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Tese de Doutorado de Juliana Rodrigues de Castro

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DO FRANCÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA AO PÚBLICO SURDO BILÍNGUE BRASILEIRO A PARTIR

DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO LETRAMENTO

JULIANA RODRIGUES DE CASTRO

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JULIANA RODRIGUES DE CASTRO

O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DO FRANCÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA AO PÚBLICO SURDO BILÍNGUE BRASILEIRO A PARTIR

DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO LETRAMENTO

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção Língua Francesa) Orientadora: Profª. Drª. Angela Maria da Silva Corrêa.

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AGRADECIMENTOS

No desenvolvimento dessa pesquisa, pude contar com importantes contribuições de pessoas e de instituições sem as quais sua realização não teria sido possível. Dentre elas, gostaria de agradecer, de forma especial

A minha orientadora Profª Drª Angela Maria da Silva Corrêa, por ter aceitado me orientar e ter depositado sua confiança em meu trabalho. Por sua disponibilidade, seu incentivo e suas colocações esclarecedoras serei sempre grata.

Ao Colégio Pedro II, minha segunda casa, por ter permitido minha partida à Paris para a realização de parte da investigação.

A todos os educandos surdos a quem tive o privilégio de lecionar, por seu exemplo de coragem e de superação. Indubitavelmente, aprendi muito mais do que transmiti através dessa experiência.

À Profª Drª Ivani Fusellier-Souza, pelas aulas dispensadas na Universidade Paris VIII e pelas orientações, sempre elucidativas.

Ao Institut National des Jeunes Sourds de Paris, em especial, aos professores Jerôme Melchior e Pascal Marie-Rose, pela acolhida durante a realização do estágio junto aos educandos surdos do instituto.

A meus pais, José Cláudio Tavares de Castro e Irene Rodrigues de Castro, e a meus irmãos, Dila Rodrigues de Castro e Daniel Rodrigues de Castro, pelo apoio, no mais amplo sentido que essa palavra possa agregar, ao longo de todos esses anos.

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RESUMO

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RÉSUMÉ

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ABSTRACT

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Censo 2010 ... 26

Figura 2 - Base comum das Línguas de Sinais ... 30

Figura 3 - Comunicação entre surdos... 37

Figura 4 - População brasileira portadora de deficiência ... 53

Figura 5 - Matrículas da Educação Especial no Brasil ... 58

Figura 6 - Transversalidade da Educação Especial ... 60

Figura 7 - Taxa de analfabetismo - Censo 2010 ... 89

Figura 8 - Verbo "aller" (a) ... 114

Figura 9 - Verbo "aller" (b) ... 115

Figura 10 - Verbo "falar" / "parler" ... 125

Figura 11 - Advérbio de afirmação "sim" / "oui"... 126

Figura 12 - Preposição "com" / "avec" ... 127

Figura 13 - A interação pedagógica em classe ... 132

Figura 14 - Les supermarchés ... 144

Figura 15 - Fruits et légumes - supermarché (a) ... 146

Figura 16 - Fruits et légumes - supermarché (b) ... 147

Figura 17 - Les fruits ... 148

Figura 18 - Les fruits (identificação) ... 148

Figura 19 - Exemplo – Orange ... 149

Figura 20 - Les fruits eta la santé ... 151

Figura 21 - Les fruits - apontamento ... 152

Figura 22 - Datilologia ... 153

Figura 23 - Les cerises ... 153

Figura 24 - Verbo "acalmar" ... 154

Figura 25 - Les raisins ... 154

Figura 26 - Os animais ... 155

Figura 27 - Hesitação ... 156

Figura 28 - Associação francês/português ... 157

Figura 29 - Os animais - identificação ... 157

Figura 30 - apontamento ... 158

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Figura 32 - Constatação do falso cognato ... 159

Figura 33 – Sinais ... 161

Figura 34 - Sinal "nunca" ... 161

Figura 35 - Sinais icônicos ... 162

Figura 36 - Dias da semana ... 164

Figura 37 - LSF - Les jours de la semaine ... 165

Figura 38 - Les jours de la semaine - apontamento ... 166

Figura 39 - Les jours de la semiane ... 167

Figura 40 - Mardi / Mercredi ... 168

Figura 41 - Mardi - evolução do sinal ... 169

Figura 42 - Mardi (a) ... 169

Figura 43 - Mardi (b)... 169

Figura 44 - Receita "bolo de chocolate" ... 172

Figura 45 - Fermento (França X Brasil) ... 174

Figura 46 - "Sachet de levure" ... 174

Figura 47 - Receita - preparação ... 175

Figura 48 - Banho maria ... 175

Figura 49 - Leitura individual em sinais ... 176

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACERP Associação de Comunicação Educativa Roquette-Pinto AEE Atendimento Educacional Especializado

APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

ASL American Sign Language

BIAP Bureau International d’Audiophonologie

BSL British Sign Language

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CARAP Cadre de Référence pour les Approches Plurielles

CDCC Centro de Divulgação Científica e Cultural

CEB Câmara de Educação Básica

CELV Centre Européen pour les Langues Vivantes CIEP Centre International d’Études Pédagogiques

CNE Conselho Nacional de Educação

CPSAS Centre de Promotion Sociale des Adultes Sourds

dB Decibéis

DALF Diplôme Approfondi de Langue Française DELF Diplôme d’Études en Langue Française

EJA Educação de Jovens e Adultos

EPT Educação para Todos

FENEIS Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos

FLE Francês Língua Estrangeira

FOS Francês com Objetivos Específicos

IBC Instituto Benjamin Constant

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira INES Instituto Nacional de Educação de Surdos

INJS Institut National des Jeunes Sourds INOSEL Instituto Nossa Senhora de Lourdes

IST Instituto Santa Teresinha

IVT International Visual Théâtre

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L1 Primeira língua

L2 Segunda língua

LE Língua Estrangeira

LIBRAS Língua Brasileira de Sinais

LM Língua Materna

LS Língua de Sinais

LSCB Língua de Sinais dos Centros Urbanos

LSF Langue des Signes Française / Língua de Sinais Francesa LSKB Língua de Sinais Kaapor Brasileira

