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DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

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Academic year: 2019

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SILVINA MARÍA CARRO

A assistência social no universo da proteção social

Brasil, França, Argentina

-DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

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SILVINA MARÍA CARRO

A assistência social no universo da proteção social

Brasil, França, Argentina

-Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Serviço Social, sob orientação da Professora Doutora Aldaíza Sposati

DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

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Página de Aprovação

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese por processos fotocopiados ou eletrônicos.

Assinatura__________________________

Local_______________________________

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AGRADECIMENTOS

Expresso meu agradecimento e reconhecimento ao conjunto dos professores do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), por sua receptividade, generosidade e sabedoria - entre outros inumeráveis atributos que o caracterizam. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), e, por sua intermediação, ao Brasil, pelo inestimável apoio econômico ofertado por meio da bolsa de estudos que permitiu a realização do curso de doutorado.

Agradeço à Professora Doutora Aldaíza Sposati por suas orientações metodológicas, de leitura, e pela oportunidade dada de expressar-me neste percurso que começou no ano 2000, por ocasião do mestrado em Serviço Social, e, fundamentalmente, por transmitir-me e possibilitar-me compartilhar seu conhecimento, sua paixão e seu interesse pelo estudo das dimensões da assistência social, não só no Brasil como em outros lugares do mundo. Faço extensivo este agradecimento aos colegas do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Seguridade e Assistência Social (Nepsas) da PUC-SP, por compartilhar desse objeto de estudo e intervenção que nos une, nos instiga a valorá-lo, apreendê-lo e a ser criativos em todas suas facetas.

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Capes-Cofecub coordenado pela Professora Aldaíza Sposati, com a participação da Professora Mariangêla Belfiore Wanderley.

Não podendo deixar de citar minhas colegas Alice Dianezi Gambardella, Carla Bressan, Carina Moljo, Dirce Koga, Euniciana Peloso da Silva, Íris Maria de Oliveira, Márcia Mousallem, Maria Angelina Baia de Carvalho, Maria Argenice Souza Brito, Neire Bruno Chiachio, Rosângela Carvalho Barbosa, Solange Pacheco, Sonia Nozabielli, Tânia Santana dos Santos com as quais tive o prazer de conviver nestes anos e que muito me auxiliaram no percurso até este ponto.

Aos colegas e professores do Curso de Trabalho Social da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires. Aos meus companheiros do Centro de Saúde nº 8, que pertence ao Hospital Municipal José M. Penna, da Cidade de Buenos Aires, e da Biblioteca Nacional de Maestros da República Argentina por sua colaboração inestimável. Agradeço às pessoas e instituições que contribuíram de diferentes formas e em diversos momentos no caminho do meu desenvolvimento pessoal e profissional. Todas elas mereceriam agradecimentos personalizados, mas, pela extensão e as limitações de espaço, certamente incorreria em faltas.

Aos que não estão: avós Llano-Díaz e Grovas-Carro, tios, primos, pela experiência social deixada em terras onde não nasceram, mas se fixaram, fugindo da pobreza e onde construíram uma nova vida para eles e para os que foram chegando. Aos meus pais: José Armando (in memoriam) e Emérita; e meus sobrinhos: Pamela, Federico e Tomás.

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RESUMO

Este trabalho analisa a assistência social nos sistemas de proteção social do Brasil, da França e da Argentina, privilegiando dois cortes: a passagem das formas assistenciais do campo privado para o campo público e sua relação com a seguridade social.

O capítulo 1 aborda a política de assistência social francesa como um dos eixos do sistema de proteção social, tomando como ponto de partida os conteúdos da história constitucional. Demarca o momento da passagem das primeiras feições da assistência pública e a posterior configuração em decorrência dos seguros sociais. Inclui aspectos da reforma jurídica da assistência social de 1953 e apresenta as tensões nos dispositivos e nas bases do Direito já instaladas a partir da Renda Mínima de Inserção.

O capítulo 2 analisa a Argentina. O processo de passagem da beneficência e a inclusão no aparelho estatal das primeiras formas assistenciais, as atividades da Fundação Eva Perón, concomitantemente a outras formas estatais de proteção. Aprofunda a perspectiva jurídica da seguridade social e da assistência social. Analisa os desafios colocados por volta da metade da década de 1980 quando ocorre a descentralização dos serviços sociais e dos programas sociais.

O capítulo 3 estuda o Brasil. Apresenta as atividades assistenciais durante a transição do Brasil Imperial para a Velha República. Evoca a criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA), o formato das Constituições de 1934 e 1946 e a relação com a legislação trabalhista. Retoma o debate sobre o papel do Estado a partir das discussões internacionais sobre seguridade social. Destaca o objetivo que prevalece na definição da seguridade social no período anterior à Constituição de 1988. Indica o percurso de construção da política de assistência social após 1988 em face da descentralização e da rede de proteção social.

As considerações finais oferecem indicações e demonstram as tensões que contribuem para melhor delinear o lugar da assistência social na passagem das formas privadas às públicas. Destacam-se os processos de centralização e de descentralização político-administrativa que ocorrem a partir da década de 1980, usando como referência a experiência dos três países.

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ABSTRACT

This work analyzes the social assistance in the systems of social protection of Brazil, France and Argentina, favoring two parts: the transition from the assisting forms of the private field to the public field and its relationship with the social security.

The chapter 1 approaches the French social assistance policy as one of the main points of the social protection system, taking as the initial point the constitutional history contents. It marks the transition moment of the first features of the public assistance and the following configuration because of the social securities. It includes aspects of the juridical reform of the social assistance of 1953 and it presents the tensions on the devices and on the basis of Law already installed since the Minimal Insertion Income.

The chapter 2 analyzes Argentina. The passage process of the beneficence and the inclusion in the apparatus of the State in the first assisting forms, the activities of the Eva Perón Foundation, concomitantly to other protection forms of the State. It makes a profound study in the juridical perspective of the social security and the social assistance. It indicates the challenges that were placed in the middle of the 1980 decade in face of the decentralization of the social services and programs.

The chapter 3 studies Brazil. It presents the assisting activities during the transition of the Imperial Brazil to the Old Republic. It evokes the creation of the Brazilian Legion of Assistance (LBA – Legião Brasileira de Assistência), the Constitutions formats of the 1934 and 1946 and the relationship with the working legislation. It retakes the debate over the State role starting on the international discussions over social security. It accentuates the objective that prevails in the definition of the social security in the period before the Constitution of 1988. It indicates the path of the political construction of social assistance after 1988 in face of the decentralization and the social protection network.

The final considerations offer indications and show the tensions that contribute to a better delineation of the social assistance place in the passage of the private forms to the public ones, in the centralization and in the processes of political-administrative decentralization of the decade of 1980, using as a reference the experience of the three countries.

