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Intervenção judicial nas sociedades limitadas em face da liberdade de iniciativa

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Academic year: 2017

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(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

CURSO DE MESTRADO EM DIREITO

MARCELO LAUAR LEITE

INTERVENÇÃO JUDICIAL NAS SOCIEDADES LIMITADAS EM

FACE DA LIBERDADE DE INICIATIVA

(2)

MARCELO LAUAR LEITE

INTERVENÇÃO JUDICIAL NAS SOCIEDADES LIMITADAS EM

FACE DA LIBERDADE DE INICIATIVA

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-graduação

em

Direito

da

Universidade Federal do Rio Grande do

Norte (UFRN), como requisito para a

obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Professor Doutor André de

Souza Dantas Elali.

(3)

MARCELO LAUAR LEITE

INTERVENÇÃO JUDICIAL NAS SOCIEDADES LIMITADAS EM

FACE DA LIBERDADE DE INICIATIVA

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-graduação

em

Direito

da

Universidade Federal do Rio Grande do

Norte (UFRN), como requisito parcial

para a obtenção do título de Mestre em

Direito.

Orientador: Professor Doutor André de

Souza Dantas Elali.

Aprovada em: __ / __ / ____.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________

Professor Doutor André de Souza Dantas Elali

UFRN

____________________________________

Professor Doutor Artur Cortez Bonifácio

UFRN

____________________________________

Professor Doutor Luís Eduardo Schoueri

(4)

Dedicado a meus pais, Márcio Soares Leite e

(5)

AGRADECIMENTOS

Encerrada mais uma fase acadêmica, é momento de agradecer a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para este momento. Sendo assim, não poderia deixar de iniciar este momento solene agradecendo aos meus pais, pelo incentivo e suporte afetivo e financeiro em todos os momentos de minha vida, e, com muita ênfase, pelos nãos que me foram ofertados nos descaminhos da juventude.

A Thaissa, minha irmã, que, com muito esforço, vem desempenhando nobre papel junto à Procuradoria Regional do Trabalho da 21ª Região, consequência natural de sua paixão pelo estudo das demandas laborais.

Aos amigos André Locattel, Daniel de Oliveira, Igor Alexandre, Juliana Braz, Lucas de Britto, Luíza Cavalcanti, Manuela Procópio, Maria Marinho, Marina Cortez, Marina Férrer, Milena Cortez, Talita Varela, Tiago Batista e Sara Albuquerque, pelo companheirismo de sempre.

Aos colegas e professores do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFRN, pelos ricos debates travados durante as disciplinas e seminários ministrados ao longo do Curso de Mestrado.

Ao Professor Doutor Vladimir da Rocha França, pelas fundamentais orientações iniciais deste trabalho, e ao Professor Doutor André de Souza Dantas Elali, pela generosa aceitação de continuar supervisionando e conduzindo a presente pesquisa, contribuindo, sobremaneira, com a conclusão exitosa do trabalho.

Aos Professores Doutores Artur Cortez Bonifácio e Otacílio Silveira dos Santos Neto e, pelos ensinamentos perpassados em sala de aula e na banca de qualificação.

A Elke Mendes Cunha Freire, pela amizade e confiança depositadas desde os últimos períodos de graduação.

A Fran Martins e José Xavier Carvalho de Mendonça (in memoriam), gênios de seus tempos, por tudo o que representaram para o Direito Comercial brasileiro.

À UFRN, por contribuir com meu desenvolvimento pessoal e acadêmico desde 2004. À Revista Jurídica In Verbis e ao Programa de Recursos Humanos da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis n.º 36 (PRH-ANP), por despertarem em mim o gosto pela pesquisa científica.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo financiamento deste trabalho.

A Gabriela Freire, belle chose dans ma vie, pela alegria inabalável que é, simplesmente, estar ao seu lado.

(6)

Basta você ver como ele andava ultimamente: o cabelo crescido, a barba por fazer, sem gravata, ele que sempre primou em vestir-se e apresentar-se bem. Com sinceridade, a impressão que ele dava era de estar ficando louco. (...).” Fran Martins1

(in memoriam)

(7)

RESUMO

A intervenção judicial nas sociedades limitadas passa por um sem-número de percalços de origem legislativa e hermenêutica, fundados, consideravelmente, na pouca materialização dada à livre iniciativa por todos os partícipes do processo de formação e aplicação do direito. Ademais, as normas infraconstitucionais, por incompletude, contradição ou ausência de fundamento de validade, põem o juiz em uma delicada situação processual. Sem poder deixar de julgar, este órgão do Poder Judiciário finda por enfrentar situações de severo desconforto interpretativo, das quais derivam soluções de constitucionalidade duvidosa e que afetam, sobremaneira, a dinâmica da atividade empresarial. Nesse contexto, e considerando-se a sociedade limitada uma expressão da livre iniciativa, correspondendo a uma lícita associação de pessoas com o fim de empreender economicamente, no exercício de suas liberdades de contratação e ação profissional, intentou-se oferecer parâmetros de constitucionalidade seguros para a intervenção judicial nas sociedades limitadas nas hipóteses de (i) transferência de quotas societárias, (ii) penhora de quotas societárias, (iii) destituição de administradores,

(iv) nomeação de administradores judiciais, (v) exclusão de sócios e (vi) trespasse. Adotou-se o método hipotético-dedutivo de abordagem, construindo-se hipóteses para a superação das lacunas e inconstitucionalidades do ordenamento jurídico e submetendo-as a testes, críticas e confrontos com fatos hipotéticos e jurisprudenciais a fim de se verificar a validade constitucional das soluções propostas. Quanto ao procedimento, buscou-se conciliar os métodos histórico, comparativo, dialético e científico. Pesquisaram-se as raízes temporais dos institutos, bem como as soluções atuais dadas pelo Direito nacional e comparado. A partir de problematizações pontuais, solucionadas pela interpretação constitucional da lei e da jurisprudência, encaminharam-se respostas que trazem à tona a inconstitucionalidade de certas concepções.

(8)

ABSTRACT

The judicial intervention in limited liability company goes through several issues of legislative and hermeneutics origin, based considerably on the small importance given to

freedom of economic initiative by the participants in the process of formation and application

of the law. In addition, Brazilian law, due to incompleteness, inconsistency or lack of valid grounds, put the judge in a procedural delicate situation. Being forced to judge, the judiciary faces severe uncomfortable interpretive situations, of which derive solutions of dubious constitutionality and affecting, significantly, the dynamics of business activity. In this context, and considering the limited liability company as an expression of free enterprise, corresponding to a lawful association of people in order to undertake economically, in exercise of his freedom of contracting and professional action, intended to be offered safe parameters of constitutionality for judicial intervention in limited liability company in the hypothesis of (i) transfer of corporate shares, (ii) attachment of corporate shares, (iii)

dismissal of directors, (iv) appointment of judicial stakeholders, (v) exclusion of shareholders

and (vi ) trespass. The hypothetical-deductive approach was adopted, building hypotheses to

overcome the gaps and unconstitutionality of the law and subjecting them to tests, reviews, and comparisons with hypothetical facts and case law in order to determine the constitutional validity of the proposed solutions. The procedure aimed to reconcile the historical, comparative, dialectical and scientific methods. The roots of temporal institutes were researched as well as current solutions provided by national and compared law. From problematizations point, addressed by the constitutional interpretation of the law and jurisprudence, responses that bring out the unconstitutionality of certain conceptions were headed.

