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A conformação das áreas da proteção social e assistência social

Na introdução deste capítulo, acentuaram-se as áreas da proteção social na Argentina. Aqui, vai se tratar da síntese de sua inclusão nesta arquitetura, desde a década de 1990.

A área de saúde foi entendida como responsabilidade do Estado, durante as décadas de 1940 e 1950, sob um projeto que atingiu a atenção das condições sanitárias de toda a população. Evoluiu de um sistema baseado na beneficência e o mutualismo em direção a um sistema fragmentado, assentado na provisão pública administrada pelos governos provinciais, o sistema de seguro social das obras sociais, e o setor privado, cujos serviços são financiados pelas instituições de seguridade social e os aportes dos particulares. Inicialmente, o sistema público de atenção médica estava composto por estabelecimentos municipais, em todo o território nacional, sociedades de beneficência com aportes dos benfeitores, subsídios públicos e tarifas sobre as prestações e estabelecimentos nacionais, com sede na cidade de Buenos Aires. Durante a década de 1990, definiram-se os três eixos: o setor público, a seguridade social e o setor privado.

A Lei 22.431, de 1981, é o antecedente mais importante da área de deficiência.120 Essa lei

dispôs que o Estado deve garantir a atenção integral à saúde, educação e condições adequadas de emprego às pessoas cuja situação esteja certificada pelo Ministério de Saúde e Meio Ambiente, sempre e quando careçam de sustento econômico e cobertura de saúde.121 Durante o ano de 1997, criou-se o Sistema de Prestações Básicas de Atenção Integral a favor das pessoas com deficiência, pela Lei 24.901, cujo fim é assegurar a universalidade da atenção a essas pessoas por meio de políticas e recursos institucionais próprios. Esse sistema oferece prestações de caráter preventivo, de reabilitação, terapêuticas, educativas e assistenciais.

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Essa lei considera como deficiente “toda pessoa que padeça de uma alteração funcional permanente ou prolongada, física ou mental em relação a sua idade e meio social, implique desvantagens consideráveis para sua integração familiar, social, educacional ou trabalhista”. A Comissão Nacional Assessora para a Integração de Pessoas com Deficiência tem a função de regular e elaborar normas a respeito. Para implementar o sistema, foi criado o Registro Nacional de Pessoas com Deficiência e o Registro Nacional de Prestadores, assim como se estabeleceu uma nomenclatura para padronizar as prestações e os critérios de financiamento. A responsabilidade final ficou a cargo do Serviço Nacional de Pessoas com Deficiência, dependente do Ministério de Saúde e de Meio Ambiente. Em caso de descumprimento, as pessoas com deficiência podem recorrer à justiça e apresentar recursos de amparo - liminares - e, assim, solicitar o cumprimento de seus direitos.

121 Lei 22.431, Institución del Sistema Integral de Personas Discapacitadas, Buenos Aires, 16 de março de 1981.

A área de acidentes de trabalho e doenças profissionais está contemplada no sistema integrado de prevenção e reparação dos sinistros trabalhistas, que se incorporou à estrutura jurídica no ano de 1995, a partir da sanção da Lei 24.557, conhecida como LRT (Lei de Riscos do Trabalho) 122. Até então, a legislação só contemplava a compensação econômica do dano ocorrido, sem procurar medidas preventivas.

A área que inclui velhice, invalidez e sobrevivência conformou-se a partir do sistema de previdência, ao final do século XIX, a partir dos regimes de seguridade social para grupos específicos de trabalhadores; os primeiros a receber proteção foram os militares e juízes, posteriormente, esta se estendeu a empregados públicos e segmentos minoritários de assalariados.

A partir da década de 1940, a cobertura do sistema estendeu-se até quase alcançar a totalidade dos trabalhadores formais e uma parte dos trabalhadores autônomos. Ao fim da década de 1960, essa extensão foi consolidada pelo Sistema Nacional de Previdência Social. Em 1994, pela Lei 24.241, introduziu-se uma reforma estrutural do sistema previdenciário e se estabeleceu o Sistema Integrado de Aposentadorias e Pensões, que passou a compreender todos os trabalhadores maiores de 18 anos em relação de dependência, na atividade pública ou privada, e os trabalhadores autônomos. Os empregados públicos provinciais ou municipais mantiveram suas coberturas nesses níveis.123