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SUMÁRIO

RESUMO...vii

ABSTRACT...viii

LISTA DE ILUSTRAÇÕES ...xii

INTRODUÇÃO...1

CAPÍTULO 1 FRANÇA. A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL....31

1.1 A construção jurídica contemporânea da assistência social...34

1.2 A assistência social na arquitetura do sistema de proteção social ...39

1.3 A assistência social e as leis fundadoras do sistema de seguridade social ...48

1.4 A reforma jurídica de 1953: a assistência social...53

1.5 As discussões sobre a evolução dos Estados-Providência, o caso francês...56

1.6 A lógica da ação social em diálogo com a lógica da assistência social...58

1.7 A abordagem organizacional e funcional da assistência social e da ação social...61

1.8 A inserção em debate: os mínimos sociais em face das novas propostas de intervenção...63

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1.10 Desafios para a política de assistência social francesa a partir de 2002...79

CAPÍTULO 2 ARGENTINA. A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL...81

2.1 A institucionalização da beneficência ...83

2.2 A construção de um saber sobre o social ...86

2.3 Institucionalização da assistência social e os seguros sociais ...89

2.4 A centralização e a incorporação da perspectiva técnica na assistência social ...94

2.5 A Direção Nacional de Assistência Social e a Fundação María Eva Duarte de Perón...97

2.6 A Constituição de 1949 e os direitos sociais ...101

2.7 A assistência social e as discussões sobre a gênese e desenvolvimento do Estado de bem-estar argentino ...105

2.8 A conformação das áreas da proteção social e assistência social ...112

2.9 O social na Constituição Nacional de 1994 ...118

2.10 O Estado outorgará: uma interpretação do princípio subsidiário do Estado e as prestações de assistência social ...130

2.11 A assistência social e os desafios das mudanças nas formas de administração e gestão a partir da década de 1990 ...134

CAPÍTULO 3 BRASIL. A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL ...138

3.1 As formas assistenciais na passagem do Brasil Imperial à Velha República...140

3.2 A institucionalização das formas assistenciais e a previdência na Velha República...141

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3.4 Assistência social e os processos pré e pós-Constituição de 1988...172

3.5 A descentralização da assistência social com bse na Loas e na rede de proteção social...179

3.6 Desafios para a política de assistência social desde a perspectiva da proteção social...187

CONSIDERAÇÕES FINAIS...190

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Tabela 1. Dados de despesas destinadas à proteção social em países da União Européia para o intervalo 2000-2004, em porcentagem do PIB...32 Quadro 1. Aspectos relevantes para o estudo da assistência social na proteção social na França, período monárquico- 1941...47 Figura 1 As três lógicas do sistema francês de proteção social: assistência, previdência, seguridade social...52 Figura 2. Assistência social na França, em 2004, por categorias de usuários e por prestações...55 Quadro 2. Caracterização do sistema de proteção social francês em 2004 na perspectiva dos modelos clássicos de proteção social...57 Quadro 3. Organização político-administrativa da assistência social na França em 2004...62 Figura 3. Políticas transversais a assistência social na França em 2004...68 Quadro 4. Atividades dos serviços de acolhida...69

Quadro 5. Modalidades de abrigo e formas associadas de inserção em 2004...71

Quadro 6. Conformação do sistema francês de proteção social, por tipos de regimes, em 2004...72

Quadro 7. Aspectos relevantes para o estudo da assistência social na proteção social na França, período de 1945 a 2002...78

Quadro 8. Fundamentos e ações da beneficência na constituição do Estado moderno argentino...85 Quadro 9. Aspectos relevantes para o estudo da assistência social na proteção social na Argentina, período colonial – 1930...93 Quadro 10. Aspectos relevantes para o estudo da assistência social na proteção social na Argentina, período de 1930 a 2001...110 Quadro 11. Artigos de referência nas constituições da província de Buenos Aires e da Cidade Autônoma de Buenos Aires...121

Quadro 12. Artigos de referência na constituição da província de Neuquén...122

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Quadro 14. Artigos de referência nas constituições das províncias de Tierra del Fuego e Ilhas do Atlântico Sul, Catamarca e Santa Fé...123 Quadro 15. Artigos de referência nas Constituições das províncias de Chaco, Chubut, Córdoba, La Rioja, Misiones, Rio Negro, Salta, San Juan, San Luis, Santiago del Estero e Tucumán...125

Quadro 16. Artigos de referência nas Constituições das províncias de Formosa e Jujuy..128

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INTRODUÇÃO

No ano de 2001, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), durante a Conferência Internacional do Trabalho, lançou a Campanha Mundial sobre Segurança Social e Cobertura para Todos.1 A estimativa do organismo previa que, a cada cinco pessoas no mundo, apenas uma delas teria uma cobertura de segurança social adequada. As outras quatro pessoas teriam igualmente necessidade desta cobertura, embora vivessem sem ela de alguma maneira.

No documento então elaborado, a OIT define segurança social como a proteção oferecida por uma sociedade às pessoas e famílias, destinada a garantir o acesso à assistência sanitária e à seguridade, particularmente, em situações de idade avançada, desemprego, doença, deficiência, lesão profissional, maternidade ou perda do suporte familiar. O documento acrescentou dados que indicavam que 80% da população mundial carecia de um nível adequado de cobertura de seguridade social, isto é, mais da metade dos habitantes do planeta não disporiam de nenhum tipo de proteção. Os governos e as organizações de empregadores e de trabalhadores consideraram que deveria ser dada máxima prioridade às "políticas e iniciativas que façam chegar a segurança social a todos aqueles que não estão ainda abrangidos pelos sistemas já existentes".

A ausência da proteção social extensiva a todos os que dela necessitam é um problema legítimo que merece ser considerado. A constatação exprime que as metas formuladas em meados do século XX, e que foram a base da institucionalização dos sistemas de proteção social nas sociedades ocidentais, estão longe de ser alcançadas.

No andamento das sociedades modernas, a assistência social, como parte desses sistemas, contribuiu com os movimentos de ampliação de seus conteúdos e suas proteções, assim como com os movimentos de retração da sua presença no sistema, quando a seguridade social foi considerada como já plenamente estendida. Nas últimas décadas, a inserção ou não inserção da assistência social nas sociedades com alto nível de desemprego, de

1Disponível em: www.ilo.org. Durante a 91ª Conferência Internacional do Trabalho (CIT), a OIT lançou a

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migração externa e interna, e desigualdade social, tem colocado o foco nas chamadas políticas de inserção ou de inclusão social e dos programas de transferência de renda. Contudo, a falta da abrangência social da proteção no mundo continua sendo um problema a ser resolvido no século XXI.

Considero que a análise da assistência social e da forma que ela adota no conjunto da proteção social de cada país, seja em sua formulação baseada em direitos, seja nos planos e políticas e em sua forma de institucionalização, constitui um dos caminhos possíveis para consolidá-la como campo de política pública e de acesso aos direitos, ao mesmo tempo em que essa abordagem da questão permite confrontar diversas definições produzidas em outros campos da academia, assim como coopera na produção de um tipo de conhecimento que melhora a ação pública nessa área.

Os projetos, programas e serviços sociais, sustentados numa definição de assistência social como política de direitos, têm fundamental importância para o enfrentamento da desigualdade social naqueles países que possuem um sistema de proteção social ainda não desenvolvido ou em desenvolvimento e, conseqüentemente, para o estudo sobre como estender a proteção para o conjunto dos seus habitantes.

Este trabalho tem por objeto de análise a assistência social nos sistemas de proteção social de diferentes formações históricas: no Brasil, na França e na Argentina, enquadrados na realidade histórico-social e política de cada um desses países. Propõe-se a problematizar o processo de continuidade e descontinuidade das regulações desses sistemas a partir de dois cortes: a passagem das formas sócio-assistenciais do campo privado para o campo público, e a assistência social em sua relação com os sistemas de seguridade social, na perspectiva de aprofundar como essa inclusão pode ter sido qualificadora ou não qualificadora da assistência social quando vinculada ao conjunto de prestações fornecidas pela proteção social.

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nos países com sistemas de proteção social ainda não desenvolvida ou em desenvolvimento.

A categoria “serviço” é um dos componentes da seguridade das prestações no tempo, além de ser um dos componentes de concreção material da cidadania. A França vem desenvolvendo a assistência social como parte de um sistema de proteção desde a Revolução Francesa. Na América Latina, contudo, é discussão recente, pois, embora ancorada em herança cultural francesa, transita ainda seu processo de consolidação no início do terceiro milênio.