MEC Ministério da Educação

OMS Organização Mundial de Saúde

ONU Organização das Nações Unidas

PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais

PNAES Programa Nacional de Apoio à Educação dos Surdos

PNE Plano Nacional de Educação

QECR Quadro Europeu Comum de Referência

SEESP Secretaria de Educação Especial

SRC Síndrome da Rubéola Congênita

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

USP Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 16

2 PANORAMA DA SURDEZ E DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS ... 26

2.1 Aspectos gerais sobre surdez ... 26

2.2 A semiogênese das línguas de sinais ... 29

2.3 A institucionalização da língua de sinais no Brasil ... 32

2.4 As principais filosofias educacionais para surdos: Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo ... 35

2.4.1 A três filosofias educacionais para surdos no Brasil – um breve relato ... 41

2.5 O bilinguismo do surdo e a educação bilíngue ... 43

2.6 O professor surdo e sua contribuição para a educação da criança surda ... 49

3 POLÍTICAS EDUCACIONAIS NA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL ... 53

3.1 A surdez na Educação Especial ... 61

3.2 Educação Especial X Educação de Surdos ... 68

3.3 O ensino das LE aos surdos – da legislação à efetivação ... 71

3.4 O ensino das línguas estrangeiras ao público surdo fora da escola ... 78

4 POR UM ENSINO ADAPTADO DAS LÍNGUAS ESTRANGEIRAS AO PÚBLICO SURDO – APORTES TEÓRICOS ... 84

4.1 O letramento na classe de LE com surdos ... 84

4.1.1 A origem do termo no Brasil - um breve relato ... 85

4.1.2 Alfabetização e letramento – conceitos e empregos ... 87

4.1.3 Práticas e níveis de Letramento ... 95

4.1.4 Letramento e surdez ... 96

4.1.5 Os aportes das práticas de letramento no ensino do português como L2 ... 100

4.1.6 Abordando a leitura em classe de FLE com surdos ... 104

4.1.7 A Avaliação da leitura ... 107

4.2 Do ensino bilíngue à competência plurilíngue ... 110

4.2.2 Consciência Metalinguística ... 112

4.2.3 Abordagem bilíngue, trilíngue, plurilíngue: diferentes caminhos da consciência metalinguística ... 118

4.3 FLE PARA SURDOS ... 123

4.3.1 Por que ensinar o FLE ao surdo brasileiro? ... 123

4.3.2 Francês Instrumental, Francês com Objetivos Específicos ou simplesmente FLE? ... 128

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5 UM OLHAR SOBRE A PRÁTICA DO ENSINO-APRENDIZAGEM DO FLE AO SURDOS

... 134

5.1 Curso de Extensão de FLE para Surdos – o contexto da experiência ... 134

5.1.1 Objetivos do curso ... 134

5.1.2 Metodologia ... 134

5.1.3 Perfil do público alvo ... 135

5.1.4 - Conteúdo programático ... 136

5.1.5 Estrutura física e suportes técnicos ... 136

5.1.6 Material didático ... 136

5.1.7 Referencial teórico ... 137

5.1.8 Análise dos dados ... 137

5.2 – Analisando a prática do ensino ... 137

5.2.1 Competência intercultural – a França, o francês e os surdos franceses ... 137

5.2.2 – Competência linguística ... 142

5.2.3 Do lúdico o texto autêntico ... 155

5.2.4 Sobre o uso da LSF ... 160

5.2.5 Receita de bolo ... 170

5.2.6 Leitura individual ... 176

5.3 Conclusões sobre a experiência ... 179

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 181

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 187

REFERÊNCIAS SITOGRÁFICAS ... 198

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16 1 INTRODUÇÃO

A presente tese tem como objeto de interesse o processo de ensino-aprendizagem das línguas estrangeiras, em especial, do Francês Língua Estrangeira (FLE), ao público surdo brasileiro, sob uma perspectiva didático-pedagógica. Tal temática é ainda pouco explorada não somente no Brasil, como também em outros países, caracterizando uma escassez de material teórico-metodológico que poderia servir de auxílio prático aos docentes que trabalham diretamente com esse público, o que justifica a necessidade do desenvolvimento de pesquisas nesse campo de estudos.

Meu interesse inicial pela comunidade surda, sua língua e sua cultura, se deu no ano de 1999, durante minha graduação em Letras (Português-Francês) na Universidade Federal do Rio de Janeiro, quando tive a oportunidade de cursar a disciplina optativa “Introdução à Língua Brasileira de Sinais” (LIBRAS), ministrada pela professora surda Myrna Salerno Monteiro. O contato com essa professora e os aprendizados proporcionados no decorrer do curso foram cruciais para minha sensibilização quanto às questões que envolvem o uso da LIBRAS, a identidade e a educação dos surdos, motivando-me a buscar um aprofundamento sobre esse assunto.

Já graduada e atuante na qualidade de professora de FLE em escolas e na Aliança Francesa, tive a chance de retomar o aprendizado da LIBRAS através do curso oferecido pelo Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) à comunidade, onde pude estender meus conhecimentos sobre essa língua, estabelecer um contato com a comunidade surda local, além de conhecer melhor essa instituição de ensino tão importante para a história da educação dos surdos no Brasil.

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ensino-aprendizagem dessa língua ao público surdo brasileiro, o que levou-me, há dez anos atrás, a dar início à pesquisa sobre a didática do ensino do FLE a esse público.

Hoje, a investigação a que me proponho representa a continuidade e o aprofundamento de meus estudos realizados em 2007/2008, durante o curso de Mestrado em Ciências da Linguagem - Didática das Línguas Estrangeiras, na Universidade Paris VIII, no qual obtive o título de Mestre em Ciências da Linguagem ao defender a dissertação “L’enseignement du Français Langue Étrangère au public sourd brésilien:

enjeux et perspectives”. Nessa pesquisa, foi abordada a questão do acesso do público surdo às línguas e às culturas estrangeiras em contexto escolar a partir da análise de uma experiência prática do ensino desenvolvida com educandos surdos do primeiro segmento do Ensino Fundamental no Instituto Nossa Senhora de Lourdes (INOSEL), no Rio de Janeiro.

Tendo optado pelo uso da Abordagem Comunicativa como metodologia de ensino, pude desenvolver com aquele grupo de adolescentes surdos um trabalho sobre três competências de comunicação, a saber, a compreensão e a produção escritas, e a produção oral em FLE. Através da documentação das atividades, compôs-se um corpus de análise, a partir do qual observaram-se as estratégias didáticas propostas por Tagliante (1994), Courtillon (2003) e Beacco (2007) para o ensino do FLE ao público ouvinte, e suas adaptações em função das especificidades do público surdo. Discutiu-se também o uso de uma abordagem bilíngue em sala de aula e a importância do uso da LIBRAS não somente como um meio de comunicação, mas também como uma marca da identidade do surdo.

Nessa nova etapa da pesquisa, com um olhar mais maduro e aprofundado, lanço-me à discussão sobre o processo de ensino-aprendizagem do FLE ao surdo a partir dos princípios norteadores do letramento, cujo foco principal está nas práticas sociais de leitura e escrita. A questão do nível de letramento do surdo e sua influência na aprendizagem da língua estrangeira são aspectos fundamentais em nosso estudo, pois estão diretamente relacionadas a sua condição bilíngue e bicultural.

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em função de fatores determinantes para o desenvolvimento de seu bilinguismo, como o seu grau de surdez (podendo ser leve, moderado, severo ou profundo), o contexto linguístico no qual ele vive (família de ouvintes, mista ou de surdos), a existência ou não de contato com a comunidade surda local, e a língua de comunicação e de educação escolhida por seus pais.

Porém, o bilinguismo do surdo deve ser visto de forma diferente dos outros tipos de bilinguismo devido a seu caráter bimodal e por tratar-se de um bilinguismo de minorias no qual a língua que ele domina, a língua de sinais, não é a língua predominante no local onde ele vive.

O termo “minorias” pode ser utilizado tanto para expressar uma classificação numérica quanto para caracterizar determinados grupos sociais destituídos de poder. Na concepção de Cavalcanti (1999) os grupos minoritários são aqueles marginalizados socialmente, podendo ser identificados por sua situação linguística, seu país de origem, suas características étnicas, religiosas, etc., sua situação econômica, entre outras particularidades. Em seus estudos, a autora destaca o bilinguismo de minorias vivenciado por determinados grupos, muitas vezes estigmatizados, dentre eles, os surdos. Tais contextos “são (tornados) invisíveis, portanto naturalizados” (CAVALCANTI, op. cit, p. 387) na percepção da sociedade, seja pela predominância da ideia de que vivemos em um país monolíngue, seja pelo desprestígio das línguas inerentes a esses grupos.

Estudos (Quadros, 1997) apontam que, devido ao impedimento auditivo, a percepção visual do surdo é especialmente apurada e, por essa razão, seu acesso à língua de sinais se dá de forma natural. Em contrapartida, a aprendizagem da língua áudio-oral acontece em um processo longo e bastante complexo, de forma arbitrária e não genuína, por meio de repetições e sistematizações centradas nas regras gramaticais e na estrutura da língua. Diferentemente da criança ouvinte, o surdo não tem o estímulo auditivo, precisando de um auxílio especial e adaptado para que esse aprendizado se desenvolva em boas condições. Contudo, para alguns pesquisadores, a língua áudio-oral, apesar de importante e necessária na vida do surdo, será sempre uma língua estranha e de uso adverso.

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que existe oferta de ensino adaptado aos surdos nesse tipo de estabelecimento). Essa tarefa requererá do educador saberes e competências relacionados às especificidades do educando surdo, além da capacidade de promover uma série de adaptações que levem em conta não somente sua realidade linguística, como também sua situação psicossocial, cultural e histórica.

Em nossa experiência prática de ensino de FLE em classes com surdos pudemos identificar alguns problemas específicos, os quais tratamos com destaque no presente estudo. O primeiro, é a questão do letramento do surdo em L1 e em L2 no momento em que ele começa a prender a LE. Diferentemente da alfabetização, que se refere à capacidade de codificação e decodificação da produção gráfica textual (Soares, 1998), o letramento está voltado para os aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita e seu foco está nas interações sociais por meio dessa prática. Como pontua Tfouni (1995), ser alfabetizado não significa, necessariamente, que o indivíduo será capaz de apreender o sentido de um texto após a sua leitura. Para isso, é preciso que ele coloque em prática uma série de estratégias de abordagem textual já adquirida, mesmo que inconscientemente, e relacione as situações de leitura com as quais se depara ao seu conhecimento de mundo.

