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A institucionalização da língua de sinais no Brasil

A língua de sinais foi institucionalizada no Brasil no século XIX através da criação da primeira escola para surdos na cidade do Rio de Janeiro. Em, 1857, a convite do Imperador Dom Pedro II, o professor Ernest Huet4 veio ao Brasil e fundou o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos (atual INES), trazendo como base de ensino o modelo educacional utilizado naquela época com os surdos na França.

Huet nasceu em Paris em 1822 e aos 12 anos ficou surdo. Estudou no Instituto dos Surdos-Mudos de Paris, atual INJS (Institut National des Jeunes Sourds) e, mais tarde, se tornou professor. Nos séculos XIX e XX, muitos professores formados no INJS partiram para diversos países com a finalidade de difundir o método francês de educação de surdos baseado no uso da língua de sinais.

4 Existem controvérsias quanto ao primeiro nome de Huet tendo em vista que sua assinatura em documentos

arquivados apresentava a abreviação de seu primeiro nome (E. Huet). Em todo caso, há duas referências mais recorrentes sobre o nome do professor: Ernest Huet ou Edouard Huet.

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Segundo Perlin (2002), Huet teria desenvolvido no Brasil o mesmo método de ensino usado pelo abade L’Eppé no Instituto dos Surdos de Paris, os “Sinais Metódicos”, que combinava a língua de sinais com a gramática da língua francesa. Dessa maneira, Huet teria introduzido no Rio de Janeiro os sinais da Língua de Sinais Francesa (LSF) praticada em Paris no século XIX. Isso pode ser observado na obra “Iconographia dos Signaes dos Surdos-Mudos”, publicada em 1873 por Flausino José da Gama, um estudante brasileiro do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos. Considerada a documentação mais importante sobre a história da LIBRAS, ela apresenta sinais classificados por categorias através de ilustrações desenhadas pelo próprio autor. Este, teria se inspirado na obra “Iconicité des signes” de Pierre Pelissier (1856)5.

Ao considerarmos o modelo da semiogênese das línguas de sinais e a existência de uma língua de sinais microcomunitária já praticada pela comunidade surda local, acreditamos que muitos sinais já praticados pelos surdos brasileiros foram incorporados à língua de sinais ensinada por Huet. Dessa maneira, apesar da influência da LSF sobre a LIBRAS, especialmente na cidade do Rio de Janeiro, ambas as línguas evoluíram e incorporaram novos sinais, tornando-se completamente diferentes nos dias de hoje.

A esse respeito, muitas pessoas questionam se a LS é universal e, ao tomarem conhecimento de que cada país tem sua própria LS, ainda questionam o porquê dessa diversidade, supondo que se houvesse uma única LS, a comunicação com e entre os surdos seria mais fácil. Portanto, cabe salientar que, assim como as línguas áudio-orais, as línguas de sinais apresentam suas especificidades linguísticas e seus traços culturais, além de variações e regionalismos que representam a marca de uma identidade nas diferentes localidades em que são praticadas, de modo que a convenção de uma única LS a ser praticada por todos os surdos no mundo seria impossível.

Entretanto, podemos mencionar o Gestuno, língua de sinais internacional difundida pela Federação Mundial de Surdos6 no ano de 1951. Em 1975, a Federação Mundial de Surdos publicou um livro em inglês sobre o Gestuno contendo aproximadamente 1500 sinais internacionais. Por não possuir uma gramática específica,

5 Pierre Pelissier (1814 – 1863) foi um surdo francês, escritor, poeta e professor. Lecionou no Instituto dos

Surdos de Paris por 20 anos e ficou conhecido como o maior poeta surdo.

6A “World Federation of the Deaf” – WFD (ou Federação Mundial de Surdos) é o órgão de representação

máxima das comunidades Surdas em âmbito internacional. Com 130 países representados, a organização luta pelos direitos dos Surdos de todo o mundo, também cumprindo funções consultivas em órgãos como a ONU, Unesco e OMS. Site oficial: http://www.wfdeaf.org (Fonte: http://culturasurda.net/2012/09/05/world-federation-of-the-deaf/).

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para muitos pesquisadores o Gestuno não pode ser considerado uma língua, mas sim uma linguagem gestual auxiliar. Seu uso é bastante recorrente em congressos e encontros internacionais de surdos.

As pesquisas sobre a história e a evolução da LIBRAS são, ainda, pouco numerosas. Na verdade, descrever a evolução da LIBRAS é um grande desafio devido a extensão territorial brasileira e às numerosas comunidades de surdos localizadas nas diferentes regiões. Assim como a Língua Portuguesa, a LIBRAS apresenta regionalismos e variações lexicais em suas diversas comunidades.

O primeiro dicionário de LIBRAS foi publicado em 1986 por Eugênio Oates, um missionário americano que atuou na evangelização de surdos em vários estados brasileiros. Intitulada “Linguagem das mãos”, essa obra apresenta 1300 sinais dos quais, segundo Ferreira Brito (1993), apenas 50% é reconhecido pela comunidade surda.

Nas décadas seguintes, outros dicionários surgiram, mas as obras mais importantes e mais completas foram publicadas em 2001 sob a direção do professor Fernando Capovilla: o “Dicionário Enciclopédico Ilustrado da LIBRAS”, um dicionário trilíngue (LIBRAS, inglês e Signwriting) em dois volumes; e a “Enciclopédia da Língua de Sinais Brasileira: o mundo do surdo em LIBRAS”, contendo 19 volumes e 3 CD- ROMs.

É importante mencionarmos, também, dois importantes dicionários produzidos em CD-ROM, com distribuição gratuita: o “Dicionário de LIBRAS ilustrado” (2000), realizado pelo Governo do Estado de São Paulo e o “Dicionário LIBRAS/Português” (2002) realizado pelo INES e pelo Ministério da Educação, disponível também no site do INES. Essas e outras obras tem um papel fundamental na difusão da LIBRAS não somente nas comunidades surdas, mas também entre o público ouvinte que passa a ter cada vez mais contato com essa língua viso-gestual.

Além desses relevantes dicionários, vimos, nos últimos anos, um expressivo aumento da difusão da LIBRAS e de outras LSs por meio da Internet. Além de cursos de LS disponíveis on-line, existem sites informativos com conteúdo inteiramente em LS ou bilíngues (LS e língua áudio-oral) como, por exemplo, TV INES7 (http://tvines.com.br/),

7 TV INES é a primeira WebTV em LIBRAS, com legendas e locução em português, resultante de uma

parceria entre o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e a Associação de Comunicação Educativa Roquette-Pinto (ACERP).

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no Brasil; L’oeil et la main8 (http://www.france5.fr/emissions/l-oeil-et-la-main), na França; entre outros. Essa propagação das LSs por meio da Internet tem permitido não somente seu aprendizado e aprimoramento, mas também o acesso adaptado do surdo à informação e o contato com/entre as comunidades surdas no mundo, beneficiando tanto o surdo quanto o ouvinte interessado em aprender sobre essas línguas e essas culturas.

Todavia, o reconhecimento e o uso recorrente das LSs é algo relativamente recente, especialmente no tocante à educação dos surdos. Ao longo do tempo, diferentes filosofias educacionais determinaram a forma como o surdo deveria aprender e cada uma delas entendia o uso das línguas de sinais de forma diferente, como veremos no tópico seguinte.

2.4 As principais filosofias educacionais para surdos: Oralismo, Comunicação