A escolha desse tema decorreu, em primeiro lugar, das indagações surgidas a partir do estudo das produções acadêmicas sobre o direito à assistência social no Brasil, incorporado como tal na Constituição brasileira de 1988, assim como de outros estudos relativos ao tema desenvolvidos no Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Assistência Social e Seguridade Social (Nepsas), e nas disciplinas do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-SP. Essas produções me colocaram em face do desafio de pensar e “me pensar” na situação de meu país de origem: Argentina, e de como poderia descrever, e fazer refletir sobre aquela realidade, a trajetória de desenvolvimento da assistência social no conjunto da proteção social, além de me levar a retomar os estudos já realizados por outros colegas argentinos nessa perspectiva. Esse processo ampliou-se, quase simultaneamente, para a realidade francesa, sendo então estimulada por minha orientadora a incluir essa dimensão na pesquisa proposta pelo Projeto Capes-Cofecub, “A Proteção Social contra a Exclusão Social e a Serviço da Inclusão Social”.

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inclusão social de assistência social, transferência de renda, assistência social voltada às crianças e adolescentes, e ações dirigidas ao atendimento de urgências no plantão social.2

A França possui longa e sistematizada tradição de estudo sobre a proteção social, os sistemas de seguridade social e seus componentes, contando com um Comitê de Estudo da História da Proteção Social e da Seguridade Social, e também com centros associados a esse Comitê Central para algumas regiões da França, fato pelo qual algumas das aproximações aqui contidas ancoram-se nesses modelos de abordagem analisados durante a experiência da bolsa sanduíche.3 Portanto, procura-se exprimir o percurso dessas três vertentes de estudo na perspectiva de aprofundar um dos aspectos fundamentais da assistência social como política pública, isto é, o trânsito de um campo baseado em práticas subjetivas pautadas na benemerência ou na filantropia para um campo de práticas objetivas inseridas no processo de regulação Estado-Sociedade, a partir da modernidade e do estabelecimento do contrato de trabalho, e, nele, a evolução do alcance da legislação social do trabalho e as formas subseqüentes que conformam o universo da proteção social.

Perspectiva teórico-metodológica

Para cumprir o objetivo deste trabalho que é esclarecer os pontos de contato e as particularidades pelas quais a França, o Brasil e a Argentina institucionalizaram - ou não - a assistência social como política de direitos à proteção social, é preciso tornar claro, a princípio, o entendimento que aqui é empregado para: proteção social, assistência social, seguro social, bem-estar social e, neste, suas relações com a assistência social, em particular para a América Latina.

2 Como produtos desse projeto, já foram defendidas as seguintes teses de doutorado, orientadas pela

Professora Aldaíza Sposati, na PUC-SP. Em cotutela, Carla Bressan (2006): O direito de proteção social não contributiva à infância e à adolescência no Brasil e na França; Maria Argenice de Souza Brito (2005): Transições necessárias do plantão social na gestão do Sistema Único de Assistência Social. Ancorada nestes estudos, em 2003 a Doutora Dirce Koga publicou o livro Medidas de cidades: entre territórios de vida e territórios vividos, que se refere ao conteúdo de sua tese de doutorado.

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A proteção social

Uma das formas de aproximar-se do estudo da proteção social é por meio da economia, analisando o contexto das contas fiscais (orçamentos, transferência de recursos financeiros do nível central aos estados e municípios, etc.). Outro caminho é aquele que considera o conjunto de normas e organizações destinado a fazer cumprir os objetivos da política pública. Para o objeto deste estudo, é insuficiente indagar a relação entre economia e política no nível da macro-teoria, embora se reconheça o valor heurístico dessa relação no contexto global deste trabalho. Tem-se como ponto de partida que só um olhar de alcance médio permitirá incorporar à análise os padrões de regularidade de cada sociedade, assim como as principais marcas do seu cenário sociopolítico definidoras do quadro de acontecimentos contingentes em relação às normas e à organização.

A proteção social, como experiência histórico-social, abrange um conjunto de acontecimentos datados e localizados, e formas institucionalizadas, mas, ao mesmo tempo, envolve ações regulares, princípios e normas voltados à defesa de grupos e indivíduos em situação de abandono, desamparo ou em condições de não sobrevivência, para aumentar a capacidade de autoproteção e para enfrentar a deterioração econômica e as ocorrências da vida social.

São freqüentes as referências à proteção “pré-moderna”, em que dominavam os laços da família, da linhagem e dos grupos de proximidade e em que a seguridade de proteção estava garantida pela pertença a uma comunidade. Em seu livro A Grande Transformação, Karl Polanyi (1947) prova que a maior transformação não foi uma evolução progressiva e acumulativa do econômico. A deslocação social que implicou a implantação de uma economia de mercado fez despregar uma lógica oposta e restringível: o princípio da proteção social. 4 E duas categorias se perfilam como objeto das intervenções sociais enquadradas na proteção social no fim do século XVIII: uma que envolve situações de dependência reconhecidas, constituída por aqueles que não podem atender às suas necessidades básicas e não têm condições de entrar na ordem do trabalho, por deficiências

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físicas ou psíquicas manifestas, pela idade, por doenças ou por situações sociais de cuidado. São os idosos indigentes, crianças sem pais, aleijados, cegos, paralíticos, viúva com filhos, que passam a formar parte do perfil de “assistidos” ou “indigentes válidos”. E outra categoria, totalmente diferente, é aquela que envolve os que, contando com capacidade de trabalhar e não o fazem, ficam fora dos dispositivos de assistência social e também dos dispositivos do trabalho.5

Com o advento da modernidade, a proteção social articula-se em múltiplas instituições: governamentais nacionais, estaduais ou municipais, sistemas públicos de seguridade social, fundos de aposentadoria, seguros coletivos, entidades públicas ou privadas de assistência social, que conformam um sistema para o qual confluem intervenções públicas e privadas, e em que não prevalece a reciprocidade simultânea nem se baseia em acordos estritamente individuais ou privados.

As diferentes formas assumidas pela proteção social podem ser estudadas a partir do contexto sociopolítico que teve origem desde o alvorecer do Estado moderno, estabelecendo contextos diferenciados para as relações políticas e jurídico-normativas. O estudo do lugar da assistência social relacionada à proteção social na evolução dos modos de regulação dos Estados modernos situa-se no ponto de cruzamento de saberes já estabelecidos, dos quais é possível retomar os conceitos principais: o direito, a economia, a sociologia e a ciência política enquanto ciência do “Estado em ação”. A análise dos conteúdos produzidos no campo das políticas públicas é, sem dúvida, outro aspecto, no campo teórico, ao qual é possível recorrer para dar conta dessa caracterização.

A análise da assistência social como mediadora entre o Estado e a sociedade é um dos caminhos que permite reconhecer e estudar os aspectos do caráter social, do histórico dos direitos sociais que cada país destina aos seus habitantes. Isso adquire profunda importância na análise da assistência social como objeto de estudo, de intervenção e como direito social, pois, em sua origem, surge ligada a outras formas sócio-assistenciais (caridade, filantropia), e, em sua conformação posterior, no que tange à evolução nas mudanças da regulação estatal, aparece envolvida não só na perspectiva de regular a provisão de bens e serviços, mas, também, numa posição em que se definem e reatualizam

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os seus limites na relação com outras formas de proteção, e na evolução dos sistemas de proteção social dos Estados modernos.

A assistência social

Nos últimos trinta anos, o estudo das políticas públicas alcançou alto grau de interesse e de desenvolvimento, tanto na Europa como na América Latina, notadamente no que se refere aos aspectos teórico-analíticos quanto à sua formulação e sua forma, segundo sua capacidade para se constituir ou não em suporte para a promoção de mudanças e reformas do Estado.