(9)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Exemplo de divisão de Capital Social ... 70

Tabela 2 - Composição virtual de poder societário, de acordo com o art. 1.057 do CC ... 74

Tabela 3 - Deliberação sobre transferência de quotas ... 76

(10)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica

CC Código Civil

CCSA Nome empresarial de sociedade limitada fictícia CF Constituição Federal

CP Código Penal

CPC Código de Processo Civil em vigor CPC/39 Código de Processo Civil de 1939 DJ Diário da Justiça

DNRC Departamento Nacional de Registro de Comércio DOU Diário Oficial da União

LSA Lei das Sociedades Anônimas (Lei Federal n.º 6.404/76) LTDA Limitada

PL Projeto de Lei

PPGD Nome empresarial de sociedade limitada fictícia STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

TJAP Tribunal de Justiça do Estado do Amapá

TJDF Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios TJMG Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

TJMS Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul TJPA Tribunal de Justiça do Estado do Pará

TJPR Tribunal de Justiça do Estado do Paraná

(11)

SUMÁRIO

RESUMO ABSTRACT

LISTA DE TABELAS

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

1 INTRODUÇÃO E PREMISSAS PROPEDÊUTICAS. ... 13

2 LIVRE INICIATIVA ... 18

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CATEGORIZAÇÃO DA LIVRE INICIATIVA ENQUANTO FUNDAMENTO REPUBLICANO. ... 18

2.2 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DA LIVRE INICIATIVA ... 24

2.2.1 Liberdade de empreender economicamente... 24

2.2.2 Liberdade de associação ... 25

2.2.3 Liberdade de contrato ... 27

2.2.4 Liberdade de ação profissional ... 28

2.3 PARÂMETROS HERMENÈUTICOS E INTEGRATIVOS PARA A CORRETA APLICAÇÃO DO DIREITO EM CONFLITOS ENVOLVENDO A LIVRE INICIATIVA. ... 29

2.3.1 Especificidades na interpretação do direito fundamental à livre iniciativa enquanto norma constitucional. ... 29

2.3.2 Cânones da interpretação jurídica e o alcance da norma de decisão. ... 31

2.3.3 Lacunas legislativas e a integração do Direito. ... 34

3 SOCIEDADES LIMITADAS ... 37

3.1 ESCORÇO HISTÓRICO-LEGISLATIVO ... 37

3.2 A SOCIEDADE LIMITADA COMO UM CONTRATO ASSOCIATIVO DE NATUREZA ELETIVA ... 39

3.2.1 Contrato social: o alicerce funcional da sociedade limitada ... 39

3.2.2 Categorizando a natureza da Sociedade Limitada ... 40

3.3 MAPEAMENTO DA DISCIPLINA LEGAL ... 42

4 INTERVENÇÃO JUDICIAL NAS SOCIEDADES LIMITADAS EM CONSONÂNCIA COM A LIBERDADE DE INICIATIVA ... 43

4.1 TRANSFERÊNCIA DE QUOTAS SOCIETÁRIAS ... 43

4.1.1 Capital e quotas societárias ... 43

4.1.2 Transferência de quotas societárias ... 45

4.2 PENHORA DE QUOTAS SOCIETÁRIAS ... 51

4.2.1 Responsabilidade civil: origem da legitimação do ato constritivo ... 51

4.2.2 Da discussão à implementação da penhora de quotas societárias ... 54

4.2.3 A atual posição do Superior Tribunal de Justiça ... 56

4.2.4 A penhora frente às quotas não sujeitas à execução. ... 57

4.2.5 A penhora frente às quotas intransferíveis a estranhos ... 60

4.3 DESTITUIÇÃO DE ADMINISTRADORES ... 63

4.3.1 Administração ... 63

(12)

4.3.3 Destituição por justa causa ... 67

4.3.3.1 Excesso de poderes ... 69

4.3.3.2 Falta de cuidado e diligência ... 72

4.3.3.3 Dever de lealdade ... 74

4.3.3.4 Falha na prestação de contas ... 75

4.3.4 Casuística ... 76

4.4 NOMEAÇÃO DE ADMINISTRADORES JUDICIAIS ... 79

4.4.1 Considerações propedêuticas ... 79

4.4.2 A constitucionalidade abstrata da intervenção judicial nominativa ... 80

4.4.3 Espécies de intervenção judicial nominativa ... 83

4.4.4 Em busca de parâmetros para a atuação dos administradores judiciais em conflitos societários ... 84

4.4.4.1 Intervenção na seara concorrencial ... 85

4.4.4.2 Intervenção na seara liquidatária ... 87

4.4.4.3 Intervenção na seara falimentar ... 88

4.4.4.4 Intervenção na seara executiva ... 89

4.4.4.4.1 Penhora, arresto, sequestro e arrecadação de bens em geral ... 89

4.4.4.4.2 Penhora sobre o estabelecimento empresarial ... 90

4.4.4.4.3 Penhora sobre a renda da sociedade limitada ... 91

4.4.4.5 Intervenção em conflitos societários ... 91

4.4.4.5.1 Concretização da hermenêutica integrativa: lacunas e princípios. ... 91

4.4.4.5.2 A escolha do administrador judicial ... 92

4.4.4.5.3 Conteúdo mínimo da decisão judicial interventiva ... 96

4.5 EXCLUSÃO DE SÓCIOS ... 98

4.5.1 Delimitação da problemática ante a disciplina da exclusão de sócios no Direito brasileiro. ... 98

4.5.1.1 Bases teóricas da exclusão de quotistas nas sociedades limitadas. ... 98

4.5.1.2 Bases legais da exclusão de sócios no Brasil: problemática e subsunção teórica. ... 99

4.5.2 O que é a vontade damaioria dos demais sócios? ... 102

4.5.3 Inconstitucionalidade e ilegalidade da quebra da affectio societatis como fundamento dissolutivo. . 105

4.5.3.1 Linhas iniciais sobre a affectio societatis. ... 105

4.5.3.2 A primeira fase da affectio societatis no Brasil: regras e intervenção judicial. ... 107

4.5.3.3 Intervenção dissolutiva, affectio societatis e o Código Civil de 2002. ... 109

4.6 LIMITAÇÕES CONCORRENCIAIS NO TRESPASSE ... 114

4.6.1 O estabelecimento empresarial. ... 115

4.6.2 O trespasse. ... 116

4.6.3 A vedação à concorrência após o trespasse contida no art. 1.147 do CC. ... 117

4.6.3.1 Breves anotações sobre os interesses da proteção da concorrência no Brasil. ... 121

4.6.3.2 A (in)constitucionalidade da cláusula de não-restabelecimento. ... 121

4.6.3.2.1 Parâmetros para a limitação temporal. ... 127

4.6.3.2.2 Parâmetros para a limitação geográfica... 128

4.6.3.2.3 Parâmetros para a limitação material. ... 133

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 136

(13)

1 INTRODUÇÃO E PREMISSAS PROPEDÊUTICAS.

O preâmbulo2 e o art. 1º, caput3, da Constituição Federal de 1988 (CF), não deixam dúvidas de que se vive, juridicamente, sob um Estado Democrático de Direito, convindo aclarar o seu significado.

