859
Redes de saúde de trabalhadores
e ambiente: uma construção social
que responde à Globalização
Corporativa Neoliberal
Networks for workers’ health
and environm ent: a social construct
that responds to Corporate Neoliberal
Globalization
Heleno Rodrigues Corrêa Filho
1O artigo de Siqueira, Castro e Araújo – “A glo-balização dos movimentos sociais: resposta so-cial à Globalização Corporativa Neoliberal” – permite analisar os movimentos sociais partin-do da perspectiva de qu e é viável a u n ião das forças progressistas através e além das frontei-ras nacionais. Propõe-se construir uma analo-gia: se o capitalismo corporativo internacional reduziu as forças do poder estatal e subordinou as economias nacionais, o mesmo potencial de expansão pode ser utilizado pelos movimentos sociais qu e adotam a solidariedade, o cresci-m en to social e a ju stiça cocresci-m o padrões de de-senvolvimento opostos à concentração de ren-da e aum ento ren-da iniqüiren-dade.
A an alogia está fu n dam en tada n a com -preensão que pensadores m odernos desenvol-veram sobre o que sign ifica a palavra globali-zação. Como não existe consenso filosófico na literatura abordada, deixa-se aberta para leito-res e críticos a possibilidade de aderir à verten-te dos que apontam a im precisão (Fiori, 1997; Marcuse, 2000), para que dela se utilizem com a intenção de negar a possibilidade para a ação reativa dos m ovim en tos sociais. Aqueles que tom em esta verten te estarão, possivelm en te, an tepon do form u lações teóricas qu e n ão ge-ram aproxim ação da realidade do capitalism o monopolista internacional do início do século 21. Essa abordagem resum iria em si o ceticis-mo diante da possibilidade do uso da tecnolo-gia da com unicação m ais avançada com o ins-trum en to de luta social pelas classes subordi-nadas e seus intelectuais orgânicos. Essa nega-ção encontraria resistência diante dos fatos do con sum o esten dido de ben s de com putação doméstica, da circulação universal da informa-ção n as redes e da possibilidade de propor idéias e ações coletivas próximas do ideal anár-quico de fins do século 19.
Seria possível con fu n dir a n egação dessa possibilidade de construção social com a nega-ção do instrumento em si da formanega-ção das mo-dernas redes de informática. Negar a possibili-dade de que as máquinas da comunicação pos-sibilitem avanços para trabalhadores e ambien-talistas seria sem elhan te à proposta do m ovi-m ento ludista de destruir as ovi-m áquinas para li-bertar o operariado da produção em série.
Ou tro cam in ho igu alm en te difícil e su til para fundamentar a negação pode, no entanto, estar cheio de verdades tecnológicas incontes-táveis com o: é possível e já existe, em m edida variada, o controle corporativo, a repressão po-lítica e mesmo policial da informação que tran-sita na Internet. Inegável tam bém é a subm is-são da in form ação livre aos can ais de satélite controlados pelas mesmas corporações às quais se pretende contrapor um modelo solidário de com unicação. O aum ento da inform ação inú-til, o lixo da rede m un dial de com putadores, também dificulta a atuação do homem comum engajado na busca de elementos transformado-res. A seleção da inform ação válida e da fonte segura tam bém é dificultada pela presen ça de con tra-in form ação sem validade. A "n otícia plantada" circula m ais rapidam ente com o ele-mento que desmobiliza e confunde. Importaria recon hecer a afirm ativa de in telectuais da in -formação de que a Rede Mundial de Computa-dores tem "1 m ilha de extensão e um a polega-da de profundipolega-dade".