Acontece que muitos surdos apresentam um conhecimento de mundo bastante restrito por estarem privados de acesso à informação de modo mais abrangente no seio da comunidade ouvinte. Essa privação pode ocorrer de várias formas e em diferentes espaços como, por exemplo, no ambiente familiar, quando a comunicação em LIBRAS é limitada; na escola inclusiva, quando não há uma inclusão adequada por meio da educação bilíngue; no contexto de acesso aos meios de comunicação, quando não há a transmissão das informações em LIBRAS ou a opção de legendas em português; etc.. Tudo isso dificulta o desenvolvimento do surdo e seu acesso à informação, o que, por conseguinte, poderá prejudicar seu aprendizado da língua áudio-oral (seja a L2 ou uma LE) pelo desconhecimento de certos assuntos abordados em documentos escritos.

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do educando surdo tanto em L1, quanto em L2, terá um papel fundamental na aprendizagem da LE, podendo favorecê-la (ou não) de forma considerável.

O segundo problema identificado nessa empreitada está diretamente relacionado à inexistência de uma metodologia de ensino das LEs adaptada às especificidades do surdo, o que poderá comprometer consideravelmente a prática do ensino e o aprendizado do educando. A maioria dos professores de LE em atividade não possui formação especializada para lidar com o educando surdo (ou com educandos portadores de outras necessidades educacionais especiais), nem é praticante da LIBRAS.

Nesse contexto, o Ministério da Educação e a Secretaria de Educação Especial no Brasil, através das políticas públicas voltadas para a Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, preveem a promoção do acesso, da participação e da aprendizagem dos educandos portadores de necessidades educacionais especiais nas escolas regulares através de um atendimento educacional especializado que possibilite uma educação de qualidade para todos (BRASIL, 2008). Entretanto, ao considerarmos o caso específico dos surdos, percebemos que apesar dos esforços direcionados à difusão da LIBRAS, à garantia da presença de intérpretes (Português-LIBRAS) em classe, e à capacitação dos atuais estudantes em Pedagogia e em variadas Licenciaturas, existem, ainda, profundas lacunas que dificultam o acesso do surdo ao aprendizado, especialmente quando trata-se do ensino da LE. Por exemplo, ao refletirmos sobre o trabalho do intérprete na escola, percebemos que, diferentemente das aulas de História, Matemática ou Geografia, sua atuação nas aulas de LE pode se tornar confusa, visto que ele não é habilitado a interpretar aquela terceira língua, mas somente o português e a LIBRAS. Como, então, o ensino pode se desenvolver nesse contexto? Qual será o papel do intérprete (Português-LIBRAS) na classe de LE com surdos?

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com a prática docente, quanto com a promoção do acesso adaptado dos surdos ao aprendizado das línguas.

O quarto problema que destacamos nesse estudo é o contexto de ensino no qual a classe de LE com surdos se realiza, podendo ser em escola especializada, onde o ensino é oferecido somente a educandos surdos, ou em escola regular na perspectiva inclusiva, onde o ensino se desenvolve em classes que integram surdos e ouvintes. Muitos especialistas discutem sobre qual seria o melhor contexto para se instruir o surdo, porém, não há um consenso. A decisão pelo tipo de ensino supostamente mais conveniente caberá aos pais da criança surda no momento de matriculá-la em uma escola. Seja qual for a sua escolha, o que se tem observado é que, seja em contexto especial, seja em inclusivo, as lacunas existem e as discussões entre os profissionais da educação dos surdos têm evoluído no sentido de saná-las, como veremos mais à frente.

Ao abordarmos tais problemas, não temos, em nenhuma hipótese, a pretensão de trazer uma resposta certeira a todos os questionamentos levantados, até porque, num país como o Brasil, onde as dimensões geográficas são continentais e as realidades de contextos relacionados a surdez são discrepantes, dificilmente poderíamos trazer soluções concretas que atendessem a sua totalidade. Ao invés disso, nossa intenção é promover uma reflexão a respeito da complexidade que envolve o ensino da LE a esse público e fomentar a discussão sobre a acessibilidade educacional, pois o surdo não aprende como o ouvinte, e sem uma adaptação efetiva de todo o processo de ensino-aprendizagem, não há aprendizado pleno.

Em busca de uma alternativa a esses impasses, recorremos à análise crítica de uma experiência prática do ensino como recurso metodológico em nossa pesquisa. Tal experiência se desenvolveu a partir da formação de uma classe de FLE para surdos, realizada no âmbito de um curso de extensão na Faculdade de Letras da UFRJ. Com uma carga horária de 30 horas, o curso teve como público alvo estudantes surdos bilíngues dos cursos de Licenciatura em Letras-Libras, de Bacharelado em Letras-Libras: Tradução e Interpretação, e de Especialização em LIBRAS: Ensino, Tradução e Interpretação.

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educando surdo. Toda essa análise teve como base os pressupostos teóricos de especialistas das áreas do ensino FLE e da educação dos surdos.

Em nossa análise, adotamos o conceito de bilinguismo segundo Grosjean (2010, 2008, 2004), que define como bilíngue aquele que faz uso de duas ou mais línguas em sua vida diária sem ter, contudo, a obrigatoriedade de dominá-las uniformemente em todas as competências de comunicação (oral, escrita e gestual). É o caso do surdo brasileiro que, ao interagir nas comunidades surda e ouvinte, utiliza a LIBRAS ou o português em função de seu interlocutor. Nesse contexto, o autor ressalta que, além de bilíngues, os surdos são biculturais, pois interagem diariamente nas comunidades surda e ouvinte, assimilando e sintetizando traços das duas culturas. Para Grosjean (2004), é de suma importância que a criança surda tenha a possibilidade de aprender de forma ampla sobre as duas comunidades às quais pertence e, para isso, a família, os educadores e os membros das duas comunidades devem assegurar que esse conhecimento ocorra o mais cedo possível e de forma harmoniosa.

No que concerne o ensino da LE ao público surdo, defendemos o uso da abordagem bilíngue, na qual a LIBRAS tem seu lugar enquanto língua de comunicação e de ensino, ao passo que o FLE será a língua alvo. Segundo as concepções de Quadros (2005, 2004, 1997), Skliar (2001, 1999) e Fusellier-Souza (2003), a língua de sinais em sala de aula é essencial não somente como ferramenta na transmissão dos conteúdos, mas também como uma marca da identidade do surdo. Além disso, ela estabelece um elo de proximidade e de cumplicidade na construção da relação educador/educando e educandos entre si, proporcionando, também, uma maior segurança durante o aprendizado.

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(op.cit.), essas estratégias de leitura, já conhecidas e utilizadas naturalmente pelo leitor em sua L1 (ou, adaptando para a situação do surdo, em sua L2), deverão ser transferidas para o ato de leitura em LE. Assim, a partir da associação de tais estratégias a seus conhecimentos extra-linguísticos, o leitor poderá construir o sentido do texto. Esse tipo de abordagem em sala de aula permitirá o uso de documentos autênticos, ainda que o educando seja iniciante na LE, pois o professor o conduzirá à compreensão global do sentido do texto, encorajando-o a prosseguir mesmo diante de palavras desconhecidas.

Dialogando com essas autoras, tomamos como base os princípios do letramento segundo Kleiman (2012, 1995), Soares (2009, 2004, 2003) e Tfouni (2010, 1995), as quais abordam o uso da leitura e da escrita como prática social. A questão do letramento está diretamente ligada ao aprendizado de uma LE, pois um indivíduo letrado em sua língua materna (no caso do surdo em L2) poderá ter uma melhor desenvoltura ao abordar um documento escrito em outra língua, sendo capaz de perceber nuances e informações subentendidas em função de sua prática e maturidade leitora. Por conseguinte, sua gradual experiência em LE poderá, também, influenciar suas práticas textuais em L1 e/ou L2. Vygotsky já refletia sobre essa experiência, ressaltando que,

O êxito no aprendizado de uma língua estrangeira depende de um certo grau de maturidade na língua materna. A criança pode transferir para a nova língua o sistema de significados que já possui na sua própria. O oposto também é verdadeiro - uma língua estrangeira facilita o domínio das formas mais elevadas da língua materna. A criança aprende a ver a sua língua como um sistema específico entre muitos, a conceber os seus fenômenos à luz de categorias mais gerais, e isso leva à conscientização das suas operações linguísticas. (VYGOTSKY, 2000, p.137)

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as formas de avaliação. Em nosso estudo, é esse aspecto flexível da Abordagem Comunicativa associado à educação bilíngue para surdos que buscamos empregar no processo de ensino-aprendizagem do FLE a esse público.

