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Abordando a leitura em classe de FLE com surdos

4.1 O letramento na classe de LE com surdos

4.1.6 Abordando a leitura em classe de FLE com surdos

A metodologia de ensino, propriamente dita, a ser adaptada em nossa proposta de exploração textual será a Abordagem Global, segundo os aportes de Moirand (1979). Para a autora, o indivíduo letrado em sua língua materna aborda um texto de forma global, e não palavra por palavra. Diante de um texto em língua estrangeira, esse leitor irá transferir suas habilidades de leitura em língua materna, como a percepção global das frases e a construção do sentido, em função de seus conhecimentos extralinguísticos e de seus objetivos de leitura.

Dessa maneira, a Abordagem Global permite o trabalho sobre a leitura em língua estrangeira a partir do uso de documentos autênticos mesmo no nível iniciante, pois, ainda que não conheça todo o vocabulário contido no documento, o educando será conduzido à apreensão do sentido geral do texto. Nesse processo, ele fará uso de outras competências: a competência linguística, a competência discursiva e a competência referencial ou cultural.

Para Moirand (op.cit.), é essencial que os objetivos de leitura sejam bem definidos, pois eles determinarão a escolha dos textos e as estratégias de leitura a serem utilizadas. Em classe de língua estrangeira, esses objetivos podem ser definidos através de enunciados e diretivas que antecedem a exploração do documento e, a partir dos objetivos traçados, o educando será conduzido ao uso de diferentes estratégias de leitura.

Esse processo se desenvolverá em duas fases. Na primeira, serão observados os aspectos icônicos, a tipografia, o título, o subtítulo, as fotos, etc., que permitirão a familiarização do leitor com o documento. Na segunda fase, o leitor identificará as palavras chave, a organização do texto e os elementos de coesão e coerência. Após essas

105 etapas, ele deverá ser capaz de responder as perguntas “quem?”, “o que?”, “como?”, “quando?”, “por que?”, que denotam a construção do sentido geral do texto.

Ao desenvolver variadas técnicas de leitura em sala de aula, o educador permite ao educando novas possibilidades de abordagem dos documentos escritos que lhe ajudarão não somente em seu percurso escolar, mas também enquanto cidadão nas práticas de leitura da vida cotidiana. As diferentes práticas de letramento que o indivíduo desenvolve em seu percurso escolar e social compõem uma bagagem linguística e sociocultural que ele carregará sempre consigo. Dessa maneira, sua vivência, interações e conhecimentos em língua e em cultura maternas (e, no caso dos surdos, também em L2) têm uma importância fundamental no processo de aprendizagem de uma língua e de uma cultura estrangeiras.

Em outras palavras, o letramento é uma prática que se desenvolve e se aperfeiçoa continuamente e, ser letrado em L1 (e em L2), poderá favorecer o desenvolvimento das capacidades de interagir socialmente em LE. Esse aspecto deve ser levado em conta na sala de aula pois as experiências anteriores do educando nas práticas de leitura e de escrita poderão ativar diferentes estratégias para o cumprimento de tarefas específicas em língua estrangeira. Essa observação está presente nos PCNs:

No que se refere ao ensino da compreensão escrita em Língua Estrangeira, para facilitar o engajamento discursivo do leitor-aluno, cabe privilegiar o conhecimento de mundo e textual que ele tem como usuário de sua língua materna, para se ir pouco a pouco introduzindo o conhecimento sistêmico. (BRASIL, 1998, p. 90)

Segundo Cuq (2005), esse processo resulta, ao mesmo tempo, da transferência dos conhecimentos na língua materna (considerando que o educando já sabe ler em sua L1, ou no caso do surdo, em sua L2), e do desenvolvimento das competências lexicais, sintáticas e textuais próprias à língua estrangeira.

Além desses aspectos linguísticos e discursivos, deve-se também considerar os conhecimentos prévios do leitor, sua experiência de mundo e sua bagagem sociocultural. Nesse sentido, a análise textual encontra-se subordinada à compreensão do sentido e busca enriquecer a interação texto-leitor, considerando três fatores determinantes: o contexto em que o texto se insere, as características textuais, os conhecimentos e experiências do educando enquanto leitor.

