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4.3 DESTITUIÇÃO DE ADMINISTRADORES

4.3.4 Casuística

Pelo visto até aqui, o atual regramento legislativo brasileiro apenas permite o afastamento motivado do quotista-administrador cujo encargo fora assumido no contrato social por meio do reconhecimento judicial da existência de justa causa.

Todavia, ainda é frequente o proferimento de normas de decisão que colidem, frontalmente, com o disposto na norma legislativa, destituindo-se administradores de forma infundada e, portanto, arbitrária.

Em caso concreto tramitado perante a Comarca de Natal – RN227, por exemplo, os quotistas M.D.L. e E.S.A., representantes de 55% (cinquenta e cinco por cento) do capital

224

(BARBOSA FILHO 2008, p. 952-985.)

225 Código Civil

“Art. 1.078. A assembléia dos sócios deve realizar-se ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes à ao término do exercício social, com o objetivo de:

I - tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico; (...).”

226 (COELHO, Curso de Direito Comercial 2010, p. 444.)

227 Processo n.º 0413921-77.2010.8.20.0001, em tramitação perante a Décima Sétima Vara Cível da Comarca de

Natal, Estado do Rio Grande do Norte, Decisão publicada em 7-1-11. Inteiro teor: “M.D.L e outros, devidamente qualificados à inicial, através de procurador constituído, ajuizaram a presente Ação de Dissolução Parcial de Sociedade Comercial com pedido de liminar em desfavor de J.M.S., igualmente qualificada nos autos, pelas razões a seguir perfiladas. Os requerentes, juntamente com a então demandada, integram o quadro societário da

social, buscavam a dissolução parcial da sociedade limitada O.S.M. em face da também sócia- administradora J.M.S., titular de 45% (quarenta e cinco por cento) do capital social, que, tanto como o Autor M.D.L., fora constituída do encargo administrativo pelo Contrato Social.

Em juízo liminar, J.M.S. foi afastada da administração da O.S.M., constando, na referida decisão, os seguintes fundamentos: (i) os autores alegaram o cometimento de faltas

graves por J.M.S, quebrando-se a affectio societatis; (ii) seria impossível, antes do

contraditório, afirmar se houve faltas graves que inviabilizassem a operacionalização do objeto social da O.S.M.; e (iii) apesar disso, o pedido liminar deveria ser provido ante as

alegações de inviabilidade do objeto social, da importância e primazia das atividades e o requerimento da maioria do capital social.

empresa O.S.M., conforme aditivo quarto do contrato social (fls. 37/43). Contudo, alegam os demandantes que nos últimos meses não mais subsiste o elemento da "affectio societatis", tornando-se irrealizável a persecução do objeto social da empresa em virtude de inúmeros desentendimentos administrativos da ré com os demais sócios, ora demandantes. Para tanto, corrobora a quebra da confiabilidade societária com ata de mediação de reclamação trabalhista interposta por prepostas da empresa O.S.M. às fls. 96/97. Prossegue narrando que a sócia demandada apresentou notificação, em 17 de setembro de 2010, com a intenção de retirar-se da sociedade, apresentando proposta para venda de suas cotas sociais, impondo, entretanto, condições que, segundo os autores, seriam "exorbitantes e irreais" (segundo parágrafo da fl. 05 da exordial). Em razão da quebra da "affectio societatis", pleiteiam os autores, em sede de antecipação dos efeitos da tutela, para determinar este Juízo a exclusão da sócia J.M.S. do quadro societário da empresa O.S.M. com o depósito judicial de 50% do valor da cota-parte da ré, ou, assim não entendendo, seja concedido a administração plena da empresa para o sócio majoritário e demandante M.D.L.. Ao fim, pleiteia pela anutenção da liminar com a consequente exclusão da ré do quadro de sócios da referida empresa.É o que importa. Decido o pedido de antecipação de tutela. Preocupando-se com a questão do tempo no processo, e observando que o autor sofre, não raro, terríveis prejuízos enquanto aguarda a solução final do litígio, o legislador alterou o Código de Processo Civil, criando o instituto da antecipação da tutela. De acordo com o artigo 273 do CPC, a antecipação da tutela é cabível quando presentes os seguintes requisitos: a) requerimento da parte; b) produção de prova inequívoca dos fatos arrolados na inicial; c) convencimento do juiz em torno da verossimilhança da alegação da parte; d) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou e) caracterização de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, f) possibilidade de reverter a medida antecipada. Examine-se a presença dos requisitos supra no caso em análise. Trata-se o presente pleito de hipótese de resolução de sociedade em relação a um dos sócios, conforme previsão legal do art. 1.030 do novel Código Civil. Da dicção do dispositivo alhures, prevê-se para a exclusão judicial de sócio, além da iniciativa da maioria dos sócios, por falta grave no cumprimento das obrigações ou, ainda, mediante incapacidade superveniente. Neste mesmo sentido, seu parágrafo único autoriza a exclusão do sócio declarado falido ou cuja quota tenha sido liquidada. Justificam os autores o cometimento de faltas graves por parte da sócia J.M.S., o que provocou a quebra do vínculo de afetividade e confiança que mantém íntegra a sociedade. Inclusive, aqui, mencionam a vontade da sócia demandada de sair da sociedade, vez que apresentou notificação de proposta para venda de seus quota-partes. Da análise das disposições fáticas e dos documentos carreados aos autos, constato a impossibilidade de se analisar o preenchimento de qualquer dos requisitos delineados antes de explicações da parte contrária a despeito da quebra da affectio societatis e das práticas que vem inviabilizando a operacionalização do objeto social. Perceba-se que a antecipação dos efeitos da tutela sem a oitiva da parte contrária constitui exceção ao princípio do contraditório, somente justificável em casos de extrema urgência, não vislumbrada no caso em exame, razão pela qual deixo para apreciar o pedido de antecipação da exclusão da sócia J.M.S. após a contestação. Ademais, cabível autorização de plena administração aos sócios M.D.L. e E.S.A., diante das alegações de inviabilidade do objeto social, além da importância e primazia das atividades exercidas pela empresa demandante. Frise-se, por oportuno, que tal requerimento é consentido pelos sócios demandantes os quais, juntos, detém maioria societária, superando a participação da demandada. Pelo exposto, defiro, em parte, o pedido de tutela antecipada a fim de autorizar a administração plena da sociedade O.S.M. pelos sócios M.D.L. e E.S.A., conjuntamente, os quais poderão, praticar atos em nome da sociedade, salvo de alienação de bens imóveis e automóveis, e poderão movimentar a conta bancária da sociedade, independentemente da assinatura de J.M.S.L.L.F”.