O Estado de Direito, entendido por Carl Schmitt como um Estado Legislativo, tem inspirações formais e base no princípio da legalidade, passando, a partir da metade do século XIX, por transformações na busca de um proclamado bem-estar social (welfare state), bem como da concretização material dos direitos fundamentais postos4.

Por sua vez, o Estado Democrático é aquele que impõe a efetiva participação popular nas decisões políticas do país, possibilitando-se aos cidadãos serem eleitos, elegerem seus representantes junto aos órgãos legislativos e utilizarem-se de ferramentas de expressão (plebiscito e referendo).

Assim, tem-se o Estado Democrático de Direito como aquele que, visando a uma justiça social concreta e efetiva, implementa a participação popular em seus órgãos e processos decisórios, tendo como sub-princípios, entre outros, a legalidade, o constitucionalismo e a segurança jurídica5.

Para garantir, financeiramente6, o welfare state, o Estado precisa trabalhar, lado a lado, com o desenvolvimento econômico, seja criando instrumentos legais específicos

2 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um

Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” (Grifou-se).

3 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...).” (Grifou-se).

4

(SILVA 2005, p. 119.)

5 (SILVA 2005, p.120-122.). No mesmo sentido, entende-se como Estado Democrático de Direito a organização

política em que o podei emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de representantes, escolhidos em eleições livres e periódicas, mediante sufrágio universal e voto direto e secreto, para o exercício de mandatos periódicos, como proclama, entre outras, a Constituição brasileira. Mais ainda, já agora no plano das relações concretas entre o Poder e o indivíduo, considera-se democrático aquele Estado de Direito que se empenha em assegurar aos seus cidadãos o exercício efetivo não somente dos direitos civis e políticos, mas também e sobretudo dos direitos econômicos, sociais e culturais, sem os quais de nada valeria a solene proclamação daqueles direitos. (MENDES, COELHO e BRANCO 2009, p. 171.)

6 Afinal, “direitos custam dinheiro”, célebre colocação do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF),

(14)

(atuação legislativa), regulando políticas públicas (atuação executiva) ou ponderando acerca da constitucionalidade e da legalidade dos atos e fatos levados à tutela judicial (atuação jurisdicional).

Outrossim, a atuação Estatal deve estar sempre balizada pelos instrumentos normativos do sistema constitucional vigente, calcado em um documento escrito, hierarquicamente superior aos demais, com carga axiológica de eficácia plena em relação aos particulares e a todas as funções estatais, permitindo-se, assim, a concretização dos seus valores fundamentais.

Sistematizando e unificando tais valores, a Lei Maior consagrou a livre iniciativa como fundamento não apenas da ordem econômica, mas, também, da própria República Federativa do Brasil.

Explique-se: tem-se por ordem econômica o conjunto de regras e princípios que define, institucional e fundamentalmente, um determinado modo de produção econômica, resolvendo seus preceitos, institutos, instrumentos, limites da regulação e da intervenção estatal, marca seu perfil de organização do Estado e o condiciona, juntamente com o mercado e os empreendedores, aos valores normativamente consagrados em uma dada nação. Revela-se, destarte, como uma parcela da ordem jurídica estatal7.

A parcela da ordem econômica inserta na Lei Maior do Estado é a chamada

Constituição Econômica8.

Coube à Constituição de Weimar, de 1919, inaugurar a tendência, seguida por diversos países, no decorrer do século XX, de explicitar, sistematicamente9, os fundamentos

da ordem econômica no texto constitucional.

(http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=363310&tipo=AC&descricao=Inteiro%20Teor%20 ADI%20/%203105, acesso em 12-8-11).

7

(GRAU, Elementos de direito econômico 1981, p. 43-44.). Na mesma obra de referência, Eros Roberto Grau salienta a inconfundibilidade do conceito de ordem econômica com a ideia de ordem jurídica da economia ou de ordem jurídica econômica, pelo fato de estas últimas albergarem “um conjunto amplíssimo de disposições normativas, não sistêmico, conglomerado de normas extraídas a inúmeros ramos do Direito, em função, somente, de reportarem-se à matéria econômica”. Nesse caso, o próprio emprego da palavra ordem restaria injustificado, dado o afastamento da noção de sistema. Continua o autor, aduzindo que “apenas preenchem o perfil da ordem econômica os textos de legislação ordinária que respeitam à ordenação fundamental da economia” (p. 44-45.).

8 Adota-se, pois, a concepção de constituição econômica formal (SILVA 2005, p. 791.). Observa A

NDRÉ ELALI

que a Constituição Econômica pode se apresentar material e formalmente. Em outras palavras, considera-se a Constituição Econômica o conjunto de normas que dispõem, no ordenamento jurídico, do fenômeno econômico. Assim, se todas elas estiverem no texto constitucional, falar-se-á em Constituição Econômica formal. Inver-samente ocorrerá se nem todas as normas estiverem, formalmente, no texto da Constituição. (ELALI 2007, p. 37.)

9 Art. 151, V. Fala-se, aqui, em explicitar, haja vista a existência de disposições esparsas e implícitas sobre temas

(15)

No Brasil, tal predisposição foi introduzida por meio do art. 115 da Constituição republicana de 1934, segundo o qual a ordem econômica deveria ser organizada conforme os princípios da Justiça e às necessidades da vida nacional, de modo que possibilitasse, a todos,

existência digna, garantindo-se, dentro desses limites, a liberdade econômica. As Leis

Fundamentais de 193710, 194611, 196712 e 196913 mantiveram capítulos ou títulos específicos destinados à regulação da ordem econômica.

Na Constituição Federal de 1988, o art. 170 iniciou, explicitamente, a disciplina da

ordem econômica brasileira, fundando-a na valorização do trabalho e da livre iniciativa, e

pondo-a com o objetivo de assegurar, a todos, uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor e do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede e administração no país.

Além disso, o referido dispositivo assegurou a todos, em seu parágrafo único, o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei14.

Nesse liame, não se pode olvidar que, aprioristicamente, a livre iniciativa pode traduzir um conceito de acepção vaga. Por essa razão, carece o intérprete da perquirição da densidade necessária à extração de seu real conteúdo.