Nesse contexto, é importante que o professor tenha sensibilidade às questões que envolvem o uso da LIBRAS. Por exemplo, é necessário o espaço seja adequado e que as cadeiras/carteiras estejam dispostas em círculos ou semicírculos para que os educandos possam se ver e interagir em LIBRAS. O material didático deve ser rico em recursos imagéticos e os documentos devem ser autênticos, proporcionando ao educando a experiência de uma situação real de comunicação.

Com respeito ao desenvolvimento da competência linguística, notadamente a abordagem da gramática e do vocabulário, propomos que seja gradativa, a partir das temáticas introduzidas nos documentos escritos. A fixação dos conteúdos poderá ser feita por meio de atividades lúdicas ou, conforme a necessidade, de exercícios estruturais em contexto tendo como objetivo o desenvolvimento de automatismos. Essa técnica, apesar de não ser comunicativa, pode ajudar na compreensão do funcionamento da língua.

À Abordagem Global dos textos pretende-se associar algumas técnicas do ensino sistemático de vocabulário proposto por Marzano (2010, 2004). Para o autor, ensinar termos específicos assegura que o educando tenha os pré-requisitos necessários para compreender os conteúdos que irão encontrar nos textos. Dessa maneira, quanto mais termos ele souber acerca de um determinado assunto mais fácil será compreender e apreender nova informação sobre esse tema. Em sua proposta, o ensino pode ser introduzido em três fases: (1) fase introdutória, que consiste na descrição do léxico pelo professor, seguida pela explanação do educando com suas próprias palavras; (2) fase comparativa, na qual o educando cria uma representação não linguística do termo; (3) fase de revisão e refinamento, na qual o termo é empregado em contexto. Essas fases devem ser adaptadas à realidade linguística do surdo, através do uso da LIBRAS e de recursos imagéticos. Acreditamos que o ensino sistemático de vocabulário em LE, associado a sua retomada em contexto nos documentos escritos pode contribuir para o aprendizado desta, como também para o desenvolvimento de seu letramento na L1 e na L2.

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o contexto de sua realização; delimitaremos os objetivos, os problemas e a hipóteses do estudo; e apresentamos a organização geral em que a tese é desenvolvida.

No segundo capítulo, daremos início à reflexão sobre a condição do surdo através da definição de alguns conceitos básicos relacionados à surdez, à língua de sinais e ao bilinguismo do surdo. A partir de um panorama geral sobre a história da educação dos surdos, exporemos as três filosofias educacionais utilizadas ao longo tempo, no mundo e, também, no Brasil, ressaltando as características e contribuições de cada uma delas.

O terceiro capítulo será dedicado à discussão sobre o contexto da Educação Especial no Brasil, a partir da abordagem de algumas leis e decretos importantes para nossa análise. Partindo da legislação geral voltada para educação dos indivíduos portadores de necessidades especiais até as leis e decretos que dizem respeito especificamente aos surdos, refletiremos sobre seus aportes e limitações na prática do ensino. Paralelamente, trataremos da legislação sobre o ensino das LEs, relacionando-a ao contexto da classe com surdos, assim como o papel do intérprete nesse processo.

No quarto capítulo, traremos alguns conceitos teóricos de especialistas das áreas da surdez e da educação dos surdos (Grosjean, 2004, 2008 ; Quadros, 1997, 2004, 2005; Skliar 1998, 1999), da didática do FLE ou das LEs (Moirand, 1979; Tagliante, 1994; Candelier et al., 2007) e do letramento (Soares, 1998, 2003; Tfouni, 1995, 2010 ; Kleiman, 1995, 2005), observando em que medida e por meio de quais adaptações elas podem contribuir para a construção de uma didática das línguas adequada à especificidades do público surdo. Nosso objetivo nessa análise é buscar uma aplicação prática desses conceitos teóricos, assim como avaliar sua eficácia.

No quinto capítulo, faremos uma abordagem metodológica qualitativa sobre uma experiência prática do ensino do FLE a um grupo de educandos surdos. Primeiramente, faremos uma breve descrição dos sujeitos envolvidos na experiência, do contexto de ensino e das estratégias de recolhimento dos dados. Em seguida faremos um relato crítico das situações selecionadas para análise, associando os aportes teóricos mencionados no quarto capítulo à prática do ensino.

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26 2 PANORAMA DA SURDEZ E DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS

2.1 Aspectos gerais sobre surdez

Falar sobre a comunidade surda brasileira é um exercício bastante complexo tendo em vista a pluralidade característica desse país e a vastidão de seu território. Um dos maiores países do mundo, o Brasil é, também, um país de contrastes, marcado por uma população diversificada nos planos social, econômico e cultural, seja ela ouvinte ou surda. No quadro abaixo, apresentam-se importantes dados levantados no último censo demográfico realizado no ano de 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, os quais nos permitem ter uma noção quantitativa sobre a incidência da surdez no Brasil.

Figura 1 - Censo 2010

País Superfície População População com

alguma deficiência auditiva

População com grande dificuldade

auditiva

População com surdez

profunda

Brasil 8.515.767,049 km² 190.732.694 9.722.163 1.799.885 347.481

Fonte: http://censo2010.ibge.gov.br/

Como se pode observar, mais de 9,7 milhões de brasileiros se declararam portadores de algum tipo de surdez (leve, moderada, severa ou profunda), seja congênita ou adquirida, o que representa 5,1% da população. Dentre elas, 347.481 se declararam completamente surdas.

Segundo a classificação do Bureau International d’Audiophonologie - BIAP1, o grau de surdez do indivíduo é verificado a partir da perda auditiva em decibéis, podendo ser leve (entre 21 e 40 dB), moderada (entre 41 e 70 dB), severa (entre 71 e 90 dB) e profunda (mais de 91 dB), sendo que, essa última pode classificar-se em 1º grau (de 91 a 100 dB), 2º grau (de 101 a 110 dB) e 3º grau (acima de 111 dB).

1 O “BIAP - Bureau International d’Audiophonologie” é uma Sociedade Científica criada em 1967.

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Independentemente do grau da perda auditiva, é importante salientarmos que diferentes termos são recorrentemente utilizados para caracterizar esse indivíduo. Do ponto de vista clínico-patológico e conforme documentos oficiais da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Educação (MEC) no Brasil, tem-se usado o termo “deficiente auditivo”. Entretanto, tal termo tem sido rejeitado pela comunidade surda que, através de movimentos, protestos e eventos realizados nos últimos 20 anos, tem manifestado a preferência pelo uso do termo “surdo”, simplesmente. Nessa perspectiva, a surdez não é concebida como uma deficiência ou uma falta, mas como uma condição que abrange questões linguísticas e culturais inerentes a essa comunidade.

A surdez pode ser congênita ou adquirida. No primeiro caso, ela ocorre por fatores diversos como hereditariedade, infecções, contaminação do feto por vírus e bactérias adquiridas no ventre materno, entre outros. No Brasil, as doenças mais recorrentes que provocam a surdez são a rubéola gestacional, a sífilis e o sarampo, entre outras infecções pré-natais. Já no caso da surdez adquirida, o indivíduo nasce com a audição normal e, devido a algum fator patológico (como a ostoclerose ou infecções virais e bacteriológicas) ou algum acidente (como explosões ou exposição a sons impactantes), pode perdê-la inteira ou parcialmente. Contudo, em cerca de 33% dos casos de surdez no Brasil, não há um diagnóstico preciso e não se consegue estabelecer uma etiologia exata para essa afecção.

Cabe destacarmos que, entre 1999 e 2001, houve no país um surto de rubéola, o que ocasionou um grande número de Síndrome da Rubéola Congênita (SRC), que diz respeito às diversas complicações para o feto da gestante que contrai a rubéola, dentre as quais, a possibilidade de surdez. A partir desse acontecimento, o Ministério da Saúde fez grandes investimentos em campanhas de vacinação e de conscientização pelo país, de maneira que a doença foi erradicada, não havendo qualquer caso registrado desde 2009. Em reconhecimento, em dezembro de 2015 a OMS concedeu ao Brasil o Certificado de Eliminação da Rubéola em território nacional, um importante documento que atesta oficialmente que o país está livre dessa doença e, por conseguinte, da SRC.