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No contexto escolar, o trabalho sobre a compreensão escrita exige que os projetos de leitura e os documentos escritos se diversifiquem, com o objetivo de estimular o interesse e o prazer pelo ato de ler. Nesse processo, é importante também que sejam usados documentos autênticos ao invés de documentos “fabricados” para a compreensão textual, pois, dessa maneira, o educando se encontrará numa situação real de comunicação. Esse é um aspecto fundamental do desenvolvimento do letramento na escola. Como afirma Xavier (2005, p. 133), “Sem dúvida, a escola, com o auxílio dos meios de comunicação tradicionais (rádio, TV, jornais, revistas etc.) e agora modernos (Internet, CD, CD-ROM, DVD), ajuda a consolidar a cultura da escrita” e, por meio do uso desses recursos autênticos nas propostas didático-pedagógicas, ela contribuirá para a formação do educando e suas práticas sociais de leitura em diferentes contextos.

O desenvolvimento dessa competência na escola se dará a partir de uma organização do processo em várias fases como a pré-leitura, a leitura em si e a pós-leitura, aumentando-se gradativamente a variedade dos tipos de textos bem como a sua complexidade.

Como já foi salientado, ler não é apenas poder decodificar signos e componentes gráficos, mas é ser capaz de construir um sentindo, de formular hipóteses sobre o conteúdo do texto ao longo da leitura. Cuq (idem, p. 166) afirma que a leitura é, por definição, uma interação entre o texto e o leitor e que o educador tem um papel fundamental no que diz respeito à motivação e ao encorajamento do educando, através da criação de estratégias de leitura apropriadas. É ele quem conduz o educando nesse processo.

Tagliante (1994, p. 124) propõe cinco estratégias de leitura para o desenvolvimento da competência de compreensão escrita em língua estrangeira: a leitura preditiva, a leitura global, a leitura seletiva, a leitura analítica e a leitura pelo prazer. Todas elas podem ser adaptadas à realidade linguística do surdo.

A leitura preditiva permite a inferência de sentidos a partir de indícios recolhidos na observação da imagem textual. Nessa estratégia, o leitor é levado a uma sensibilização antes da abordagem do texto através da observação da tipografia, de possíveis imagens, percorrendo o conjunto do texto com os olhos, antes de começar a lê-lo.

A leitura global (ou skimming) permite a captação da ideia principal, a partir de um percurso rápido do texto. Ela pode ser desenvolvida a partir da leitura de textos como panfletos, manuais de instrução, formulários, bibliografias, dicionários, sumários e

107 artigos impressos. Essa estratégia se desenvolve por meio de “sobrevoos” sucessivos sobre o texto, primeiramente na diagonal e na vertical. Posteriormente, a localização da informação precisa é verificada por uma retomada, desta vez na horizontal.

A leitura seletiva (ou scanning) permite a seleção de informações precisas e pontuais no documento escrito. Essa estratégia leva o leitor a buscar o essencial, a encontrar palavras chaves significativas. Ela permite também a definição do tipo de texto abordado e sua função. Em documentos relativamente curtos como artigos, por exemplo, o leitor fará a identificação do texto, a antecipação do conteúdo por meio de hipóteses (a partir do título, subtítulo, parágrafo e tipografia do texto) e sua verificação através de reformulações das palavras chaves e da reconstituição do sentido global.

A leitura analítica visa à construção pormenorizada da significação dos textos (semântica, pragmática, discursiva, linguística), bem como a capacidade de análise crítica e autônoma. Essa estratégia pode ser desenvolvida a partir de textos longos e de obras literárias integrais. Num primeiro momento o leitor pode ser conduzido a um “sobrevoo” sobre o todo, buscando as passagens a serem aprofundadas. Pode-se também trabalhar a reformulação do tema, possibilitando questionamentos e uma análise mais fina e detalhada do texto.

A leitura pelo prazer visa a levar o educando à leitura de obras integrais (curtas ou longas) de maneira espontânea, mais lúdica e autônoma. Este pode seguir uma leitura linear ou até mesmo abandoná-la de acordo com seu interesse.