Contudo, seria pouco, para não dizer insuficiente, o descortinar do conteúdo real da

livre iniciativa sem que seja dada máxima efetividade a comandos desta. De fato, ao

posicioná-la em lugares privilegiados da geografia constitucional, o constituinte originário

10 Reproduz-se, aqui e nas notas seguintes, o primeiro artigo da Constituição Econômica de cada Lei Maior

brasileira: “Art 135 - Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estimulo ou da gestão direta.”

11 “Art 145 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a

liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.”

12 “Art 157 - A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios:

(...).”

13“Art. 160. A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com

base nos seguintes princípios: (...).”

14Inegável, portanto, estarmos diante de uma constituição dirigente, formada não apenas para garantir o

(16)

pretendeu a sua concretização por todos os partícipes do processo de formação e aplicação do direito.

Hoje, a intervenção judicial nas sociedades limitadas passa por um sem-número de percalços de origem legislativa e hermenêutica. A legislação infraconstitucional, por incompletude, contradição ou ausência de fundamento de validade na Lei Maior, põe o juiz, criador de normas de decisão, em uma delicada situação processual, na qual, sem poder deixar de julgar15, são geradas consequências desastrosas para a competição no mercado, a geração de empregos e pagamento de tributos.

Tal quadro é sensivelmente mais abalado quando se está diante de uma sociedade

limitada. Trata-se do tipo societário mais utilizado no Brasil, correspondendo, segundo os

dados mais recentes do Departamento Nacional de Registro de Comércio (DNRC)16, a mais de 95% (noventa e cinco por cento) das sociedades empresárias constituídas anualmente.

Ademais, a sociedade limitada é, regra geral, classificada como de pessoas, isto é, constituída com base na affectio societatis, tendo no relacionamento entre os sócios o ponto de partida para a constituição do exercício de empresa. A capacidade técnica dos quotistas, sua colaboração, disposição ou vontade para o trabalho, iniciativa nos investimentos, relacionamento pessoal e experiência denotam importância sobrelevada frente a aspectos econômicos.

Nesse contexto, e considerando-se a sociedade limitada uma expressão da livre

iniciativa, correspondendo a uma lícita associação de pessoas com o fim de empreender

economicamente, no exercício de suas liberdades de contratação e ação profissional, este trabalho tem, como proposta, oferecer parâmetros de constitucionalidade seguros para a intervenção judicial no funcionamento dos empreendimentos supracitados nas hipóteses de (i)

transferência de quotas societárias, (ii) penhora de quotas societárias, (iii) destituição de administradores, (iv) nomeação de administradores judiciais, (v) exclusão de sócios e (vi)

trespasse.

No desiderato de cumprir o objetivo proposto, adotou-se o método

hipotético-dedutivo de abordagem, construindo-se hipóteses para a superação das lacunas e

15 Código de Processo Civil

“Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”.

“Mesmo diante a ausência legislativa, não pode o julgador eximir-se da prestação jurisdicional invocando lacuna na Lei (art. 126, do CPC) (...)”. [Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), Apelação Cível n.º 286776, Relator: Desembargador Guilherme Nunes Born, Câmara Especial Regional de Chapecó, Julgamento: 29-8-11].

(17)

inconstitucionalidades do ordenamento jurídico e submetendo-as a testes, críticas e confrontos com fatos exemplificativos e jurisprudenciais a fim de se verificar a validade constitucional das soluções propostas.

Quanto ao procedimento, buscou-se conciliar os métodos histórico, comparativo,

dialético e científico. Para tanto, pesquisou-se as raízes históricas dos institutos, bem como as

soluções dadas pelo Direito nacional e comparado. A partir de problematizações pontuais, solucionadas pela interpretação constitucional da lei e da jurisprudência, encaminhou-se respostas que trazem à tona a inconstitucionalidade de certas concepções.

Sob essas premissas, detalhou-se as aspectos materiais da livre iniciativa, ventilando-se a sua categorização enquanto direito fundamental. Outrossim, posicionou-ventilando-se as sociedades

limitadas em um contexto macro, averiguando-se a sua natureza jurídica, bem como as bases

legislativas de seu soerguimento. Por fim, estabelecendo-se parâmetros hermenêuticos e integrativos, adentrou-se na razão de ser deste trabalho, qual seja, a análise constitucional da intervenção judicial nas sociedades limitadas, em consonância com a liberdade de iniciativa.

Em tempo, sugere-se a consulta à lista de abreviaturas e siglas, dada as suas necessárias repetições no discorrer dos tópicos.

(18)

2 LIVRE INICIATIVA

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CATEGORIZAÇÃO DA LIVRE INICIATIVA ENQUANTO FUNDAMENTO REPUBLICANO.

Para ANTÔNIO BALDASSARRE, a história da livre iniciativa é intimamente ligada à evolução do direito de propriedade, do qual se destacou com o desenvolvimento do comércio, das feiras e dos burgos durante as Idades Média e Moderna. Com ele, o sistema econômico passou a contar com dois núcleos autônomos, a saber: a propriedade, como direito subjetivo e atributo essencial da pessoa humana; e a liberdade de iniciativa, enquanto poder da burguesia, dos empresários e dos particulares ao desenvolvimento de uma atividade econômica organizada para a produção ou troca de bens e serviços17.

Por essa razão, a liberdade de iniciativa é a marca e o aspecto dinâmico do modo de produção capitalista. Carrega, como expressão maior, a autonomia privada, realizando-se, por exemplo, nos negócios jurídicos18.

Desde a Revolução Francesa, a livre iniciativa era considerada um dos aspectos da liberdade geral dos cidadãos. Atribui-se ao Decret d´Allardes19, de 2 e 17 de março de 1791,o primeiro assentamento ocidental sobre a liberdade de empresa, comércio, indústria e concorrência. Para exercê-la, bastaria ao empreendedor a prévia quitação de um tributo específico, chamado patente.

Três meses depois, em 14 de junho de 1791, os preceitos do Decret d´Allardes foram reforçados pela Loi le Chapelier20, que previa severas punições para as corporações que se reunissem visando a degradar, de alguma forma, o livre exercício da indústria e do trabalho. Em suma, ambas as normas francesas denotavam que as atividades comerciais e profissionais poderiam ser praticadas por qualquer interessado, observadas as restrições por proteção à segurança pública21.

Ademais, a livre iniciativa tem previsão expressa na maioria das cartas constitucionais ocidentais do último século, tais como a Mexicana de 191722, a Alemã de

194923 (grundgesetz), a Portuguesa de 197424 e a Espanhola de 197825.

17 (AMARAL NETO 1986, p. 229.) 18 (AMARAL NETO 1986, p. 229.) 19 Artigo 7º.

20Artigos 7º e 8º.

21 (W. FARIA 1990, p. 105.) 22 Artigo 5º.

(19)

No Brasil, a vanguardista Constituição Imperial de 1824 já trouxe, em seu art. 179, XXIV26, a vedação à proibição de qualquer gênero de trabalho, indústria ou comércio, desde que estes obedecessem aos costumes sociais, à segurança e à saúde dos cidadãos.

