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4.4 NOMEAÇÃO DE ADMINISTRADORES JUDICIAIS

4.4.4 Em busca de parâmetros para a atuação dos administradores judiciais em conflitos societários

4.4.4.5 Intervenção em conflitos societários

4.4.4.5.2 A escolha do administrador judicial

Na legislação brasileira, apenas a Lei Federal n.º 11.101/05 expõe aspectos

qualitativos relativos à pessoa do administrador judicial, sendo quatro os requisitos: (i)

idoneidade (art. 21, caput263); (ii) não ter sido destituído, deixado de prestar contas ou ter

tido a prestação de contas rejeitada no exercício do encargo de administrador judicial nos cinco anos anteriores à nomeação (art. 30, caput264); (iii) atuação profissional regular,

preferencialmente, como advogado, economista, contador ou administrador, facultando-se, ainda, a assunção do encargo por pessoa jurídica especializada (art. 21, caput); e (iv) não ter

relação de parentesco ou afinidade, até o terceiro grau, com o devedor, seus

263 “Art. 21. O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista,

administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada.”

264 “Art. 30. Não poderá integrar o Comitê ou exercer as funções de administrador judicial quem, nos últimos 5

(cinco) anos, no exercício do cargo de administrador judicial ou de membro do Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi destituído, deixou de prestar contas dentro dos prazos legais ou teve a prestação de contas desaprovada.

administradores, controladores ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente (art. 30, § 1º265).

Idoneidade é a qualificação técnica e moral para o desempenho do encargo administrativo. Deve-se ter, no mínimo, a verossimilhança da honestidade e aptidão do nomeado, afinal, será investido de um múnus público de grande responsabilidade, auxiliando o Poder Judiciário a intervir, corretamente, no direito fundamental à livre iniciativa. Aliás, a

destituição, a falha ou a rejeição na prestação de contas também são fatores que apontariam a ausência de idoneidade.

Quanto à formação do interventor judicial, convém ressaltar que a Lei Federal n.º 4.769, de 9 de setembro de 1965266, não deixa dúvidas de que as possíveis demandas a ser enfrentadas no processo se enquadram nas competências dos técnicos em administração267, profissão de exercício privativo dos bacharéis nesta ciência268.

Outra não é a redação do art. 1.º do Decreto n.º 61.934, de 22 de dezembro de 1967269, pelo qual o desempenho das atividades de Administração, em qualquer de seus

265 Art. 30. (...)

(...)

§ 1º Ficará também impedido de integrar o Comitê ou exercer a função de administrador judicial quem tiver relação de parentesco ou afinidade até o 3º (terceiro) grau com o devedor, seus administradores, controladores ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente.

(...)”.

266 “Dispõe sobre o exercício da profissão de Técnico de Administração, e dá outras providências.”

267 “Art 2º A atividade profissional de Técnico de Administração será exercida, como profissão liberal ou não,

mediante:

a) pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens, laudos, assessoria em geral, chefia intermediária, direção superior;

b) pesquisas, estudos, análise, interpretação, planejamento, implantação, coordenação e controle dos trabalhos nos campos da administração, como administração e seleção de pessoal, organização e métodos, orçamentos, administração de material, administração financeira, relações públicas, administração mercadológica, administração de produção, relações industriais, bem como outros campos em que esses se desdobrem ou aos quais sejam conexos.”

268 “Art 3º O exercício da profissão de Técnico de Administração é privativo:

a) dos bacharéis em Administração Pública ou de Empresas, diplomados no Brasil, em cursos regulares de ensino superior, oficial, oficializado ou reconhecido, cujo currículo seja fixado pelo Conselho Federal de Educação, nos termos da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961;

b) dos diplomados no exterior, em cursos regulares de Administração, após a revalidação do diploma no Ministério da Educação e Cultura, bem como dos diplomados, até à fixação do referido currículo, por cursos de bacharelado em Administração, devidamente reconhecidos;

c) dos que, embora não diplomados nos termos das alíneas anteriores, ou diplomados em outros cursos superiores e de ensino médio, contem, na data da vigência desta lei, cinco anos, ou mais, de atividades próprias no campo profissional de Técnico de Administração definido no art. 2º.