Vários trabalhos no campo da ciência política elegeram como objeto de estudo a construção temática das políticas públicas. Alguns autores dessa disciplina, como Oscar Oszlack (1980) e, recentemente, Zimermann (2001),6 afirmam que, por um lado, expande-se o estudo das políticas públicas associada ao crescimento do Estado, denominado welfare state, “estado de bem-estar” ou “estado providência” - como preferem nominá-lo alguns autores franceses. Com a aparição do modelo bismarckiano é que começa o interesse por estender o estudo da atividade do Estado a áreas em que sua competência, até aquele momento, era escassa ou nula, como aconteceu com a proposta dos seguros sociais.

A simbiose entre um tipo de atividade e um determinado tipo de Estado propiciou o estudo das políticas públicas segundo o enfoque de uma teoria de Estado associada a um modelo de economia: capitalista ou socialista. Atualmente, a compreensão das políticas públicas não se centra exclusivamente no suporte ideológico-produtivo de cada Estado ou no enfoque partidário; os estudos incorporam uma tendência a compreender, descrever e analisar toda a atividade e a gestão das autoridades públicas num formato que, por um lado, recupera a capacidade de gestão do poder público, e, ao mesmo tempo, pode aprofundar o conhecimento sobre as competências estatais de controle, de intervenção ou de regulação.

6 Vide Oscar OSZLACK, Políticas públicas y regímenes políticos: reflexiones a partir de algunas

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Muller (2004)7 acrescenta que, em alguns países europeus, entre eles a França, a abordagem de políticas públicas associou-se ao conceito de Estado como uma instituição que domina a sociedade, a modela, e a transcende. Essa definição erigiu-se na comunidade científica, que fundamenta suas reflexões na cultura jurídica e na filosofia do Estado. Para essa escola, formular e implementar políticas é a essência da atividade do Estado. Nesse raciocínio, essa abordagem proporciona uma opção de pesquisa associada ao estudo da transformação dos modos de ação do Estado, no curso dos últimos cinqüenta anos, como este se modificou, e de que forma foi estabelecendo seu papel regulador nas sociedades industriais ocidentais.

Em um trabalho clássico que estuda a relação entre as políticas públicas e os regimes políticos, Oscar Oszlack (1980) assinala que a formulação de uma política - em sentido amplo - implica definir a direção que deverá ter a ação. Essa definição contém elementos normativos e prescritivos, dos quais resulta uma visão sobre um futuro desejável. 8 Entre a

formulação e a ação, medeia a distância entre o abstrato e o materializado: “a política”.

Essa interpretação rechaça o caráter monolítico do Estado e também uma possível visão conspirativa que se derivaria de tal condição; pelo contrário, concebe o Estado como uma instância de articulação que condensa conflitos e contradições, tanto através da tomada de posição como de regulações. Assim, o âmbito institucional do Estado é o lugar em que prevalecem interesses contrapostos e no qual se dirimem questões socialmente problematizadas.

Os sistemas de proteção social e suas dimensões, entre elas a assistência social como objeto de estudo e de intervenção com uma especificidade, são produto de uma construção sócio-histórica. As políticas de assistência social e a sua organização na esfera estatal não são somente o resultado de um processo racional de diferenciação estrutural e especialização funcional. Sua formação geralmente apresenta uma trajetória errática e sinuosa, na qual se observam sedimentos de diferentes estratégias e programas de ação política. Os esforços para materializar projetos, iniciativas e prioridades dos regimes que se

7 Pierre MULLER, Les politiques publiques, 2004, p. 3-5.

8 Oscar OSZLACK, Políticas públicas y regímenes políticos: reflexiones a partir de algunas experiencias

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alternam no controle do Estado tendem a se manifestar, no interior da sua conformação, em múltiplas formas organizativas e variadas modalidades de funcionamento.

Nessa linha, trata-se de pensar em um modelo de análise que incorpora a perspectiva do Estado como peça fundamental de regulação e financiamento, assim como garantia de produção de serviços básicos e como fator de processamento de sucessivas "tomadas de posição" (ou políticas) que implicam diferentes atores sociais e estatais, em face das questões problemáticas próprias ao desenvolvimento da vida social e da vida política.

Um dos principais desafios para se abordar esse objeto é a heterogeneidade, o alcance do termo “assistência social”, e a falta de correspondência entre os conteúdos produzidos pela esfera acadêmica e pela gestão institucional. Alguns autores reconhecem o campo de estudo da assistência social como ainda residual ou de importância relativa.

O estudo da assistência social apresenta controvérsias nem sempre satisfatoriamente respondidas. Por um lado, a assistência social tem importante tradição histórica, quase sempre associada ideologicamente à benemerência e à filantropia; em termos institucionais, trata-se de uma área que aparece fragmentada e com uma importância administrativa relativa. Segundo autores especialistas nos sistemas de bem-estar europeu, o estudo da assistência social redunda num setor de ação pública residual, de baixa imagem social, ausência de imagem sócio-científica e duvidosa efetividade social. 9

Os pesquisadores procedentes do campo do Serviço Social reconhecem que a assistência social é um componente que define a identidade profissional do assistente social. Isso exige incorporar a perspectiva histórica e as formas assistenciais na reconstrução histórica da profissão. É oportuno, nesta altura da exposição, fazer uma distinção necessária, já que existe uma tendência a identificar assistência social com assistencialismo. Define-se a caridade e a filantropia como formas sócio-assistenciais, para, desta forma, estabelecer a diferenciação com as intervenções estatais em matéria de assistência social. Nessa linha de reflexão, uma definição clássica de assistencialismo, de Norberto Alayón, na década de 198010, entende que: o assistencialismo constituiu a essência não só das formas de ajuda ou formas assistenciais anteriores à profissão do Serviço Social, mas também, do próprio

9 Demetrio CASADO, Acción social y servicios sociales, Madrid, 1994.

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Serviço Social. [...] É a orientação ideológico-política da prática assistencial o que determina se esta é assistencialista ou não. Se a atividade assistencial é assumida como direito inalienável, e interpretada na perspectiva da igualdade e da justiça social, obviamente não pode se falar de assistencialismo.

Robert Castel (1997:33), em seu livro Metamorfose da Questão Social, analisa duas vertentes da questão social na transição para o mundo do trabalho: a sócio-assistencial, e a que ele chama de os ‘desafiliados’. Segundo o autor, a sócio-assistencial organiza-se em torno de categorias formais que, sem dúvida, encontrariam equivalentes em todas as sociedades históricas. O termo “assistência” recobre, não obstante, uma categoria comum a um conjunto extraordinariamente diversificado de práticas que são determinadas pela existência de certas categorias de populações carentes e pela necessidade de fazer-se cargo delas. [...] sem dúvida, esta constelação da assistência tomou formas particulares nas distintas formações sociais.

Outros autores argumentam que dispositivos variados de assistência social ganharam importância crescente na maioria dos países industrializados, embora seja de menor importância quando comparada com os estudos sobre o welfare state. Ian Gough (1997) e Ditch, entre outros autores, procuraram construir tipologias da assistência social nos países europeus com o intuito de mapear “as espécies” de assistência social em 24 países da OCDE,11 propondo-se a relacionar e classificar os “tipos” de assistência social mais do que oferecer uma teoria explicativa da assistência social, de sua variedade e formas de evolução.12

No estudo, eles reconhecem que o termo “assistência social” não tem uma única tradução ou entendimento universal. Em alguns desses países, o termo significa uma ajuda formada por variados recursos não baseados em testes, mas categorizados como ajuda a grupos de órfãos, imigrantes e idosos. Em outros países, a assistência social inclui benefícios sujeitos à comprovação de ausência de recurso, ou benefícios de complementação de renda administrados como parte da seguridade social. Há alguns países nos quais a assistência social inclui extensos programas de caridade ou doação de dinheiro.