Por sua vez, a primeira Constituição Republicana brasileira – a Constituição da

República dos Estados Unidos do Brasil de 1891, em seu art. 72, § 2427, assegurava aos

brasileiros e estrangeiros residentes no país o livre exercício de qualquer profissão moral,

intelectual e industrial.

Já a Constituição Republicana de 1934, em seu art. 11528, organizou a ordem econômica conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida nacional, garantindo, dentro desses limites, a liberdade econômica.

A seu turno, o art. 13529 da Lei Maior outorgada por Getúlio Vargas em 1937 fundou a riqueza e a prosperidade nacional na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, só sendo legítima a intervenção estatal no domínio econômico para suprir as deficiências da liberdade privada e coordenar os fatores de produção.

O fim da segunda guerra mundial e a redemocratização do país ensejaram a promulgação, durante o mandato de Eurico Gaspar Dutra, da Magna Carta de 1946, que alcunhou, pela primeira vez, expressão próxima à atual livreiniciativa, nos termos de seu art. 14530.

24 Artigo 61.

25Artigo 38.

26Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a

liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

XXIV. Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou commercio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes publicos, á segurança, e saude dos Cidadãos.

27Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos

direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

§ 24 - É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial. (...).”

28 “Art. 115. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da

vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica.” (Grifou-se).

29

“Art. 135. Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estimulo ou da gestão direta.” (Grifou-se).

30 “Art. 145. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a

(20)

A Carta Política de 1967, emanada no seio da ditadura militar, foi pioneira na consideração da liberdade de iniciativa como um princípio da ordem econômica, buscando a realização da justiça social, na esteira de seu art.157, I31, status inalterado após a outorga da Emenda Constitucional n.º 1/69, que, tão-somente, reposicionou-a ao art. 160, I.

Na vigente Constituição Federal de 1988, a livre iniciativa foi alçada à categoria de fundamento não apenas da ordem econômica32, mas de toda a República33, elevando-se a grau de valor intrínelevando-seco de todo o arcabouço jurídico-pátrio, elevando-sendo sua obelevando-servância impositiva às funções executiva, legislativa e jurisdicional do Estado.

Enquanto fundamento, pode-se considerar a livre iniciativa como causa, razão de ser da ordem econômica constitucional, ligando-se à sua finalidade – assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social – por meio dos princípios, os pontos de partida para a efetivação dos comandos da Constituição Econômica34.

Nessa senda, seria possível alçar a livre iniciativa a grau de direito fundamental? Entende-se que sim.

Para CARL SCHMITT, sob um ponto de vista formal, os direitos fundamentais seriam aqueles que receberam da Lei Maior um grau mais elevado de garantia ou de segurança,

unicamente alteráveis por emenda constitucional. Materialmente, variariam conforme a

ideologia, a modalidade de Estado, a espécie de valores e princípios que a Constituição

consagra, dizendo respeito a todos aqueles que conferem direitos subjetivos às pessoas físicas

ou jurídicas, possuindo uma estreita intimidade com o princípio da dignidade da pessoa humana35.

Doutrina moderna, capitaneada por LEONARDO MARTINS e DIMITRE DIMOULIS36, os define como direitos público-subjetivos de pessoas físicas ou jurídicas, contidos em

31

“Art. 157. A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios: I - liberdade de iniciativa;

(...)”. (Grifou-se).

32 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...).” (Grifou-se).

33 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (...).” (Grifou-se).

34 (BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra 1990, p. 14-15.). Nessa passagem, os autores se referem à

obra de WASHINGTON PELUSO ALBINO DE SOUSA.

35 (BONAVIDES 1999, p. 561.).

(21)

dispositivos constitucionais e que encerram caráter supremo dentro do Estado, tendo como

finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual.

Classicamente, consagra-se a existência de quatro gerações ou dimensões de direitos fundamentais. A primeira consagra os direitos da liberdade, primeiros a constar nos instrumentos normativos constitucionais ocidentais, tendo por titular o indivíduo, que pode exercer a resistência e a oposição perante o Estado; a segunda abarca o direito à igualdade, a saber, os sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos; a terceira alberga a

fraternidade, quais sejam, o desenvolvimento, a paz, o meio ambiente, a propriedade sobre o

patrimônio comum da humanidade e a comunicação; por fim, a quarta representa a

globalização política, filiando-se aos ideais de democracia, informação e pluralismo37.

Os direitos fundamentais conferem aos seus titulares uma pretensão de adoção de comportamentos positivos, negativos ou de sujeição em face do Estado (eficácia vertical) ou dos próprios particulares (eficácia horizontal), fornecendo diretrizes vinculantes para a atuação do Poder Público – incluído, aqui, o Poder Judiciário – nos termos da teoria dos

quatro status do alemão GEORG JELLINEK, na qual38:

pelo status passivo, o indivíduo está subordinado aos poderes estatais, legitimando-se as restrições ao conteúdo e alcance dos direitos fundamentais, em benefício dos titulares de outros direitos fundamentais;

pelo status ativo, permite-se ao cidadão a participação efetiva na formação da vontade estatal, v.g., exercendo direitos políticos;

pelo status negativo, é possível se exigir do Estado uma esfera de atuação protetora de ingerências indevidas, garantindo-se a liberdade;

pelo status positivo, assegura-se a possibilidade de os indivíduos utilizarem as instituições estatais para exigir prestações específicas, como os direitos sociais.

O status passivo possibilita restrições aos direitos fundamentais, sem que, com isso,

possa se falar em extinção desse direito, ainda que ele decorra de um status negativo, como é o caso das liberdades. Tais limitações podem ser admitidas em algumas hipóteses, a saber39:

quando o exercício do direito fundamental extrapola a sua área de proteção, v.g., o direito de reunião pode ser livremente exercido em tempos de paz, mas pode ser vedado se o seu exercício se der por pessoas armadas;

37 (BONAVIDES 1999, p. 562-571.) 38 (HOLTHE 2010, p. 345.)

(22)

se o Estado, com ou sem prévia reserva legal, regulamenta um direito fundamental, v.g., o direito à propriedade é regulamentado pelo Código Civil, pelo Estatuto da Terra, entre outros diplomas; o exercício da profissão é livre, atendidas às qualificações que a lei estabelecer;

diante da decretação do Estado de Defesa ou do Estado de Sítio; nas colisões entre direitos fundamentais.

Já se viu que a liberdade se apresenta como um direito fundamental de primeira

dimensão, enquadrado na categoria do status negativo de GEORG JELLINEK, pelo qual se

permite aos indivíduos a oposição diante das ingerências ilegítimas do Estado.

Outrossim, a autonomia privada, capacidade do indivíduo de determinar o seu comportamento individual, figura como um dos principais componentes do direito fundamental à liberdade.

A liberdade de iniciativa é igual às demais asseguradas pela Constituição, sendo concebida como livre-arbítrio humano, independentemente das limitações de que possa ser destinatária40. Trata-se do viés econômico do direito à liberdade.