Parágrafo único. A aplicação deste artigo não prejudicará a situação dos que, até a data da publicação desta Lei, ocupem o cargo de Técnico de Administração, os quais gozarão de todos os direitos e prerrogativas estabelecidos neste diploma legal.”

269 “Dispõe sobre a regulamentação do exercício da profissão de Técnico de Administração e a constituição ao

Conselho Federal de Técnicos de Administração, de acôrdo com a Lei nº 4.769, de 9 de Setembro de 1965 e dá outras providências”.

campos, constitui o objeto da profissão liberal de técnicos de Administração, de nível superior.

Por conseguinte, fora do direito falimentar, a nomeação de profissionais com graduação não-administrativa, além de ilegal, pode trazer incongruências e prejudicar ainda mais a sociedade limitada, exacerbando os motivos que geraram o conflito societário, dado que advogados, economistas e contadores, a princípio, não têm em seus currículos a formação em gestão necessária às intervenções em cogestão e substitutiva.

Nesse liame, parece mais prudente facultar-se ao administrador profissional nomeado, se este entender necessário, a contratação de auxiliares de outros ramos do conhecimento, por analogia ao art. 22, I, h270, da Lei Federal n.º 11.101/05.

Anote-se, ainda, que a lei impede a nomeação do administrador que tenha relação de parentesco, amizade, inimizade, dependência ou afinidade, até o terceiro grau, com as partes

do conflito. Todavia, convém indagar: as regras de impedimento também se aplicam às

relações entre o interventor judicial e o juiz?

Vejamos.

Descritas nos arts. 134 e 135271 do CPC, as hipóteses de impedimento e suspeição dos magistrados também se aplicam aos auxiliares da justiça, entre eles, o administrador judicial272.

270 “Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres

que esta Lei lhe impõe:

I – na recuperação judicial e na falência: (...)

h) contratar, mediante autorização judicial, profissionais ou empresas especializadas para, quando necessário, auxiliá-lo no exercício de suas funções;

(...)”.

271 “Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:

I - de que for parte;

II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;

III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;

IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;

V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;

VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.

Parágrafo único. No caso do no IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz. Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:

I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;

II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;

III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;

IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;

Note-se que o CPC não faz menção aos problemas advindos do relacionamento

entre os auxiliares da justiça e os magistrados. As máximas de impedimento e suspeição

são relacionadas entre estes e as partes. Nesse sentido, há muito, se posiciona o STJ273. Ocorre que, como os motivos de impedimento e de suspeição também se aplicam aos auxiliares da justiça, os Tribunais Regionais Federais, divergindo do STJ, vêm estendendo, àqueles, a aplicação do art. 136 do CPC, pelo qual quando dois ou mais juízes forem parentes,

consanguíneos ou afins, em linha reta e no segundo grau na linha colateral, o primeiro, que conhecer da causa no tribunal, impede que o outro participe do julgamento; caso em que o segundo se escusará, remetendo o processo ao seu substituto legal.

Em outras palavras, obedecidos os parâmetros supracitados, do mesmo modo que dois juízes parentes não podem julgar o mesmo caso em primeira e segunda instância, os

Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.”

272 CPC

“Art. 138. Aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição:

I - ao órgão do Ministério Público, quando não for parte, e, sendo parte, nos casos previstos nos ns. I a IV do art. 135;

II - ao serventuário de justiça; III - ao perito;

IV - ao intérprete. (...)”

