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Sumário. Texto Integral. Tribunal da Relação do Porto Processo nº

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Tribunal da Relação do Porto Processo nº 0530653

Relator: SALEIRO DE ABREU Sessão: 10 Março 2005

Número: RP200503100530653 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.

DIREITOS PESSOA COLECTIVA DANOS MORAIS

Sumário

I - A Autora, enquanto associação zoófila, que tem como fim a defesa dos

direitos dos animais, goza de legitimidade processual para fazer valer em juízo aqueles direitos.

II - As pessoas colectivas têm direito a serem ressarcidas por danos de natureza não patrimonial.

III - Os danos de carácter não patrimonial não atingem bens do património do lesado, mas sim bens que se situam no âmbito da sua esfera moral. No caso das pessoas colectivas, tais bens serão atinentes, v.g. ao seu bom nome, reputação, imagem, prestígio ou credibilidade.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.

“B...”, com sede no ..., instaurou contra Incertos acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, pedindo que:

1. Seja “declarada ilícita a actividade dos RR., consistente na organização e promoção de touradas com lides de morte (respeitantes ao ano de 2000);

2. Sejam condenados os mesmos RR. a “absterem-se de realizar as corridas com “Touros de Morte” supra mencionadas, ratificando-se assim a douta decisão cautelar proferida em 18 de Agosto p.p.” (ano 2000);

3. Sejam condenados aqueles RR. a “absterem-se de proceder ao

esquartejamento e venda para consumo público dos touros mortos, salvo se os

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animais forem devidamente abatidos num matadouro oficial e com todos os cuidados necessários e de saúde pública que a lei prescreve, ratificando-se assim a douta decisão cautelar proferida em 18 de Agosto p.p.” (ano 2000);

4. Sejam ainda os RR. condenados a pagar à A. uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de 15.000.000$00 (74.819,68 Euros).

Citado, o M.º P.º deduziu contestação por excepção e impugnação, nos termos expressos a fls. 89 -106.

Após réplica da A., foi proferido despacho-saneador, em que se decidiu:

a) julgar extinta a instância por inutilidade superveniente no que concerne aos três primeiros pedidos formulados pela A.;

b) julgar improcedente o 4º pedido formulado pela mesma A. (após se haver concluído “pela inexistência de um direito subjectivo, de natureza civil, merecedor de tutela indemnizatória pela autora”, ou seja, que esta “não era titular de qualquer direito subjectivo pelo dano que alega”).

Inconformada, interpôs a Autora recurso de apelação, e esta Relação, por acórdão de 31.01.2002, proferido a fls. 222/225, decidiu:

a) confirmar o saneador-sentença em recurso no que concerne aos pedidos formulados sob os n.ºs 2 e 3 supra referidos;

b) “revogar o mesmo saneador-Sentença relativamente aos pedidos

formulados sob os n.ºs 1 e 4, a fim de se prosseguir para julgamento com elaboração da conveniente peça condensatória da matéria de facto alegada e tida por pertinente (factos assentes) e base instrutória, a qual incluirá

designadamente a matéria de facto articulada sob os mencionados art.s 10º e 11º da p.i., para, a final, se decidir como for de direito”.

Cumprido a quo o assim determinado, foi, a final, após audiência de discussão e julgamento, proferida sentença a “declarar ilícita a actividade dos Réus incertos em organizar e promover as touradas com lides de morte, em ..., nos dias 29, 30 e 31 de Agosto de 2000 e condenar os mesmos RR. a pagar à A., a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 2.500,00”.

Dessa sentença interpôs o Ministério Público o presente recurso de apelação, tendo terminado a respectiva alegação com as seguintes conclusões:

1. O direito à indemnização, seja por danos patrimoniais, ou por danos não patrimoniais, é um direito subjectivo, de crédito, que nasce da previsão legal do art. 483º do C. Civil.

2. À autora compete exigir em juízo a adopção de todas as medidas e a

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proibição de todas as condutas que, por qualquer forma, sejam violadoras da protecção que a lei confere aos animais.

3. Mas já não lhe compete vir reclamar, em nome da defesa dos direitos dos animais, uma indemnização por danos não patrimoniais próprios.

4. A indemnização visa colocar o lesado numa situação em que se encontraria caso a lesão não tivesse ocorrido.

5. Sendo, neste caso, lesado o touro, impossível se mostra a reconstituição natural.

6. Não tendo também a autora legitimidade para vir reclamar a indemnização de danos que foram sofridos, em última análise, pelos animais que, enquanto tal, nunca poderiam vir reclamar quaisquer montantes.

7. Não se mostram, pois, reunidos os pressupostos legais da indemnização por danos não patrimoniais.

8. A legitimidade activa conferida à autora, enquanto associação zoófila para defesa dos interesses difusos, não lhe confere legitimidade para peticionar uma indemnização por danos não patrimoniais.