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Nesta pesquisa, foram identificados oito diferentes regimes de assistência social, baseados nas dimensões extensão, cobertura e magnitude. Os regimes de assistência social propostos pelo estudo de Gough (1997) não se enquadram na já clássica tipologia de Esping-Andersen (1993) para os regimes de bem-estar social.13 Nela, os países do mundo social-democrata, nos quais o capitalismo acompanhado de bem-estar social, compreende países com benefícios universais e redistribuição substancial, características dos países nórdicos e da Holanda, que exibem padrões similares de assistência social – pelo menos até o momento de crescimento do desemprego. Os países com Estado de Bem-Estar “corporativo” permanecem no esquema de recursos contributivos e ocupacionais, reproduzindo benefícios estratificados e diferenciados. Os arquétipos são a Alemanha, Áustria, Bélgica, França e Itália, nos quais há alta similaridade com o tipo de assistência social provida pelos países nos quais existe alta relevância das categorias.

Por outro lado, durante muitos anos, os estudos das áreas de emprego e seguridade social, fundamentalmente aqueles que avaliavam os sistemas de bem-estar social europeus posteriores à Segunda Guerra Mundial, previam que uma proporção crescente da população ativa acabaria integrando-se a empregos do setor estruturado e com cobertura da seguridade social, e, portanto, a assistência social, como campo, não seria necessária ou apenas uma prática remanescente do trabalho. A evolução dos dados mundiais do final do século XX, em matéria de emprego, exprime que as taxas de trabalho informal deram lugar a taxas de cobertura estanques ou em declínio e à crescente falta de proteção social, o que permite pensar na centralidade que seu estudo adquire.

Na análise dos conteúdos das dimensões da assistência social, como política de proteção social nos três países aqui estudados, o contexto econômico-social internacional introduz um ponto de vista polêmico, se consideradas as relações de assimetria entre o mundo desenvolvido, ao qual a França pertence, e o mundo não desenvolvido, em que se situam o Brasil e a Argentina. Os problemas da globalização econômica, da reestruturação produtiva, das inovações tecnológicas; o princípio da qualidade e da competitividade; as transformações do mundo do trabalho e a desocupação estrutural; o controle das informações; a ideologia da sociedade de consumo; o aumento da desigualdade e da pobreza nas diversas regiões do mundo; as diferenças de acesso aos serviços sociais, entre

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os quais a assistência social; os diferentes percursos históricos e culturais de cada um dos três países, propiciam um quadro diversificado. Algumas questões são comuns, entretanto, como, por exemplo, as exigências impostas pela reestruturação produtiva (novas tecnologias, nova organização e novas relações de trabalho), devida à mundialização dos processos produtivos, políticos e culturais.14

Assistência social e o seguro social

Na construção da ordem institucional do Estado moderno, as contradições entre os princípios de organização da democracia política e a ordem econômica de mercado ocuparam o centro do debate de todas as vertentes ideológicas desde a metade do século XIX. A difusão das noções de classe social, classe proletária, exploração social, questiona o conteúdo atribuído aos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, que se arvoravam como símbolos da construção dessa ordem. Há consenso entre os analistas, como já foi dito, que na aparição do modelo bismarckiano é que começa o interesse por estender o estudo da atividade do Estado a áreas em que sua competência, até esse momento, era escassa ou nula.

A exigência pela atenção às expressões da questão social, um dos efeitos da Revolução Industrial, impôs mudança nos instrumentos e na concepção jurídico-administrativa do Estado, que se exprimiu na necessidade de legitimar sua reforma social, moral e política, por meio de novas técnicas e intervenções que atendessem ao social. A Inglaterra contava com ampla legislação, que regulava o trabalho nas fábricas; a Alemanha levava a cabo um conjunto de intervenções articuladas dirigidas a assentar as bases de um sistema de previdência social, concretizado entre 1883 e 1889, por meio de programas de seguro obrigatório contra as doenças, a velhice e a invalidez.

A obra de Otto von Bismarck encontrou apoio na Constituição alemã de 1873, que manifestou os princípios dos reformistas alemães. Tanto a legislação do trabalho inglesa como a proposta alemã tiveram ampla difusão nos países europeus e latino-americanos. Essas reformas, nascidas na Alemanha, ao final do século XIX, assinalaram a origem de

14 Maria CIAVATTO FRANCO, Quando nós somos o outro: questões teórico-metodológicas sobre os

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um Estado que ampliava seu comprometimento com a administração e o financiamento de programas de seguridade social, ainda que, do ponto de vista do seu posicionamento ideológico-político, houvesse um intento de reduzir o poder do socialismo por meio da dependência das atenções aos trabalhadores pelo Estado.

O período corresponde à institucionalização paulatina de formas assistenciais na perspectiva da centralização e da incorporação da técnica na atividade estatal. Também é considerado, por alguns teóricos, como o momento da introdução da noção do risco na administração das políticas sociais (EWALD, 1986). 15

A técnica do seguro social introduzida na Alemanha do século XIX diferenciou-se notavelmente das formas tradicionais de assistência social. As leis surgidas durante esse período assinalam a institucionalização de uma nova forma de relação entre o Estado e a sociedade. A noção de risco que envolveu o seguro social é uma construção racional e se diferencia das concepções que transitavam entre a moralidade e o secularismo. O risco tem duas características. Por um lado, corresponde a uma equação calculável em termos individuais: para que um acontecimento se torne um risco é preciso avaliar a possibilidade de sua ocorrência. Por outro lado, o risco representa também o coletivo, a sociedade, o que é um fator de ponderação sobre o individual. O risco é individual, mas é também coletivo, pois é ponderável a partir do conjunto da sociedade. A técnica do seguro social introduz a socialização dos riscos entre a população.

Segundo Tenti (1991), “o risco vai ganhando espaço no Estado até tornar-se a base da definição da gestão social, e, a partir do qual, a sociedade passa a ser definida como uma forma de associação mútua contra múltiplos riscos”. A assistência social aos “deserdados”, aos pobres, aos doentes fora do mercado de trabalho, também é compreendida sob um conteúdo científico: a defesa social que traz forte apelo moral. Os cuidados para com aqueles percebidos como uma ameaça potencial à saúde, à ordem das cidades, à ordem em geral, passaram a integrar a esfera da obrigação moral. Em relação a estes, ninguém está juridicamente obrigado a fazer o bem, o que se sanciona é o preceito de não causar danos aos outros.

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François Ewald (1986) assinala que, como resultado desse processo, redefineram-se as responsabilidades do Estado em matéria social. Por um lado, introduziu-se a idéia de solidariedade social, e, por outro, a idéia de obrigação, que fundará mais uma ordem jurídica. Portanto, para cada homem, “o simples fato de existir lhe dá direitos, o que o faz credor deles; por outro lado e correlativamente, a obrigação de não causar danos aos outros se reforça com a obrigação muito mais positiva de contribuir para a sua realização” (EWALD, 1986:349). No final do século XIX, os juristas franceses empreenderam a tarefa de reconstruir o direito a partir da noção de risco (em substituição da noção de acidente, ligada à culpa individual sobre o fato), e da transferência da noção de responsabilidade individual para a responsabilidade da sociedade.

Conseqüentemente, embora os danos e os prejuízos continuassem a ser individuais, é a sociedade que se faz responsável por repartir os custos de suas seqüelas e danos. O novo programa, baseado no direito social, consiste em um ideal de justiça puramente reparadora, que exclui todo elemento de penalidade; em sua técnica de socialização dos danos e repartição dos riscos segundo os princípios da solidariedade e da mutualidade; em seus efeitos, ocorre a modificação da incidência do azar e do destino em função da eqüidade (EWALD, 1986: 356).

