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CAPÍTULO 2 FORMADORES, LEITORES E LUGARES DE LEITURA

2.3 OS PERSONAGENS

2.3.2 Jonadabe de Araújo Garcia

Jonadabe nasceu no dia 29 de abril de 1980, sendo natural de Almeirim, Pará. Morou e estudou em várias cidades do Pará e do Amapá. Filho de caboclos da região, o professor Jo- nadabe é dono de uma voz pausada e tem a característica de ser um ótimo narrador de “cau- sos” da vida interiorana.

Atua no magistério há treze anos, sendo que, durante vários anos, exerceu a profissão de professor das séries iniciais tendo apenas o curso do Magistério (ensino médio), o qual cursou em Santarém. Somente nos últimos três anos foi lotado no 5º ao 8º ano em Língua Por- tuguesa e Língua Inglesa. O curso de Letras Português/Inglês é sua primeira formação em um curso superior. É professor concursado do Município de Prainha.

Atualmente, trabalha na Escola Bom Jesus, na Vila Canãa, no Rio Vira Sebo, região de várzea. Além de professor, é criador de gado e acompanha o curso das águas do Amazonas em pescarias artesanais, atividade que herdou da profissão do pai. Seus genitores estudaram até a quarta série do ensino fundamental no antigo Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), estudo que credenciou sua mãe a ser professora alfabetizadora na comunidade em que moravam.

Jonadabe é casado e pai de três filhos: Jonas, Josias e Juan todos “frutos do PAR- FOR”, como se costuma dizer no Norte. “Nunca perdeu um ano”. A esposa não atua no ma- gistério: é dona do lar.

Da turma de Letras 2010 de Monte Alegre, foi um dos primeiros alunos com quem ti- ve proximidade, por ele ter estudado em escolas de Santarém e ter feito parte do ensino fun- damental na Escola Estadual de Ensino Fundamental Antônio Batista Belo de Carvalho e o

ensino médio na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Onésima Pereira de Barros. Além disso, a identidade interiorana nos aproximou.

Como professor universitário, fiquei satisfeito com o aluno quando trabalhei a primei- ra disciplina – Prática de Leitura e Produção Textual I. Jonadabe tinha boa produção de texto, talvez por ter cursado o ensino médio de forma regular. Logo, em seguida, vieram outras dis- ciplinas e o aluno-professor sempre chamou minha atenção pela liderança, disponibilidade e desejo do novo.

A formação pedagógica teórica no curso foi abrindo caminhos para o aluno-professor. Uma das descobertas que fez no decorrer das atividades acadêmicas foi o ato de trabalhar com leitura em sala de aula. Em entrevista, afirmou que seu contato inicial com a leitura de litera- tura aconteceu no curso de Letras, já que durante o ensino fundamental e médio não teve con- tato com a leitura de literatura e, durante anos, não conseguiu envolver seus alunos com a leitura. A partir das disciplinas cursadas passou a conhecer mais literatura e a trabalhar com leitura em sala de aula.

Em 2013, o professor Jonadabe assistiu ao III seminário LELIT de Literatura Infantil, participando das rodas de conversa sobre leitura, o que fez com que aumentasse seu interesse por essa área de estudo. Quando da proposta do TCC, manifestou o desejo de pesquisar sobre leitura.

De início, o aluno-professor-pesquisador trabalharia na criação de um espaço de leitu- ra na sua própria comunidade, mas preferiu trabalhar no Ipanema porque lá a escola é polo e têm mais de cem matrículas anuais, o que facilitaria o desenvolvimento da proposta. A ideia era a de construir um lugar de ler na escola para toda a Comunidade, com um acervo compos- to, de preferência, com livros de literatura infantojuvenil.

Tal possibilidade chamou a atenção do Jonadabe, que acabou revelando que sempre trabalhou em comunidades rurais, tendo o livro didático como único suporte escrito para leci- onar. Este fato se deu, segundo ele, à carência de livros de literatura, que, geralmente, só che- gam às escolas polos encaixotados e, quando saem das caixas, por não haver um lugar ade- quado, ficam, na maioria das vezes, dispersos pela sala dos professores, sala da direção, armá- rios, mesas... São pilhas de livros sem vida.

Revelou-me também que tinha práticas de leitura de livros com seus alunos, lia para eles somente excertos das histórias constantes do livro didático. Porém, garantiu, agora que havia a possibilidade de ler livros completos para as crianças.

O empenho do pesquisador foi grande. Durante um ano, teve que se desdobrar em le- cionar para as turmas da sua localidade, viajar aos finais de semana para ajudar na construção do espaço, adquirir livros, catalogar o acervo, lecionar para a turma onde aplicava o projeto com sua parceira de TCC, tudo isso viajando longas horas nas águas revoltas do Amazonas.

Em 2014, Jonadabe de Araújo veio até a cidade de Santarém para participar do IV Seminário do LELIT, agora apresentando um trabalho em pôster intitulado Espaço Isanildes

Silva das Neves: formando leitores na várzea. Foi uma experiência ímpar para o aluno-

professor-pesquisador-interventor, que, além de mostrar os resultados preliminares de sua pesquisa, também teve a oportunidade de participar de um evento sobre leitura e literatura com pessoas como Norma Sandra Ferreira de Almeida, Luiz Percival Leme Britto, Fabíola Farias e Graça Lima.

Tive a oportunidade de me reunir, em janeiro e março de 2015, com o professor Jona- dabe e percebi como falava apaixonadamente do romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos, dos Contos Amazônicos, de Inglês de Sousa, e da sua experiência de formar leitores na região de várzea. Na oportunidade, narrava que suas aulas ficaram mais interessante, que deixou de se guiar apenas pelo conteúdo gramatical, passando a explorar mais a leitura com seus alunos.

Analisando suas experiências como professor de dois estados da Amazônia (Pará e Amapá), informou que a realidade é a mesma: falta de livros, inexistência de bibliotecas esco- lares decentes, falta de ugar de ler. O que se tem, diz ele, são amontoados de livros didáticos sem vida nas prateleiras, pouca atenção à formação de leitores, pouco ou nenhum trabalho com obras de ficção.

Para o professor-aluno, a leitura é:

A oportunidade de obter conhecimento de mundo, pois, na várzea, o conhe- cimento está restrito ao cotidiano em que estão inseridos; se ele não ler, continuará vivendo só naquele mundo, vai estudar, mas o estudo vai ser apenas para ter informação para “ele não ser burro”, como eles dizem, e vão continuar pescadores, tomando conta do gadinho, não vão se interessar por nem uma outra profissão ou outro conhecimento. (Entrevista).

O isolamento geográfico e falta da educação continuada podem adormecer o ímpeto da aprendizagem do aluno-professor-pesquisador-interventor Jonadabe de Araújo Garcia, mas a semente foi plantada em bom solo e certamente vai germinar e dará bons frutos.