9. Uma vez que as mesmas são insusceptíveis de originarem, quando violadas, uma indemnização individualizada, que possa ser reclamada por uma pessoa ou associação concreta.

10. É somente ao lesado que a lei reconhece o direito à indemnização.

11. A douta sentença recorrida não fez uma correcta aplicação da lei aos factos dados como provados, violando o estatuído nos artigos 483º e 496º, ambos do C. Civil.

Pede a revogação da sentença e absolvição dos RR. do pedido.

A Autora apresentou extensas contra-alegações, em que defendeu a confirmação da sentença.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II.

Sem qualquer impugnação, vem considerada provada a seguinte factualidade:

a) A Autora é uma associação zoófila cujos estatutos se encontram juntos a fls.

28 e seguintes da providência cautelar apensa a cujo teor se dá aqui por reproduzido;

b) A Autora tem como fins, entre outros, a defesa activa dos direitos dos animais e o combate por via dos meios legais das situações que, de forma potencial ou efectiva, traduzam ou impliquem crueldade em animais;

c) Teve a A. conhecimento de que os Réus organizaram e levaram a cabo touradas com “Touros de morte”, as quais se realizaram em 29, 30 e 31 de

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Agosto, na Vila de ..., e onde foram sacrificados os animais no fim das respectivas lides;

d) Aos touros e vacas após as lides, ao invés de terem sido recolhidos, foi-lhes espetada uma espada na região da cabeça, acabando o animal por morrer esvaído em sangue;

e) Neste tipo de corridas de touros, ao terminar a faena, o “matador” com uma espada trespassa o coração do animal ou perfura-lhe os pulmões, provocando- lhe asfixia;

f) Com uma punhalada no cachaço tenta-se depois cortar a espinal medula do animal em agonia;

g) Se a lide for considerada boa, o matador corta uma orelha do touro - sendo isto que, precisamente, aconteceu em ...;

h) Desde há uns anos a esta parte tem vindo a organizar-se em ... (sempre no mês de Agosto) corridas de “touros de morte”;

i) Tais espectáculos taurinos ocorrem sempre nos dias 29, 30 e 31 de Agosto de cada ano;

j) O mesmo tendo acontecido no ano de 2000, mais concretamente no dias 29,30 e 31 de Agosto em que, mais uma vez, as corridas decorreram

culminando com a morte dos animais;

k) Os touros, na arena, num total de 6 animais (5 touros e uma vaca), foram seguidamente esquartejados e a sua carne vendida;

l) Com todos os órgãos de comunicação social - rádios, televisões e jornais - a cobrirem o acontecimento com o mais amplo destaque.

III.

Como é sabido, o âmbito do objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nele não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso.

No caso sub judice, a questão suscitada respeita essencialmente à

legitimidade substantiva da Autora para peticionar uma indemnização por danos não patrimoniais decorrentes de touradas com lides de morte. Ou seja, e concretamente, importa saber se a Autora, enquanto associação para defesa dos direitos dos animais, tem o direito a uma indemnização por danos de natureza não patrimonial pelo facto de ter sido levada a efeito, em ..., em Agosto de 2000, uma corrida com “touros de morte”.

Poderia parecer, prima facie, que a questão se mostra já definitivamente decidida, em sentido favorável à tese da Autora, pelo acórdão desta Relação proferido a fls. 222/225.

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Efectivamente, e como se disse supra, numa primeira decisão proferida na 1ª instância foi o pedido de indemnização (por danos não patrimoniais) julgado improcedente porque se considerou que a Autora “não era titular de qualquer direito subjectivo pelo dano que alega”.

Porém, no referido acórdão - que incidiu sobre o recurso interposto pela Autora tendo como objecto aquela decisão - escreveu-se, a dado passo: “(...) entende-se que a ora recorrente deve ser considerada credora dos RR., porque, sendo membro da comunidade, é, como tal, titular dos interesses difusos em causa (...)”. E mais adiante: “Seríamos, pois, face a todo o exposto, levados a tomar posição expressa, mais concretamente a proferir decisão acerca dos mencionados pedidos 1º e 4º formulados pela A., referidos supra.

Acontece, no entanto, que se mostra expressamente impugnada

designadamente a matéria fáctica articulada sob os n.ºs 10º e 11º da p.i. (...), a qual se nos afigura necessário apurar ou provar para pronúncia sobre o eventual montante indemnizatório a atribuir consoante pedidos formulados sob os n.ºs 1º e 4º supra, com vista a afastar, tanto quanto possível, o carácter

"aleatório" da indemnização, de que se fala no art.º 96º da contestação. É que, apesar de se reconhecer que a eventual indemnização por danos não

patrimoniais é, normalmente, fixada com recurso ao disposto no n.º 3 do art.º 566º do Cód. Civil, o apuramento da matéria de facto alegada -

designadamente a referida supra sob os n.ºs 10º e 11º da p.i. - ajudará a

afastar o carácter subjectivo - digamos que “aleatório”, como se referiu acima - que os termos legais constantes do mencionado n.º 3 do art.º 566º do CC sempre poderão, ainda que com boa consciência, implicar.”