A população submetida ao risco constitui-se em objeto da política social. O risco não é resultado de um perigo definido precisamente por um indivíduo ou um grupo concreto. Pelo contrário, é produto da inter-relação de dados e fatores que tornam mais ou menos prováveis alguns comportamentos não desejáveis. Essa estratégia, segundo os reformistas, vai requerer o fortalecimento de um centro, o Estado nacional, para conceber, desenhar e executar as intervenções sobre a população. Toda a população converte-se em objeto de estudo e, para ser administrada, precisa ser conhecida e estudada detalhadamente. A partir do final do século XIX, começa a ser objeto de observação e de intervenção por profissionais especializados: higienistas, médicos, visitadoras de higiene, professores, etc..

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Nesse conjunto de regulações, e em momentos históricos distintos, ocorreu a singularidade de uma política social de proteção que não se vinculou nem à legislação social do trabalho nem à proteção da saúde. Um campo que se ocuparia da qualidade das relações como

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resistência a riscos sociais que deterioram ou tornam precário o convívio humano, ou ainda que provocam o isolamento, o abandono e a apartação social. O núcleo primeiro dessas relações localiza-se na experiência cotidiana da vida em família (genética ou construída) e as transgressões que nele vão se apresentando reduzem sua capacidade de ser o núcleo básico de proteção social. Outra centralidade está na capacidade e na possibilidade concreta de provisionar a sobrevivência de cada um sob os padrões aceitáveis em cada sociedade. As garantias que a sociedade constrói para responder a essas situações, via de regra, são as que constituem o campo da assistência social.

Fundamentos do Estado de bem-estar

Os problemas sintetizados sob a noção de “questão social” viram-se potencializados pela crise de 1929, quando a desocupação em massa da força de trabalho nas sociedades de capitalismo avançado, somada à recessão econômica, questionaram o núcleo das linhas políticas até então vigentes. No lugar de um mundo estacionário ou de movimentos contínuos, a instabilidade e a incerteza se apoderam da vida cotidiana. A estabilidade do ciclo econômico e do emprego colocou-se como prioridade na reformulação do sistema de políticas públicas. A expansão do direito social dá-se concomitantemente com a difusão do pensamento keynesiano, que via na demanda efetiva um instrumento eficaz para alcançar esses objetivos. A idéia de estabilidade econômica referia-se à manutenção de um processo sustentado na acumulação de capital.

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O Estado de Bem-Estar constitui-se no modelo da pós-guerra que gozou de certa autonomia ao resguardar o crescimento e a expansão do capital, a expansão de direitos sociais e o reconhecimento de condições mínimas de vida para o conjunto da população. Os países europeus, como é o caso da Franca, depois da Segunda Guerra Mundial, protagonizaram um período de crescimento econômico e de “paz social”. Nas sociedades latino-americanas, esse período foi peculiar e contraditório, diverso, em seus caminhos, do contexto europeu. No entanto, os modelos institucionalizados do Estado de Bem-Estar contêm em si mesmos uma contradição essencial, que atravessa a história da sociedade capitalista moderna, e, conseqüentemente, o Estado moderno: a existência de um “contrato” que relaciona indivíduos livres (isolados) entre si e os unifica (iguala) no mercado.

Claus Offe (1990) define o Estado de Bem-Estar como o conjunto de disposições legais que dá direito aos cidadãos de receber prestações da seguridade social obrigatória e contar com serviços estatais organizados (no campo da saúde, da educação, etc.), numa ampla variedade de situações denominadas de contingências. Os meios através dos quais intervém são regras burocráticas e disposições legais, subsídios em dinheiro, e serviços baseados na experiência profissional de professores, médicos e assistentes sociais. Esse modelo de Estado exprimiu os valores da economia política: crescimento econômico e seguridade social. Suas origens ideológicas são diversas, desde socialistas até católico-conservadoras, e têm como base teórica o modelo keynesiano.

O exemplo mais próximo a essa definição é a política levada na Grã Bretanha durante a Segunda Guerra Mundial. A partir de 1945, a maioria dos países ocidentais implementa planos de seguridade social inspirados no informe produzido na Inglaterra por lord Beveridge, o “Full employment in a free society”: independentemente de sua remuneração, todos os cidadãos, enquanto tais, têm direito a estar protegidos em situações de dependência a longo prazo (velhice ou invalidez) ou de breve prazo (doenças, desemprego, gravidez).17

17 Na história inglesa, até o término do século XIX, o indigente era distinguido de seus vizinhos por um status

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Até esse momento, as Constituições proclamaram direitos civis e políticos. A partir dele, as sociedades exprimem outra forma de proteção, incorporando aos direitos individuais da pessoa humana às coberturas e seguridades necessárias que deveriam ser ofertadas pelo Estado para reduzir as contingências de doenças, velhice, morte, falta de atividade industrial. Segundo Bobbio (1983), o que distingue o Estado de Bem-Estar de outros tipos de estado não é só a intervenção direta nas estruturas públicas para melhorar o nível de vida da população, porém, o fato de que tal ação é reivindicada pelos cidadãos como um direito,

O clássico trabalho de T.H. Marshall, Cidadania e Classe Social 18, aponta que na história política das sociedades industriais há três fases no processo de constituição da cidadania: a primeira, em torno do século XVIII, está dominada pela conquista dos direitos civis (liberdade de pensamento, liberdade de expressão, etc.); a fase seguinte, ao redor do século XIX, está centrada na reivindicação dos direitos políticos (de organização, de propaganda, de voto, etc.); e culmina com a conquista do sufrágio universal.

O desenvolvimento da democracia e o aumento do poder político das organizações dos trabalhadores inauguram uma terceira fase, caracterizada pelo problema dos direitos sociais, cujo respeito é requisito indispensável para a participação política na sociedade. Por direitos sociais, Marshall (1967) entende a participação na herança social e na possibilidade de todos viverem como seres civilizados, de acordo com os padrões existentes na sociedade, destacando o sistema educacional e os serviços sociais como aqueles diretamente relacionados aos direitos sociais.

Portanto, a definição da noção do direito do indivíduo e as dimensões da cidadania em sua forma moderna se configuram entre o período que compreende a Revolução Francesa, 1789, e a formalização da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que se propõe a ultrapassar o reconhecimento dos direitos no âmbito de uma nação, ou de um Estado em particular, para uma visão de caráter universal, isto é, como pertencente a todos

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os indivíduos, sem distinção de raça, religião, credo político, idade ou sexo. Até esse momento, as Constituições se limitaram a proclamar direitos civis e políticos e a formalizar e garantir estruturas que nivelassem esses poderes. Esse movimento normativo, que se concluiu com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e, em particular, para a América Latina, quando esta foi incorporada na Convenção Americana dos Direitos Humanos ou Pacto de São José de Costa Rica, de 1969, assentou as bases para que, na metade do século XX, os países do mundo ocidental incorporassem os direitos sociais em suas Constituições. O processo, denominado constitucionalista social, 19 incorporou finalmente aos direitos individuais as coberturas e seguridades necessárias que deveriam ser oferecidas pelo Estado para atenuar as contingências da doença, velhice, morte ou diminuição e/ou falta da atividade laboral, exigindo-lhe um tratamento de proteção diante dessas incertezas.

A assistência social e o estudo dos regimes de bem-estar social

O enfoque que estuda a conformação dos regimes de bem-estar social europeus contribui com elementos de análise que permitem estabelecer relações entre política econômica e social, e os condicionantes econômicos e sociais. As diferentes formas ideais assumidas pela proteção social podem ser pensadas a partir do contexto histórico-político no qual tiveram origem, desde o surgimento do Estado Moderno, e foram profundamente marcadas em termos das relações políticas, jurídicas e institucionais, podendo-se distinguir três modalidades principais: primeiras formas assistenciais, seguro social e Estado de Bem-Estar Social. Embora tenham surgido em contextos históricos sucessivos, isso não quer dizer que se trata de um processo linear rumo à concreção de uma cidadania plena; pelo contrário, as três formas sobrevivem ainda com conflitos e contradições. 20

O conhecimento da construção histórica dos Estados-Providência é necessário para se compreender a arquitetura dos sistemas de proteção social contemporâneos. Se os Estados estiveram freqüentemente confrontados com os mesmos tipos de problemas e a formulação

19 Elina MECLE, Los derechos en la constitución argentina y su vinculación con la política y las políticas

sociales, 2001.

