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A Avaliação da leitura

4.1 O letramento na classe de LE com surdos

4.1.7 A Avaliação da leitura

O trabalho sobre a avaliação da compreensão escrita em classe é pode ser desenvolvido através de exercícios propostos pelo educador. Eles podem ser elaborados de diferentes maneiras em função do nível de leitura dos educandos. Bentolila (1991) aponta diferentes estratégias de avaliação da leitura, organizadas em questões do tipo orais e escritas que podem ser adaptadas para o público surdo. As questões de tipo “orais”, por exemplo, podem ser propostas em LIBRAS.

As questões em LIBRAS podem ser abordadas de maneira formal (como num teste “oral” para ouvintes sobre o documento escrito – nesse caso as respostas devem ser bem elaboradas) ou informal, logo após a leitura do texto (como se faz mais

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frequentemente em contexto escolar). Questões de base permitem a retomada do sentido global do documento, como: Quem? O que? Onde? Quando? Como? Por quê? Esse exercício constante treina o educando de forma a automatizá-lo a observar essas informações nos textos a serem abordados, fazendo com que ele progrida gradativamente em sua competência de leitura.

Na abordagem textual, as questões em LIBRAS podem também preceder as questões escritas, funcionando como um aquecimento ou uma rápida retomada do sentido global do texto. Conforme propõe Bentolila (idem), as questões escritas podem ser: abertas, semi-abertas ou fechadas.

As questões abertas, do tipo “qual é a sua opinião sobre o tema abordado?”, levam o educando a uma reflexão particular sobre o texto e a dar seu próprio ponto de vista. Ele tem abertura para elaborar livremente sua resposta. Esse tipo de questão exige uma boa compreensão geral do tema proposto, bem como um certo nível de conhecimento e de qualidade de produção escrita.

As questões semi-abertas também permitem respostas formuladas pelo próprio educando, porém elas são delimitadas dentro de um contexto específico. É o caso, por exemplo, das questões com preenchimento de lacunas em frases isoladas ou textos.

Já as questões fechadas requerem que o educando faça uma escolha dentre as possibilidades de respostas apresentadas. É o caso das questões de múltipla escolha e das questões do tipo “verdadeiro e falso”.

Independentemente das atividades de compreensão escrita, é importante que o educador conscientize o educando em relação aos objetivos de leitura e à utilidade que essa prática pode representar em sua vida cotidiana.

Segundo Tagliante (1994), o educando decidirá desenvolver uma ou várias dessas estratégias, sucessivamente, em função dos objetivos de leitura que se deseja atingir. A partir do momento em que elas forem compreendidas e dominadas, o educando será capaz de escolher autonomamente a estratégia que melhor lhe convém de acordo com o tipo de texto a ser abordado e com as tarefas ou os objetivos de leitura que lhe são propostos.

A respeito das práticas de leitura que fazem parte do cotidiano de todo indivíduo como, por exemplo, a leitura de uma ficha de inscrição, de uma fatura, da bula de um medicamento ou de um manual de instruções, etc., Kleiman (1995) pontua que existe um propósito para cada uma dessas atividades, que exigirão do leitor um certo nível de

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letramento (elementar ou avançado) conforme o tipo de documento explorado, tanto em língua materna quanto em língua estrangeira.

Nesse ponto, abordamos a questão do nível de letramento do educando. Como esse nível pode ser medido? No caso do educando surdo, é possível medir seu nível de letramento em L1 e L2 antes do início do processo de aprendizagem da LE? Soares comenta que essa medição pode ser feita em conformidade com os anos de escolaridade completados pelo indivíduo. Para a autora,

[...] o critério baseado em número de anos de escolaridades, embora tenha também o objetivo, no caso dos levantamentos censitários, de distinguir alfabetizado, letrado, de analfabeto, iletrado, traz em si, intrinsicamente, o reconhecimento de que o letramento é uma série ou um contínuo de competências e práticas, de certa forma escapando, assim, à dicotomia artificial letramento versus analfabetismo. Na verdade, avaliar e medir o letramento com base no número de anos de escola fundamental concluídos é reconhecer que é gradualmente que as pessoas passam do analfabetismo, do não letramento, ao letramento, e que isso ocorre ao longo de um certo período de tempo e através de vários estágios. (SOARES,1998, p.96)

Porém, no caso do educando surdo, entendemos que a medição do nível de letramento é mais complexa devido ao fato de sua L1 ser de modalidade viso-gestual, e às dificuldades nos usos da L2 observadas em diversos estudos. Desse modo, o nível de letramento de um educando ouvinte (que tem a língua áudio-oral como L1) ao término de determinada série escolar nem sempre deve ser equiparado ao do educando surdo, pois este se insere em um outro contexto linguístico, no qual o êxito nas trocas comunicacionais em LS é muito mais amplo do que na língua áudio-oral.

Nesse ponto, podemos mencionar nossas diferentes experiências no ensino do FLE a dois grupos de educandos surdos distintos. O primeiro, era composto por uma classe de 13 adolescentes surdos, no contexto do Segundo Segmento do Ensino Fundamental. O segundo, grupo era composto por estudantes surdos universitários e/ou pós-graduandos. Obviamente o primeiro grupo apresentava mais dificuldades em abordar os textos escritos, a fazer inferências e a estabelecer um diálogo com sua experiência de mundo se comparado ao segundo grupo. O mesmo aconteceria se fizéssemos uma comparação semelhante com o público ouvinte.

O que devemos ressaltar, é que caberá ao educador adaptar suas propostas de ensino em função do nível de letramento dos educandos, observando que, no caso dos surdos, deve-se considerar o nível de letramento tanto em L1 quanto L2.

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Retomando nossa reflexão sobre a competência de leitura em língua estrangeira, Tagliante (op. cit, p. 125) ressalta a relevância do hábito de leitura do indivíduo em L1, tanto em relação aos mecanismos de leitura já adquiridos, quanto aos aspectos culturais que os documentos escritos podem veicular. Essa experiência anterior poderá possibilitar o distanciamento quanto à compreensão de diferentes valores em relação à sua cultura materna, permitindo reflexões, questionamentos e o desenvolvimento de um olhar crítico sobre o outro e sobre si mesmo. No caso do surdo, podemos comparar esses mecanismos a seus hábitos de leitura em L2 e a suas experiências enquanto indivíduo bicultural.