“Se interpretássemos o art. 138 como taxativo, deixaríamos fora dele o contador, o partidor e outros auxiliares da Justiça. Como seria de acolher-se que pudesse ser contador, avaliador, partidor ou outro auxiliar da Justiça, que foi parte na ação (art. 134, 1), ou procurador da parte, ou depoente como testemunha (art. 134, II), ou juiz que conheceu da causa em primeiro grau e algo decidiu ou proferiu (art. 134, III), ou se advogado da causa, seu cônjuge ou qualquer parte conforme art. 134,1V, ou se é cônjuge, ou parente de alguma das partes conforme o art. 134, V, ou órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica parte na causa? Em qualquer das

espécies há impedimento do auxiliar da Justiça. Dá-se o mesmo quanto à suspeição.” (Grifou-se). (PONTES

DE MIRANDA, Comentários ao Código de Processo Civil 2003, p. 398.)

273 PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS

DE REFORMA AGRÁRIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. PARENTESCO

ENTRE O PERITO E O JUIZ. SUSPEIÇÃO NÃO-ARGÜIDA NO MOMENTO OPORTUNO.

PRECLUSÃO. AFASTAMENTO DA NULIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO SEM CARÁTER PROTELATÓRIO. EXCLUSÃO DA MULTA. (...) 3. As hipóteses de impedimento e suspeição do juiz estão expressamente previstas nos arts. 134 e 135 do CPC, sendo certo que os motivos de impedimento e de suspeição do juiz também são aplicáveis ao perito, por força do disposto no inciso III do art. 138 do mesmo código. Deve ser observada, ainda, a norma contida no art. 136 da Lei Processual Civil. 4. O legislador, ao definir as

hipóteses de suspeição e impedimento, atentou apenas para as possíveis relações existentes entre o juiz e as partes do processo, ou, conforme o art.138, III, do CPC, entre as partes e o perito, nada dispondo acerca de eventuais vínculos, seja de que natureza for, entre o juiz e os seus auxiliares (peritos, serventuários, intérpretes etc). 5. Uma vez nomeado para oficiar nos autos, o perito, sendo irmão do juiz que o nomeou,

poderia até mesmo - o que seria uma atitude louvável - declarar a sua suspeição por motivo de foro íntimo, nos termos do parágrafo único do art. 135 acima transcrito. 6. Tratando-se, todavia, de hipótese de suspeição, esta deve ser argüida em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos, sob pena de preclusão (CPC, art. 138, § 1º). 7. Assim, conquanto não constitua exemplo de

ética profissional, não há na lei processual civil nada que impeça o juiz de nomear o seu próprio irmão para oficiar nos autos como seu assistente, não sendo causa suficiente, portanto, para se declarar, de ofício, a nulidade do julgamento. (...). (Grifou-se). (Recurso Especial n.º 906.598/MT, Relatora: Ministra

Denise Arruda, Primeira Turma, Publicação: DJ, em 2-8-07). No mesmo sentido, Recurso Especial n.º 945.724/MT, Relator: Ministro José Delgado, Primeira Turma, Publicação: DJ, em 23-6-08; e Recurso Especial n.º 876.942/MT, Relator: Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, Publicação: DJ, em 31-8-09.

auxiliares da justiça não poderiam oficiar no mesmo processo de magistrados com os quais mantenham laços consanguíneos ou por afinidade. Nessa linha, já decidiu, repetidamente, o

Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1)274.

Concorda-se com a posição do TRF1. Permitir a assunção de funções auxiliares ao Poder Judiciário por parentes e amigos dos magistrados que oficiam no processo viola as regras de impedimento e suspeição inscritas no CPC e, em maior grau, a própria moralidade constitucionalmente275 exigida da administração judiciária.

Destarte, em consonância com os valores albergados pelo sistema constitucional brasileiro, perfazendo-se uma hermenêutica analógica e sistemática, entende-se que a escolha do administrador judicial interventor nos conflitos societários, deve recair sobre pessoa:

idônea;

com formação em Administração; e

sem relação conjugal, creditícia, sucessória, de amizade, inimizade, interesse, dependência, parentesco ou afinidade, até o terceiro grau, com os quotistas envolvidos ou com o magistrado-nomeante;