20 Patrice BOURDELAIS, Lucie PAQUY (dirs.), Les systèmes européens de protection sociale: une mise en

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e os caminhos para tratá-los forem diferentes, esses formatos ainda pesam muito sobre as configurações atuais.

É possível distinguir três períodos, na história da evolução dos Estados-Providência. O primeiro, até o final do século XIX, que pode ser definido como uma fase de emergência e de edificação conflituosa: no caso dos países europeus, foi adotada a legislação de proteção social, mas em ritmos diferentes e segundo modalidades diversas. Um segundo período, que se estende da Segunda Guerra Mundial até os anos de 1970, que corresponde à “idade de ouro” dos Estados-Providência, as controvérsias atenuam-se e a proteção social tende a se generalizar para todas as faixas da população. A terceira fase é aquela que corresponde à estagnação dos Estados-Providência, em que os sistemas de proteção social são confrontados com a crise econômica e, ao mesmo tempo, com as transformações na estrutura de riscos e necessidades sociais, que se agudizam com o novo modelo econômico produtivo conhecido como neoliberal.

As primeiras formas de assistência social transitaram de um campo de atenções com reconhecimento pleno do direito, como no caso francês, até as respostas de alívio a necessitados, sob o marco teórico-ideológico das primeiras formas do liberalismo. Nessa última perspectiva, a assistência social assume uma feição compensatória e punitiva, em que pessoas em situação de necessidade são submetidas a rituais de apresentação de atestados de miséria, entre outros. Poderia ser caracterizada como um estágio da política em que há ausência de uma relação formalizada entre direito e beneficio.

O seguro social caracteriza-se por destinar-se à cobertura da população assalariada, com a qual estabelece uma relação de tipo contratual, pois os benefícios são, em regra, proporcionais à contribuição efetuada, e não guardam relação direta com as necessidades do beneficiário. As instituições responsáveis pela prestação de serviços e benefícios tendem a ser financiadas com base na contribuição salarial, aportes específicos do Estado e sob a lógica de capitalização de reservas. Essa forma de proteção envolve a redistribuição de renda entre os beneficiários, mas exclui da proteção os grupos que estão à margem do mercado formal de trabalho.

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ou do contrato firmado, e estabelecer uma relação pela qual o Estado está obrigado a fornecer, a todos os cidadãos, a garantia de um mínimo vital destinado à saúde, educação, pensão e seguro de desemprego. Trata-se de um projeto de redefinição das relações sociais na perspectiva da redistribuição de renda e que implica a organização nacional da política social em que o Estado assuma os ônus básicos de administração e financiamento do sistema.

A construção dos Estados de bem-estar na América Latina

Durante muito tempo, os estudos sobre os estados de bem-estar e os sistemas de proteção social na América Latina foram discutidos quase como um atributo exclusivo dos países desenvolvidos, possivelmente, até, só restrito a alguns países da Europa, pelo variado e complexo conjunto de dimensões a serem consideradas na análise. Apesar dessa suposta limitação, a leitura desses trabalhos contribuiu para assentar as bases de um novo modo de pensar as categorias intermédias, por exemplo, o conceito de regime, que deu lugar à construção de uma mediação entre categorias gerais e abstratas e situações concretas e específicas, que retêm atributos do geral, mas, ao mesmo tempo, capta atributos próprios aos casos particulares. Nesse sentido, cooperaram para identificar configurações histórico-institucionais presentes no ponto de partida dos Estados modernos e revelaram-se como potentes instrumentais metodológicos para caracterizar a conformação das instituições atuais.

Em um trabalho recente, Regulação Social Tardia: característica das políticas sociais latino-americanas na passagem entre o segundo e terceiro milênio, Aldaíza Sposati caracteriza alguns dos regimes latino-americanos como de regulação social tardia:

Caracterizo como regulação social tardia os países nos quais os direitos sociais foram legalmente reconhecidos no último quartil do século XX e cujo reconhecimento legal não significa que estejam sendo efetivados, isto é, podem continuar a ser direitos de papel que não passam nem pelas institucionalidades, nem pelos orçamentos públicos. Portanto, não cessa a luta dos movimentos pela inclusão de necessidades de maioria e de minorias na agenda pública. Embora estejam inscritos em lei, seu caráter difuso não os torna autoaplicáveis ou reclamáveis nos tribunais.21

21 Cf. Aldaíza SPOSATI, Regulação social tardia: característica das políticas sociais latino-americanas na

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Nesse trabalho, assinala que o Brasil só reconhece os direitos sociais e humanos no último quartil do século XX, após ditaduras militares que, embora empregando a ideologia nacionalista – ou o modelo desenvolvimentista de Estado-Nação –, não praticavam a universalidade da cidadania. O direito à educação pública só aparece no final do segundo quartil do século XX – na Constituição de 1946 – e dentro de forte movimento de educadores e intelectuais de destaque. Outros direitos sociais, como à saúde pública, só são reconhecidos nas últimas décadas do século XX – na Constituição de 1988. Nesse momento, a sociedade já luta por direitos difusos, entre os quais os de gênero, os etários, de etnia, de opção sexual. Ao contrário de um “desmanche social”, vai ocorrer a construção de um novo modelo de regulação social que vincula democracia e cidadania e é descentrado da noção de pleno emprego ou de garantia de trabalho formal a todos. Este modelo de regulação social se afasta da universalização dos direitos trabalhistas e se aproxima da conquista de direitos humanos, ainda que de modo incipiente.22

A trajetória da Argentina, em matéria de extensão de direitos sociais e construção de um sistema de proteção social, também está marcada pela alternância entre governos democráticos e ditatoriais. Os estudos sobre o desenvolvimento das políticas sociais e a expansão dos direitos sociais são permeados pelas mudanças constitucionais, mas, ao mesmo tempo, pelo surgimento de estruturas sedimentárias de instituições fundadoras. Durante a segunda metade do século XIX, estabelecem-se as bases para a construção de instituições políticas com objetivos próprios de uma visão de Estado associada à visão moderna do Estado-Nação, mas ainda conservadora sob o ponto de vista dos problemas sociais e das formas de intervenção. Na década de 1940, notadamente durante os governos do General Perón, formulam-se as propostas de extensão do seguro social e dos direitos sociais. Autores como Aldo Isuani (2004) assinalam que a política social argentina baseou-se nos princípios de discricionariedade e de contribuição. 23

Seguindo os conteúdos da proposta de Aldaíza Sposati, o fato de a assistência social ter sido reconhecida no Brasil com o estatuto da seguridade social, supõe definir os riscos, as coberturas de proteção social com que essa política se ocupa, o seu campo de provisão. Como política de proteção social, tem um campo de provisão próprio, gera uma rede de

22 Cf. Aldaíza SPOSATI, Regulação social tardia: característica das políticas sociais latino-americanas na

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apoios ou seguranças ao cidadão não só em termos de transferência de recursos e benefícios, mas em garantia de serviços continuados, o que permite o planejamento, a gestão e a avaliação, pois aquilo que é “descontínuo” não gera direitos. 24

Essa proposta teórico-metodológica, embora referida ao Brasil, será potencialmente utilizada para analisar as dimensões da assistência social e os critérios de definição e regulação da política de assistência social em um padrão dominante de bem-estar social. Uma política de proteção social é composta pelos direitos de uma sociedade ou o elenco das manifestações de solidariedade para com os seus membros.

