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CAPÍTULO 1 O PROBLEMA DA LEITURA

1.2 PERSPECTIVAS FORMATIVAS NA ÓTICA DO DIREITO A LER

1.2.2 Leitura como experiência

No Ocidente, as primeiras três décadas do século XX legaram inúmeros movimentos de arte de ruptura denominados de vanguardas. Aliás, a Idade Moderna ainda não tinha expe- rimentado tantos “ismos” originais ao mesmo tempo, que chegaram para ficar e influenciar as próximas gerações de artistas.

Passado o período de fecundidade artística, instalou-se um período de barbárie que culminou com o empilhamento de milhares de corpos humanos sem vida nos campos de con- centração de Sobibór e Auschwitz e o lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaky que ceifaram milhares de vidas. Diante disso, o homem prometeu construir um mundo mais fraterno baseado nos direitos fundamentais de justiça, liberdade, saúde, educa- ção.

O movimento cíclico da história mostra que, em momentos de grandes conflitos, as ar- tes se encolhem, de forma que o sequestro da arte do dia a dia do homem colabora para o atro- fiamento do espírito, não se exercitando a liberdade de criação nem a criticidade que desen- volva a autonomia do homem, tampouco é possível a afirmação subjetiva da experiência da humanidade.

Depois da reação subjetiva dos homens diante do horror da guerra, a indústria cultural norte-americana começa uma nova forma de dominação. Agora, as armas de extermínio não são as câmeras de gás, mas sim a formação ideológica da competição desenfreada entre os homens que manipula de tal forma que o sujeito passa também a ser um produto de massa, sem senso crítico, neutralizado, que só pensa em aumentar a sua produtividade técnica, mes- mo que para isso não usufrua do direito do lazer e da arte.

Com isso,

A formação cultural se converte em uma semiformação socializada, na oni- presença do espírito alienado, que, segundo sua gênese e seu sentido, não an-

tecede à formação cultural, mas a sucede. Deste modo, tudo fica aprisionado nas malhas da socialização. Nada fica intocado na natureza, mas, sua rustici- dade — a velha ficção — preserva a vida e se reproduz de maneira ampliada. Símbolo de uma consciência que renunciou à autodeterminação, prende-se, de maneira obstinada, a elementos culturais aprovados. Sob seu malefício gravitam como algo decomposto que se orienta à barbárie. Isso tudo não en- contra explicação a partir do que tem acontecido ultimamente, nem, certa- mente, como expressão tópica da sociedade de massas, que, aliás, nada con- segue explicar mesmo, apenas assinala um ponto cego ao qual deveria se aplicar o trabalho do conhecimento. Apesar de toda ilustração e de toda in- formação que se difunde (e até mesmo com sua ajuda) a semiformação pas- sou a ser a forma dominante da consciência atual. (ADORNO, 2005, p. 2). Mais uma vez, estamos diante da barbárie anunciada, agora pela homogeneização da cultura, crucial para a alienação dos homens. É neste clima de desengano que aparecem as ideias do pensador espanhol Jorge Larrosa que tem vários livros publicados no Brasil, além de artigos traduzidos que ajudam na discussão do tema por que se deve levar o indivíduo a ler, além de funcionar como mais uma voz contra-hegemônica ao sistema dominante.

Nas palavras de Larrosa (2002), quatro características do mundo contemporâneo redu- zem as possibilidades de experiência do leitor contemporâneo com o texto literário: o excesso de informação, o excesso de opinião, a falta de tempo e o excesso de trabalho. Entendendo a leitura como arte, há a necessidade de ser permitida todas as liberdades formais, assim como as licenças para experimentações, pois dessa forma é possível uma mudança estruturante. A incorporação da subjetivação afirmativa de cada pessoa no ato de ler revelará as suas experi- ências vividas no campo da leitura.

Por isso, leitura é concebida enquanto experiência, isto é, “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece” (LARROSA, 2002, p. 21).

Que fique claro que temos a leitura de informação, quando o leitor reafirma suas con- vicções e não sofre transformação profunda no seu eu, por outro lado, existe o texto literário, que é sempre uma abertura para o desconhecido, possibilitando a transformação, mesmo que seja um texto relido, a marca da novidade vai aparecer, pois cada leitura é ímpar e acontece sempre em tempo único, espaço inédito e é feita sempre por um leitor novo.

Significa dizer também que, a cada leitura, se significativa e vivenciada como experi- ência, o sujeito passa por mudanças subjetivas e reelabora suas experiências diante do mundo, principalmente quando o texto tem a capacidade de desprender o leitor do mundo pragmático,

produzindo uma espécie de epifania. Porém, este fenômeno não é gratuito, há a necessidade de protagonismo do sujeito ao longo da vida no que tange aos objetos de ler.

Recorro mais uma vez ao pensamento de Larrosa (2002, p. 24):

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.

Destarte, o sentido de ler está na experiência da transformação, na possibilidade de au- toconhecimento que se realiza por meio da vivência estética e cultural. Assim, é possível afirmar que os significados atribuídos no momento da leitura de um texto são resultados das experiências particulares do leitor que ganhou riqueza cultural com os textos que lhe passaram e marcaram a sua existência.