Pelo Decisum, os autores não conseguiram demonstrar a existência de justa causa apta a subsidiar suas pretensões.

Mesmo assim, contraditoriamente, o Poder Judiciário concluiu ser cabível o afastamento da quotista J.M.S. da administração da Sociedade Empresária, diante das alegações de inviabilidade do objeto social, da importância e primazia das atividades exercidas pela O.S.M., e do fato de o requerimento ser consentido por sócios que, juntos, detinham a maioria das quotas societárias.

Ora, o próprio intérprete afirmou que as alegações autorais não foram suficientes para constatar o cometimento de faltas graves por J.M.S. De outro lado, pela redação do Código Civil, somente a verossimilhança e a existência de provas inequívocas quanto à existência das faltas graves, na forma excesso de poderes, falta de cuidado e diligência, dever de lealdade ou falha na prestação de contas, seriam suficientes para o afastamento motivado de um quotista-administrador, dada a configuração da justa causa.

Errou, então, o Poder Judiciário? Em grau finalístico, não.

Malgrado tenha atingido a um propósito constitucional, o Decisum supracitado é eivado de um vício de meio – na fundamentação –, o que ensejou o combate ao seu conteúdo pela via do Agravo de Instrumento.

A citada intervenção judicial contemplou o direito fundamental à livre iniciativa, pois foi ao encontro dos interesses das maiorias quantitativa – dois sócios – e

qualitativa – 55% – da composição societária, respeitando as livres manifestações de

associação e contrato dos quotistas.

Todavia, simultaneamente, vilipendiou o diploma substantivo civil, desatendendo seus requisitos em relação ao escopo autoral proposto.

Com isso, quer-se dizer que, nas hipóteses em que o afastamento judicial do

quotista-administrador for um pleito oriundo da vontade majoritária do capital social, a exigência de prova de justa causa será inconstitucional.

Do outro lado, quando se trata do pleito da vontade minoritária, a exigência da prova da justa causa revela-se imperiosa, sob pena de se dar à minoria o poder de controlar as decisões da sociedade por via transversa, contrariando a lógica e os objetivos dos que exerceram, em conjunto e nos termos do contrato social, a liberdade de associação e desenvolvimento de atividade econômica.

Assim, enquanto o art. 1.019 do CC não sofrer a devida reforma, far-se-á proeminente que o juiz criador das normas de decisão envoltas à aplicação daquele dispositivo

perfaçam a cabível interpretação conforme à Constituição, conferindo máxima efetividade ao direito fundamental à livre iniciativa.