A análise

O debate sobre o Estado de Bem-Estar na América Latina tem sofrido altos e baixos. Nas últimas décadas, vêm se dando os primeiros passos para a compreensão dos sistemas latino-americanos de proteção social à luz de teorias e conceitos amplos gerados pelo estudo do fenômeno em outras partes do mundo. Há extensa literatura sobre as reformas de programas sociais gerada pelos governos, universidades e organismos internacionais que, freqüentemente, trata as políticas sociais como programas orientados a áreas ou a grupos específicos. Embora seja legítima, essa abordagem, muitas vezes, trata de um enfoque fragmentado, que dificilmente responde a questões referentes ao sistema de proteção social como um todo.

Os sistemas de proteção social latino-americanos nem sempre têm sido reconhecidos e analisados como tais. Pelo contrário, na procura de estudos sobre o tema, comprovamos que existe uma abordagem, que geralmente justifica aquela posição, na especificidade histórica da região e na diversidade dos países que a compõem. Acreditamos que algumas contribuições recentes, produzidas em diferentes áreas da política social, convidam a repensar essa perspectiva e a explorar as potencialidades analíticas abertas pela literatura contemporânea, na procura de identificar conceitos e matrizes analíticas que possam nutrir novas leituras dos variados sistemas de proteção social latino-americanos de uma perspectiva que considere a história e os processos de desenvolvimento econômico e social.

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Este estudo busca preservar a singularidade de cada país na análise do tema, sem uniformizar a coleta de dados, nem forçar a existência das mesmas variáveis para conhecer o fenômeno. Não se pretende transpor modelos de um país para outro. Sua importância está no conhecimento das diversas experiências, com seus trajetos próprios de interrogações e de imprevistos, como algo já realizado e avaliado por outros sujeitos sociais ou por novas gerações, de modo a reconhecer antecipadamente naquele contexto, naquela conjuntura, a natureza dos problemas e as suas possíveis soluções. Seguindo a proposta de Hugo Zemelman25, em relação aos estudos comparados de políticas públicas, não há aqui o propósito de “provar” um conceito, mas sim de descobrir sua especificidade no interior de uma articulação.

Sob esta preocupação, é necessário introduzir a idéia de que não existe um modelo único de Estado de Bem-Estar que transcenda o tempo e o espaço, assim como não existe uma única expressão das contradições que lhe são próprias. A própria definição de bem-estar é um processo de permanente construção social e, mais que encarnar um valor absoluto, representa as contradições e a complexidade social e política. Existiram propostas internacionais de mudanças na relação Estado-Sociedade, e do lugar da política de assistência social neles. Para avaliar a assistência social, tanto no momento da inclusão de direitos sociais nas cartas constitucionais, na centralização e introdução de técnicas na política de assistência social, como no momento da extensão dos seguros sociais, foi utilizado um critério descritivo que faz referência a sua natureza funcional e à área de problemas à qual se destina. Cada Estado processou isso de maneira diferente, revelando tendências e movimentos específicos.

A França é o país que conta com informação mais sistematizada e organizada em relação à proteção social, e à política de assistência social como parte de um sistema. O Brasil conta com um número importante de contribuições produzidas pela academia, e pelos organismos de governo. No caso da Argentina, a análise apresentou-se mais complexa, pois não existe tradição de estudo da assistência social como um direito; há contribuições

25 Nora KRAWCZYK, Reginaldo MORAES, Estudos comparados, projeto histórico e análise de políticas

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que tenderam a propor esse debate desde o âmbito do Serviço Social; 26 em uma tradição de estudo da seguridade social ancorada no campo do direito, e estudos financiados por organismos internacionais, como a OIT, que descrevem a proteção social na Argentina a partir da década de 1990.

A escolha da proteção social como enquadramento para estudar a assistência social na evolução dos três países decorreu do caráter amplo que o conceito tem em relação a outros enquadramentos, pela própria definição jurídico-administrativa, e pela possibilidade de incorporar processos de institucionalização de programas e serviços, em três conformações sócio-históricas e políticas diferentes. Na França, a assistência social não faz parte do que se considera a seguridade social, no sentido da definição clássica do termo, mas tem longa tradição como parte da proteção social e como parte do direito administrativo. No Brasil, a assistência social faz parte da seguridade social, desde a sua inclusão na Constituição Federal de 1988. Na Argentina, a assistência social é possível de ser estudada a partir dos processos de institucionalização de categorias e benefícios.

Quanto ao legado de dispositivos e programas de proteção social e sua articulação, a Argentina registrou importante desenvolvimento no início do século XX, com a introdução e expansão de instituições e programas de corte bismarkiano, ligados a um contexto de pleno emprego. Paralelamente, desenvolveram-se políticas públicas que colaboraram na expansão e provisão de bens públicos. A complexidade do estudo vem dada pela estrutura federativa das instituições públicas, questão que foi provocando permanente fragmentação das propostas de proteção. Embora tenham havido momentos nos quais convergiram propostas de unificação e estandardização de programas, a separação de responsabilidades e funções entre os diferentes níveis do governo (nacional e provincial) pode ser um dos obstáculos para o estudo da assistência social, entre outras proteções.

Merece ser submetido à consideração do leitor deste trabalho, o fato da minha própria pertença ao campo do Serviço Social e meu desempenho como assistente social e pesquisadora durante anos anteriores. Essa reflexão exprime parte das minhas preocupações do presente, que encontram origem nesse passado, o qual apresenta

26 Debates já registrados, como o do Professor Norberto Alayón, em seu trabalho Assistência ou

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vantagens pela possibilidade que tive de aceder por direito próprio a algumas perguntas da profissão a partir da observação, compreensão do observado e seleção da informação, que serviram como orientação na procura de dados no intuito de imbricar o geral (a proteção social, a seguridade social, o seguro social) e o específico à assistência social.

O exame da realidade de cada país partiu de uma rota similar orientada pelas categorias que embasam essa reflexão, considerando sempre as distintas variáveis que moldam a trajetória sócio-histórica de cada país analisado. Nesse emaranhado de particularidades, é possível identificar, na análise das Constituições; dos processos de institucionalização da assistência social; da relação desta com a extensão do seguro social e dos processos recentes de descentralização político- administrativa, o início de um percurso estritamente restrito à ordem jurídica positiva: constituição, leis, regulamentos, enquanto base legal. Ainda assim, o recurso ao exame das Constituições nacionais não configura este estudo a um enfoque legalista mas à inclusão dessa dimensão às demais aqui examinadas para cada país.

O segundo roteiro adotado nesse caminho busca colocar a assistência social em situação de análise, isto é, procura identificar fontes não somente por meioatravés do estudo de textos ou da jurisprudência, mas sim dos registros que permitem examinar os processos de sua institucionalização e as alterações que a ela apontam em tempos posteriores. Portanto, para essa abordagem, a proposta foi a de caracterizar a inserção da assistência social na arquitetura do sistema de proteção social, com ênfase na passagem das primeiras formas de assistência social às primeiras formas reguladas e o seu enquadramento jurídico-administrativo.

O terceiro roteiro destaca os fundamentos do direito à assistência social, priorizando sua expansão e alcance no estudo das constituições, ementários ou leis fundadoras, assim como das disposições administrativas que poderiam dar conta da sua explicitação.

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Tabela 1: Dados de despesas destinadas à proteção social em países da União Européia para o  intervalo 2000-2004, em porcentagem do PIB
Figura 1. As três lógicas do sistema francês de proteção social: assistência, previdência, seguridade  social
Figura 2. Assistência social na França, em 2004, por categorias de usuários e por prestações
Figura 3.  Políticas transversais a assistência social na França em 2004

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