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Seja qual for o tipo de surdez e sua causa, é de suma importância que haja um diagnóstico preciso o mais cedo possível a fim de que a família dessa criança seja orientada e que esta tenha acesso um atendimento adequado junto a profissionais especializados.

A respeito do contexto familiar da incidência da surdez, Sacks (1998) afirma que cerca de 95% das crianças surdas nascem de pais ouvintes e, por falta de conhecimento e de orientação sobre a surdez e a língua de sinais, muitos desses pais não conseguem estabelecer uma comunicação efetiva com a criança em seus primeiros anos de vida. Quanto aos 5% correspondentes aos surdos filhos de pais surdos, ou seja, acometidos pela surdez por fator hereditário, a comunicação e o contato com a cultura surda se desenvolverão naturalmente no ambiente familiar desde seu nascimento, de forma análoga ao desenvolvimento da criança ouvinte junto a seus pais ouvintes.

O diagnóstico precoce, assim como o reconhecimento e a aceitação da surdez da criança pela família são fatores fundamentais em seus primeiros anos de vida, pois contribuirão para a construção de uma comunicação visual e gestual na relação familiar cotidiana, favorecendo seu desenvolvimento cognitivo, sua educação e sua integração social. Para isso, é de suma importância que

Os profissionais que assumem a função de passarem as informações necessárias aos pais devem estar preparados para explicar que existe uma comunicação visual (a língua de sinais) que é adequada à criança surda, que essa língua permite à criança ter um desenvolvimento da linguagem análogo ao de crianças que ouvem, que essa criança pode ver, sentir, tocar e descobrir o mundo a sua volta sem problemas, que existem comunidades de surdos; enfim, devem estar preparados para explicar aos pais que eles não estão diante de uma tragédia, mas diante de uma outra forma de comunicar que envolve uma cultura e uma língua visual-espacial. Deve-se garantir à família a oportunidade de aprender sobre a comunidade surda e a língua de sinais. (QUADROS, 1997, p.29)

Os surdos brasileiros inseridos em grandes centros urbanos podem ter acesso ao aprendizado da LIBRAS com mais facilidade e, em função da escolha de seus pais, podem beneficiar-se de uma educação especializada graças à existência de instituições de ensino como o INES (Instituto Nacional de Educação dos Surdos), no Rio de Janeiro, o IST (Instituto Santa Teresinha), em São Paulo, e o Colégio ULBRA Especial Concórdia, em Porto Alegre, entre outras.

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educação especializada, ao aprendizado institucional da LIBRAS e à interação com seus semelhantes dentro da comunidade surda. Essa situação poderá, por conseguinte, levar o indivíduo surdo isolado à criação espontânea de sistemas de comunicação gestual no intuito de estabelecer um contato com seu meio ouvinte imediato, a família. Esse processo criativo representa a base para o surgimento de línguas de sinais emergentes, utilizadas por famílias de surdos isolados e por microcomunidades de surdos para se comunicarem, como veremos mais detalhadamente no tópico seguinte.

2.2 A semiogênese das línguas de sinais

Os estudos de Cuxac (2000) apresentam a teoria da semiogênese das línguas de sinais, segundo a qual haveria uma origem comum a todas as LSs do mundo. Essa base comum caracteriza-se pela existência de dois tipos de estruturas presentes nos discursos em LS: as estruturas de grande iconicidade, que visam à ilustração, e as estruturas chamadas standard ou sinais standard, de caráter convencional. Isso explicaria a relativa facilidade com que as comunicações exolingues se realizam quando surdos estrangeiros, que não compartilham a mesma LS, se encontram. Estes, num primeiro momento, deixam de usar os sinais standard, próprios de sua LS, supondo que seu interlocutor estrangeiro não os compreenderia. Ao invés disso, eles preferem recorrer às estruturas de grande iconicidade e a uma gestualidade mais expressiva que fazem parte das experiências perceptivas e das práticas compartilhadas transculturamente, o que permite a intercompreensão nas interações. Corroborando essa hipótese, podemos mencionar nossa experiência pessoal em encontros informais com surdos de diferentes nacionalidades (italianos, gregos, cingaleses e tanzanianos), nos quais, mesmo sem termos uma LS comum, pudemos nos comunicar sem grandes dificuldades por meio das estruturas de grande iconicidade.

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Figura 2 - Base comum das Línguas de Sinais

Fonte: https://www.cairn.info/revue-langage-et-societe-2010-1-page-37.htm

Na ilustração, o autor menciona a LSF (Langue de Signes Française), a ASL (American Sign Language) e a BSL (Britain Sign Langage), em português, LSF – Língua Francesa de Sinais, LSA – Língua de Sinais Americana e LSB – Língua de Sinais Britânica, respectivamente, como exemplos de LSs originárias dessa base comum.

As estruturas de grande iconicidade que compõem essa base foram definidas por Cuxac (1985, 1996, 2000) como fenômenos de “transferências”, os quais subdividem-se em três tipos: transferência de tamanho e de forma (usada pelo locutor para descrever uma ação, uma pessoa, um animal, etc., sem que ele faça parte da enunciação), transferência situacional (usada para descrever uma ação do ponto de vista do locutor) e transferência de pessoa (usada para descrever uma pessoa, um animal, etc., em determinada situação, ou seja, o locutor “incarna” a pessoa ou objeto descrito).

Tais estruturas foram observadas nos estudos de Fusellier-Souza (2004) sobre as línguas de sinais chamadas emergentes ou primárias praticadas por surdos brasileiros. Tal investigação, desenvolvida a partir da observação de surdos isolados, demonstra a necessidade que o indivíduo surdo tem de comunicar-se com seu meio ouvinte, o que o levará a um processo criativo de comunicação gestual. Como afirma Grosjean, o ser humano é, por natureza, um ser de comunicação e “ele se comunicará com a ajuda de apenas uma, duas ou várias línguas, se for preciso. Se não puder falar e ouvir, ele utilizará uma língua de sinais. Na falta desta, ele inventará uma outra”. (GROSJEAN, 2004, p. 37, tradução nossa)2

2Il communiquera à l’aide d’une seule langue, de deux ou de plusieurs langues, s’il le faut. A défaut de

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Em sua pesquisa, Fusellier-Souza (op. cit.) observou que os ouvintes que convivem com esses indivíduos surdos têm uma influência muito importante no desenvolvimento desse meio de comunicação. Quando uma criança surda inventa gestos para se comunicar com seus pais ouvintes, estes podem retomá-los em contexto, estabelecendo, assim, um feedback. De acordo com a resposta de seus interlocutores, a criança surda poderá continuar esse processo criativo em cumplicidade com sua família, possibilitando o desenvolvimento contínuo e evolutivo de uma língua de sinais emergente. Como pontua a autora,

Um sistema gestual pode se estabelecer de forma eficaz quando os pais, ao se preocuparem com o desenvolvimento cognitivo da criança e sem considerar a surdez como um obstáculo intransponível, começam a utilizar, de forma espontânea e regular, sua gestualidade coverbal associada aos gestos criados pela criança. [...] à medida que a criança produz gestos, seu sistema gestual passará por diferentes etapas de desenvolvimento. A evolução dos sinais criados e utilizados cotidianamente conduzirá a um sistema linguisticamente organizado. (FUSELLIER-SOUZA, 2001, p. 81, tradução nossa)3

Posto isto, a teoria sobre a semiogênese das LS nos permite supor a existência de LSs emergentes bem antes de sua institucionalização e difusão formal. A esse respeito, podemos mencionar o interessante cenário observado nos estudos de Ferreira Brito (1982, 1984) sobre a tribo indígena Urubu-Kaapor, localizada no interior do estado do Maranhão. Composta por um grande número de índios portadores de surdez congênita, essa tribo criou sua própria língua de sinais para que fosse possível a comunicação com surdos e entre os surdos. É interessante observarmos que os índios ouvintes dessa tribo praticavam a língua de sinais e / ou a língua áudio-oral de acordo seus interlocutores (surdos ou ouvintes), tornando-se, assim, indivíduos bilíngues. Ferreira Brito distinguiu a língua de sinais praticada nessa tribo da língua de sinais praticada nos centros urbanos brasileiros através das siglas LSKB (Língua de Sinais Kaapor Brasileira) e LSCB (Língua de Sinais dos Centros Urbanos).

