrado na área de educação com a temática voltada para a sua experiência de formar leitores na região de várzea.

Tive grande aprendizagem com a professora Alzenora Carvalho, passei a me interessar mais em conhecer a origem dos meus alunos, pois esses professores que chegam à universida-

de e se tornam anônimos alunos (às vezes) tem uma história construída de formação, lideran- ça, familiar e são admirados pela comunidade onde ensinam.