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O FLE a partir da Abordagem Comunicativa com surdos

4.3 FLE PARA SURDOS

4.3.3 O FLE a partir da Abordagem Comunicativa com surdos

Antigamente, o ensino das LEs (assim como o de outras disciplinas) era caracterizado por uma visível rigidez em sala de aula, na qual a relação entre o educador e o educando se construía com uma certa distância, numa perspectiva vertical. Nesse processo, o educador era colocado em uma posição superior de “dominação”, representando o detentor do saber, enquanto o educando ocupava uma posição inferior de “sujeição”, representando a parte ignorante (Tagliante, 1994).

Entretanto, a maneira de se ensinar as LEs mudou e essa rigidez deu lugar a uma relação mais dinâmica e interativa não somente entre o educador e o educando, mas também entre os próprios educandos, estabelecendo-se, assim, uma relação do tipo “igualitária” (Galisson, 1980, p. 51). Nessa perspectiva, a relação pedagógica passou da verticalidade à horizontalidade, na qual o educador não é mais apenas aquele que transmite os conteúdos, mas aquele que dá as ferramentas e a motivação para que o educando construa o seu próprio saber. Dessa forma, esse indivíduo “aprende a aprender” e passa a desenvolver sua autonomia no contexto escolar.

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Essa nova concepção do ensino das línguas estrangeiras é uma das características da abordagem comunicativa, que tem por objetivo principal o desenvolvimento das competências de comunicação do educando, colocando-o no centro do processo de ensino / aprendizagem, considerando suas características bem como suas necessidades específicas. Tudo isso será levado em conta durante o planejamento do programa, na elaboração das atividades, na seleção do material didático e nas formas de avaliação, a fim de que o educando tenha acesso de forma ativa ao aprendizado através da contextualização e da adaptação das práticas pedagógicas à sua realidade.

Tal corrente surgiu no início dos anos 1970 e se difundiu a partir dos trabalhos do Conselho da Europa, especialmente do Niveau Seuil (1976), em português, Nível Limiar, obra que visa a fornecer repertórios de funções (de ordem pragmática) e de noções (de ordem semântica) a serem ensinadas em classe, com a finalidade de garantir o aprendizado de um nível de base comum da língua estrangeira estudada.

Segundo Tagliante (op. cit., p.21), o educador do tipo “comunicativo” é aquele que coloca sua competência linguística, cultural e pedagógica em favor dos interesses do educando. Em suas práticas, esse profissional é capaz de desempenhar simultaneamente diversos papéis, sendo o organizador da aprendizagem, o expert que auxiliará o educando, o animador das atividades da classe, aquele que guia o educando em suas descobertas e que sistematiza suas aquisições, o que transmite confiança ao seu grupo com interesse, dedicação e, principalmente, com muita paciência.

Um dos princípios básicos da abordagem comunicativa é a promoção da interação entre os educandos através de diversos tipos de atividades, proporcionando um intercâmbio de ideias e a sociabilização da classe em toda a sua diversidade. Para isso, podem-se propor projetos, trabalhos em pequenos grupos, variações na disposição espacial da mobília da sala (quando isso é possível) em função da atividade a ser realizada, através da formação de círculos, semicírculos ou fileiras, incentivando o educando a intervir ativamente ora sentado, ora em pé. Esse encorajamento, acompanhado da valorização das produções do educando contribui para a sua autoestima, motivando-o na sua progressão escolar.

Galisson (op. cit.) propôs dois esquemas que representam bem os dois tipos de interação pedagógica existentes em uma classe de língua estrangeira. No esquema 1 (ilustrado na figura abaixo), as setas indicam uma relação do tipo tradicional, rígido, que acontece principalmente no sentido educador educando. O esquema 2 representa um

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grupo numa atividade para a qual a turma foi dividida em vários grupos. Nesse modelo, as trocas são realizadas em todas as direções, a partir de interações entre o educador e os educandos (nos dois sentidos) e também entre os próprios educandos.

Figura 13 - A interação pedagógica em classe

Fonte: Galisson (1980, p.51), apud Tagliante (1994, p. 15)

Com efeito, as atividades realizadas em subgrupos contribuem para o desenvolvimento de uma relação do tipo horizontal em sala de aula e favorecem a construção de um saber coletivo. Contudo, para que esse tipo de relação se estabeleça e para que os objetivos de aprendizagem sejam atingidos, é necessário que o educador supervisione atentamente o desenvolvimento das atividades propostas, circulando entre os grupos e guiando os educandos, especialmente quando estes não estão habituados a trabalhar dessa maneira.

Uma outra característica importante na abordagem comunicativa na classe de LE é o uso de documentos autênticos, ou seja, de materiais não concebidos com finalidade pedagógica. O contato do educando com esse tipo de documento lhe permitirá a vivência de uma situação da vida real. Nessas abordagens, o professor pode propor documentos como fichas cadastrais, poemas, publicidades e textos extraídos de diversas fontes como livros, revistas, jornais e internet, vídeos, etc..

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O uso de documentos autênticos em classe de línguas, seja de L1, L2 ou LE, vai de encontro às práticas voltadas para o desenvolvimento do letramento do educando, constituindo um preparo do educando para lidar com situações comunicativas da vida real. Nesse processo, ele deverá ativar estratégias de leitura, além de seu conhecimento de mundo para construir o sentido do texto.

Dentre todas as características marcantes na abordagem comunicativa, a que apresenta maior relevância em nosso ponto de vista é a total centralização do processo de ensino-aprendizagem sobre o educando, levando-se em conta suas especificidades, suas necessidades e seus objetivos de aprendizagem. Nesse sentido, podemos afirmar que as palavras de ordem dessa prática são flexibilização e adaptação.

Trazendo esse aspecto para o contexto do ensino do FLE ao público surdo, percebemos que essa metodologia de ensino permitirá um trabalho inteiramente adaptado à sua situação linguística, considerando-se, também, sua cultura e seus interesses. Nessa perspectiva, haverá duas adaptações principais no processo de ensino-aprendizagem a esse público. A primeira refere-se à realização de um ensino bilíngue, no qual a LIBRAS tem seu lugar enquanto língua de ensino e marca da identidade do surdo, e o FLE será a língua alvo. Por conseguinte, outras adaptações relacionadas a essa prática deverão ocorrer como, por exemplo, a organização das carteiras em círculo ou semicírculo para que todos os educandos possam se ver e interagir em boa condição visual. A segunda diz respeito à seleção de material didático-pedagógico que leve em conta a sensibilidade do surdo ao aspecto visual, de modo a favorecer sua abordagem dos documentos propostos em classe.

No próximo capítulo, veremos algumas situações vivenciadas durante a prática do ensino do FLE a esse público, nas quais esses elementos puderam ser aplicados e avaliados.

134 5 UM OLHAR SOBRE A PRÁTICA DO ENSINO-APRENDIZAGEM DO FLE AO SURDOS

No presente capítulo descrevemos os procedimentos metodológicos que nortearam nossa investigação. De caráter exploratório-descritivo e qualitativo, esta pesquisa se propõe a abordar as questões de ordem prática que envolvem o processo de ensino-aprendizagem do FLE ao público surdo. Por essa razão, lançamo-nos à prática do ensino, visando coletar informações e propor sugestões que possam contribuir para as reflexões sobre a adaptação da didática das LEs a esse público. Nesse contexto, buscamos aplicar os pressupostos teóricos sobre o ensino das LEs, adaptando os procedimentos didático-pedagógicos às especificidades do público em questão e observando seu impacto real no processo de ensino-aprendizagem.