Um outro exemplo desse processo criativo dentro de uma microcomunidade de surdos brasileiros encontra-se em Fortalezinha, uma ilha localizada no arquipélago de

3 Un système gestuel peut s’établir efficacement lorsque les parents, se préoccupant du développement

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Maiandeua, município de Maracanã, no estado do Pará. Os recentes estudos de Chagas e Neves (2016) apontam o raro fenômeno ocorrido nessa localidade, no qual um grupo de surdos profundos congênitos criou um sistema gestual genuíno para comunicar-se entre si e com os ouvintes de seu convívio, dando origem a uma língua de sinais emergente, diferente da língua de sinais oficialmente reconhecida no país, a LIBRAS. No que tange à funcionalidade dessa língua, as pesquisadoras ponderam que, numa primeira análise,

[...] a própria organização da sociedade e da cultura a que eles estão imersos os faz não necessitar, recusar e descrer da “nova língua” (LIBRAS) que muitos professores têm tentado ensinar, afinal de contas, a língua usada e falada por eles sempre deu e dá conta de suas necessidades de interação entre si e com os outros. (CHAGAS; NEVES, 2016, p. 30, grifo das autoras)

Compreender a história da LIBRAS é, também, apreender a maneira como ela se constituiu através do tempo, pois é bem provável que línguas de sinais microcomunitárias já existentes no Brasil antes de sua institucionalização, no século XIX, constituam a base da LIBRAS que nós conhecemos hoje.

2.3 A institucionalização da língua de sinais no Brasil

A língua de sinais foi institucionalizada no Brasil no século XIX através da criação da primeira escola para surdos na cidade do Rio de Janeiro. Em, 1857, a convite do Imperador Dom Pedro II, o professor Ernest Huet4 veio ao Brasil e fundou o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos (atual INES), trazendo como base de ensino o modelo educacional utilizado naquela época com os surdos na França.

Huet nasceu em Paris em 1822 e aos 12 anos ficou surdo. Estudou no Instituto dos Surdos-Mudos de Paris, atual INJS (Institut National des Jeunes Sourds) e, mais tarde, se tornou professor. Nos séculos XIX e XX, muitos professores formados no INJS partiram para diversos países com a finalidade de difundir o método francês de educação de surdos baseado no uso da língua de sinais.

4 Existem controvérsias quanto ao primeiro nome de Huet tendo em vista que sua assinatura em documentos

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Segundo Perlin (2002), Huet teria desenvolvido no Brasil o mesmo método de ensino usado pelo abade L’Eppé no Instituto dos Surdos de Paris, os “Sinais Metódicos”, que combinava a língua de sinais com a gramática da língua francesa. Dessa maneira, Huet teria introduzido no Rio de Janeiro os sinais da Língua de Sinais Francesa (LSF) praticada em Paris no século XIX. Isso pode ser observado na obra “Iconographia dos Signaes dos Surdos-Mudos”, publicada em 1873 por Flausino José da Gama, um estudante brasileiro do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos. Considerada a documentação mais importante sobre a história da LIBRAS, ela apresenta sinais classificados por categorias através de ilustrações desenhadas pelo próprio autor. Este, teria se inspirado na obra “Iconicité des signes” de Pierre Pelissier (1856)5.

Ao considerarmos o modelo da semiogênese das línguas de sinais e a existência de uma língua de sinais microcomunitária já praticada pela comunidade surda local, acreditamos que muitos sinais já praticados pelos surdos brasileiros foram incorporados à língua de sinais ensinada por Huet. Dessa maneira, apesar da influência da LSF sobre a LIBRAS, especialmente na cidade do Rio de Janeiro, ambas as línguas evoluíram e incorporaram novos sinais, tornando-se completamente diferentes nos dias de hoje.

A esse respeito, muitas pessoas questionam se a LS é universal e, ao tomarem conhecimento de que cada país tem sua própria LS, ainda questionam o porquê dessa diversidade, supondo que se houvesse uma única LS, a comunicação com e entre os surdos seria mais fácil. Portanto, cabe salientar que, assim como as línguas áudio-orais, as línguas de sinais apresentam suas especificidades linguísticas e seus traços culturais, além de variações e regionalismos que representam a marca de uma identidade nas diferentes localidades em que são praticadas, de modo que a convenção de uma única LS a ser praticada por todos os surdos no mundo seria impossível.

Entretanto, podemos mencionar o Gestuno, língua de sinais internacional difundida pela Federação Mundial de Surdos6 no ano de 1951. Em 1975, a Federação Mundial de Surdos publicou um livro em inglês sobre o Gestuno contendo aproximadamente 1500 sinais internacionais. Por não possuir uma gramática específica,

5 Pierre Pelissier (1814 1863) foi um surdo francês, escritor, poeta e professor. Lecionou no Instituto dos

Surdos de Paris por 20 anos e ficou conhecido como o maior poeta surdo.

6A “World Federation of the Deaf” – WFD (ou Federação Mundial de Surdos) é o órgão de representação

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para muitos pesquisadores o Gestuno não pode ser considerado uma língua, mas sim uma linguagem gestual auxiliar. Seu uso é bastante recorrente em congressos e encontros internacionais de surdos.

As pesquisas sobre a história e a evolução da LIBRAS são, ainda, pouco numerosas. Na verdade, descrever a evolução da LIBRAS é um grande desafio devido a extensão territorial brasileira e às numerosas comunidades de surdos localizadas nas diferentes regiões. Assim como a Língua Portuguesa, a LIBRAS apresenta regionalismos e variações lexicais em suas diversas comunidades.

O primeiro dicionário de LIBRAS foi publicado em 1986 por Eugênio Oates, um missionário americano que atuou na evangelização de surdos em vários estados brasileiros. Intitulada “Linguagem das mãos”, essa obra apresenta 1300 sinais dos quais, segundo Ferreira Brito (1993), apenas 50% é reconhecido pela comunidade surda.

Nas décadas seguintes, outros dicionários surgiram, mas as obras mais importantes e mais completas foram publicadas em 2001 sob a direção do professor Fernando Capovilla: o “Dicionário Enciclopédico Ilustrado da LIBRAS”, um dicionário trilíngue (LIBRAS, inglês e Signwriting) em dois volumes; e a “Enciclopédia da Língua de Sinais Brasileira: o mundo do surdo em LIBRAS”, contendo 19 volumes e 3 CD -ROMs.

É importante mencionarmos, também, dois importantes dicionários produzidos em CD-ROM, com distribuição gratuita: o “Dicionário de LIBRAS ilustrado” (2000), realizado pelo Governo do Estado de São Paulo e o “Dicionário LIBRAS/Português” (2002) realizado pelo INES e pelo Ministério da Educação, disponível também no site do INES. Essas e outras obras tem um papel fundamental na difusão da LIBRAS não somente nas comunidades surdas, mas também entre o público ouvinte que passa a ter cada vez mais contato com essa língua viso-gestual.

Além desses relevantes dicionários, vimos, nos últimos anos, um expressivo aumento da difusão da LIBRAS e de outras LSs por meio da Internet. Além de cursos de LS disponíveis on-line, existem sites informativos com conteúdo inteiramente em LS ou bilíngues (LS e língua áudio-oral) como, por exemplo, TV INES7 (http://tvines.com.br/),

7 TV INES é a primeira WebTV em LIBRAS, com legendas e locução em português, resultante de uma

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no Brasil; L’oeil et la main8 (http://www.france5.fr/emissions/l-oeil-et-la-main), na França; entre outros. Essa propagação das LSs por meio da Internet tem permitido não somente seu aprendizado e aprimoramento, mas também o acesso adaptado do surdo à informação e o contato com/entre as comunidades surdas no mundo, beneficiando tanto o surdo quanto o ouvinte interessado em aprender sobre essas línguas e essas culturas.

Todavia, o reconhecimento e o uso recorrente das LSs é algo relativamente recente, especialmente no tocante à educação dos surdos. Ao longo do tempo, diferentes filosofias educacionais determinaram a forma como o surdo deveria aprender e cada uma delas entendia o uso das línguas de sinais de forma diferente, como veremos no tópico seguinte.

