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A penhora frente às quotas intransferíveis a estranhos

4.2 PENHORA DE QUOTAS SOCIETÁRIAS

4.2.5 A penhora frente às quotas intransferíveis a estranhos

Ao tratar sobre a transferência de quotas (Capítulo 6.1), falou-se sobre o art. 1.057173 do diploma substantivo civil, que disciplina a cessão daquelas pelos sócios na omissão do

contrato social.

170 Código Civil

“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

171 Código Civil

“Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.”

172

Código de Processo Civil

“Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real;

II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;

III - nos demais casos expressos em lei.”

Código Penal

“Art. 179 - Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante queixa.”

173 “Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio,

independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social.

De fato, é imperioso o respeito à vontade livremente manifestada entre os quotistas quando das condições inicias do empreendimento. Como visto alhures, estes, ao decidir

exercer a liberdade de ação profissional em associação com outras pessoas, na forma de uma sociedade limitada, consideram atributos específicos dos seus sócios, como o empenho pessoal, a responsabilidade na condução de suas tarefas administrativas, a habilidade de negociação e o carisma com a clientela.

Consequentemente, se o contrato social impossibilitar a transferência de quotas a

terceiros, não haverá espaço para o cabimento do regramento legal, haja vista o caráter

supletivo deste.

Nesses casos, é comum entender-se a vedação da transferência a terceiros como um sinônimo de vedação à penhorabilidade, o que é um erro.

A proibição da transferência ou cessão de quotas a estranhos é permitida pelo art. 1.057, caput, do Código Civil. Difere da impenhorabilidade, diante da declaração voluntária da quota como bem não sujeito à execução, amparada pelo art. 649, I, do Código de Processo Civil.

Em outras palavras, é possível haver a penhora de quotas nas hipóteses de o

contrato social proibir, tão-somente, a transferência destas a estranhos ao capital social.

Como se sabe, a penhora é ato pré-executivo, pelo qual se individualiza determinado bem do patrimônio do devedor, que passa a se sujeitar, diretamente, à execução. Feita ela, a responsabilidade patrimonial geral (abstrata, abrangendo todo o patrimônio) é substituída por uma específica, contemplando um ou mais bens determinados – na espécie, as quotas –, que responderão pela satisfação do crédito.

Diante da penhora de uma quota societária que não possa ser transferida a estranho

ao capital social – o credor –, este não poderá adjudicá-la. Em contrapartida, sua satisfação será indireta, sob uma das seguintes formas:

pela remição da execução pelo próprio devedor, pagando ao credor a dívida exeqüenda;

pela aquisição da quota por qualquer outro quotista, no legítimo exercício do direito de preferência prévio à arrematação, inscrito no art. 685-A, § 4º174, do CPC; ou,

Parágrafo único. A cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes.”

174 “Art. 685-A. É lícito ao exeqüente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer lhe sejam

adjudicados os bens penhorados. (...)

pela liquidação da quota do devedor, verificada em balanço especialmente levantado, cujo valor resultante será depositado, em dinheiro, no juízo da execução, em até noventa dias após a dita apuração, conforme o art. 1026, Parágrafo Único175, e 1.031, caput176, do CC. Nessa hipótese, a sociedade limitada terá o seu capital social diminuído.

Observe-se que, em nenhum desses casos, a penhora terá o condão de transformar o credor em quotista, dado que ele não chegará a ingressar no quadro societário. Inconstitucional, por completa afronta à livre iniciativa, qualquer decisão judicial que insira, forçosamente, um novo quotista na sociedade, quebrando-se o sentido do vínculo contratual que uniu os empreendedores quando da constituição da sociedade limitada.

Em resumo, se o contrato social veda a cessão de quotas a estranhos ao quadro

societário, sem falar em não sujeição à execução ou, expressamente, em

impenhorabilidade, há a rendição deste direito patrimonial à penhora.

Penhorada a quota, em nenhuma hipótese esta poderá ser adjudicada pelo credor. Se o devedor não remir a execução e os demais quotistas restarem omissos no exercício do direito de preferência, caberá ao credor requerer, judicialmente, a liquidação da quota, e não a tomada da posição societária do quotista-devedor.

Anote-se que, de forma completamente descabida, o TJSP admitiu177, recentemente, a adjudicação de quotas societárias como forma de satisfação de dívida.

Ora, não é novidade que o sistema executivo brasileiro é pró-devedor, munindo-o com o uso de diversos meios, v.g., impugnações, embargos, pedidos de reconsideração, recursos e outros meios de impugnação, muitas vezes, com efeito suspensivo, para resguardar- lhe a “dignidade” e o “devido processo legal”.

§ 4º No caso de penhora de quota, procedida por exeqüente alheio à sociedade, esta será intimada, assegurando preferência aos sócios.

(...).”

175 “Art. 1.026. O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a

execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade, ou na parte que lhe tocar em liquidação.

Parágrafo único. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação.”

176 “Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota,

considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. (...).”

177 CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE. APURAÇÃO DE HAVERES.

ADJUDICAÇÃO DE QUOTAS SOCIAIS. CABIMENTO. EXECUÇÃO QUE SE ARRASTA HÁ MAIS DE

CINCO ANOS, SEM QUE O EXEQUENTE TENHA SEU CRÉDITO SATISFEITO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. (Agravo de Instrumento n.º 0504978-17.2010.8.26.0000, Relator: Desembargador Neves Amorim, Segunda Câmara de Direito Privado, Publicação: DJ, em 5-10-11).

Com isso, quer-se dizer que a falta de meios executivos eficientes não pode ser

justificativa para a adoção de normas de decisão inconstitucionais. No sistema jurídico brasileiro, a livre iniciativa é fundamento da República, da ordem econômica e direito

fundamental, sendo suas facetas equivalentes a todos os proclames inscritos no art. 5º da Lei Maior.

No caso estudado, acolher a adjudicação da quota por estranho ao capital social é

decisão tão inconstitucional quanto a ordem de prisão por dívida do executado. E poucas

pessoas diriam que a adoção desta última hipótese seria ineficiente, vide a prática do Direito de Família, na qual, em grande parte das vezes, o adimplemento das dívidas é feito ato contínuo à expedição do mandado de prisão.

Definitivamente, a sede de justiça não deve ser feita a custo dos valores constitucionais.