Todas as condições mencionadas para fun-damentar a negação com base tecnológica fac-tual eviden ciam que a utilização da rede para informação não se constrói sem grupos huma-nos que entrem em contato pessoal, façam reu-niões periódicas, testem suas realizações e pro-postas em viagens de intercâmbio e na literatu-ra im pressa. Não se pode prescin dir de parti-dos, escolas, organizações e indivíduos em pa-pel de liderança carismática, como afirmam os autores. Nessa vertente, a negação da via globa-lizadora dos movimentos sociais se enfraquece. A ou tra via de in terpretação da an alogia proposta pelos autores é a conexão dos concei-tos de Chomsky (2003), Herman (1999) e San-tos (2000) sobre a globalização. Nesta vertente, pode-se mesmo compartilhar com Fiori (1997) a idéia de que a im precisão não im pede a uti-lização do con ceito de globauti-lização n a form a in stru m en tal. Esta proposição traz con sigo a compreensão rápida da crítica bem-humorada ao em pregar e explicar o acróstico "Tina", que através do apelido fem inino designa a m ensa-1 Departam en to de Medicin a Preven tiva e Social/FCMD/
1 Funasa.
guilherm e.n etto@fun asa.gov.br 860
gem de qu e n ão existe altern ativa para fu gir da globalização. Os povos dependentes implan-tarão o m odelo econôm ico transnacional glo-bal sem outra escolha. Evidente que contra essa am eaça se levan ta a proposta de m obilização social através das redes.
O desenvolvim ento do argum ento sobre a dureza do m un do globalizado, ain da que n ão definitivamente estabelecida uma definição pa-ra o term o, se ben eficia das con tribuições de Petras (2000), Amin (2001) e da pensadora bra-sileira Druck (1999). Com eles é possível reto-mar as políticas de globalização como fato im-perialista, além de reconhecer nos órgãos mul-tilaterais – FMI, Banco Mundial, entre outros – in str u m en tos d e execu ção d a p olítica n eoli-beral consensual para a drenagem de recursos qu e deixam de ser in vestidos em desen volvi-m ento social.
A argum en tação desen volvida sobre a de-gradação hu m an a e am bien tal im posta pelo m odelo im perialista global conduz à proposta da formação das redes sociais com característi-cas inovadoras no tecido político moderno. São m arcantes as afirm ativas sobre as característi-cas das redes: policêntricaracterísti-cas, flexíveis e difusas, ultrapassando os limites dos estados. As vantagens táticas de inúm eras form as de ação com -pletam a defin ição do in stru m en to de cresci-mento dos enlaces entre pessoas e organizações sem um com itê diretivo com função de repre-sentação ou comando.
Esta proposta permite, segundo os autores, agregar diferentes ordens de m otivação, desde a política até a religiosa, para a confluência dos valores hum anos que negam a dom inação im-posta pelo modelo globalizado neoliberal. Rea-liza-se o "n ivelam en to ‘por cim a’ de direitos hum anos, am bientais e sociais".
Um exem plo prático no Brasil é a unifica-ção dos m ovim entos pela saúde dos trabalha-dores e o m ovim en to pelo desen volvim en to susten tável, produção m ais lim pa e preserva-ção am biental. As características das redes em nascimento a partir de fins do século 20 se be-neficiam diretamente desta proposta. Um fato n ovo é a realização de con gressos em que re-presentantes populares, sindicais e acadêmicos se reúnem para debater temas de segurança no trabalho, produção e ambiente, tal como ocor-reu em Salvador, no ano de 2002.
O importante nessa analogia é que é possí-vel utilizá-la para dar forma e ação a conceitos que estão compartimentalizados em categorias estan ques da an álise social e da ação política.
A liberdade de cada com ponente é a base para que a aglutin ação de distin tas com preen sões não encontre obstáculos para a ação coletiva na-quilo que pode resumir seu consenso mínimo. Esse estado de concordância básica perm itiria agir segun do regras de sobrevivên cia que n ão distin guem n a essên cia os desejos de popula-ções, trabalhadores, ambientalistas e políticos.
Neste pon to, a afirm ativa de que
está
sur-gindo um novo “super” poder global que
crescen-tem ente dem onstra sua capacidade e força para
propor alternativas de paz, desenvolvim ento, e
dem ocracia em todo o m undo
soa in evitavel-m en te coevitavel-m o n ova utopia. Toda utopia existe para ser con testada pelos que pen sam sua es-sên cia. No en tan to, existe para fun ção idílica dos que sonham um m undo novo através dos tempos, e se permitem, através de palavras, ex-pressar o desejo do bem não atingido. À guisa de conclusão sobre as possibilidades deste de-bate, diríam os que em um m un do caren te de utopias e dos que a defendam, não cabe a des-truição pelo dogma.Nota
Todos os autores citados estão nas referências do artigo comentado.