A área família e filhos inclui o sistema de alocações familiares. 124 Esse sistema surgiu em meados da década de 1930, com o subsídio à maternidade, e, na década de 1940, incorporou-se o subsídio por filho, no setor bancário. Esse sistema estabelece que o

122 Alicia GIORGI, Manual de Seguridad Social, 1999, capítulo VIII. Considera-se acidente de trabalho, todo acontecimento súbito e violento ocorrido pelo trabalho ou em ocasião do trabalho, ou no trajeto entre o domicílio do trabalhador e o local de trabalho. Com relação às doenças profissionais, o seu reconhecimento está vinculado à relação de doenças profissionais que a lei especifica.

123 A Lei 18.037, de 1969, determinou um único regime para os trabalhadores em relação de dependência e, pela Lei 18.038, estabeleceu-se um regime para os trabalhadores autônomos. (Alicia GIORGI, Manual de

Seguridad Social, 1999, capítulo VI.)

124 Alicia GIORGI, Manual de Seguridad Social, 1999, capítulo IX. Na década de 1950, formalizou-se o sistema de alocações, a partir da criação de caixas compensadoras estabelecidas pelos convênios coletivos de trabalho.

A partir de 1967, unificou-se a normativa do sistema, embora cada caixa (por convênio de trabalho) mantivesse sua estrutura administrativa independente. Nos inícios da década de 1970, estendeu-se o beneficio aos empregados públicos, e, no ano de 1973, aos aposentados. As caixas mantiveram seu caráter público não estatal e as prestações dos passivos eram cobertas com os aportes dos ativos.

empregador deve pagar mensalmente o montante total de alocações familiares, calculado como uma porcentagem fixa da massa salarial. As alocações por nascimento, adoção e matrimônio são pagas pelo empregador, enquanto que as alocações por matrimônio, pré- natal, filhos, filhos com deficiência, e ajuda escolar são solicitadas à Administração Nacional da Seguridade Social (ANSES). 125

A área de proteção do desemprego e mercado laboral e a implementação do seguro- desemprego que cobre todos os setores, são tardias. A partir da sanção da Lei 24.013, no ano de 1991, geraram-se condições necessárias para implantar o seguro-desemprego e programas de emprego. 126

Os programas de emprego adquirem importância na década de 1990, a partir da sanção da Lei 24.013, que autorizou o Ministério de Trabalho e Seguridade Social a estabelecer periodicamente programas destinados a fomentar o emprego de trabalhadores desocupados.

127 Durante o ano de 2002, no marco do que o Poder Executivo Nacional denominou

Emergência Ocupacional, implementou-se o Plano Chefas e Chefes de Lares Desempregados, cujo objetivo foi dar uma ajuda mensal não remunerativa de 150 pesos aos chefes de lar desempregados com filhos menores de 18 anos, com o fim de proteger os lares e assegurar a concorrência à escola e o controle da saúde dos filhos a seu cargo.128

125 Esse montante pode exceder ou não o total efetivamente pago aos trabalhadores por alocações familiares. O sistema permite o cômputo da diferença como crédito ou débito dos aportes de alocações familiares à caixa compensadora. O sistema limita o recebimento de alocações familiares a um dos cônjuges, e os limites de ingressos se aplicam sobre os salários individuais e não sobre os familiares. O montante das alocações é determinado pelo Poder Executivo Nacional e não conta com um mecanismo de atualização.

126 Alicia GIORGI, Manual de Seguridad Social, 1999, capítulo X. O seguro-desemprego pode ser solicitado pelos trabalhadores compreendidos na Lei de Contrato de Trabalho 20.744, de 1974, sob as seguintes condições: ter aportado ao Fundo Nacional de Emprego durante ao menos 12 meses, e ter perdido o seu trabalho por causas consideradas como situações legais do desemprego: a) demitido sem causa justa, b) demitido for falta ou diminuição de trabalho, não imputável ao empregador, c) rescisão do contrato por denúncia do trabalhador fundada em causa justa, d) extinção coletiva total por motivo econômico ou tecnológico do contrato de trabalho, e) extinção do contrato por falência ou concurso do empregador, f) expiração do tempo acordado para a realização da obra ou serviço objeto do contrato, g) morte, aposentadoria ou invalidez do empresário e sob as condições que determinem a expiração do contrato, h) não reinício do contrato de trabalho de temporada por causas alheias ao trabalhador.