Por isso, as leis restritivas da liberdade de iniciativa econômica devem observar o seu conteúdo essencial, como um direito fundamental, funcionando como um limite negativo à atuação dos poderes estatais41.

Nesse sentido, a própria Constituição categorizou a liberdade de associação e a

liberdade de ação profissional como direitos fundamentais, conforme já pormenorizado no

tópico anterior.

Ademais, muito embora as liberdades de empreender economicamente e de contrato não estejam expressamente consignadas no rol do Título II da Lei Maior, sabe-se que a Constituição Federal de 1988 adotou a concepção material dos direitos fundamentais, extraída de seu art. 5º, § 2º42.

Com isso, o constituinte originário definiu que outros direitos e garantias, além dos consagrados ao longo do Título II da Carta Magna, podem, sim, ser fundamentais,

40 (AMARAL NETO 1986, p. 232.)

41 (PETTER, Princípios constitucionais da ordem econômica 2008, p. 180.) 42 “Art. 5.º (...)

(...)

(23)

desde que assim decorra do regime e dos princípios por ela adotados43, ou dos tratados internacionais dos quais o Brasil seja signatário.

Naturalmente, sendo livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, esse regime de liberdade abrange, também, a liberdade de empreender economicamente, o que só pode ser possível diante da possibilidade de formação de contratos44.

Por derradeiro, considera-se a livre iniciativa como um direito fundamental do Estado brasileiro, afinal:

é um direito público-subjetivo de pessoas físicas ou jurídicas, representado pelas liberdades de trabalho, empreendimento econômico, contrato e associação, decorrências do princípio da autonomia privada, corolário basilar

do direito à liberdade;

está expressamente contida em dispositivos constitucionais, seja de forma genérica, seja por meio de algumas de suas facetas (art. 5º, XIII, XVII, XVIII e XX);

encerra caráter supremo dentro do Estado, pois se encontra categorizada como

fundamento da ordem econômica (CF, art. 170, caput) e da República (CF, art.

1.º, IV);

limita o exercício do poder estatal em face da liberdade individual, só podendo

ser restrita (status negativo) nas hipóteses de colisão com outros direitos fundamentais, extrapolação de sua área de proteção, regulamentação estatal condizente ao seu conteúdo, ou decretação de estado de sítio ou de defesa.

43 Exemplificativamente, vide o seguinte leading case do STF: “Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta

de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisorio sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precipua e de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no paragrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normasimutaveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, "b" da Constituição); (...)”. (Grifou.se STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 939/DF, Relator: Ministro Sidney Sanches, Tribunal Pleno, Publicação: DJ, em 18-3-94.

(24)

2.2 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DA LIVRE INICIATIVA

A pura e simples leitura da expressão livre iniciativa não traz a segurança necessária à definição de seu conteúdo, pelo que se exige do hermeneuta uma interpretação sistemática, de modo a se fixar, com alguma segurança, a abrangência do fundamento magno.

Perfazendo-se esse desiderato, com base nos estudos de ROGÉRIO ROBERTO

GONÇALVES DE ABREU45, vislumbram-se quatro aspectos da livre iniciativa no direito

constitucional brasileiro, quais sejam: as liberdades de empreendimento, associação, contrato

eação profissional.

2.2.1 Liberdade de empreender economicamente

Trata-se da acepção mais comum da livre iniciativa, inscrita no art. 170, parágrafo único46, da Lei Maior. Por ela, todos têm o direito de desenvolver atividade econômica, seja na produção, escoamento, comércio ou indústria, independentemente da autorização de órgãos públicos, obedecendo-se, naturalmente, às limitações decorrentes do princípio da

legalidade47, dos demais valores da própria ordem econômica e da atuação do Estado

enquanto agente regulador48, restrições enquadradas no status passivo da teoria de GEORG JELLINEK.

A liberdade de empreender economicamente é a maior motivadora da atividade empreendedora, promovendo a expansão dos mercados, demandando o necessário respeito à propriedade. A intervenção do Estado, em tais casos, deve se cingir às necessidades de correção das falhas naturais do mercado, sob pena de causar desincentivo aos agentes

45

(ABREU 2008, p. 75.)

46 “Art. 170. (...)

(...)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

47

Constituição Federal de 1988 “Art. 5º. (...)

(...)

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (...).” (Grifou-se).

48 Constituição Federal de 1988

(25)

econômicos e, consequentemente, prejuízos à concorrência, aos consumidores e, reflexamente, ao próprio Poder Público49.

Além disso, a liberdade de empresa detém características basilares, a serem observadas por todos os atores do mercado, tais como:

a aceitação ética da finalidade lucrativa;

a permissão da apropriação privada da propriedade e dos bens de produção e consumo;

a consideração da concorrência como meio adequado à eficiência, na medida da melhora na qualidade produtiva coadunada à redução dos preços50;

A liberdade de ingresso, manutenção e saída do agente econômico dentro do mercado de atuação;

a escolha, pelo agente econômico, do objeto, da forma, do lugar e do tempo

do exercício de empresa, permitindo-se a livre articulação dos fatores de produção51;

Sendo a liberdade de empreender economicamente um fundamento republicano, impõe-se, ao Estado, a edificação de outros fatores inerentes ao empreendedorismo. É o caso do desenvolvimento de adequados sistemas de tributos, transporte, registros e crédito52.

2.2.2 Liberdade de associação

A sociabilidade é inerente aos seres humanos, derivando da necessidade de conjugação de forças para a superação de resistências materiais e imateriais, rompendo-se obstáculos que dificultam a obtenção dos resultados perquiridos. Em todos os campos da atividade humana, com maior ou menor intensidade, sempre se manifestou o espírito associativo, seja para a realização de fins religiosos, morais, artísticos ou comerciais53.

Por essa razão, GILMAR MENDES, INOCÊNCIO COELHO ePAULO BRANCO54 grassam que a liberdade de associação se presta a satisfazer necessidades várias dos indivíduos, aparecendo, ao constitucionalismo atual, como básica para o Estado Democrático de Direito. Quando não podem obter, por si mesmos, os bens da vida que desejam, homens somam

49

(SILVEIRA NETO 2012, p. 7.)

50 As três primeiras características são apontamentos de Themístocles Brandão Cavalcanti, considerando a

liberdade de iniciativa sob o aspecto da free enterprise norte-americana. (TAVARES 2006, p. 239.)

51 (ABREU 2008, p. 75.); STJ, REsp n.º 1075673/DF, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda

Turma, Publicação: DJ, em 10-9-10.

52 (MASSO 2007, p. 44.) 53 (ESTRELLA 1992, p. 12.)

(26)

esforços, e a associação é a fórmula para tanto. Associando-se com outros, promove-se maior compreensão recíproca e cooperação. Indivíduos podem se associar para alcançar metas econômicas, ou para se defenderem, em mútuo apoio, para fins religiosos, de promoção de interesses gerais ou da coletividade, altruísticos, ou de se fazerem ouvir, conferindo maior ímpeto à democracia participativa. Por isso mesmo, o direito de associação está vinculado ao preceito de proteção da dignidade da pessoa, livre iniciativa e autonomia da vontade.

