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A centralização e a incorporação da perspectiva técnica na assistência social

As três grandes áreas de ação social processadas durante o período que cinge as três primeiras décadas do século XX foram a saúde e a higiene pública; a delinqüência; e o desamparo. Essa época assinala um ponto de inflexão no percurso da proteção social: a saúde constitui uma área estratégica em que os médicos higienistas inspiraram as correntes filantrópicas que reclamavam a intervenção estatal. Na área jurídico-judicial, mantiveram- se as formas assistenciais privadas subsidiadas pelo Estado; mas ambas as estratégias convergiam no intuito de incorporar a intervenção na proteção, direção e educação da família. Nelas se exprimem as tendências que tendem a definir “a população” como um conceito claro e exato, por meio de variáveis próprias: morbidez, fecundidade, estado de saúde, formas de alimentação e moradia. Todas elas categorias passíveis de estudo e intervenção, a partir das quais se definem as políticas específicas.

No ano de 1911 foi inaugurado o Museu Social Argentino, fundado pelo engenheiro Tomás Amadeo e inspirado no Museu Social de Paris (1894). Sob sua égide, no ano de 1930, foi inaugurada a Escola de Serviço Social, orientada pelo médico higienista Germinal Rodriguez, que indicava, como métodos para a nova ciência social chamada Serviço Social, a estatística, a antropologia social, a genética, a patologia social, a higiene social e a terapêutica social.

Em um artigo intitulado “A Escola de Serviço Social”, escrito pelo Dr. Germinal Rodríguez e publicado no jornal La Nación, de Buenos Aires, em 2 de dezembro de 1927, em um anexo denominado “A Ciência do Serviço Social”, refere-se ao papel da assistência pública:100

A Assistência Pública nutriu durante muitos anos as necessidades dos desamparados e preenchia sua obra humanitária dando cama aos doentes, comida aos necessitados, abrigo aos sem refúgio. Mas a assistência pública trata somente dos efeitos da miséria, sem entrar na averiguação das causas pessoais ou sociais que levaram o sujeito a colocar-se na senda da indigência.

100 Citado por Norberto ALAYON, Hacia la historia del trabajo social en la Argentina, 1980, Anexo do capítulo V, “Escuela de Servicio Social del Museo Social Argentino”.

Quando a profilaxia das doenças infecciosas veio a demonstrar que a vacina, o isolamento e a desinfecção resolviam o problema das doenças contagiosas a mínimo custo e sem dor, um amplo horizonte se apresentou às ciências médicas e um novo postulado de ação se impôs com caráter axiomático, afirmando que valia mais prevenir que curar. [...]

Com quanta razão não se teria que produzir uma evolução igual dentro da medicina social, quando a análise dos fatos vem a confirmar que muitas das causas sociais da dor humana são bem evitáveis se são atendidas a tempo![...]

A assistência social, à diferença da assistência pública, remonta ao estudo dessas causas sociais, tais como a miséria e a procura de tratamento da mesma para evitar seus efeitos.

Na área jurídica, a profissionalização da área da assistência social não foi tardia em relação à área que nasceu envolvida com a medicina; os objetivos vinculavam-se à defesa social, à prevenção e à vigilância social. Durante o ano de 1918, foi inaugurado o Patronato de Liberados, entidade de natureza privada com reconhecimento oficial e, no ano de 1933, foi fundado, para atender às necessidades femininas, o Patronato de Reclusas e Liberadas. A política assistencial tendeu a incorporar um saber científico sobre o problema social e a tecnologia social - mas com embates acirrados entre o higienismo e a linha jurídica -, substituindo as considerações religiosas e humanitárias que legitimavam a ação social do Estado por uma racionalização da ação estatal através de um discurso que propunha a eficiência, e a ação centralizada do Estado.

Em 1932, é regulado o Fundo de Assistência Social com o intuito de definir as condições que devem reunir as instituições que pretendem o subsídio, os procedimentos para fazê-lo efetivo e a vigilância dos estabelecimentos subsidiados.

Os fatos marcantes que contribuíram para a construção do andaime assistencial estatal durante esse período foram: a racionalização dos subsídios outorgados às entidades privadas relacionadas com o velho tronco assistencial da Sociedade de Beneficência, e a realização da Conferência Nacional de Assistência Social de 1933, convocada pelo governo nacional.101

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Norberto ALAYON, Hacia la historia del trabajo social en Argentina, 1980; Estela GRASSI, La mujer

y la profesión de asistente social, 1989; Emilio TENTI, Estado y pobreza: estrategias típicas de intervención, 1989; Claudia KRMPOTIC, La conferencianacional de asistencia social de 1933. Los debates en torno al progreso, la pobreza y la intervención estatal, 2002.

A Primeira Conferência Nacional de Assistência Social exprimiu dois eixos de debate:

• o eixo jurídico e administrativo, que assinalava as bases do melhor aproveitamento dos recursos públicos e privados;

• o eixo técnico-científico, que promovia a difusão de saberes e técnicas que contribuiriam para tornar as práticas assistenciais voltadas a uma administração eficiente e científica da população.

Emilio Tenti (1989) denota que, durante a Conferência, exprimiu-se uma mudança de perspectiva em relação à responsabilidade que caberia ao Estado na assistência social. Tratou-se de deixar manifesto que a “responsabilidade de dar” - por oposição à beneficência e à caridade - seria transferida ao Estado como expressão do critério de administrador racional dos recursos públicos com vistas ao desenvolvimento e progresso da sociedade, mas, nessa relação Estado-Sociedade, o Estado seria obrigado a intervir como quem dá e não como quem garante o direito dos que necessitam.

A década de 1940 marca a hierarquização das instâncias administrativas encarregadas da gestão da saúde e da assistência social. Inicialmente, criou-se o Registro Nacional de Assistência Social, que tinha, entre suas funções, registrar as entidades de assistência social, oficiais ou privadas, assim como centralizar as investigações e informações sobre a matéria.

Durante o ano de 1944, pela modificação do artigo 1º do Decreto 12.311, criou-se a Direção Nacional de Saúde Pública e Assistência Social. Tudo o que se relacionava até esse momento à beneficência, aos lares e à assistência social dependeria da Secretaria de Trabalho e Previdência sob um novo organismo: a Direção-Geral de Assistência Social, que envolveu: o Registro Nacional deAssistência Social, a Comissão Nacional de Ajuda Escolar, o Patronato Nacional de Cegos. A Sociedade de Beneficência continua dependendo da Direção Nacional de Saúde Pública.

2.5 A Direção Nacional de Assistência Social e a Fundação María Eva Duarte de