127 A partir de 1997, as províncias complementam o acionar da Nação com planos de financiamento e desenho próprios. Os mais importantes programas nacionais desde 2001 foram: Programa de Emergência Laboral Trabalhar e Criar Trabalho, Proemprego, Serviços Comunitários, Programas Especiais de Emprego e Programa Forestar. Fabio M. BERTRANOU e Damián, BONARI (coords.), Protección Social en

Argentina: financiamento, cobertura y desempeño, 1990-2003, 2005.

128 Os municípios e os Conselhos Consultivos Locais determinam as atividades que deveriam cumprir os beneficiários do programa como contraprestação. Nos mesmos, podem participar organismos públicos ou privados, sem fins lucrativos, propondo atividades ou projetos e assim incorporando beneficiários para que realizem uma contraprestação. Para isso, devem estar habilitados como “organismos executores” pelos Conselhos Consultivos Locais.

A área das Pensões não Contributivas toma forma no ano de 1994, quando é separada dos regimes contributivos do Sistema Integrado de Aposentadorias e Pensões. Em princípio, essas pensões dependiam da Secretaria de Desenvolvimento Social, da Presidência da Nação, e, desde 1999, são administradas pelo Ministério de Desenvolvimento Social. Essas pensões são outorgadas sob diversas modalidades: por velhice, por invalidez, mães com mais de sete filhos, para aqueles que foram combatentes da Guerra das Malvinas, para familiares de desaparecidos durante a ditadura, pensões discricionárias para legisladores nacionais.

Existem, ainda, a área de educação básica, que compreende os programas destinados a complementar as atividades do sistema educativo (programas de bolsas, provisão de livros e materiais escolares) e a melhorar a prestação do serviço educativo nas escolas desfavorecidas, e a área de moradia e saneamento.

Na área de assistência social, um dos fatos que marcou a década de 1990 foi a criação da Secretaria de Desenvolvimento Social, no ano de 1994, sob o objetivo de “centralizar e aprofundar as políticas de assistência social da população, incluindo na mesma estrutura o setor da moradia, as políticas voltadas à terceira idade e o desenvolvimento de projetos de cooperação técnica com outros ministérios e com organismos internacionais”.129 Durante o ano de 2000, elevou-se a condição da Secretaria de Desenvolvimento Social e institui-se o Ministério de Desenvolvimento Social e Meio Ambiente, cujo objetivo foi “o de coordenar e executar as políticas de promoção dos grupos humanos com necessidades básicas insatisfeitas, gerar e implementar programas para proteger o meio ambiente e executar programas para promover o esporte”.

Segundo assinala o Relatório da OIT, os programas sociais nacionais caracterizaram-se por um reduzido grau de permanência, e só alguns se mantiveram durante o período de 1994- 2003: o Programa Social Agropecuário, o Programa de Desenvolvimento Social de Áreas de Fronteira do Noroeste Argentino com Necessidades Básicas Insatisfeitas. Por outro lado, praticamente todos os programas de assistência social são focalizados - por critérios

129 A secretaria implementou programas focalizados em diferentes dimensões, e em cuja definição intervieram os organismos internacionais, o Banco Mundial especialmente.

Em 1997, como tentativa para reduzir a fragmentação dos programas sociais e com o propósito de definir metas claras para a alocação de recursos, se constituiu o Gabinete Social, como âmbito interministerial e integrado pelos ministros de Trabalho, Economia, Saúde, do Interior, o secretário de Desenvolvimento Social e o presidente da Comissão Nacional de Terras Fiscais Nacionais; em 2002 foi dissolvido.

geográficos, de auto-exclusão ou por indicadores socioeconômicos - e são executados pelos governos provinciais, municipais e por organizações da sociedade civil, embora financiados com recursos nacionais e crédito externo. 130

O principal programa, o Ingresso para o Desenvolvimento Humano (IDH) inicia-se com o intuito de contribuir para reduzir a emergência social, e seus recursos provinham, na etapa inicial, da reformulação do programa de atenção a grupos vulneráveis, e de créditos específicos outorgados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Os eixos do programa são:

• o ingresso para as famílias, por meio de subsídios sujeitos a contraprestação em saúde e escolaridade, para aquelas com filhos menores de 19 anos, e que não recebam ajuda econômica do Estado, nem alocações familiares. O montante é calculado em proporção ao tamanho da família, sendo 100 pesos para o primeiro filho, e incrementa-se com o número de filhos até um máximo de 200 pesos;

• a gestão associada, cujo objetivo é facilitar o acesso dos beneficiários aos serviços de saúde básicos e de educação, e, ao mesmo tempo, como parte das contraprestações requeridas.