É nesse sentido que, para PONTES DE MIRANDA55, tem-se por associação toda aliança voluntária entre pessoas, baseada em contrato ou estatuto, por tempo longo, com o intuito de alcançar algum fim lícito, sob direção unificante.

De fato, a comunhão de esforços para o alcance de um objetivo convergente se mostra como uma das mais relevantes maneiras de atuação privada no domínio econômico56.

A liberdade de associação é faceta da livre iniciativa alteada expressamente à condição de direito fundamental57, assegurando a vigente Carta Magna, em seu art. 5º, XVII a XX, a plenitude de associação para fins lícitos, de modo que ninguém poderá ser compelido a

associar-se ou a permanecer associado; há, pois, liberdade.

Tal aspecto engloba qualquer tipo de associação ou sociedade, inclusive as limitadas (fim lucrativo), aplicando-se aos contratos coligativos em geral, como os acordos entre quotistas ou acionistas de sociedades58. Na relação associativa com almejos lucrativos, os sócios têm o propósito de unir ânimos e recursos para desenvolver uma atividade comum e dividir os resultados obtidos59.

55 (PONTES DE MIRANDA 1970, p. 608.) 56 (ABREU 2008, p. 76.)

57 Segundo Carl Schmitt, sob um ponto de vista formal, são direitos fundamentais aqueles que receberam da Lei

Maior um grau mais elevado de garantia ou de segurança, unicamente alteráveis por emenda constitucional. Materialmente, variam conforme a ideologia, a modalidade de Estado, a espécie de valores e princípios que a Constituição consagra (BONAVIDES 1999, p. 561.).

58 (SILVA 2005, p. 267.); STJ, Recurso Especial n.º 867101/DF, Relator: Ministro Massami Uyeda, Terceira

Turma, Publicação: DJ, em 24-6-10; Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (TJRN), Apelação Cível n.º 2001.001372-5, Relator para acórdão: Juiz João Rebouças (convocado), Segunda Câmara Cível, Publicação: DJ, em 6-5-03; TJRN, Apelação Cível n.º 2002.001110-5, Relator para acórdão: Juiz João Rebouças (convocado), Segunda Câmara Cível, Publicação: DJ, em 6-5-03; Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), Apelação Cível n.º 0276459-50.2009.8.26.0000, Relator: Desembargador João Carlos Garcia, Nona Câmara de Direito Privado, Publicação: DJ, em 2-3-11; Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), Apelação Cível n.º 2006.039229-3, Relator: Desembargador Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, Terceira Câmara de Direito Comercial, Publicação: DJ, em 3-12-07; TJSC, Apelação Cível n.º 2009.067901-5, Relator: Desembargador Cláudio Valdyr Helfenstein, Terceira Câmara de Direito Comercial, Publicação: DJ, em 12-5-10.

59 (WALD, Sociedade limitada. necessidade de aprovação do quotista na transferência de quotas. direito de

(27)

Não por acaso, o art. 113, I60, do PL n.º 1.572/11, elege a liberdade de associação como princípio do direito comercial societário.

2.2.3 Liberdade de contrato

Adstringindo-se à seara privada, tem-se por contrato todo negócio jurídico bilateral surgido por meio de um consentimento válido, emanado de vontades livres, pressupondo-se a conformidade com a ordem legal, visando a objetos específicos, ou seja, a produção de direitos61.

Impossível falar-se em liberdade de empreender economicamente e de associação sem se vislumbrar, implicitamente, a liberdade contratual, consagrada, há muito, pela legislação brasileira.

A existência de limites ao exercício da liberdade de contrato não retira de si o seu aspecto livre. A necessidade de observância da função social contratual, bem como de os pactuantes serem obrigados a preservar os princípios da probidade e da boa fé, exsurge para preservar outros interesses públicos, v.g., a proteção do consumidor.

Embora o Código Civil (CC) preveja diversas formas de contratos civis e

empresariais, as partes podem estipular, em regra, pactos atípicos, desde que aquelas sejam

capazes e estes tenham um objeto lícito, possível e determinável62.

No que compete aos contratos societários, a legislação pátria veda a contratação atípica de formas de Sociedade Empresária63, devendo os sócios optar pelo desígnio de um dos modelos existentes no diploma substantivo civil brasileiro, quais sejam:

60 “Art. 113. São princípios do direito comercial societário:

I – liberdade de associação; (...)”.

61 (RIZZARDO, Contratos 2004, p. 8.) 62 Código Civil.

“Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz;

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.

(...)

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

(...)

Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.”

63 Código Civil

(28)

sociedade em nome coletivo (arts. 1.039 - 1.044); sociedade em comandita simples (arts. 1.045 – 1.051);

sociedade limitada (arts.1.052 – 1.087); sociedade anônima (arts. 1.088 – 1.089);

sociedade em comandita por ações (arts. 1.090 – 1.092);

A escolha por um dos referidos modelos societários se dá de acordo com as preferências dos quotistas, v.g., quanto à responsabilidade civil, administração, visibilidade pessoal dos sócios e assembleias.

A pactuação de um dos modelos societários supradescritos sujeita os sócios a todas as normas que regem a ordem econômica, mormente os seus princípios, bem como às regras cogentes previstas pelo Código Civil, mantendo-se, sob esses parâmetros, a faculdade de os cotistas disciplinarem as necessidades específicas de seu empreendimento64.

2.2.4 Liberdade de ação profissional

Como já visto, foi sob a faceta da liberdade de ação profissional que a primeira Constituição republicana brasileira, em seu art. 72, § 24, fez referência à livre iniciativa.

Atualmente, a Lei Fundamental assevera a liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, observadas as qualificações profissionais estabelecidas pelo sistema jurídico constitucional e infraconstitucional, nos termos do seu art. 5º, XIII.

Malgrado a Constituição fale tão-somente em exercício, a liberdade ora enfocada abrange, também, a opçãopela profissão predileta. A regra é, portanto, o não embaraçamento às escolhas laborais, desde que não haja lei que estatua condições ou qualificações especiais para o exercício do trabalho.

Quando se fala em lei, deve-se entendê-la em sua acepção ampla, afinal, a própria Constituição Federal restringe o acesso a algumas funções públicas apenas a brasileiros – excluindo-se, assim, os estrangeiros residentes no país –, condicionando tal exercício, em regra, à aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos65.

64 “(...) a sociedade pode ser dissolvida judicialmente, por pedido de qualquer dos sócios, quando anulada a

sua constituição ou exaurido o fim social, ou, ainda, se verificada a sua inexeqüibilidade. Convém frisar, também, que o contrato social pode instituir outras causas de dissolução da sociedade, além das previstas em lei, as quais dependeram de declaração judicial, se forem contestadas [Tribunal de Justiça do

Estado do Paraná (TJPR), Apelação Cível n.º 2516298/PR, Relator: Desembargador Antônio Loyola Vieira, Nona Câmara Cível, Publicação: DJ, em 6-8-04.