2.4 As principais filosofias educacionais para surdos: Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo

Na história da educação dos surdos podemos distinguir três filosofias educacionais principais: o Oralismo, a Comunicação Total e o Bilinguismo.

Os primeiros relatos sobre a educação dos surdos datam do século XVI. Nesse período, surgiu, na Espanha, o Oralismo a partir das experiências do monge beneditino Pedro Ponce de León (1520 – 1584) com jovens surdos. Em sua metodologia de ensino, Ponce de León teria desenvolvido um alfabeto manual, utilizado na prática da datilologia. Esta consiste na representação das letras do alfabeto por meio das mãos, podendo ser bimanual ou unimanual9. Assim, os educandos surdos eram ensinados a ler, escrever e oralizar por meio da soletração manual das palavras, letra por letra.

Em 1620, aproveitando o trabalho iniciado por Ponce de León, o educador espanhol Juan Pablo de Bonet10 publicou o importante livro “Reducción de las letras y

8L’oeil et la main é um programa televisivo francófono bilíngue (LSF e francês) transmitido pela emissora

de TV France 5. Seu site na internet permite o acesso a todos os programas já transmitidos, além de conter informações e links de instituições relacionadas à surdez, divulgar eventos sobre a comunidade surda e possibilitar discussões em fóruns.

9 A datilologia bimanual consiste na classificação dos caracteres nas distintas falanges e juntas da mão

passiva (geralmente a esquerda), usando-se o indicador da outra mão (dominante) como ponteiro sinalizador. Ela é utilizada em alguns países, como Reino Unido, Austrália, África do Sul, entre outros (Vide ANEXO 13). Na datilologia unimanual, a mão dominante (geralmente a direita) representa graficamente as letras impressas do alfabeto latino (Vide ANEXO 14).

10 Alguns historiadores apresentam Juan Pablo de Bonet como padre, outros, como educador. Em todo

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artes para enseñar a hablar a los mudos”, no qual apresentava um alfabeto unimanual. Sua obra, considerada o primeiro tratado moderno de fonética e fonologia, constituiu a base de um modelo teórico para a educação dos surdos, o qual utilizava os sinais do alfabeto manual para o ensino da língua áudio-oral. Essa corrente ganhou força na França no século XVIII, através dos trabalhos de Jacob Rodrigues Pereire e, na Alemanha, com Samuel Heinick.

O Oralismo enquanto filosofia educacional consiste na rejeição total do uso da língua de sinais, privilegiando somente o ensino da (e por meio da) língua áudio-oral. Segundo Goldfeld, considerando o caso do surdo brasileiro,

O Oralismo percebe a surdez como uma deficiência que deve ser minimizada pela estimulação auditiva. Essa estimulação possibilitaria a aprendizagem da língua portuguesa e levaria a criança surda a integrar-se na comunidade ouvinte e desenvolver uma personalidade como a de um ouvinte. Ou seja, o objetivo do Oralismo é fazer uma reabilitação da criança surda em direção à normalidade, à “não surdez”. (GOLDFELD, 1997, p. 34, grifo da autora)

Nessa proposta de ensino, diversos recursos são utilizados a fim de que o surdo se aproxime da “normalidade” e se torne oralizado. Entende-se como surdo oralizado aquele que se comunica através da língua áudio-oral nas modalidades oral (fala) e oro-facial (leitura labial). Dentre esses recursos e terapias utilizados no desenvolvimento da oralização, podemos mencionar as sessões especializadas com fonoaudiólogos, o treinamento para a proficiência em leitura labial, o uso de aparelhos auditivos ou auriculares (no caso de surdos não profundos), o implante coclear, entre outros.

Embora o aprendizado da oralização ocorra de forma sistemática e não natural, essa filosofia educacional determina que a LS deve ser banida mesmo fora do ambiente educacional e terapêutico, inclusive nas relações familiares e nas interações entre surdos. A ilustração seguinte demonstra dois tipos de comunicação entre surdos. A primeira imagem apresenta dois surdos comunicando-se por meio da LS, enquanto a segunda ilustra dois surdos comunicando-se através da língua áudio-oral.

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Figura 3 - Comunicação entre surdos

Fonte: Secretaria Nacional de Justiça, 2009, p.8

Nota-se que, na segunda imagem, os surdos que interagem em língua áudio-oral utilizam um aparelho auditivo, ou seja, trata-se de surdos não profundos. Contudo, a pedagogia oralista determina que mesmo os surdos profundos devem se comunicar dessa maneira.

Apesar de não ser considerada uma filosofia educacional para surdos, cabe mencionarmos uma importante corrente de ensino que surgiu na França, no século XVIII, a partir das experiências do abade Charles Michel de l'Epée (1712 – 1789), o Gestualismo. L’Epée, considerado o “pai dos surdos”, foi o primeiro preceptor na França a reconhecer a linguagem gestual praticada por esses indivíduos, desenvolvendo um método de ensino chamado “sinais metódicos”. Seu método de ensino baseado em gestos e códigos manuais teve grande repercussão. Porém, l’Epée não inventou a língua de sinais, mas um conjunto de gestos relacionados à estrutura da língua francesa, diferentes dos sinais praticados pela comunidade surda naquela época. Sua grande importância na educação dos surdos consiste no agrupamento dos surdos que sua instituição proporcionou, em sua defesa pelo ensino através da comunicação gestual e em suas demonstrações públicas com os surdos de seu instituto, através das quais pôde atestar que o surdo é tão inteligente e capaz quanto o ouvinte.

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ridículo, tirânico, querer basear o ensino aos surdos-mudos na fala; escolher diretamente a faculdade que lhes falta como principal instrumento de sua instrução” (BÉBIAN, 1834, p.16, tradução nossa)11.

Durante os séculos XVIII e XIX, o Oralismo e as abordagens gestualistas foram utilizados na instrução dos surdos em diversos países da Europa e, paralelamente, muito se discutia sobre qual das duas correntes seria mais apropriada para sua educação. Em 1880, tais discussões tomaram força durante um evento que marcou a história da educação dos surdos em todo o mundo, o conhecido Congresso de Milão. Com a participação de educadores de surdos de diversos países, houve uma votação nesse congresso internacional, a qual determinou que a filosofia oralista seria a melhor maneira de se instruir o surdo e que, a partir de então, a língua de sinais deveria ser abolida de todas as instituições de ensino, passando-se à adoção do oralismo puro como filosofia educacional. É importante salientarmos que os surdos presentes nesse congresso foram privados de votar.

Dessa maneira, o oralismo puro, sem o uso de qualquer sistema gestual, passou a predominar nas instituições de ensino de todo o mundo durante um longo período que ficou conhecido como os “cem anos de silêncio”.

Em 1960, o linguista americano William Stokoe publicou a obra “Sign Language

Structure: An Outline of the Visual Communication System of the American Deaf”, que apresenta a língua de sinais utilizada nos Estados Unidos, a American Sign Language ASL, como uma língua estruturada assim como uma língua áudio-oral. A partir dessa

publicação, várias pesquisas sobre a estrutura das línguas de sinais se desenvolveram e sua utilização na educação dos surdos começou a ser vista de forma positiva. Assim, muitos educadores insatisfeitos com os resultados da filosofia oralista passaram a rejeitar a oralização e a utilizar os sinais em suas classes com surdos.

Em 1967, em meio a um contexto conflitante entre a oralização e o uso da LS, surgiu, nos Estados Unidos, uma nova filosofia educacional denominada por Roy Holcomb Comunicação Total. Caracterizada pela combinação de todos os meios que permitam a comunicação entre / com surdos (sinais, gestos, mímica, datilologia, leitura labial, etc.), a Comunicação Total privilegia a interação e não o canal de comunicação

11« Il est absurde, ridicule, tyrannique, de vouloir baser l’enseignement des sourds-muets sur la parole ; de

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adotado. Essa corrente foi muito difundida nos Estados Unidos, especialmente na Universidade Gallaudet, maior referência do país na educação de surdos.

Apesar de seu grande sucesso inicial, muitos especialistas a criticaram, pois sua prática permite o uso simultâneo dos códigos manuais e da produção oral, gerando uma espécie de “língua oral sinalizada” (ou, como é chamada no Brasil, o “português sinalizado”), conhecida também como bimodalismo.