O teor do acórdão, mormente as partes que acabam de se transcrever, não parece deixar dúvidas, cremos, que se entendeu que à Autora assistia o direito a indemnização por danos não patrimoniais, e apenas não se fixou desde logo o respectivo montante indemnizatório por se haver julgado necessário, para esse efeito, a prova de alguma da matéria de facto alegada.

A revogação da decisão da primeira instância e a determinação do

prosseguimento dos autos para julgamento parece terem como pressuposto lógico e necessário aquele entendimento.

Todavia, pode entender-se, mormente face à referência expressa feita no acórdão ao art. 26º-A do CPC, que aí apenas se considerou ter a Autora legitimidade processual para formular o pedido em causa e não que, necessariamente, e em concreto, o respectivo direito lhe devesse ser reconhecido.

De qualquer modo, temos como certo que não pode falar-se aqui de caso julgado.

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Com efeito, segundo o disposto no nº 4 do art. 510º do CPC, não cabe recurso da decisão que, por falta de elementos, relegue para final a decisão da matéria que cumpra conhecer. E, na esteira desse normativo, o Assento nº 10/94 do STJ, de 13.4.1994 (DR. I-A, de 26.5.1994) veio fixar jurisprudência no sentido da inadmissibilidade de recurso do acórdão da Relação que, revogando o saneador-sentença, ordena o prosseguimento do processo.

Assim sendo, se o aresto desta Relação acima referido não era passível de recurso, não pode considerar-se definitivamente resolvida, naquele momento processual, a relação material controvertida.

IV.

Não se questiona que a Autora, enquanto associação zoófila, que tem como fim a defesa dos direitos dos animais, goza de legitimidade processual para fazer valer em juízo aqueles direitos.

Também não se põe em causa, sendo hoje mais ou menos pacífico, que as pessoas colectivas têm direito a serem ressarcidas por danos de natureza não patrimonial (neste sentido, entre outros, Acs. do STJ, de 4.11.2004, 27.11.2003 e 5.10.2002, in www.dgsi.pt, respectivamente proc. nº 04B1877, 03B3692 e 03B1581; Pedro Branquinho Ferreira Dias, o Dano Moral, 37 e sgs.).

Efectivamente, o seu bom nome, reputação, imagem, prestígio ou credibilidade podem ser de tal forma atingidos que justifiquem uma indemnização.

O que importa saber é se, no caso sub judice, a Autora tem direito a indemnização.

Como escreve A. Varela, Das Obrigações em geral, I, 9ª ed., 643 e segs., “tem direito a indemnização o titular do direito violado ou do interesse

imediatamente lesado com a violação da disposição legal, não o terceiro que só reflexa ou indirectamente seja prejudicado”; só excepcionalmente “a indemnização pode competir também ou caber apenas a terceiro”.

E, como é sabido, a obrigação de indemnização, no quadro da

responsabilidade civil extracontratual, tem como pressupostos o facto ilícito, em regra a culpa do agente, o dano ou prejuízo, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Para que exista obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja um dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém. E “o dano é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a

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norma infringida visam tutelar” (A. Varela, ob. cit., 619).

Os danos de carácter não patrimonial não atingem bens do património do lesado, mas sim bens que se situam no âmbito da sua esfera moral. No caso das pessoas colectivas, tais bens serão atinentes, v.g. ao seu bom nome, reputação, imagem, prestígio ou credibilidade.

No caso em apreço, não se mostra provado, nem se vislumbra, que a Autora tenha sofrido qualquer dano não patrimonial com a realização ilícita, em ..., em Agosto de 2000, das touradas com lides de morte. Não se vê que daí lhe tenha advindo qualquer perda de prestígio ou que a sua consideração ou imagem tenham saído minimamente diminuídas ou abaladas.

Ora, não tendo a A. sofrido qualquer dano, inexiste obrigação de indemnizar.

E não se argumente, em sentido contrário, com o teor do acórdão proferido a fls. 222-225, no ponto em que se escreve, citando o Ac. do STJ, de 27.9.2001 (cuja cópia se mostra junta aos autos), que a Autora “tem de ser considerada credora dos RR.”.

É que o que nesse acórdão do STJ se escreveu foi que a requerente (ora Autora) “tem de ser considerada credora dos requeridos (RR. incertos), no sentido de ser titular do direito a exigir-lhes a prestação de facto negativa consistente na não organização das corridas com touros de morte”. Não no sentido de ser titular de um direito de indemnização, maxime por danos não patrimoniais.

V.

Nestes termos, e sem necessidade de mais considerações, julga-se procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, absolvendo- se os réus incertos da indemnização em que, na 1ª instância, foram

condenados.

Sem custas.

Porto, 10 de Março de 2005 Estevão Vaz Saleiro de Abreu

Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos José Viriato Rodrigues Bernardo

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