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Educação Especial X Educação de Surdos

Partindo da política de inclusão na educação especial com surdos, na qual a LIBRAS é inserida nas classes, seja por meio do professor bilíngue, seja por meio do intérprete, seria possível afirmarmos que o quadro atual da educação especial para surdos no Brasil corresponde efetivamente ao modelo de ensino bilíngue ou Bilinguismo, enquanto filosofia educacional?

Como já foi mencionado, além da eficácia nas trocas comunicacionais proporcionada pelo uso da LIBRAS em sala de aula, o modelo de ensino bilíngue para surdos representa uma marca de sua identidade e cultura, que durante um longo período da história de sua educação lhe foi negada. Isso nos leva a uma reflexão sobre as diferentes

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representações da surdez dos pontos de vista clínico e sócio-antropológico, que delimitarão os procedimentos pedagógicos assumidos pela instituição de ensino e, especialmente, pelo educador em sala de aula.

Ao consideramos a Educação Especial com surdos, é importante que todos os aspectos que envolvem o contexto da surdez sejam observados, pois a Educação Especial com surdos não pode ser encarada com um preenchimento das lacunas existentes no ensino dito “normal”. Ao contrário, ela deve ser o espaço onde práticas efetivas se desenvolvem no sentido de trazer ao público surdo um contexto de ensino inteiramente adaptado, respeitando sua língua e sua cultura. A esse respeito, Skliar alerta que a educação bilíngue pode,

(...) também, estar fixada ao discurso da deficiência, se as suas estratégias pedagógicas e os seus discursos permanecem no âmbito da educação especial. A separação entre educação especial e educação de surdos é imprescindível para que a educação bilíngue desenvolva certa profundidade política. Nesta direção, a educação bilíngue não pode ser conceitualizada como um novo paradigma na educação especial, mas como um “paradigma oposicional”. (Skliar, 1999, p.12)

Esse “paradigma oposicional” à educação especial estabelecerá um discurso contrário às noções patológicas da surdez enquanto deficiência, falta ou ausência, valorizando a efetivação de um projeto político-pedagógico centrado na especificidade linguística do surdo e na sua cultura, pois “a surdez é uma experiência visual” e “constitui uma diferença a ser politicamente reconhecida” (Ibidem, p.11).

As dificuldades enfrentadas pelos surdos ao longo da história da sua educação decorrem de representações baseadas em uma ótica clínico-terapêutica. Sá aborda essa questão destacando que “O problema, consequentemente, não é a surdez, não são os surdos, não é a língua de sinais, mas sim as representações dominantes, hegemônicas e “ouvintistas” sobre as identidades surdas, a língua de sinais, a surdez e os surdos” (SÁ, 2006, p.93).

O termo ouvintismo foi cunhado por Skliar, referindo-se a

Um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte. Além disso, é nesse olhar-se e narrar-se que acontecem as percepções do ser “deficiente”, do “não ser ouvinte”; percepções que legitimam as práticas terapeutas habituais. (SKLIAR, 1998, p.15)

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Nessa relação de poder, a surdez é percebida como um defeito a ser consertado e o surdo como um deficiente a ser tratado para que possa assemelhar-se ao ouvinte. Dessa maneira, sua língua e sua cultura são desvalorizadas, e a oralização torna-se uma meta para que o surdo se aproxime da “normalidade”.

Ao considerarmos as filosofias educacionais para surdos, percebemos claramente que o oralismo puro se identifica diretamente com a ideia de ouvintismo colocada por Skliar (op. cit.), diferentemente da educação bilíngue, através da qual a língua e a cultura do surdo são levadas em conta durante todo o processo de ensino-aprendizagem. Porém, seus trabalhos trazem críticas severas também à educação bilíngue para surdos dentro da perspectiva da Educação Especial, declarando que esta é

[...] um subproduto da educação, cujos componentes ideológicos, políticos, teóricos, etc. são, no geral, de natureza discriminatória, descontínua e anacrônica, conduzindo a uma prática permanente de exclusão e inclusão. A educação especial para surdos parece não ser o marco adequado para uma discussão significativa sobre a educação de surdos. Mas, ela é o espaço habitual onde se produzem e se reproduzem táticas e estratégias de naturalização dos surdos em ouvintes, e o local onde a surdez é disfarçada. (Op. cit., p.11)

Para o autor, faz-se necessário um movimento de ruptura com a Educação Especial, descentralizando a discussão sobre as representações da surdez e a educação dos surdos para que se possa desenvolver um debate aprofundado em outras linhas de estudos, como os Estudos Culturais, os Estudos Negros, os Estudos de Gênero, Linguagem e Educação, entre outros. A partir de um olhar abrangente sobre a situação linguística, social, comunitária, cultural e identitária, é possível refletir não somente sobre a totalidade, como se os surdos formassem um grupo homogêneo, mas, também, sobre as particularidades de grupos minoritários dentro da comunidade surda, como os surdos negros, as mulheres surdas, os surdos de classes sociais distintas, os surdo-cegos, etc.

Para Skliar, essa quebra da dependência representacional com a Educação Especial possibilitará o aprofundamento dos estudos e das práticas relacionadas à surdez em diálogo com outras linhas de estudos dentro de um novo campo conceitual, os Estudos Surdos, os quais

[...] se constituem enquanto um programa de pesquisa em educação, onde as identidades, as línguas, os projetos educacionais, a história, a arte, as comunidades e as culturas surdas são focalizadas e entendidas a partir da diferença, a partir de seu reconhecimento político. (SKLIAR, 1998, p. 5)

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Essa percepção da diferença em oposição à deficiência encontra respaldo na definição de surdez apresentada no Decreto nº 5.626 / 2005, Art. 2o, segundo o qual, “considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras” (BRASIL, 2005).

Buscando trazer uma discussão mais aprofundada sobre a situação linguística, sócio-cultural e histórica do surdo, esse novo campo de estudos apresenta várias implicações em questões relacionadas à educação do surdo, às representações da surdez, à questão linguística e cultural do indivíduo surdo, entre outras, tendo sempre em pauta os discursos sobre a diferença em oposição à deficiência.