O bimodalismo não é uma filosofia educacional, mas uma técnica que consiste na produção de sinais e códigos manuais dentro da estrutura da língua áudio-oral, gerando uma produção gestual artificial. Refletindo sobre essa prática na educação dos surdos na França, Bouvet (2004) pontua que

O francês sinalizado não permite à criança surda entrar em uma manipulação coerente: a sintaxe de uma língua que se desenrole apenas no tempo linear das produções acústicas só pode ser bem diferente daquela de uma língua que se desenrola não somente no tempo, mas também no espaço das produções sinalizadas. Ao produzir sinais na ordem das palavras da língua áudio-oral, esses perdem suas variações flexionais ligadas à lógica de uma sintaxe estabelecida na modalidade espacial. (BOUVET, 2004, p. 77, tradução nossa)12

Também em discordância com as práticas dessa filosofia educacional, Santana (2007) comenta que

A comunicação total parece ser do tipo “vale tudo”. Assim não se questiona o papel da linguagem oral, tampouco o da língua de sinais nesse contexto. Criou-se uma língua “artificial” com o objetivo de ensinar a gramática da língua falada ao surdo, como se a língua fosse um processo individual, e não social. Como se pudesse ser “ensinada” como uma categoria sintática à parte das outras funções linguísticas. (SANTANA, 2007, p.182)

Em concordância com Marchesi (1987), acreditamos que a Comunicação Total é uma prática que favorece muito mais os pais e os professores ouvintes do que os próprios educandos surdos. Se por um lado, ela possibilita a comunicação entre o surdo e o ouvinte, por outro lado, ela não valoriza a língua de sinais, nem a cultura surda e, por essa razão, não seria a forma mais adequada a ser empregada em sua educação.

12Le français signé ne permet pas à l’enfant d’entrer dans une manipulation cohérente : la syntaxe d’une

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Apesar disso, ao pensarmos na realidade da inserção do surdo em uma escola regular, ou seja, não especializada, sabemos que esta nem sempre está devidamente preparada com um quadro de profissionais formados para atendê-lo de forma adaptada. Por isso, entendemos que o uso da Comunicação Total, apesar de seus inconvenientes, pode ser uma alavanca inicial no trabalho de integração e de ensino a esse educando, pois, nessa perspectiva, ela representa uma alternativa imediata a uma necessidade urgente de comunicação. Diante de necessidades urgentes é preciso alternativas imediatas. Porém, faz-se necessário um esforço por parte da instituição, no sentido de proporcionar a seus educadores e demais profissionais o acesso ao aprendizado da LS, além da sua capacitação pedagógica para que possam atuar junto a esse educando.

A partir dos anos 1970, movimentos de surdos em favor da língua de sinais começaram a surgir em diversos países. Associações de surdos foram criadas favorecendo o ajuntamento desses indivíduos que, até então, estavam separados sócio-culturalmente. Estudos sobre o uso da língua de sinais na educação de surdos começaram a ser desenvolvidos na França, na Inglaterra e na Suécia.

Nesse período, Danièlle Bouvet, fonoaudióloga francesa, pedagoga e pesquisadora especialista na educação de surdos, desenvolveu as primeiras pesquisas sobre a educação bilíngue dos surdos, defendendo o uso da língua de sinais separadamente da língua áudio-oral. Segundo Mottez (1994), no final dos anos 1970, Bouvet, juntamente com a professora surda Marie-Thérèse Abbou, realizou a primeira classe bilíngue para surdos em Paris, na qual a LSF era ensinada aos surdos como língua materna e a Língua Francesa como segunda língua. Tal classe recebeu muitas visitas e observações de especialistas que, de forma entusiasta, percebiam que essa forma de se ensinar era benéfica para o surdo. A partir de então, outras classes bilíngues foram surgindo nas instituições de ensino francesas.

É nesse contexto “de insatisfação dos surdos com a proibição da língua de sinais e a mobilização de diversas comunidades em prol do uso dessa língua, aliado aos estudos linguísticos e comprovando o status das línguas de sinais enquanto verdadeiramente uma língua” (GOLDFELD, 1997, p.108) que surge o Bilinguismo enquanto filosofia educacional para o público surdo.

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participante de uma comunidade com uma cultura própria, e tudo isso deve ser respeitado e valorizado.

Em uma proposta de ensino bilíngue, a criança surda tem o acesso ao aprendizado por meio da LS, a L1 do educando. Esta exerce o papel de língua de comunicação e de ensino, e é por meio dela que o educando aprendera, também a língua portuguesa, além das outras disciplinas contidas no currículo escolar. Corroborando essa ideia, Quadros ressalta que

Se a língua de sinais é uma língua natural adquirida de forma espontânea pela pessoa surda em contato com pessoas que usam essa língua e se a língua oral é adquirida de forma sistematizada, então as pessoas surdas têm o direito de ser ensinadas na língua de sinais. A proposta bilíngue busca captar esse direito. (QUADROS, 1997, p.27)

2.4.1 A três filosofias educacionais para surdos no Brasil – um breve relato

No Brasil, a língua de sinais era utilizada no INES desde sua fundação, em 1857. Porém, em 1911, o INES passou a seguir a tendência educacional oralista adotada em diversos países após o Congresso de Milão, realizado em 1880. Assim, o oralismo puro foi adotado no ensino de todas as disciplinas do currículo do instituto. Tal decisão acarretou uma lentidão na progressão escolar dos educandos que, devido à ausência de uma língua comum com seus professores, tinham dificuldades na compreensão dos conteúdos. Como pontua Goldfeld (1997) sobre o ensino no INES,

No período oralista, as crianças cursavam obrigatoriamente dois anos para cada série escolar, quando não havia repetência. Todos sabem que a criança surda não possui nenhuma outra deficiência ou patologia, não sofre nenhum tipo de retardo mental ou dificuldade de aprendizagem específica como a dislexia. Logicamente, o que ocorria é que sem uma língua em comum entre o professor e aluno não havia como transmitir o conteúdo escolar, o que levava a uma grande demora e baixa de qualidade na escolarização. (GOLDFELD, 1997, p.99)

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Nos anos 1970, a Comunicação Total chegou ao Brasil através da visita de Ivete Vasconcelos, educadora de surdos da Univesidade Gallaudet, nos Estados Unidos. Segundo Goldfeld (op. cit.), a Comunicação Total no Brasil pode combinar a LIBRAS, a datilologia, o cued-speech (código constituído de sinais manuais que representam os sons da língua áudio-oral e auxiliam a leitura labial), o português sinalizado (uso do léxico da LIBRAS na estrutura sintática do português) e o pidging (simplificação da gramática das duas línguas em contato: a LIBRAS e o português). Essas combinações podem variar de acordo com os conhecimentos dos interlocutores.

O Bilinguismo começou a ser adotado em algumas instituições de ensino brasileiras nos anos 1990. Essa filosofia educacional contribuiu para a revalorização da língua de sinais, destacando sua importância para o desenvolvimento cognitivo e social da criança surda. Através do ensino bilíngue, o surdo brasileiro passa a ter acesso ao aprendizado da LIBRAS e do português ao longo de todo seu percurso escolar, podendo utilizá-los nas interações da vida cotidiana de acordo com seus interlocutores.

Com efeito, essas diferentes filosofias educacionais nos permitem observar não somente as variadas possibilidades de se instruir o surdo, mas principalmente, as diferentes formas como a surdez, o indivíduo surdo e sua língua são percebidos.

No Oralismo, a surdez é considerada de um ponto de vista clínico, como uma deficiência que deve ser superada através do estímulo auditivo, a fim de que o indivíduo surdo consiga se integrar na comunidade ouvinte como se fosse um ouvinte.

Na Comunicação Total, a surdez não é concebida como uma patologia clínica, mas como uma característica do indivíduo que influenciará suas relações sociais e seu desenvolvimento cognitivo e afetivo (Ciccone, 1990). Seu foco principal está na comunicação entre o ouvinte e o surdo e, para isso, todos os meios possíveis podem ser utilizados.

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Figura 1 - Censo 2010
Figura 4 - População brasileira portadora de deficiência
Figura 6 - Transversalidade da Educação Especial
Figura 7 - Taxa de analfabetismo - Censo 2010
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Referências

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