65 (SILVA 2005, p. 257-258.)

(29)

Para o Supremo Tribunal Federal66, a limitação do exercício profissional só se justifica quando houver relevante necessidade de proteção da ordem pública ou dos direitos individuais, na eventualidade da atração de riscos sociais, como ocorre com os resultados práticos advindos da engenharia, da medicina e da advocacia.

2.3 PARÂMETROS HERMENÈUTICOS E INTEGRATIVOS PARA A CORRETA APLICAÇÃO DO DIREITO EM CONFLITOS ENVOLVENDO A LIVRE INICIATIVA.

2.3.1 Especificidades na interpretação do direito fundamental à livre iniciativa enquanto norma constitucional.

Para se dar a adequada aplicação ao direito fundamental à livre iniciativa, necessário se faz entender a interpretação como um processo aberto, não passivo de submissão, afinal, a amplitude das liberdades de contrato, associação, ação profissional e exercício de empresa confere ao intérprete um significativo espaço hermenêutico. Para tanto, cabe ao operador do direito a atualização e a estimulação constante do sentido dos direitos fundamentais67.

Esse comportamento positivo mostra-se justificado diante da existência de especificidades que singularizam as normas constitucionais, a saber68:

a superioridade jurídica, configurando-as como parâmetro de validade pelo

qual se afere a compatibilidade de uma norma com o restante do sistema;

(...)

§ 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos: I - de Presidente e Vice-Presidente da República; II - de Presidente da Câmara dos Deputados; III - de Presidente do Senado Federal;

IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal; V - da carreira diplomática;

VI - de oficial das Forças Armadas. VII - de Ministro de Estado da Defesa”. “Art. 37. (...)

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

(...).”

66STF, Recurso Extraordinário n.º 414426, Relatora: Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno, Publicação: DJ, em

12-8-11. Sobre o tema, LUIS EDUARDO SCHOUERI cita o exemplo alemão, onde se desenvolveu uma teoria gradativa (Stiifentlworíé), segundo a qual haveria ampla liberdade legislativa para regular o exercício de uma profissão, mas que esta seria menor quando se trata de impor requisitos subjetivos para o ingresso na atividade e, ainda menor, se tais requisitos forem objetivos. (SCHOUERI 2005, p. 102.)

(30)

a natureza da linguagem, dando-lhes maior abertura, abstração e menos densidade jurídica, possibilitando-se a integração pela legislação ordinária;

o conteúdo específico, seja de organização, de definição de direitos ou

programático;

o caráter político, uma vez que cabe ao direito constitucional o enquadramento

jurídico dos fatos políticos.

Em vista de tal singularidade, CANOTILHO69 sistematizou princípios instrumentais de interpretação constitucional, cuja análise deve anteceder a solução concreta das questões postas à análise do aplicador do direito, colacionando-os, sinteticamente e com a devida

vênia, nas linhas abaixo.

O princípio da supremacia da Constituição é aferido ante a superioridade jurídica

dos dispositivos da Lei Maior. Em razão dele, não pode o Código Civil, por exemplo, reger a sociedade limitada em desencontro à liberdade de iniciativa.

A seu turno, pelo princípio da interpretação conforme a Constituição, o aplicador da norma infraconstitucional, entre mais de uma interpretação possível, deverá buscar a mais compatível com a Carta Magna, ainda que não seja a que mais obviamente decorra do seu texto70.

Já o princípio da unidade da constituição impõe que a Lei Maior seja interpretada de forma a evitar contradições, antinomias e antagonismos entre suas normas, obrigando o hermeneuta a considerar aquela em sua globalidade, harmonizando os espaços de tensão existentes.

Para o princípio do efeito integrador, na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, deve-se priorizar os critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração

política e social da nação. Tal valor axiológico muito se assemelha ao princípio da

harmonização, que impõe a coordenação e a combinação dos bens jurídicos em conflito, de

forma a evitar o sacrifício total de uns em relação a outros.

Por fim, o princípio da máxima efetividade pretende atribuir à norma constitucional o sentido que lhe dê maior eficácia.

69 (CANOTILHO 2003, p. 1223-1227.)

(31)

2.3.2 Cânones da interpretação jurídica e o alcance da norma de decisão.

Compactuando com EROS GRAU71, a interpretação do Direito parte da compreensão dos textos normativos que devem ser ponderados para a resolução do caso, findando com a

escolha de uma determinada solução, consignada na norma de decisão – o pronunciamento

judicial de cunho decisório – v.g., decisões interlocutórias, sentenças, decisões monocráticas e acórdãos.

Ao contrário do que possa parecer, a interpretação e aplicação do direito não são etapas estanques do processo de criação da norma de decisão. Equivoca-se pensar a primeira como mera operação de subsunção para se chegar à segunda. O intérprete discerne o sentido do texto a partir de um determinado caso dado, consistindo sua tarefa – a interpretação – na concretização da lei – a aplicação. Trata-se, portanto, da mesma operação72.

Em outras palavras, a decisão judicial é, simplesmente, uma moldura do texto normativo em face do caso concreto, inexistindo soluções previamente estruturadas, como

produtos semi-industrializados em uma linha de montagem, para os problemas jurídicos73.

Partindo do abstrato ao concreto, o intérprete opera a inserção da lei (dever ser) na realidade (ser), escolhendo uma entre as várias possibilidades de interpretação. Por sua vez, esta não deve, necessariamente, conduzir a uma única solução como sendo a correta, mas, possivelmente, a uma pluralidade de resoluções de igual valor. Dizer que uma decisão judicial é fundada na lei significa que aquela se contém dentro da moldura que esta representa, e não que se trata da única decisão possível. Trata-se, tão-somente, de uma das normas de decisão que podem ser produzidas dentro da moldura da norma geral, em face dos fatos trazidos a Juízo74.

71 (GRAU, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito 2009, p. 26-28.) 72

(GRAU, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito 2009, p. 35.)

73 Nesse sentido, pondera EROS GRAU:O trabalho jurídico de construção da norma aplicável a cada caso é

trabalho artesanal. Cada solução jurídica, para cada caso, será sempre, renovadamente, uma nova solução. Por isso mesmo - e tal deve ser enfatizado -, a interpretação do direito realiza-se não como mero exercício de leitura de textos normativos, para o quê bastaria ao intérprete ser alfabetizado”(GRAU, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito 2009, p. 36.)

74 (KELSEN 1999, p. 247.) Discorda-se, aqui, da opinião de Eros Grau, que nega, peremptoriamente, a

existência de uma única resposta correta para o caso jurídico, ainda que o intérprete esteja, através dos princípios, vinculado pelo sistema jurídico. (GRAU, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito 2009, p. 108-109.) Entende-se que a possibilidade de haver várias soluções corretas – diferentes normas de decisão – para os casos submetidos à análise jurisdicional coexiste com a de haver uma única resposta

Referências

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