A área de alimentação e nutrição encontra origem no ano de 1936, com a criação da Direção Nacional de Maternidade e Infância e o Programa Materno-Infantil (PMI) implementado um ano depois, com o objetivo de atender e promover a saúde das mulheres grávidas, mães, filhos e adolescentes.131 Na década de 1960, a unidade de intervenção passou a ser a comunidade, no lugar do indivíduo. Nesse contexto, surgiu o Programa de Refeitórios Escolares, e, tempo depois, o programa de Promoção Social Nutricional, da Secretaria de Bem-Estar Social, para dar ajuda alimentária aos engenhos açucareiros de Tucumán afetados pela crise econômica. Em 1984, foi implementado o Programa Alimentar Nacional (PAN), que atingiu quase cinco milhões de beneficiários e cujo

130 Cf. Fabio M. BERTRANOU e Damián BONARI (coords.), Protección Social en Argentina: financiamento, cobertura y desempeño, 1990-2003, 2005, p. 168-169. Pode-se consultar a respeito: Claudia

KRMPOTIC e María Beatriz LUCUIX, La reforma de la asistencia social en Argentina y Brasil:

ciudadanía y marco jurídico-institucional en una perspectiva comparada, 2001.

131 No ano de 1946, o PMI passou a depender do Ministério de Saúde e, em 1948 incorporou às suas prestações a entrega de leite. No ano de 1989, foram implantados os Bônus Solidários (Bonos Solidarios), que os beneficiários podiam trocar por alimentos e roupas. O programa Políticas Sociais Comunitárias (Posoco), aprovado em 1989, absorveu os recursos do PAN e do Bônus Solidário.

objetivo foi enfrentar a situação de deficiência alimentar. Em 2001, no marco do processo de descentralização dos serviços sociais, o Programa de Políticas Sociais Comunitárias e o Programa Social Nutricional foram transferidos às províncias, com a correspondente afetação de recursos de co-participação dos impostos.

Por outro lado, desde o ano de 1993, o Ministério de Saúde e Meio Ambiente executa o Programa Materno-Infantil e Nutricional e o Programa Materno-Infantil, cujas principais ações são entregar o leite a mulheres grávidas e crianças até seis anos, fornecer medicamentos, e capacitar equipes de saúde.

A partir do Ministério de Desenvolvimento Social, também se implementaram vários programas. Durante 1990, foi criado o Programa Prohorta, para o estabelecimento de hortas familiares, escolares e comunitárias. No ano de 1993, o Programa Solidário para Adultos Maiores (Asoma), cujo fim é atender adultos maiores sem cobertura da previdência, com foco na alimentação. No ano de 1996, foi criado o Programa Alimentar Nutricional Infantil (Prani), orientado para crianças em situação de pobreza e, especificamente, para transferir recursos aos lares com maior risco social. Durante o ano de 2000, esses programas foram reestruturados no âmbito da Secretaria de Políticas Sociais do Ministério de Desenvolvimento Social, no que se chamou Programa Unidos. 132

No ano 2000, foi criado o Plano Solidariedade, sob a égide do Ministério de Desenvolvimento Social, do Ministério de Saúde e Ministério de Educação, e cujo objetivo foi fortalecer a família em suas condições de nutrição, alimentar, de saúde e através de ações de promoção, educação e prevenção, mas problemas operacionais e dificuldades de articulação entre os ministérios impediram que não fosse implementado da forma prevista.

132 O Instituto Nacional de Aposentados financia os refeitórios de centros de aposentados e a entrega de sacolas com alimentos, mediante o programa Probienestar, cujos beneficiários são afiliados titulares ao Instituto, deficientes, ou esposas e esposos de aposentados com filhos menores de 14 anos sob sua responsabilidade. Os programas alimentares nacionais, salvo o Probienestar, executam-se de forma descentralizada, mediante transferências dos governos provinciais, que atuam de forma direta ou indireta, por meio dos governos municipais ou de organizações da sociedade civil.